Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 125/2022-T
Data da decisão: 2022-10-04  IRC  
Valor do pedido: € 237.067,62
Tema: IRC benefícios fiscais - encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho, a considerar no apuramento do lucro tributável daquele imposto.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 26 de abril de 2023, recurso n.º 154/22.5BALSB que fixa jurisprudência
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Sumário

a)     De acordo com o n.º 1 do art.º 17º do EBF, na numeração e redação que vigoraram durante o exercício de 2002, o direito ao benefício fiscal aí previsto depende da criação líquida dos postos de trabalho, interpretada no sentido da diferença positiva, apurada, no termo de cada exercício, entre as contratações efetuadas e o número de saídas de jovens de idade não superior a 30 anos nesse período;

b)    A substituição do trabalhador por causa não imputável à entidade patronal, que vise comprovadamente a manutenção do emprego criado, não implica qualquer violação do dever de manutenção do emprego, bem como da consequente obrigação de a entidade patronal assegurar uma empregabilidade duradoira e estável;

c)     Assim, os trabalhadores substituídos por causa não imputável à entidade patronal não entram no cômputo da criação líquida de postos de trabalho a que se refere o nº 1 daquela norma do EBF;

d)    É condição do benefício do art.º 17º do EBF que a entidade empregadora mantenha o emprego criado no prazo de cinco anos, mas não necessariamente que durante esses cinco anos os postos de trabalho criados sejam ocupados pelos mesmos trabalhadores;

e)     Com efeito, no regime do art.º 17º do EBF, a estabilidade do emprego fica assegurada pela não sujeição a termo do contrato inicial e não pela proibição da substituição no prazo da vigência do benefício do trabalhador inicialmente contratado por outro trabalhador nas mesmas condições.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I-              RELATÓRIO 

1. Identificação das Partes

1.1. Requerente

A..., sociedade em nome coletivo, pessoa coletiva e contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ... .

1.2 . Requerida

Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) representada pelos drs. B... e C..., designados a 4/4/2022.

2. Tramitação e constituição do Tribuna Arbitral

2.1. A Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral a 2/3/2022, que seria comunicado à Requerida no dia seguinte.

2.2. No pedido, a Requerente manifestaria a intenção de nomeação de árbitro, tendo indicado o dr. Pedro Miguel Abreu Marques que, a 20/3/2022, aceitou o encargo.

2.3. A 3/5/2022, a AT indicou para árbitro o dr. António Barros Lima Guerreiro que nesse dia aceitou o encargo.

2.4. Os árbitros indicados pela Requerente e pela Requerida escolheram para presidente do tribunal arbitral o Desembargador Macaísta Malheiros que, a 10/5/2022, aceitaria o encargo.

2.5. O Tribunal Arbitral foi constituído por despacho do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD de 31/5/2022.

2.6. Constituído o Tribunal Arbitral, a Requerida seria de imediato notificada, na pessoa da diretora- geral da AT, para nos termos do art.º 17º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no prazo de 30 dias, apresentar resposta, requerer, se entendesse necessário, prova adicional e enviar integralmente o Processo Administrativo (PA).

2.7. A AT apresentou a sua contestação a 3/7/2022 e nessa mesma data juntou aos autos o PA.

2.8. A 18/8/2022, o Presidente do Tribunal Arbitral dispensaria a reunião prevista no nº 1 do art.º 18º do RJAT e definiria a ulterior tramitação do processo.

3. O Pedido

Pede a Requerente a apreciação da legalidade da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa n.º ...2020... da autoliquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) do exercício de 2002 de 30/7/2003, deduzido a 28/7/2006, que seria notificada à Requerente a 16/11/2021, e, consequentemente, que o Tribunal Arbitral:

 

a)     Declare a anulação da decisão de indeferimento parcial do pedido de revisão oficiosa n.º ...2020..., na medida em que recusou a dedução relativa ao benefício da criação líquida de postos de trabalho (CLPT) prevista no então art.º 17º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), com fundamento na alegada substituição dos trabalhadores inicialmente considerados durante o exercício de 2002;

b)    Consequentemente, condene a AT a deduzir no Quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC desse exercício o montante de € 237.067,62 e rever a liquidação do imposto consequente dessa dedução;

c)     Reconheça à Requerente o direito ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago por erro na autoliquidação, em resultado da correção supra e, bem assim;

d)    Reconheça à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos art.ºs 43.º e 100.º da Lei Geral Tributária (LGT).

 

4. Posição das partes

4.1 Posição da Requerente

A Requerente defende que, verificando-se a saída - durante a vigência do benefício fiscal previsto do art.º 17º do EBF - do trabalhador inicialmente contratado, por causa não imputável à entidade patronal, o posto de trabalho tornado disponível poderia ainda ser preenchido por outro trabalhador jovem, sem quaisquer reflexos no direito a esse benefício.

Considera que, por o benefício do art.º 17º do EBF ser atribuído ao posto de trabalho criado e não pessoalmente ao colaborador contratado / selecionado, como refletiria, aliás, a epígrafe desse preceito legal “Criação de emprego para jovens”, o respetivo direito não ficaria prejudicado com essa substituição, desde que os trabalhadores substitutos, jovens de idade não superior a 30 anos, preenchessem os requisitos aplicáveis aos trabalhadores substituídos a quando da sua contratação nas mesmas condições.

Sendo o benefício atribuído ao posto de trabalho criado e não ao concreto colaborador / contrato selecionado para efeitos de majoração, não pode assim ser colocado em causa quando o mesmo posto de trabalho, vago por iniciativa do trabalhador inicialmente selecionado, seja ocupado por outro trabalhador nas mesmas condições, que se candidatou ao emprego simultaneamente com o primeiro trabalhador.

A interpretação da Requerida viola os princípios da coerência sistemática e da boa-fé, na vertente da tutela da confiança e boa-fé (Acórdão do STA de 19/10/2011, Proc. 0607/11 e Decisões Arbitrais nº 57/2017-T e n.º 245/2021- T).

 

4.2 Posição da Requerida

Afirma a Requerida que a Requerente alega factos sem que deles faça prova, conforme lhe é exigido pela lei.

Na verdade, a majoração prevista no n.º 1 do art.º 48º-A do EBF, aditado pelo art.º 1º da Lei nº 72/98, de 3/11, estaria, para a Requerida, dependente da vigência do contrato de trabalho que lhe deu origem, não podendo por isso ser associada a outro com outro início de vigência e celebrado com um trabalhador diferente.

Tal direito extinguir-se-ia com a cessação desse contrato ainda que a saída do trabalhador se devesse a iniciativa deste ou a causas objetivas e o trabalhador fosse substituído por outro com idade inferior a 30 anos.

A interpretação da Requerente contrariaria também o elemento histórico, ilustrado pela intervenção de um dos autores da proposta de lei que deu origem à Lei nº 73/98, de 3/11, no Plenário da Assembleia da República: “Esta medida visa, fundamentalmente, incentivar diretamente a criação e a estabilidade de novos postos de trabalho, uma vez que daí resultam benefícios em IRC”.

Segundo a Requerida, o benefício fiscal, dado o seu carácter pessoal, seria circunscrito temporalmente ao período de cinco anos iniciado com a vigência do contrato de trabalho dos jovens trabalhadores selecionados.

O posto de trabalho assim criado apenas poderia ser ocupado por um único trabalhador, ao contrário do que pretende a Requerente, pelo que o pedido de pronúncia arbitral deveria ser considerado improcedente.

 

5. Saneamento

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do art.º 2º do RJAT.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão legalmente representadas.

Não foram invocadas quaisquer nulidades ou anulabilidades de que o Tribunal deva conhecer de imediato.

 

6. Fundamentação de facto

6.1. Factos Provados

Na Declaração modelo 22 relativa ao período de tributação de 2002, apresentada a 30/7/2003 que, por a Requerente ter adotado um período de tributação diferente ao ano civil nos termos do nº 1 do art.º 8º do CIRC, correu entre 1/3/2002 e 28/2/2003, a Requerente auto-liquidou IRC no montante de € 10.281.632,63.

A 28/7/2006, invocando os nº 1 e 2 do art.º 78º da LGT, solicitou a revisão oficiosa parcial dessa autoliquidação junto do ... serviço de finanças do concelho de ... .

Nessa autoliquidação, a Requerente não teria considerado indevidamente a dedução ao resultado tributável de € 5.152,937,80, relativa ao benefício fiscal de criação líquida de novos postos de trabalho.

A 18/3/2008, o chefe do ... serviço de finanças do concelho de ... indeferiria o pedido de revisão oficiosa, com o fundamento da inaplicabilidade do nº 2 do art.º 78º da LGT, por incumprimento do ónus de reclamar ou impugnar no prazo legal a que se referia a parte final dessa norma legal. Segundo a AT, a Requerente não teria previamente reclamado da autoliquidação no prazo previsto no nº 1 do art.º 131º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), como devia ter feito.

A 14/6/2008, a Requerente deduziria recurso hierárquico desse indeferimento para o diretor-geral da AT.

Tal recurso hierárquico seria indeferido por despacho do subdiretor-geral dos impostos em substituição, a 19/1/2009.

Tal despacho seria notificado à Requerente a 3/4/2009.

A 2/7/2009, a Requerente interporia ação administrativa especial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra - 1ª Unidade Orgânica, visando a anulação desse indeferimento; que receberia o nº 755/09.BESNT.

Tal ação foi decidida a 7/10/2020 e a decisão transitaria em julgado a 10/11/2020.

Essa ação condenaria a AT a conhecer da pretensão da Requerente, ficando assim prejudicada a invocada exceção da intempestividade do pedido de revisão administrativa.

Em cumprimento da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, a 17/11/2020 a Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRC) solicitou à Requerente mapa comprovativo dos postos de trabalho criados entre 1998 e 2002, relação discriminada dos encargos mensais por cada trabalhador inicialmente selecionado, incluindo horas de trabalho por semana, tipo de atividade e as datas do início e termo do benefício, e os mapas relativos ao beneficio auferido por cada trabalhador. Tal solicitação seria satisfeita pela ora Requerente a 3/3/2021.

Com base nos elementos entretanto enviados pela Requerente, a 6/11/2021, por subdelegação, o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes que, entretanto, recebera legalmente essa competência da UGC em cumprimento de despacho da diretora- geral da AT de 28/9/2021, entenderia ser de deferir parcialmente o pedido de revisão oficiosa, adicionando ao Campo 234 do Quadro 07 da Declaração modelo 22 a dedução de € 4.906.73,36 e não a dedução requerida, de € 5.512.937,80.

Desses 1.225 trabalhadores, a AT excluiria 174, por, em seu entendimento, não estarem preenchidos os requisitos do então art.º 17º do EBF.

Tais trabalhadores tinham sido contratados a termo e, indevidamente, a Requerente teria considerado que a conversão desses contratos sem termo em contratos a termo prejudicaria o direito à dedução, quando estava abrangido por ela.

Em conformidade com esse deferimento apenas parcial, com fundamento na alínea c) do nº 1 do art.º 43º da LGT, seriam apurados a favor da Requerente € 921.710,6 de juros indemnizatórios, contados a partir de 29/7/2006.

Assim, ao invés de atender à totalidade da correção solicitada pela Requerente, que ascendia a € 7.734.910,24, a AT apenas considerou passíveis da redução pretendida € 4.906.730,36, indeferindo a dedução do montante de € 246.206,85.

Deste montante indeferido, é objeto do presente pedido de pronuncia arbitral o montante de € 237.067,62.

 

6.2. Factos não provados

Não se consideram não provados quaisquer factos relevantes para o conhecimento da causa.

 

6.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. n.º 2 do art.º 123.º do CPPT e n.º 3 do art.º 607.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi alíneas a) e), do nº 1 do art.º 29º do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. n.º 1 do art.º 511.º do CPC, correspondente ao atual art.º 596.º, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do art.º 29.ºdo RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do art.º 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

7. Direito aplicável 

Na redação inicial do art.º 1 da Lei nº 72/98, o art.º 48.º-A do EBF dispunha o seguinte:

“1 – Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%. 

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo dos encargos mensais, por posto de trabalho, é de 14 vezes o ordenado mínimo nacional. 

3 - A majoração referida no nº 1 terá lugar durante um período de cinco anos a contar da vigência do contrato de trabalho.”

O art.º 56º da Lei nº 3-B/2000, de 4/4, alteraria o nº 3, passando os 5 anos aí referidos a contar-se a partir do início da vigência do contrato de trabalho.

Esse art.º 48º- A foi renumerado pelo art.º 1º do DL n.º 198/2001, de 3/7, como art.º 17º. 

O benefício fiscal referido nessa norma legal replica incentivo semelhante que constava do anterior regime da tributação cedular (dedução ao lucro tributável da contribuição industrial em função do número de postos de trabalho criados e mantidos por um período mínimo, independentemente de respeitarem ou não a jovens ou desempregados de longa duração), mas não seria reposto aquando da reforma da tributação de rendimento de 1989. Posteriormente à sua introdução, o nº 1 do art.º 38º da Lei nº 32-B/2002, de 31/12, com o objetivo de contenção da elevada despesa fiscal desse benefício, reduziria substancialmente o montante máximo dos encargos dedutíveis por posto de trabalho, estabelecido no nº 2 do art.º 48º-A, que passariam a ser mensurados anualmente e não mensalmente, como até à sua entrada em vigor. 

Esse art.º 17º voltaria a ser revisto pelo art.º 82º da Lei nº 53-/2006, de 29/12, que seguiria essencialmente as recomendações do Grupo de Trabalho criado por despacho de 1/5/2005 do Ministro das Finanças, que viriam a integrar o Relatório “Reavaliação dos Benefícios Fiscais”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 198, Lisboa, 2005, págs. 197 a 203.

De acordo com a nova redação do nº 1 dessa norma, o benefício fiscal passaria a abranger os encargos com a criação líquida de posto de trabalho para desempregados de longa duração, até então não incluídos nessa norma, que apenas abrangia o emprego jovem.

O art.º 5º do DL nº 108/208, de 26/6, renumeraria o art.º 17, como art.º 19º, que seria expressamente revogado pelo art.º 4º da Lei nº 43/2018, de 9/8.

Assim, aquando dos factos objeto do presente benefício fiscal, o benefício abrangia apenas o emprego jovem.

Está em causa se constituí fundamento suficiente da recusa do benefício a alegação e prova da substituição dos trabalhadores inicialmente abrangidos, ainda quando efetuada no prazo de vigência do benefício que, por natureza, não represente qualquer decréscimo dos postos de trabalho criados, nos termos da legislação aplicável, sendo antes necessária à conservação desses empregos.

 O EBF não definiu diretamente o que deve entender-se por “criação líquida de postos de trabalho” ou, na expressão também utilizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em matéria de auxílios de estado, o que deve entender-se por “criação líquida de emprego”.

Caso do art.º 17º do EBF não se possa extrair uma definição implícita de criação líquida de emprego, aplicando o nº 2 do art.º 11º da LGT, de acordo com o qual, sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei. 

Como se escreve no Acórdão no 723/06, de 11/10/2006, citado no Acórdão de 23/9/2009, proc. 0248/09, que decidiu em sentido idêntico.

“O conceito de «criação líquida de postos de trabalho» não é próprio de qualquer ramo do direito e, por isso, não se pode aplicar-se em matéria fiscal, ao abrigo do n.º 2 daquele art.º 11.º, a definição de tal conceito dada noutro diploma, para efeitos não fiscais, pelo mero facto de aí ser fornecida. Assim, a expressão «criação líquida de postos detrabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos» tem de ser interpretada, por força do disposto no n.º 1 daquele art.º 11.º, à luz dos critérios gerais de interpretação das leis, enunciados no art.º 9.º do Código Civil. Entre os elementos interpretativos a ter em conta na interpretação, incluem-se a consideração da unidade do sistema jurídico e das circunstâncias em que a lei foi elaborada, referidos no n.º 1 daquele art.º 9.º. O princípio da unidade do sistema jurídico reclama a consagração legislativa de soluções coerentes e a consideração das circunstâncias em que a lei foi elaborada impõe que se atenda à evolução legislativa que antecedeu a norma interpretada. O referido art.º 48.º-A criou incentivo à criação de emprego para jovens, pelo que deverá ter-se em conta a política legislativa de incentivos com esse fim, que vinha sendo seguida”.

Essa posição tinha sido também seguida pelo Acórdão de 25/2/2009, proc. 0916/08.

Nessa medida, tal orientação jurisprudencial consideraria que a conversão de contratos a termo em contratos sem termo, por não consubstanciar qualquer criação líquida de emprego não estava abrangida pelo benefício.

Diferentemente dos Acórdãos anteriores, ainda que recaindo sobre factos diferentes, Acórdãos do STA de 20/2/2019, proc. 095/16.5BESTT 0823/16 de 9/3/2022, proc. 03122/15.0BESNT admitiriam, ainda que implicitamente, o nº 3 do art.º 17º do EBF conter uma definição, ainda que indireta, da criação líquida de postos de trabalho, independente da prevista na legislação comunitária e no direito nacional. As questões de direito suscitadas nesses dois Acórdãos são essencialmente idênticas às que são objeto do presente pedido de pronúncia arbitral. 

Segundo o ponto II do Sumário do Acórdão referido em segundo lugar - “Sendo o benefício fiscal atribuído em função da “criação líquida de postos de trabalho”, carece de relevância invocar que todos os trabalhadores contratados num determinado exercício são “elegíveis” e nessa medida “aptos” a substituir um trabalhador que entretanto cesse o contrato, pois há que diferenciar a primeira operação de apuramento do saldo positivo da operação de determinação dos trabalhadores que passam a integrar “a criação líquida de emprego”, e para efeitos do artigo 17º do EBF só esta é que releva”. Tal posição não seria partilhada pelo Acórdão do STA de 11/10/2006, proc. 0723/2006, que remete para o direito da segurança social a definição do conceito de criação líquida de emprego ou postos de trabalho.

Assim, segundo tais Acórdãos, o posto de trabalho criado, para efeitos da constituição do direito ao benefício, estaria ligado a uma pessoa determinada.

No entanto, o nº 3 desse art.º 17º limita-se apenas a regular o período de duração do benefício: cinco anos a partir do início da vigência do contrato de trabalho. Uma vez constituídos e mantidos os respetivos pressupostos, o benefício dura esse espaço de tempo.

Não diz que a substituição do trabalhador durante esses cinco anos implique a perda do direito ao benefício, ainda se se mantiverem preenchidos os respetivos pressupostos legais: no caso, a manutenção do posto de trabalho por cinco anos.

Inexistiria qualquer dúvida sobre a perda do benefício caso este fosse da titularidade do trabalhador, ou seja, o benefício fosse pessoal e, portanto, intransmissível.

Titular do benefício é, no entanto, a entidade empregadora que adquiriu esse direito através da criação do posto de trabalho.

Ao negar a possibilidade de substituição de trabalhadores elegíveis, para efeitos deste benefício, estar-se-ia a colocar numa posição mais desfavorável uma empresa que, tendo criado o mesmo número de postos de trabalho líquidos, conforme definido no art.º 19º do EBF, tivesse, contudo, uma rotatividade de colaboradores superior., por razões objetivas, exteriores à sua vontade.

Atendendo a que estamos perante um benefício fiscal, é o próprio art.º 6º do EBF, ao prever, no seu n.º 2, que “A formulação genérica dos benefícios fiscais deve obedecer ao princípio da igualdade, de modo a não falsear ou ameaçar a concorrência” que leva a concluir, na dúvida, pela possibilidade de substituição de colaboradores, desde que, uns e outros, fossem elegíveis para a ponderação do benefício no exercício da respetiva contratação, ficando, assim, salvaguardado o carácter não discriminatório da medida.

 

Uma vez que a interpretação da Requerida e dos citados Acórdãos levaria, no limite, a considerar este benefício fiscal como violador do caracter genérico dos benefícios fiscais e do respeito pela livre concorrência, ambos previstos no art.º 6º do EBF, é assim, inteiramente legítimo e também necessário o recurso a título interpretativo ao Direito Comunitário, neste caso por o benefício fiscal consistir em  um auxílio de Estado que abstratamente está abrangido pelo Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), bem como ao direito nacional, incluindo o direito da segurança social.

O nº 17 das Orientações relativas aos Auxílios ao Emprego, adotadas pela Comissão Europeia a 14/3/95, publicadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 12/12/95, considera criação líquida de emprego um posto de trabalho suplementar relativamente aos efetivos (média num determinado período) da empresa em causa, em abstrato, e não com ligação a uma pessoa determinada. As referidas Orientações não têm certamente carácter vinculativo para os Estados membros, mas não deixam, por isso, de ser um elemento determinante na interpretação das normas do direito nacional sobre os incentivos à criação de emprego. 

A simples substituição isolada de um trabalhador sem um aumento dos efetivos e, consequentemente, sem criação de novos postos de trabalho, não constituiria, segundo essas Orientações, uma verdadeira criação de emprego. Limita-se a manter o volume global de emprego da empresa.

Assim, à luz desse critério, o incremento das admissões em exercícios posteriores à constituição do benefício não significa forçosamente criação líquida de postos de trabalho se, no mesmo exercício, tiverem sido eliminados os postos de trabalho em número igual ou superior aos criados, o que não está em causa.

Do mesmo modo, em continuidade com o nº 21 dessas Orientações, nos termos do Considerando 18) do Regulamento nº 2204/2002 da Comissão, de 12/12/2002, relativo aos auxílios concedidos nos termos dos art.ºs 87º e 88º do Tratado CE, atuais art.ºs 107º e 108º do TFUE, os auxílios estatais à criação de emprego, em que se inclui o do então art.º 17º do EBF, devem estar sujeitos à condição de o emprego criado ser mantido durante um certo período. 

Tal Regulamento, nos termos do art.º 109º do TFUE, é vinculativo, ao contrário das Orientações, na medida em que, nos termos do nº 1 do art.º 8º, a entrada em vigor dos auxílios de Estado, incluindo à criação de emprego, que não preencham as caraterísticas aí previstas depende de notificação prévia à Comissão europeia. 

Depende, assim, da vontade soberana do Estado português criar regimes de apoio à criação do emprego. 

Mas, caso entenda criá-los, a sua criação só está dispensada de notificação prévia à Comissão Europeia, para efeitos da sua autorização, caso tais regimes preencham os requisitos do Regulamento CE nº 2204/2002, o que foi o caso do benefício previsto no art.º 17º do EBF.

Tal período mínimo em que o emprego deve ser mantido é, de acordo com a alínea a) do nº 4 do art.º 4º desse Regulamento, de três anos, salvo para as PME´s, que é de dois anos.

O período de duração obrigatória estabelecido nesse Regulamento prevalece sobre a regra de cinco anos prevista no ponto 4.14 das chamadas Orientações relativas aos Auxílios Nacionais com Finalidade Regional. É assim assegurado por este meio um período em que a entidade empregadora deve manter o volume de trabalho criado.

Nessa medida, a empresa que receba qualquer auxílio ao emprego, incluindo o do art.º 17º do EBF, assume a obrigação de garantir por três anos o emprego criado, sob pena de o auxílio lhe ser retroativamente retirado, salvo quando o legislador nacional estabeleça um prazo superior, caso em que este é aplicável.

Não assume, à luz dessas disposições, qualquer dever de manter qualquer concreto posto de trabalho criado, salvo nos casos em que a substituição do trabalhador consequente da extinção do vínculo seja imputável à entidade patronal, por se tratar, por exemplo, de despedimento sem justa causa ou despedimento coletivo (situações eventualmente suscetíveis no âmbito do abuso de direito regulado no art.º 334º do Código Civil (CC)), mas apenas o dever de manter os postos de trabalho globalmente criados, ainda que ocupados por trabalhadores diferentes.

A substituição do trabalhador não representa, assim, por si só, qualquer decréscimo do emprego criado.

A não substituição do trabalhador, independentemente das causas da saída da empresa, implica, ao contrário, o benefício fiscal ficar retroativamente sem efeito.

Nessa medida, a inseparabilidade do benefício de um concreto posto de trabalho ocupado por um concreto trabalhador não é compatível com as Orientações relativas aos Auxílios ao Emprego nem com o Regulamento CE nº 2204/2002.

Assim, de acordo com esses instrumentos normativos, a criação de emprego consistiria, não na ocupação de um posto de trabalho por uma pessoa determinada, mas no aumento líquido do número de trabalhadores a tempo inteiro relativamente à média de um período de referência. 

À luz desse critério, o segundo termo da comparação, a confrontar com a média dos postos de trabalho do exercício anterior, seria a média dos postos de trabalho no exercício seguinte e não o número de efetivos da empresa no dia da contratação.

Esse seria o método mais eficaz para efeitos de medir temporalmente o esforço despendido pela empresa na criação de postos de trabalho, que é a contrapartida do benefício, e de não discriminar os sectores de atividade com maior rotação de trabalhadores, resultante do seu carácter sazonal ou da maior exposição à concorrência.

À luz desse critério, ao contrário do que entenderia a informação da Divisão de Administração da DSIRC, em que se baseou o ato impugnado, a mera conversão do contrato a termo em contrato sem termo não implicaria a criação líquida de qualquer posto de trabalho: não representa qualquer aumento global do emprego. A extinção de contrato de trabalho sem termo, por contrato de trabalho a termo posteriormente convertido em contrato de trabalho sem termo também não garante pelo mesmo motivo a estabilidade de qualquer concreto posto de trabalho.

Como resulta do Considerando 30 do Acórdão do TJUE de 2/4/2009, proc. C-415/07, é o cálculo do aumento do número de postos de trabalho para efeitos da avaliação dos auxílios estatais ao emprego com base na comparação de dados homogéneos, o único método para mensurar adequadamente o grau de diligência na criação do emprego, ao passo que o método que consiste em comparar a média das unidades de trabalho criadas no ano anterior à contratação com os dados pontuais dos efetivos da empresa no dia da contratação ainda em funções, conduziria a um resultado mais aleatório, mais dependente de flutuações temporárias e, portanto, menos representativo da situação real da empresa no plano do emprego, penalizando as empresas com uma elevada rotação de trabalhadores.

É esse método de cálculo, como afirma o nº 31, que melhor favoreceria a estabilidade ou (relativa) perenidade do emprego criado já que, como salientaria o advogado-geral nos nºs 57 a 71 das suas conclusões, não se justifica uma desigualdade de tratamento entre as empresas em função da maior ou menor velocidade de rotação dos seus trabalhadores, visto que todas estão sujeitas à mesma obrigação de manter os empregos criados durante um período mínimo para poderem beneficiar de um auxílio público.

Deste modo, o direito à dedução nasce com a criação líquida dos postos de trabalho no exercício em que se constitui, não sendo dependente da criação de novo postos de trabalho em exercícios posteriores, que pode ou não ocorrer, sem que fiquem prejudicados os pressupostos do benefício. Tal criação de novos postos de trabalho em exercícios posteriores é suscetível de gerar novo direito à dedução, no entanto, autónomo do constituído no primeiro exercício, caso se verifiquem os respetivos pressupostos legais. 

É, deste modo, o termo do exercício o momento em que devem ser aferidos os respetivos pressupostos e também quando o sujeito passivo de IRC adquire o direito ao benefício fiscal relativo às concretas contratações efetuadas nesse período.

Não é obrigado o sujeito passivo a acrescer o volume de emprego jovem nos exercícios seguintes, mas apenas a manter o emprego existente nessas condições.

No cômputo desse saldo entravam os jovens de idade não superior a 30 anos com maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho, em virtude da sua inexperiência e falta ou inadequação das qualificações profissionais.

Com efeito, o benefício do art.º 17º do EBF não tinha por objetivo, a não ser mediatamente, o combate ao flagelo do desemprego, regra geral desenvolvido por outros meios de muito maior amplitude e eficácia do que os benefícios fiscais desta natureza.

Visaria a proteção perante o desemprego de grupos de trabalhadores particularmente vulneráveis: no caso os jovens e, mais tarde também os desempregados de longa duração, ainda por entrar no mercado de trabalho ou afastados há muito tempo do mercado de trabalho que, para o efeito, formam um universo fechado.

O direito ao benefício é, assim, exercido através da contratação do trabalhador para ocupar o posto de trabalho apoiado, mas depende de um saldo positivo entre entradas e saídas no termo do exercício dessa contratação.

Por entradas devem-se entender os contratos de trabalho sem prazo pelos quais os jovens se vinculam à empresa por tempo indeterminado e por saídas a cessação desses contratos.

 

O art.º 7º do DL nº 34/96, de 18/4, para efeitos de incentivos financeiros à contratação de jovens e desempregados de longa duração aí regulados, consideraria criação líquida de postos de trabalho o aumento efetivo do número de trabalhadores vinculados à entidade empregadora mediante contrato sem termo, resultante, designadamente, de um novo projeto de investimento, devendo, nos termos do nº 2, a aferição da criação de postos de trabalho ter em consideração o número global de trabalhadores ao serviço da entidade empregadora, independentemente da natureza do vínculo contratual, no mês de Janeiro do ano civil anterior e no mês precedente ao da apresentação da candidatura. É de referir, no entanto, que o benefício fiscal do art.º 19º não dependia de qualquer concreto projeto de investimento, bastando o incremento do emprego dos jovens e desempregados de longa duração.

Tal decreto-lei regularia, assim, autonomamente do DL nº 89/95, que até então unificava a regulamentação da dispensa de contribuições para a segurança social e dos apoios financeiros à criação de emprego, os apoios financeiros à contratação de jovens e desempregados de longa duração: a dispensa temporária, total ou parcial, da entidade patronal, das contribuições para a segurança social continuaria a constar daquele diploma legal[1].

Tal conceito de criação líquida de emprego do art.º 7º do DL nº 34/96 substituiria o adotado no nº 2 do art.º 17º do DL nº 89/95, revogado pelo art.º 17º desse DL nº 34/96, de acordo com o qual, para efeitos desse apoio financeiro, era criação líquida de postos de trabalho a admissão de trabalhadores por contrato sem termo em percentagem igual ou superior a 10 % do número de trabalhadores do quadro do pessoal da empresa no último mês do ano imediatamente anterior. 

O propósito desse regime, ainda que limitado ao apoio financeiro do DL nº 34/96, teria sido o de reforçar a estabilidade do emprego, como esclareceria o seu preâmbulo, já que expressamente afirmaria a norma substituída do DL n.º 89/95, ao desligar a criação líquida de postos de trabalho da existência de um projeto de investimento bem como ao não exigir a criação de novos postos de trabalho, mas apenas a admissão de trabalhadores, teria conduzido, em muitas situações concretas, não à redução efetiva do desemprego, mas apenas à substituição, porventura até fictícia, de trabalhadores afastados antes da apresentação das candidaturas ao apoio financeiro oferecido pela lei. Daí, prosseguiria esse preâmbulo, a ineficiência do sistema, envolvendo desperdícios financeiros avultados e consequências significativas na promoção da precariedade do emprego.

Nessa medida, de acordo com o nº 1 do art.º 14º do DL nº 34/96, as entidades beneficiárias constituir-se-iam na obrigação de não diminuir o nível de emprego por elas atingido, por via do apoio financeiro previsto nesse diploma legal, durante um período mínimo de quatro anos.

Segundo o nº 3, em caso de incumprimento do disposto no nº 2, seria devida a reposição do valor do apoio financeiro concedido, acrescido dos juros legais.

A reposição seria proporcional ao número de postos de trabalho eliminados, tendo como base a criação de emprego que fundamentou a concessão de apoio financeiro, concluiria o seu nº 3.

Em complemento dessa norma, o art.º 10º do DL nº 89/95, determinaria que a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, tornaria exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tivesse vigorado a dispensa.

Tal cessação, no entanto, tanto na área da segurança social como na área fiscal, não era necessariamente condição resolutiva do benefício fiscal, nos termos da parte final do nº 2 do art.º 14º do EBF, de acordo com o qual os benefícios fiscais, quando temporários, caducam pelo decurso do prazo por que foram concedidos e, quando condicionados, pela verificação dos pressupostos da respetiva condição resolutiva ou pela inobservância das obrigações impostas, imputáveis ao beneficiário, com a consequente reposição da tributação regra referida no número anterior.

Por outro lado, o n º 1 do art.º 9º do DL nº 89/95 declararia que a dispensa do pagamento de contribuições cessaria nos seguintes casos:

a) Termo do período de concessão;

b) Falta de entrega, no prazo legal, das folhas de remunerações ou falta de inclusão de quaisquer trabalhadores nas referidas folhas;

c) Cessação do contrato de trabalho ou sua suspensão nos casos não previstos no art.º 8º.

Tal cessação, no entanto, era uma mera causa de caducidade do benefício, não implicando a sua resolução retroativa.

Tais efeitos retroativos, reportados ao exercício da constituição do benefício, eram reservados ao despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação.

A majoração referida no nº 1 teria lugar durante um período de cinco anos a contar da vigência do contrato de trabalho.

Assim, a dispensa temporária do pagamento das contribuições da entidade patronal à segurança social terminaria, sempre com efeitos apenas para o futuro, por caducidade dos seus pressupostos, no caso de cessação do contrato de trabalho.

Tal cessação só tinha, no entanto, efeitos retroativos, reportados ao exercício da constituição do benefício, em caso de despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação que, como se referiu, tornavam exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tivesse vigorado a dispensa.

Verificar-se-iam, nesse caso os pressupostos da condição resolutiva a que se refere o nº 2 do art.º 14º do EBF, igualmente aplicável ao benefício do art.º 19º do EBF.

A Secção IV do Capítulo II do Código dos Regimes Contributivos e do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 110/2019, de 16/9, regularia os princípios gerais dos incentivos à criação de emprego em sentido idêntico. Em conformidade, a alínea n) do nº 1 do art.º 5º dessa lei revogaria as citadas disposições do DL nº 89/95, tendo as restantes, então ainda em vigor, apenas sido eliminadas pelo art.º 22º do DL nº 72/2017, de 21/6, que o viria a substituir.

De acordo com o nº 1 do art.º 100º desse Código, seriam fixadas pelo Governo, mediante decreto lei, de forma transitória, medidas de isenção ou diferimento contributivo, total ou parcial, que se destinassem: a) ao estímulo à criação de postos de trabalho e à reinserção profissional de pessoas afastadas do mercado de trabalho e; b) à redução de encargos não salariais em situação de catástrofe, de calamidade pública ou de fenómenos de gravidade económica ou social, nomeadamente de aleatoriedades climáticas.

As medidas referidas na alínea b) do número anterior poderiam, segundo o nº 2 dessa norma, ser determinadas por portaria do membro do Governo responsável pelas áreas da solidariedade e da segurança social, desde que previstas em resolução do Conselho de Ministros sendo, de acordo com o nº 3, financiadas integralmente pelo Orçamento de Estado.

O nº 1 do art.º 102º, reproduzindo o nº 1 do art.º 9º do DL nº 89/95, declararia que as dispensas de pagamento de contribuições prevista no art.º 100.º cessariam sempre que: a) terminasse o período de concessão; b) deixassem de se verificar as condições de acesso; c) se verificasse a falta de entrega, no prazo legal, das declarações de remuneração ou falta de inclusão de quaisquer trabalhadores nas referidas declarações e; d) cessasse o contrato de trabalho.

O art.º 103º, também mantendo o conteúdo do art.º 10º do DL nº 89/95, declararia que a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, com base em despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, tornaria exigíveis as contribuições relativas ao período durante o qual tivesse vigorado a dispensa. 

O art.º 104º condicionaria expressamente o direito a novas dispensas do pagamento de contribuições, ao abrigo dessa Secção IV do Capítulo II do Código e da respetiva legislação própria, nos 24 meses seguintes à inexistência da cessação do contrato por algum dos motivos constantes do art.º 103º, o que, através de mero argumento “a contrario”, pressupõe tal condição não abranger os restantes casos de cessação do contrato de trabalho, nomeadamente por vontade do trabalhador, como aliás anteriormente já vinha sendo entendido.

Assim, ficaria esclarecido expressamente que, em caso de cessação do contrato de trabalho por motivo não imputável à entidade patronal, esta teria direito a novas dispensas do pagamento de contribuições, desde que, no termo do exercício a que respeitassem, se verificassem os respetivos pressupostos legais, renovando-se, assim, o benefício inicial. De outro modo, tal art.º 104º seria desnecessário.

Tal possibilidade de renovação da dispensa em caso de cessação do contrato de trabalho por motivo não imputável à entidade patronal seria reafirmada, ainda que em termos diferentes, por mais restritivos, pela alínea a) do nº 2 do art.º 6º do DL nº 72/2017 que consideraria nova contratação, para efeitos da alínea e) do anterior nº 1, as situações de contratação para substituição de trabalhador abrangido pelos incentivos referidos nesse diploma, cujo contrato de trabalho tivesse cessado por facto imputável ao trabalhador, aplicando-se, no entanto, à cessação do trabalho durante o período experimental, o disposto no nº 5 do art.º 4º.

Na segurança social, segundo o glossário incluído no Guia Prático disponível na Internet no sítio do Instituto de Segurança Social, IP, sobre medidas específicas e transitórias de estímulo e apoio à criação de emprego, a criação de posto de trabalho é a admissão de trabalhador com contrato sem termo que exceda, em pelo menos um, o número global de trabalhadores existentes na entidade empregadora por relação a um determinado período de referência, não sendo consideradas as situações de reforma ou falecimento enquanto durarem as medidas, o fim de contratos de trabalho durante o período de experiência e o fim de contratos de trabalho por justa causa. Tal posição é partilhada pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional, na área das Perguntas Frequentes sobre os diversos programas que administra.

Não encarra essa norma do EBF qualquer conceito específico de saídas para efeitos da definição da criação líquida dos postos de trabalho, não se vê como possa deixar de ser aplicado o previsto na legislação laboral e da segurança social, como resulta do nº 1 do art.º 11º da LGT, sob pena de ficar afetada a necessária unidade do sistema, que se pressupõe coerente, dos incentivos ao emprego.

Tal solução não contende com a estabilidade dos postos de trabalho, nem fomenta a precariedade.

Tal estabilidade resulta de todos os contratos celebrados para efeitos de acesso ao benefício serem necessariamente de duração indeterminada.

O facto de o contrato de trabalhado ser de prazo indeterminado não imuniza totalmente, com efeito, o trabalhador perante o despedimento. O direito à segurança no emprego é, aliás, um direito disponível pelo trabalhador, sem que essa disponibilidade afete a sua substância.

O contrato de trabalho de prazo indeterminado pode ainda caducar, nos termos das alíneas b) e c) do art.º 343º do Código do Trabalho por: impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar trabalho e de a entidade patronal o receber ou reforma do trabalhador por invalidez ou velhice. 

O trabalhador pode ainda denunciar o contrato de trabalho, ainda que de prazo indeterminado, com aviso prévio nos termos do art.º 400º do Código do Trabalho. 

Trabalhador ou entidade patronal, salvo acordo em contrário, têm igualmente direito a denunciar o contrato de trabalho de prazo indeterminado no tempo inicial da sua execução, sem justa causa nem aviso prévio, nos termos dos art.ºs 111º a 114º do Código do Trabalho, bem como, por mútuo acordo, nos termos do nº 1 do art.º 349, revogar o contrato de trabalho, incluindo através da transformação de contrato de duração indeterminada em contrato a termo resolutivo.

No entanto, somente quando a cessação tiver por base despedimento sem justa causa, despedimento coletivo, despedimento por extinção do posto de trabalho ou despedimento por inadaptação, os benefícios em sede fiscal e segurança social ficam retroativamente sem efeito, com a consequente impossibilidade da sua renovação por 24 meses, não havendo, assim, com o regime exposto, qualquer violação do princípio constitucional da segurança no emprego, que, segundo a Requerida, resultaria da possibilidade da sua renovação.

A estabilidade do posto de trabalho está garantida por o benefício apenas abranger os contratos de prazo indeterminado; o vínculo laboral nos contratos de prazo indeterminado apenas tendencialmente é perene, uma vez que pode cessar, embora com efeitos apenas para o futuro, por razões objetivas (doença, morte ou aposentação do trabalhador, bem como qualquer outra causa de impossibilidade de continuação do vínculo jurídico-laboral) e subjetivas, por ser um direito disponível pelo trabalhador.

Assim, para efeitos do cumprimento da obrigação de manutenção do emprego líquido criado, não é exigível que cada concreto posto de trabalho inicialmente criado se mantenha durante todo o período do contrato, mas apenas que o nível global de emprego não tenha diminuído (nesse sentido, Acórdão do STA de 17/12/2020, proc. 454/19.2BECCTB-Acuja argumentação, sendo essencialmente dirigida aos apoios financeiros concedidos pelo IEFP, não deixa de ser extensiva aos benefícios em sede de segurança social e fiscais.

É certo que, com base nos elementos entretanto enviados pela Requerente, a 6/11/2021, por subdelegação, o Chefe da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que entretanto recebera legalmente essa competência da UGC, em cumprimento de despacho da diretora-geral da AT de 28/9/2021, entenderia ser de deferir parcialmente o pedido de revisão oficiosa, fazendo acrescer ao Campo 234 do Quadro 07 da Declaração modelo 22 a dedução de € 4.906.730,95, em virtude de, ao contrário do que sustentava a jurisprudência predominante do STA, com base na qual a Requerente efetuou a autoliquidação, a conversão dos contratos a prazo em contratos sem termo estar abrangida pela dedução do art.º 17º de EBF.

Esse entendimento em que se baseou o deferimento parcial não está evidentemente em harmonia com o conceito de criação líquida de postos de trabalho, que resulta do direito comunitário e do direito nacional.

A contradição entre os fundamentos do deferimento parcial e do indeferimento parcial é, no entanto, apenas implícita ou indireta, por estarem em causa factos distintos, ainda que relacionados: a conversão de um contrato a termo em contrato sem termo, ou de duração indeterminada, e a substituição do trabalhador com contrato sem termo por outro trabalhador igualmente jovem, com idade não superior a 30 anos.

Não se vislumbra, por outro lado, qualquer fundamento legal para que os fundamentos do deferimento parcial, ainda que constem do mesmo ato do indeferimento parcial, vinculem o tribunal arbitral na apreciação da legalidade deste indeferimento.

Com a impugnação do indeferimento parcial este tornar-se-ia autónomo do deferimento parcial para efeitos de apreciação de eventuais vícios.

Resta apenas apreciar a parte do pedido da Requerente relativa aos juros indemnizatórios.

Uma vez que este Tribunal considerou que assiste razão à Requerente, tem de consequentemente reconhecer que, por força do disposto no n.º 1 do art.º 100º da LGT, segundo o qual a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, tal plena reconstituição compreende o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.

Tais termos e condições são os previstos no art.º 43º da LGT.

Não é aplicável o nº 1 dessa norma, restrito ao erro imputável aos serviços na liquidação de que tiver resultado o pagamento de imposto superior ao devido.

Com efeito, a liquidação foi da autoria da Requerente, com base numa interpretação prudente do art.º 17º do EBF que viria a ser confirmada pela jurisprudência inicial do STA. O ato impugnado foi, com efeito, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de autoliquidação.

O fundamento do direito a juros indemnizatórios é, assim, o da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT, de acordo com o qual tais juros são devidos quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Termos em que decide este Tribunal reconhecer razão à Requerente e, em consequência:

a)  Declarar nula a decisão de deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa n.º ...2020..., na parte indeferida pela AT e relativa ao benefício da criação líquida de postos de trabalho (CLPT);

b)   Declarar o dever de deduzir no Quadro 07 da declaração Modelo 22 de IRC de 2002 o benefício fiscal da criação de emprego referente à substituição dos colaboradores inicialmente considerados, no montante de € 237.067,62;

c)  Reconhecer à Requerente o direito ao reembolso do montante de imposto indevidamente pago por erro na autoliquidação, em resultado da correção supra;

d)  Reconhecer à Requerente o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos da alínea c) do nº 3 do art.º 43, da LGT, a partir de 29/7/2006, na mesma data em que foi reconhecido o pagamento de juros na parte da decisão impugnada que se pronunciou pelo deferimento parcial.

 

II-               VALOR

Fixa-se o valor do processo em 237.067,62 (duzentos e trinta e sete mil, sessenta e sete euros e sessenta e dois cêntimos), nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 97º-A do CPPT, aplicável ex vi as alíneas a) e b) do art.º 29º do RJAT e do n.º 2 do art.º 3º do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.

 

III-            CUSTAS

Fixa-se o valor de 12.000,00 (doze mil euros) de custas, a cargo da Requerente.

Lisboa, 04 de outubro de 2022 

 

Os árbitros,

 

 

Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros, Presidente

 

 

Dr. Pedro Miguel Abreu Marques, Vogal indicado pela Requerente

 

 

Dr. António de Barros Lima Guerreiro, Vogal indicado pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 



[1] Nos termos da alínea c) do nº 1 do art.º 5º deste decreto-lei, em substituição do critério da criação líquida dos postos de trabalho, o direito à dispensa da entidade patronal do pagamento dessas contribuições continuaria a depender de as entidades abrangidas terem ao seu serviço um número de trabalhadores abrangidos superior ao que se verificava no final do mês anterior.