Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 118/2022-T
Data da decisão: 2022-12-05  IRC  
Valor do pedido: € 326.859,93
Tema: IRC: regime de acréscimo (periodização do lucro tributável); documentação de despesas com juros diferidos; efeitos da transformação de juros devidos em capital e em prestações suplementares.
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Sumário:

I - Por força do disposto no artigo 18.º do Código do IRC e no §22 da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística, os juros não têm de ser pagos para serem um custo relevante do período a que dizem respeito.

II - A documentação necessária a comprovar pagamentos diferidos é naturalmente diferente da que corresponde à de uma situação de pagamento consumado.

III - Se um gasto futuro que o sistema fiscal admite que possa ser deduzido ao lucro de uma empresa (porque é suposto sair, mais tarde, do seu património, para compensar um custo da sua actividade), se integra, afinal, no seu património (porque se volve em capital dessa empresa – na forma de reforço de capital e de prestações suplementares), então não foi na verdade um custo (diferido) dessa actividade, mas uma mera poupança dessa empresa.

IV - Quando tal custo diferido tenha sido deduzido ao lucro tributável do exercício a que diz respeito fica sujeito à condição resolutiva do seu efectivo pagamento.

 

DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

 

  1. No dia 18 de Fevereiro de 2022, A..., S.A., com sede social no ..., Rua ..., n.º ...,  ..., ...-... Paço de Arcos, com o NIPC ... (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, al. a), e no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT).
  2. Pretendia que fosse declarada a ilegalidade dos actos de liquidação de IRC de IRC n.º 2021..., referente ao período de 2016, e n.º 2021..., referente ao período de 2017, no montante total de € 326.859,93 € (trezentos e vinte e seis euros oitocentos e cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos).
  3. Nomeados os árbitros, que aceitaram a designação no prazo aplicável, e não tendo a Requerente, nem a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT ou Requerida), suscitado qualquer objecção, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 11 de Maio de 2022.
  4. Seguindo-se os normais trâmites, em 25 de Junho a AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo (PA).
  5. Em 4 de Julho, foi proferido despacho a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a fixar prazo para a produção de alegações.
  6. Em 24 de Agosto, na pendência desse prazo, a Requerente solicitou a junção aos autos “da ata de conversão de suprimentos em capital”, invocando que “por lapso não foi junta previamente”. Uma cópia de tal documento, posto que não datada, e com a numeração da “Ata da Assembleia Geral” em aberto, constituía o Anexo 7 do RIT.
  7. No termo do prazo fixado, só a Requerente apresentou alegações.
  1. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e o pedido de pronúncia foi tempestivo e contém-se no âmbito das suas atribuições.

As Partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

  1. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

  1. Em 27 de Dezembro de 2007, a sociedade A..., S.A. iniciou a sua atividade como sociedade por quotas, com o CAE 68100 – “Compra e Venda de Bens Imobiliários”, com um capital social de €5.000,00, detido na totalidade pela sociedade B..., S.A., NIPC ... .
  2. Em 2 de Maio de 2008, a Requerente foi adquirida pela empresa C..., SARL, NIF ..., com sede na Av. ..., ..., Luxemburgo.
  3. Em 24 de Julho de 2008, por escritura pública, a C..., SARL, cedeu à Requerente um portfolio de créditos imobiliários (Non Performing Loans), que a Requerente lhe iria pagar em função das cobranças efectivas de tais créditos.
  4. Em 5 de Fevereiro de 2015, a A... passou a ser detida pela empresa C..., NIF..., com sede na ..., ..., Luxemburgo.
  5. Através de um “Shareholder Loan Agreement” datado de 14 de Abril de 2015, o passivo financeiro da Requerente (fixado em €14.808.218,00 - quatorze milhões oitocentos e oito mil duzentos e dezoito euros) foi convertido em suprimentos, com reembolso previsto para 15 de Abril de 2019, passando tais suprimentos a ser remunerados a uma taxa anual de 9%, sendo os juros apurados mensalmente, mas não pagos antes do vencimento (excepto para os casos de antecipação aí previstos), nem capitalizados.
  6. Subsequentemente, mas também em Abril de 2015, a Requerente e os suprimentos que lhe tinham sido concedidos foram cedidos à empresa D..., SARL, com sede no ..., ..., Luxemburgo, aí registada e com o número de identificação ... .
  7. O “Anexo às Demonstrações financeiras em 31 de Dezembro de 2016”, subscrito pela Contabilista Certificada da Requerente e incluído no Anexo I do RIT, registava os montantes de suprimentos (€11.958.218) e de juros devidos à D..., SARL (€1.182.983) nesse ano.
  8. O “Anexo às Demonstrações financeiras em 31 de Dezembro de 2017”, subscrito pela Contabilista Certificada da Requerente e incluído no Anexo I do RIT, registava os montantes de suprimentos (€11.958.218) e de juros devidos à D..., SARL (€1.088.198€) nesse ano.
  9. O “Anexo às Demonstrações financeiras em 31 de Dezembro de 2018”, subscrito pela Contabilista Certificada da Requerente e incluído no Anexo I do RIT, registava os montantes de suprimentos (€11.958.218) e de juros devidos à D..., SARL (€1.091.197) nesse ano. 
  10. Na sequência de consulta às autoridades fiscais do Luxemburgo, a AT foi informada que foram contabilizados juros a favor da D... no valor de €581.994,00, referentes ao exercício de 2016.
  11. Além dos documentos referidos supra em g), h) e i), documentação interna da Requerente incluída no RIT evidenciava que os montantes devidos a título de juros do “Shareholder Loan Agreement” foram apurados, pelo menos até ao final de 2019;
  12. Nos períodos de 2016 e 2017, a Requerente preparou as suas demonstrações financeiras de acordo com as disposições previstas no Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”);
  13. Em 5 de Março de 2020, por “Decisão por Escrito de Sócia Única” – que correspondeu à Acta da Assembleia Geral n.º 14 –, a A... foi transformada em sociedade anónima (ponto Sete), tendo aumentado o seu capital social de €5.000 para €50.000,00, através da conversão de suprimentos da sócia única, a referida empresa D... (ponto Dois).
  14. Por efeito da mesma decisão (ponto Quatro), suprimentos no valor de €16.501.790,59 (dezasseis milhões quinhentos e um mil setecentos e noventa euros e cinquenta e nove cêntimos) foram convertidos em “prestações acessórias, sujeitas ao regime das prestações suplementares, constante dos artigos 213.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais”.
  15. Em 9 de Março de 2020, a E..., S.A., NIF..., pertencente ao Grupo F... em Portugal, adquiriu a totalidade das acções da A... .
  16. A Requerente foi objeto de um procedimento de inspecção tributária, de âmbito parcial em sede de IVA e de IRC, realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das Ordens de Serviço n.os OI2020.../ OI2020.../ OI2020... .
  17. No âmbito dessa inspecção tributária, o Relatório (RIT) propôs acréscimos ao resultado tributário, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), nos seguintes termos:

- Exercício de 2016: € 438.706,70[1];

- Exercício de 2017: € 1.000.000,15;

- Exercício de 2018: € 1.000.000,62.

  1. Face ao não exercício do direito de audição prévia por parte da ora Requerente, as correcções propostas no RIT tornaram-se definitivas e foram comunicadas através do Ofício n.º..., datado de 12 de Novembro de 2021.

 

            III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Não há factos adicionais que sejam relevantes, tendo em conta o enquadramento jurídico do caso, nem para este se tornou necessário apurar outros.

           

            III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Estando sustentadas por documentos as vicissitudes na constituição e evolução da Requerente, o único facto (aparentemente) controvertido era saber se os gastos contabilizados como juros dos suprimentos abrangidos pelo “Shareholder Loan Agreement” de 2015 tinham, ou não, sido incorridos.

Em relação aos pagamentos da Requerente à sua accionista luxemburguesa há uma informação prestada pelas autoridades fiscais do Principado, em resposta a uma solicitação da AT em relação ao montante de €581.994,00, referente ao exercício de 2016, que o RIT fez relevar.

Em contrapartida, uma vez que a Requerente reconheceu expressamente (no número 78 das suas alegações) que “Efetivamente os juros nunca chegaram a ser pagos” (como, de resto, já tinha informado a AT durante o procedimento inspectivo – Anexo 5 do RIT, ponto 5), é de considerar que – salvo a referida excepção – isso ficou estabelecido por acordo das partes.

O efectivo pagamento dos juros devidos pela Requerente à sua accionista – que, contratualmente, e salvo a previsão de “Prepayment” constante do “Shareholder Loan Agreement”, deveria ter lugar numa data subsequente à do termo dos períodos de tributação em causa nos presentes autos – é, porém, um diferente facto do seu apuramento, pelo que os efeitos jurídicos decorrentes dessa diferença serão apreciados em sede de Direito.

  1. DIREITO

IV.1. Questões a decidir

A primeira questão a decidir nos presentes autos é a do tratamento de custos de financiamento da Requerente sujeitos a pagamento diferido (infra, IV.2.).

Seguidamente, há que considerar a questão do seu registo contabilístico (infra, IV.3.).

Relacionada com esta questão substantiva está a questão da forma de comprovar gastos (infra, IV.4.) – e poderia estar a questão da relação dos gastos com a actividade desenvolvida pela empresa se ela tivesse sido controvertida (que não foi).

A questão a decidir que se reputa essencial é, porém, outra, e constava do RIT: saber se é possível cumular o regime da dedução de gastos a pagar no futuro com a sua transformação em “prestações acessórias, sujeitas ao regime das prestações suplementares, constante dos artigos 213.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais” (infra, IV.5.).

Finalmente, importa decidir dos pedidos, dependentes e derivados, de restituição das importâncias pagas e juros indemnizatórios (infra, IV.6.).

 

 

IV.2. Quanto à questão do tratamento fiscal de custos de financiamento da Requerente sujeitos a pagamento diferido

Nos termos do §22 da Estrutura Conceptual do Sistema de Normalização Contabilística[2], o regime de acréscimo (também dito de periodização económica) tem como um dos seus Pressupostos subjacentes o de que

os efeitos das transacções e de outros acontecimentos são reconhecidos quando eles ocorram (e não quando caixa ou equivalentes de caixa sejam recebidos ou pagos) sendo registados contabilisticamente e relatados nas demonstrações financeiras dos períodos com os quais se relacionem. As demonstrações financeiras preparadas de acordo com o regime de acréscimo informam os utentes não somente das transacções passadas envolvendo o pagamento e o recebimento de caixa mas também das obrigações de pagamento no futuro e de recursos que representem caixa a ser recebida no futuro. Deste modo, proporciona-se informação acerca das transacções passadas e outros acontecimentos que seja mais útil aos utentes na tomada de decisões económicas.

Aliás, isso mesmo resulta do disposto no artigo 18.º do Código do IRC, designadamente das normas genéricas dos seus n.os 1 e 2:

1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.

2 - As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.

Quer dizer que, segundo tal lógica, é ocioso pretender reconduzir compromissos a gastos efectivos. Para o que ao caso importa, fica claro que os juros não têm de ser pagos para serem um custo relevante do período a que dizem respeito.

Isso implica também que se não pode pretender que os compromissos sejam documentados como se estivessem em causa gastos efectivos – o que nos leva à segunda questão:

IV.3. Quanto à questão do registo contabilístico de custos de financiamento da Requerente sujeitos a pagamento diferido

Segundo as “Notas de Enquadramento” do Código de Contas aplicável às entidades sujeitas ao SNC, constantes da Portaria n.º 218/2015, de 23 de Julho, a norma contabilística aplicável à Conta 272, na qual a Requerente subsumiu as suas obrigações para com a sua accionista D..., SARL, tem o seguinte sentido:

272 — Devedores e credores por acréscimos

Estas contas registam a contrapartida dos rendimentos e dos gastos que devam ser reconhecidos no próprio período, ainda que não tenham documentação vinculativa, cuja receita ou despesa só venha a ocorrer em período ou períodos posteriores.

            A AT entendeu que, uma vez que o registo dos juros devidos se fez nesta conta, e não na conta 253 (Financiamentos Obtidos - Participantes de Capital), tal só poderia decorrer da falta de “documentação vinculativa” que a Requerente estava obrigada a apresentar:

  1. A correção em crise, ou seja, a não aceitabilidade fiscal da dedução ao lucro tributável dos gastos com juros alegadamente resultantes de um contrato de suprimento, datado de 2015.05.13, é efetuada nos termos do n.º 3, 4 e 6 do art.º 23.º e alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A, considerando o disposto no art.º 18.º todos do Código do IRC.”;
  2. A questão de fundo é que a Requerente ao abrigo do regime contabilístico do acréscimo (antes designado por princípio da espacialização dos exercícios) reconheceu, contabilisticamente, como gastos dos períodos de 2016 e 2017, respetivamente, €1.182.984,00 e €1.088.198,00, referentes a juros a pagar à sua acionista (por si calculados) apurados a partir da informação constante no contrato de suprimento, pretendendo vê-los deduzidos ao lucro tributável, enquanto que, por seu turno a Administração Tributária (…) entende que esses gastos não estão devidamente documentados de acordo com condições expressamente exigidas na lei, nos termos do n.ºs 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC.
  3. Não obstante a Requerente ter relatado no anexo às demonstrações financeiras de que os juros referentes ao contrato de suprimento terem sido reconhecidos na conta Financiamentos obtidos – juros dos suprimentos (…) da análise efetuada pelos SIT, constatou-se, contudo, que no reconhecimento dos juros foi utilizada a conta 2729102-Outros Acréscimos de Gastos- Juros Suprimentos por contrapartida da conta de gastos.
  4. Se a Requerente reconheceu o gasto dos alegados juros por contrapartida de uma conta 272 — Devedores e credores por acréscimos, foi porque no seu próprio entendimento, não estaria munida do documento que titulasse a obrigação de vir a incorrer naquele gasto, o documento que exigiria o seu pagamento.
  5. Caso assim não fosse, o reconhecimento daquele gasto teria sempre como contrapartida a conta 253 Financiamentos Obtidos - Participantes de Capital.”;
  6. Se dúvidas existissem quanto ao enquadramento contabilístico, podemos constatar que, de acordo com o entendimento da Ordem dos Contabilistas Certificados, plasmado no seu Parecer PT16183 – Empréstimos, de 2016.02.01, o reconhecimento dos juros a pagar referentes a suprimentos de sócios, em condições normais, seriam passíveis de serem reconhecidas na conta 2532 - Participantes de capital - Outros participantes – Suprimentos.
  7. A ausência de documentação emitida pela acionista, não permitiu o reconhecimento contabilístico daquele passivo financeiro na conta 2532- Participantes de capital - Outros participantes – Suprimentos.

A isto objectou a Requerente, no essencial, que

  1. o enquadramento contabilístico da rubrica #272 prevê que nela sejam registados gastos que podem não ter documentação, mas não refere que a não existência de documentação vinculativa seja um requisito para este tratamento contabilístico.”;
  2. Por outro lado, na segunda parte da explicação do SNC refere “cuja receita ou despesa só venha a ocorrer em período ou períodos posteriores”, como é o caso, pois o contrato prevê o pagamento de juros na maturidade. Ou seja, se analisarmos o plano de contas do SNC, as rubricas #27 ou #28 – Diferimentos correspondem à rubrica onde devem ser registados os gastos de despesas/receitas que seguem o princípio da especialização do exercício. Neste caso em concreto não sendo aplicável a utilização da rubrica #28, sobra a utilização da rubrica #27. Dentro da desagregação, o próprio plano de contas prevê a utilização da conta #272 para a periodização económica”;

 

Do ponto de vista da caracterização objectiva da situação, tem razão a Requerente: a regra da periodização é cumprida pelo registo das obrigações de pagamento diferido no ano em que são incorridas. Do ponto de vista da caracterização subjectiva da situação, tem razão a AT: as relações entre a Requerida e a sua accionista implicariam a utilização da conta 253 Financiamentos Obtidos - Participantes de Capital.

Ambas as previsões contabilísticas têm aplicação ao caso. Há, portanto, um concurso de contas que é resolvido, de acordo com o invocado Parecer da Ordem dos Contabilistas Certificados (e com um dos princípios básicos de resolução de concursos de normas), com a prevalência da que então se configura como especial (a que tem recorte subjectivo) sobre a geral (a que tem recorte objectivo). Porém, de tal admissível inadequação de registo contabilístico não se extrai a conclusão invocada pela AT: não se pode imputar à Requerente uma espécie de confissão tácita de que tenha sido o reconhecimento da inexistência de documentação adequada que a levou a escolher o enquadramento na norma geral em vez de na norma especial. A relação de especialidade entre ambas as contas não passa pela existência, ou não, de “documentação vinculativa” (em termos tais que, em caso da sua falta, cairia na conta geral do 272, e, no caso da sua existência, caberia na 253 – na verdade, supõe-se, nessa ou em qualquer outra, consoante a receita ou despesa que só viesse a ocorrer em período ou períodos posteriores).

Em suma: a questão do adequado registo contabilístico é distinta da adequação ou não da documentação detida pela Requerente para prova das suas obrigações de pagamentos futuros, que será considerada a seguir.

V.4. Quanto à questão da forma de comprovar gastos

Entendeu a AT que a documentação disponível não permitia comprovar os gastos considerados pela Requerente:

  1.  “Na execução da contabilidade deverá verificar-se o cumprimento da regra segundo a qual, “Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário” (cf alínea a) do nº 2 do art.º 123º do CIRC, sob a epígrafe “Obrigações contabilísticas das empresas”).
  2. Também, o disposto no art.º 23.º-A do mesmo Código indica os “encargos não dedutíveis para efeitos fiscais”, “mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação”.
  3. E é o que sucede com os encargos a que se refere a primeira parte da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A do CIRC, encargos cuja documentação não satisfaça os requisitos mínimos previstos nos números 3 e 4 do artigo 23.º, cuja dedutibilidade fiscal está expressamente vedada por aquela norma e que tem em vista impor aos sujeitos passivos os deveres de documentação de encargos considerados necessários para assegurar a eficiência do controle da afetação das despesas a fins empresariais, essencial para relevância de aquisições de serviços com gastos, e para evitar situações de fraude e de evasão fiscal. (Sublinhado nosso)”;
  4. Ou seja, nestes casos, apesar da existência de documentação do encargo, não sendo esta a apropriada face ao exigido nos números 3, 4 e 6 do art.º 23.º, o gasto não deve ser dedutível para efeitos do apuramento do lucro tributável.
  5. Ora, constataram os SIT, no âmbito da ação desenvolvida, que o documento de suporte do registo contabilístico daqueles encargos financeiros que ascendem a €1.182.984,00 em 2016 e €1.088.198,00 em 2017, apresentado pela Requerente, é um mapa elaborado num programa de software de folha de cálculo Excel, elaborado pela própria Requerente sem mais, um mero documento produzido internamente e não, como seria expectável, notas de débito, faturas ou documentos equivalentes emitidos por entidade externa, designadamente pela mutuante.
  6. Fiscalmente, tal procedimento da Requerente, e como se encontra expresso no RIT, constitui clara violação do estipulado na lei, nomeadamente do disposto nos números 3, 4 e 6 do art.º 23.º do CIRC, vindo de citar, com a implicação taxativamente prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º-A, do CIRC, ou seja, com a obrigatória desconsideração daqueles encargos para efeitos de apuramento do resultado tributável.
  7. Estas normas têm em vista o combate à fraude e evasão fiscais pois como se percebe, a operação em causa nos autos (consideração de gastos referentes a juros suportados) afeta a situação patrimonial de duas entidades distintas, a própria requerente (mutuária) e a única acionista e mutuante D...: um gasto para um agente, no caso a mutuária A..., contrapõe-se um rendimento para o outro, a sociedade mutuante D....
  8. a documentação interna que serviu de suporte ao reconhecimento contabilístico (o aludido mapa de ficheiro Excel) não é suficiente para se considerar devidamente comprovado documentalmente, como exige o n.º 3 do art.º 23.º do CIRC, quando confrontada com informação recolhida pelos SIT.
  9. da resposta obtida junto da Autoridade Tributária do Luxemburgo, na sequência do pedido de Troca de Informação, não foi apurada informação que corroborasse com os registos contabilísticos da Requerente (Anexo 8 do RIT).
  10. Dos valores considerados como gastos pela Requerente, referentes juros resultantes do contrato de suprimentos (€1.182.984,00 em 2016 e €1.088.198,00 em 2017), veio aquela Autoridade Tributária informar que a mutuante (a acionista) apenas reconheceu como rendimento, juros no valor de € 581.994,00, no ano de 2016.
  11. Por outro lado, refere aquela Autoridade Tributária, que a D... (acionista) reconheceu o empréstimo acionista à A... apenas até março de 2017. Após essa data, a acionista não obteve, nem reconheceu, mais rendimentos provenientes da Requerente (vd. anexo 8 ao RIT).”;
  12. E não pode ser o contrato de suprimento, onde se encontra previsto o pagamento de juros, ser entendido como documentação devida para efeitos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 23.º do CIRC”;

Em contrapartida, sobre esta questão a argumentação da Requerente foi, essencialmente, a seguinte:

  1. de acordo com jurisprudência já proferida pelos nossos Tribunais: “Os documentos existentes (contratos de suprimentos) são documentos justificativos e bastantes para legitimar a correta contabilização destes gastos financeiros – cfr. art.º 123.º do CIRC.” – cfr. Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 1/2018-T (…)”;
  2. Nos termos do disposto no art.º 23.º do CIRC para que os gastos sejam considerados dedutíveis para efeitos fiscais, são necessários dois requisitos fundamentais:

- que sejam comprovados documentalmente;

- que sejam incorridos ou suportados pelo Sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.”;

  1. Sendo que ambos os requisitos se encontram verificados, porquanto existe prova documental que os mesmos foram incorridos e por outro lado foram manifestamente contraídos no interesse da empresa.”;
  2. não se entende porque a Requerida está a concluir pela falta de documento que titule a obrigação uma vez que este documento existe – contrato de suprimentos, que define a obrigação de reembolso do empréstimo e respetivos juros.”;
  3. a Requerente juntou aos autos o contrato de suprimentos que, ainda para mais foi reduzido a escrito, apesar de não existir qualquer obrigação legal nesse sentido.”;
  4. a determinação do montante dos juros a considerar em cada ano encontra-se suportada por um cálculo em Excel, o qual tem por base um contrato de suprimento assinado pelos intervenientes, onde são estabelecidas as condições aplicáveis. (…)”;
  5. O tratamento contabilístico dado pela Requerente aos juros, resulta claro do teor dos Relatórios e Contas juntos aos autos bem como das respetivas cartas de circularização.”;
  6. o tratamento contabilístico incorreto dado pela acionista não poderá condicionar o tratamento contabilístico seguido pela Requerente na medida em que a responsabilidade não se extinguiu.”;
  7. os Administradores da acionista responderam aos auditores da Requerente a confirmar a existência de um montante de juros e capital em dívida, o que é corroborado nos Relatórios e Contas, juntos aos autos, também assinados pela Administração da Requerente.”.

Sobre o ponto – que é, recorde-se, estabelecer os requisitos da suficiência de prova dos juros decorrentes de suprimentos concedidos pela accionista única à Requerente – há, pelo menos, o apropriado precedente que ela invocou (o Acórdão Arbitral proferido no Proc. n.º 1/2018-T), considerando que o contrato de suprimento é prova bastante da existência da dívida de juros de pagamento diferido:

A fundamentação entende que os juros suportados (registados contabilística e fiscalmente) relativos aos suprimentos efetuados pela sociedade dominantes não devem ter aceitação fiscal por parte da requerente (devedora e obrigada ao pagamento de juros), por falta de documentação (que a apresentação de contratos não é suficiente) – em violação do art.º 23.º e 123.º do CIRC. A Requerente alega que os gastos de juros estão documentados (existem contratos de suprimentos) e que se referem à aquisição de marcas pela requerente, que são ativos fulcrais para o exercício da sua atividade.

O tribunal anula a liquidação neste ponto, com base nos seguintes argumentos:

a) (…)

b) (…)

c) Fica apenas por analisar a documentação destes gastos: e aqui, não há dúvida que existe documentação suficiente e bastante para estes gastos. Desde logo, os próprios contratos de suprimentos, onde se indicam, os valores mutados, o prazo do contrato e a taxa de juro anual. Logo, por simples equação matemática é possível apurar ao cêntimo o valor do juro anual, como fez o contribuinte, através de documentação externa, já que o contrato também é assinado pelo mutuante e não apenas pela requerente.

d) Perante tal situação, dispensa-se a fatura – até porque não houve pagamentos neste ano de juros (por acordo contratual entre as partes). Mas os juros não são contabilizados quando pagos, mas quando devidos pelo decorrer do tempo. E os documentos existentes (contratos de suprimentos) são documentos justificativos e bastantes para legitimar a correta contabilização destes gastos financeiros (cfr. art.º 123.º do CIRC).

e) Acresce que os juros são contabilizados pelo devedor sob a regra da especialização dos exercícios (art.º 18-º do CIRC) – no sentido que são contabilizados como um gasto, não quando são pagos (pelo contrato apenas é no final), mas na sua quantificação anual. Assim, o facto de em 2014 não haver pagamento de juros – movimento financeiro – não implica que não sejam aceites em termos fiscais, nem que tenha de haver qualquer documentação de ambas as partes, especifica sob a sua quantificação anual. Tal não é necessário, pois tal já decorre, de forma total e absoluta, do contrato celebrado entre as partes.

 

            Acontece que, no caso dos presentes autos, o contrato de suprimentos era apenas um dos vários documentos de que a AT dispunha para aferir da existência desses encargos: havia os Anexos às Demonstrações Financeiras de 2016, de 2017 e de 2018 (com chancela da contabilista certificada), havia cartas da accionista D... [3], havia o Anexo 6 ao RIT (que discriminava os valores das movimentações financeiras de amortização parcial dos suprimentos – em 31 de Dezembro de 2015, 29 de Abril de 2016, 23 de Agosto de 2016 e 27 de Dezembro de 2016 –, o impacto no “Capital em dívida Acumulado”, uma coluna – em branco – para o “Pagamento de juros” e outras duas com “Juros mensais tx nominal” e os “Juros acumulados tx nominal”) e havia, finalmente, a conversão em “prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares” de um montante de €16.501.790,59 (que corresponde a um excesso em relação ao valor dos suprimentos registados nesses anos – €11.958.218 –, e ao valor do aumento do capital da Requerente – €45.000 – que é exactamente correspondente aos juros contratualizados para esses suprimentos). Parece ao Tribunal, assim, que os invocados cuidados quanto ao combate à fraude e evasão fiscais não colhem no caso e que a AT não andou bem ao pretender que a documentação devida numa situação de pagamento diferido devia corresponder à de uma situação de pagamento consumado[4].

            Quer dizer que tinha razão a Requerente ao pretender que só tinha de manter actualizado (e assumido na sua contabilidade) o montante do que devia e havia de pagar no futuro.

Desde que, evidentemente, o viesse efectivamente a pagar – que foi o que não aconteceu.

 

IV.5. Quanto à questão da cumulação do regime da dedução de gastos a pagar no futuro com a sua transformação subsequente em “prestações acessórias, sujeitas ao regime das prestações suplementares, constante dos artigos 213.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais

O texto da “Decisão por Escrito de Sócia Única” refere-se a prestações acessórias sujeitas ao regime das prestações suplementares, mas o regime das prestações acessórias não coincide, a vários títulos[5], com o das prestações suplementares. Para efeitos dos presentes autos, a diferença mais significativa é a de que as prestações suplementares permitem o reforço do capital social da sociedade:

A sua função consiste em permitir o aumento do património líquido (capital próprio) da sociedade, sem necessidade de um aumento do capital social*. Integrando as prestações sociais o capital próprio da sociedade, os sócios que efectuem prestações suplementares em favor da sociedade não são tratados como credores, avultando a sua posição de sócios. Estes, também pela via das prestações suplementares, assumem o risco da exploração da sociedade.[6]

De resto, a – textualmente paralela – versão inglesa do texto português não deixa dúvidas quanto a esta natureza de suplemento de capital: “To convert shareholder loans (…) made more than a year ago, into ancilary capital contributions, subject to the supplementary capital contributions’ regime, set forth in the provisions of articles 213 et seq. of the Portuguese Commercial Companies Code.

A razão pela qual a “Decisão por Escrito de Sócia Única” de 5 de Março de 2020 se referiu a uma realidade que identificou inequivocamente pelo regime que lhe é aplicável (o das prestações suplementares) designando-a inicialmente por uma outra (prestações acessórias) é irrelevante. O que importa é que a sinonímia entre “prestações acessórias” e aumento de capital estava arreigado, como se comprova no mail da Requerente de 31 de Março de 2021, na sequência de um pedido de informação da AT “sobre se os juros suportados já foram faturados”, em que respondeu que “Não foram, em 2020 foram convertidos em capital (prestações acessórias), aquando da transformação da Sociedade em Sociedade Anônima, conforme ata em anexo;” (Anexo 5 ao RIT, p. 234 do PA).

Tal sinonímia também foi adoptada:

- pelo RIT (p. 59 do PA):

Neste caso em concreto, pode mesmo concluir-se que, apesar de reconhecidos contabilisticamente, os gastos não foram incorridos, uma vez que os juros em questão, nunca foram pagos, nem faturados, vindo mesmo a ser convertidos em capital (prestações acessórias), em 2020, aquando da transformação da Sociedade em Sociedade Anónima, donde resulta que, em bom rigor, os mesmos nem sequer poderão ser considerados gastos.

 

- pela Resposta da AT ao PPA:

Em suma, como bem referem os SIT (pág.26 do RIT), os juros apesar de terem sido reconhecidos contabilisticamente, os gastos não foram incorridos, uma vez que os juros em questão, nunca foram pagos, nem faturados, vindo mesmo a ser convertidos em capital (prestações acessórias), em 2020, aquando da transformação da Sociedade em Sociedade Anónima, donde resulta que, em bom rigor, os mesmos nem sequer poderiam ter sido considerados como gastos.

- e pela própria Requerente (n.os 77 e 78 das Alegações, destaques aditados):

este mesmo facto é ainda reforçado pelo teor da ata de conversão dos suprimentos em capital, na qual os acionistas assumem novamente a existência da responsabilidade.

(…)

Acontece que dadas as dificuldades de liquidez da LT, foi decidido pelos acionistas converter os juros e o capital e dívida do suprimento em capital, para repor a situação dos capitais próprios negativos da Sociedade.

Ora, como costuma dizer-se, não se pode ter um bolo e comê-lo: se o capital da nova SARL, constituída a partir da anterior sociedade unipessoal, foi reforçado em 5 de Março de 2020 por um valor que integrava os juros dos suprimentos – como resulta inequivocamente do valor então indicado (€16.501.790,59[7]) e a própria Requerente assumiu – isso implica, ipso facto, que o suposto (e adiado) pagamento de juros devidos pelos suprimentos não chegou a acontecer, nem poderia mais vir a acontecer.

Dito de outro modo: se um gasto que o sistema fiscal admite que possa ser deduzido ao lucro de uma empresa porque sai – ou é suposto sair, mais tarde – do seu património, para compensar um custo da sua actividade, se integra, afinal, no seu património (porque se volve em capital dessa empresa – na forma de reforço de capital e de prestações suplementares), então não foi na verdade um custo (diferido) dessa actividade, mas uma mera poupança sua.

Como bem referido no RIT, “em bom rigor, os mesmos nem sequer poderão ser considerados gastos”, qualquer que tenha sido, até aí, o seu enquadramento jurídico e contabilístico. Na verdade, tudo se passa como se o registo contabilístico dos gastos calculados em função de um pagamento futuro estivesse sujeito à condição resolutiva de vir a ocorrer esse pagamento[8]. Sem ele, fica retroactivamente desfeita a legitimidade do enquadramento que, até aí, era presumida.

Assim, a conversão dos juros a pagar pela Requerente em capital da Requerente, ocorrida em 5 de Março de 2020, evidencia que – tirando o valor dos juros que foram pré-pagos em 2016 – não houve outra despesa sua com suprimentos que pudesse abater aos resultados dos anos de 2016 a 2019, nem poderia, depois de tal conversão, jamais vir a havê-la.

Logo, a sua desconsideração como gasto foi bem decidida pela AT.

 

 

IV.6. Quanto à questão de restituição das importâncias pagas e juros indemnizatórios

Tendo improcedido a argumentação da Requerente e sendo de confirmar as correcções efectuadas pela AT, não se coloca qualquer questão de restituição de montantes pagos ou de cômputo de juros indemnizatórios.

 

  1. DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, o presente Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar totalmente improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral;
  2. condenar a Requerente no pagamento das custas, nos termos abaixo especificados.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele, correspondendo à utilidade económica do pedido, equivaler à importância cuja anulação se pretende (alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi da alínea a) do artigo 6.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária - RCPAT), fixa-se o valor do processo em €326.859,93 (trezentos e vinte e seis mil oitocentos e cinquenta e nove euros e noventa e três cêntimos).

 

 

  1. CUSTAS

Custas a cargo da Requerente, no montante de € 5.814,00 (cinco mil, oitocentos e quatorze euros), nos termos da Tabela I do RCPAT e do disposto no seu artigo 4.º, n.º 5, e nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, dado que o presente pedido foi julgado inteiramente improcedente.

 

Lisboa, 5 de Dezembro de 2022

 

O Árbitro Presidente e Relator

 

 

                                                               (Victor Calvete)

 

O Árbitro Adjunto

 

 

(José Coutinho Pires)

 

O Árbitro Adjunto

 

 

(Paulo Lourenço)

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam.

 

 

 



[1] Desse montante, €20.700,00 eram referentes a uma “Diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato [art.° 64.°, n.° 3 al. a)]” que a AT sublinhou (artigo 86.º da sua Resposta) não ter sido contestada no PPA.

[2] Publicada no Diário da República, 2.ª Série, de 7 de Setembro de 2009, pelo Aviso n.º 15652/2009.

[3] A Requerente invocou que havia uma declaração da sua accionista única, emitida em sede de certificação legal das suas contas (suas, da Requerente), informando que “os juros foram efetivamente apurados”, remetendo para o Documento n.º 11-A, junto com o PPA. Na verdade, porém, esse documento só documenta pedidos da Requerente à sua accionista para o envio dessas informações à Deloitte & Associados no âmbito da “examination of our financial statements” de 2016, 2017 (ambos com a mesma data) e 2018, constando as declarações da D... para 2015, 2016 e 2017 (todas com a mesma data) do Documento 12, junto com o PPA. Para 2016, o total de juros aí declarado era de €1.182.983 e, para 2017, de €1.088.198, que foram os valores que a AT entendeu desconsiderar (com a diferença, para mais, de um euro no primeiro valor, decorrente de diferentes formas de arredondamento).

 

[4] A AT invocou, com base no documento constante do Anexo 8 (uma muito resumida “Balance Sheet” na qual há, manuscrita, a seguinte anotação: “Fonte: resposta ao pedido de informação efetuado ao Luxemburgo”), que os juros “não foram reconhecidos como rendimentos na contabilidade da acionista (confirmado pela autoridade tributária do Luxemburgo – cfr. Anexo 8 do RIT).” Ainda que uma tal informação pudesse, em outro contexto, descredibilizar a real existência de juros, indiciando então uma despesa fictícia no ordenamento nacional, a conversão desses valores em capital prova definitivamente a sua existência. Assim, a haver alguma infracção às regras contabilísticas ou obrigações fiscais, ela teria ocorrido no Luxemburgo, não em Portugal. 

 

[5] Vg: quanto ao objecto, as prestações acessórias à sociedade podem ser de diversa natureza (prestação de serviços, fornecimento de bens, concessão de empréstimos, obrigações diversas…) – enquanto que as prestações suplementares são necessariamente pecuniárias; quanto à natureza da relação que delas nasce, as prestações acessórias geram relações de crédito, exteriores à relação do sócio com a sociedade (e daí que possam ser reembolsadas ou remuneradas com bens não distribuíveis) – enquanto que as prestações suplementares podem ser consideradas como uma parte eventual e variável do capital social (e daí que só possam ser reembolsadas com respeito pela integralidade do capital social). Como escrevem Helena Salazar/Margarida Azevedo/Nuno Alonso Paixão, “Prestações acessórias, prestações suplementares e suprimentos”, in Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 28, 2017, p. 78,

As obrigações acessórias estão sujeitas, pois, a um regime jurídico que assenta numa dupla vertente. Por um lado, são obrigações sociais, não resultando de meros acordos laterais entre o sócio e a sociedade. Por outro lado, estão sujeitas a um regime essencialmente contratual. Esta circunstância implica que o sócio seja tratado como credor quando do contrato para ele resultem direitos sobre a sociedade.

 

[6] Helena Salazar/Margarida Azevedo/Nuno Alonso Paixão, ob. cit., pp. 78-79, *nota suprimida.

[7] Esse valor corresponde ao que constava como montante a reembolsar – €16.546.790 – no cálculo do Anexo 6 ao RIT (p. 238 do PA), depois de retirados a este valor os €45.000 que reforçaram o capital social da Requerente (ponto Dois da “Decisão por Escrito de Sócia Única” datada de 5 de Março de 2020).

 

[8] Um símile possível é a obrigação de reinvestimento dos montantes gerados com a venda de um imóvel para não pagar mais-valias. Face à declaração de que tais valores serão afectos à aquisição de um novo imóvel para habitação própria, suspende-se a tributação durante um certo prazo. Se a condição não se verificar no prazo previsto, cessa a suspensão e o pagamento passa a ser devido – cfr. artigo 10.º, ns. 5 e 6 do Código do IRS.

O mesmo se diga, por exemplo, da isenção de que beneficiavam os Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH). Nas palavras do Acórdão proferido pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário, em 24 de Novembro de 2021, no âmbito do processo n.º 023/21.6BALSB,

Assim, tendo o benefício como pressuposto legal a destinação do imóvel a arrendamento habitacional permanente, o FIIAH teria sempre que fazer prova junto da AT do cumprimento daquele pressuposto (da condição legal) (…) Caso contrário, a ter lugar a alienação do imóvel sem se ter preenchido a condição (sem o bem ter sido arrendado) e sem se ter obtido a autorização, os benefícios fiscais (ou seja, as isenções de IMT, IS e IMI) teriam de considerar-se sem efeito, o mesmo é dizer que aqueles benefícios fiscais caducariam.