Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 122/2015-T
Data da decisão: 2015-10-16  Selo  
Valor do pedido: € 17.026,58
Tema: IS - tempestividade do pedido de pronúncia arbitral; Terrenos para construção - verba 28.1 TGIS.
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Decisão Arbitral

 

I.          RELATÓRIO

A... – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, NIPC ..., legalmente representado pela B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Mobiliário, S.A., com sede na Rua …, Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva ..., doravante simplesmente designado Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a declaração de ilegalidade e a consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (IS) n.ºs 2014 ..., 2014 ..., 2014 ... e 2014 ..., referentes ao ano de 2013, no montante global de € 17.026,58, bem como a condenação da AT no reembolso ao Requerente do valor do imposto do selo pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)      O Requerente é dono e legítimo proprietário dos prédios urbanos destinados a terreno para construção inscritos na matriz predial urbana sob os artigos n.º ... e n.º ..., ambos da freguesia de ... (respectivamente, U-00... e U-00...);

b)      O Requerente foi notificado das liquidações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2013, com os seguintes n.ºs e valores:

i)          liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 3.922,40, referente à primeira prestação de imposto do selo, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;

ii)    liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 3.922,38, referente à segunda prestação de imposto do selo, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;

iii)   liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 4.590,90, referente à primeira prestação de imposto do selo, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;

iv) liquidação n.º 2014 ..., no valor de € 4.590,90, referente à segunda prestação de imposto do selo, relativo ao prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;

c)    Tais liquidações foram efectuadas ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS);

d)    As liquidações em crise carecem de fundamento legal e constitucional, uma vez que a norma que lhe está na origem – verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) -, viola os princípios da igualdade, proporcionalidade e segurança jurídica;

j)        A manifesta violação do princípio da igualdade fiscal, quer horizontal, quer vertical, é bem patente na situação em apreço;

k)      O princípio constitucional da segurança jurídica é uma inerência do postulado que prevê um sistema jurídico estável e previsível, de modo a que o cidadão saiba a todo o momento quais as regras jurídicas que determinam a sua vida quotidiana;

l)        A verba 28.1 da TGIS viola os princípios da igualdade e da segurança jurídica, não salvaguardando, como seria de prever, qualquer outro direito fundamental ou interesse constitucionalmente protegido;

m)    A norma referente à verba 28.1 da TGIS viola ainda o princípio da proporcionalidade, sendo, também por isso, nulas as liquidações em apreço;

n)      A liquidação do imposto do selo deve ser anulada, com fundamento na sua ilegalidade, por ter na sua base uma norma que é manifestamente inconstitucional, violadora dos princípios da igualdade, segurança jurídica e proporcionalidade, consignados nos artigos 262.º, n.º 2, 13.º, 18.º n.º 2 e 104.º n.º 3 da CRP.

 

A Requerente juntou dez (10) documentos, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1 do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 30 de Abril de 2015.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:

Por excepção:

a)             O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação de documentos de cobrança (1.ª e 2.ª prestações) relativos a liquidações de Imposto do Selo, no montante global de € 25.539,86;

b)             O Requerente apenas carreia à discussão processual os montantes constantes das notas de cobrança referentes à 1.ª e 2.ª prestações de imposto do selo, do ano de 2013, que se quantificam em € 17.026,58;

c)             Os actos objecto de apreciação em sede arbitral são apenas e só actos de liquidação e não documentos de cobrança;

d)            O tribunal arbitral deve reconhecer-se materialmente incompetente para apreciar pedidos de pronúncia arbitral que recaiam sobre notas de cobrança de tributos;

e)             Caso assim não se entenda, deverá o tribunal arbitral reconhecer que a lei não prevê, nem em sede arbitral, nem em sede de impugnação judicial, a pretensão anulatória de pagamento de prestações de per si, uma vez que tal efeito decorrerá apenas da anulação do acto tributário de liquidação;

f)              Tendo o Requerente carreado à apreciação do tribunal tão-somente notas de cobrança, deverá esta instância reconhecer a inimpugnabilidade dos actos carreados aos autos;

g)             Os actos de liquidação que deram origem aos documentos de cobrança sindicados foram total (no caso da liquidação relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...) ou parcialmente (no caso da liquidação relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...) anulados;

h)             Assim, deverá o tribunal arbitral reconhecer a inutilidade parcial superveniente da lide, sendo o valor em causa de apenas € 7.988,16.

 

Por impugnação:

a)             O pedido do Requerente radica única e exclusivamente na invocação da inconstitucionalidade da norma consubstanciada na verba 28 do Código do Imposto do Selo (CIS), com fundamento na violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e segurança jurídica;

b)             Ao tribunal arbitral apenas cabe conhecer desta inconformidade constitucional, sob pena de excesso de pronúncia arbitral;

c)             A conformação constitucional da verba 28 do CIS foi já objecto de apreciação arbitral – como seja no âmbito do processo n.º 577/2014-T -, no qual, tendo por base os acórdãos n.º 187/2013 e 197/2013 do Tribunal Constitucional, se conclui pela inexistência de qualquer violação do princípio da igualdade;

d)            Não poderão ter acolhimento os argumentos do Requerente no sentido da inconstitucionalidade por violação, quer do princípio da igualdade, quer do princípio da proporcionalidade;

e)             O mesmo se diga quanto à violação do princípio da segurança jurídica, por não estar em causa a aplicação retroactiva de normas fiscais que possa postergar de forma excessiva as expectativas dos cidadãos;

f)              A decisão do tribunal arbitral não deverá ser outra que não a de indeferir a pretensão do Requerente.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Em resposta às excepções suscitadas pela AT, veio o Requerente alegar, em síntese, que o pedido de constituição do tribunal arbitral tem por base a ilegalidade da decisão proferida em sede de reclamação graciosa e das liquidações de imposto do selo que lhe estiveram na origem, acrescentando não existir a emissão oficial de qualquer liquidação anual e ser o primeiro contacto com o valor do imposto efectuado apenas aquando da notificação de pagamento da primeira prestação. Acresce que, ainda que, por mero lapso, possa não ter sido indicado o valor global da colecta, o que se pretende é a anulação das liquidações de imposto de selo referentes ao ano de 2013, devendo o valor global indicado ser corrigido.

No caso de assim não se entender, mantém o inicialmente alegado, pugnando pelo indeferimento da excepção invocada.

Por fim, atenta a integral anulação da liquidação de imposto de selo referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e a anulação parcial da liquidação de imposto de selo referente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., o Requerente reduz o pedido à declaração de ilegalidade da liquidação de imposto de selo, referente ao ano de 2013, sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., para o valor de € 11.982,25, ou caso assim não se entenda, para o valor de € 7.988,16, referente à apreciação das 1.ª e 2.ª prestações de imposto do selo.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, dispensou-se a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo o Requerente apresentado alegações escritas, nas quais manteve a posição inicialmente defendida.

 

II.          SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade.

 

 

III.          QUESTÕES A DECIDIR:

Nos presentes autos as questões a decidir são:

a)      Conhecer das alterações da instância requeridas pelo Requerente;

b)      Conhecer da excepção de incompetência material do tribunal arbitral;

c)      Determinar se, para efeitos da aplicação da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, na redacção em vigor à data dos factos, um terreno para construção é considerado como um prédio com afectação habitacional.

 

IV.     MATÉRIA DE FACTO:

a.        Factos provados:

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.                  Encontram-se inscritos a favor do Requerente os prédios urbanos destinados a terreno para construção inscritos sob os artigos ... e ... da matriz predial urbana da freguesia de ... (U – 00... e U – 00...);

2.                  Em 17/03/2014, a AT liquidou, ao abrigo da verba 28.1 da TGIS anexa ao CIS, imposto do selo sobre os imóveis inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ... e ..., relativamente ao ano de 2013, no valor total de, respectivamente, € 11.767,16 e € 13.772,70;

3.                  O Requerente foi notificado da primeira e segunda prestações a pagar do IS liquidado pela AT, relativamente aos prédios supra identificados, correspondentes aos documentos de cobrança n.ºs 2014 ..., no valor de € 3.992,40; 2014 ..., no valor de € 3.992,40; 2014 ... e 2014 ..., nos valores de € 4.590,90;

4.                  Em 29/04/2014, o Requerente procedeu ao pagamento das 1.ªs prestações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2013, que incidiram sobre os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ... e ..., nos valores de, respectivamente, € 3.922,40 e € 4.590,90;

5.                  A data limite de pagamento das 1.ªs prestações de imposto do selo, referentes ao ano de 2013, que incidiram sobre os prédios urbanos supra identificados, era de Abril de 2014;

6.                  Em 28/07/2014, o Requerente procedeu ao pagamento das 2.ªs prestações de Imposto do Selo, referentes ao ano de 2013, que incidiram sobre os prédios urbanos inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ... e ..., nos valores de, respectivamente, € 3.922,40 e € 4.590,90;

7.                  A data limite de pagamento das 2.ªs prestações de imposto do selo, referentes ao ano de 2013, que incidiram sobre os prédios urbanos supra identificados, era de Julho de 2014;

8.                  Em 28/08/2014, o Requerente apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças de Seixal - 2, à qual veio a ser atribuída o número ..., com vista a anulação das liquidações referidas no ponto 3 anterior;

9.                  Por ofício datado de 14/10/2014, foi o Requerente notificado da proposta de indeferimento da reclamação graciosa apresentada e para, querendo, exercer o direito de audição prévia;

10.              Por ofício datado de 20/11/2014, notificado ao Requerente em 25/11/2014, foi convertido em definitivo o projecto de decisão de indeferimento do pedido;

11.              Em 27/11/2014, o Requerente pagou a 3.ª prestação de Imposto do Selo, liquidado sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., no valor de € 4.590,90;  

12.              O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 23/02/2015;

13.              Na sequência do processo de reclamação n.º ..., foi, por despacho datado de 23/04/2015, ordenada a revisão oficiosa do IS da verba 28 da TGIS, dos anos 2011, 2012, 2013, 2014, relativa aos imóveis inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ... e ...;

14.              A liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, que incidiu sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... foi integralmente anulada, tendo o Requerente recebido o seu reembolso, no montante de € 11.767,16, em 27/05/2015;

15.              A liquidação de Imposto do Selo, referente ao ano de 2013, que incidiu sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... foi parcialmente anulada, tendo o Requerente recebido o seu reembolso, no montante de € 1.790,45, em 27/05/2015.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           

b.      Factos não provados:

Com interesse para os autos, não existe qualquer factualidade não provada.

 

c.         Fundamentação da matéria de facto:

A convicção sobre os factos dados como provados fundou-se na prova documental junta pelo Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, cuja autenticidade e adesão à realidade não foi questionada pela Requerida.

 

V.              DO DIREITO:

Previamente à apreciação do mérito da causa cumpre, antes de mais, conhecer oficiosamente da tempestividade do pedido de acção arbitral deduzido pelo Requerente.

Ora, por via do pedido de pronúncia arbitral apresentado, vem o Requerente peticionar a anulação das liquidações do imposto do selo referentes ao ano de 2013 que incidiram sobre os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., nada referindo em relação à anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa por si igualmente apresentada.

Dito isto, resulta dos factos provados – cfr. pontos 5 e 7 – que as datas limite de pagamento do imposto do selo liquidado sobre os prédios urbanos em causa nos presentes autos eram de Abril e Julho de 2014.

Por seu turno, encontra-se provado que o Requerente apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral em 23/02/2015 – cfr. ponto 12.

Nos termos do disposto no artigo 10º nº 1 a do RJAT, o prazo para apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral é de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos números 1 e 2 do artigo 102º do CPPT, entre os quais se compreende o termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte.

Por onde se verifica que, tendo o Requerente circunscrito o seu pedido à anulação dos actos tributários de liquidação de imposto do selo, referentes ao ano de 2013, dispunha para o efeito do prazo de 90 dias contado da data limite de pagamento voluntário daquelas liquidações, e não, como se veio a verificar, do prazo de 90 dias contado da data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Pelo que, à data da apresentação do pedido de constituição de tribunal arbitral o prazo legalmente previsto para o efeito já havia ultrapassado.

Só assim não seria – considerando-se o pedido de constituição de tribunal arbitral tempestivo – caso o Requerente tivesse peticionado a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa subjacente aos presentes autos – o que não se veio a verificar.

Assim, encontrando-se o respectivo prazo ultrapassado, caducou o direito do Requerente de impugnar por via da apresentação do pedido de constituição arbitral as liquidações em causa.

Pelo que se considera intempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado, por caducidade do direito de acção, ficando assim prejudicado o conhecimento da questão de mérito.

 

VI.              DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar intempestivo o pedido de pronúncia arbitral apresentado, por caducidade do direito de acção, absolvendo, em consequência a Requerida do pedido.

 

***

Fixa-se o valor do processo em € 17.026,58, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 3 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pelo Requerente por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Outubro de 2015.

 

 

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.