Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 124/2017-T
Data da decisão: 2017-10-09  Selo  
Valor do pedido: € 17.752,46
Tema: IS - Verba 28.1 da TGIS - Andares ou divisões susceptíveis de utilização independente - caducidade do direito de acção.
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Carla Castelo Trindade, Árbitra designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar este tribunal arbitral toma a seguinte:

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

Em 16 de Fevereiro de 2017, A…, S.A. com sede na Rua …, n.º … em Lisboa, pessoa colectiva número … (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria tributária, aprovado pelo Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Mediante o pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral, a Requerente pretende a anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados ao abrigo da verba 28.1 da TGIS, relativos ao ano de 2015, ao qual dizem respeito as primeiras, segundas e terceiras prestações, no valor global de
€ 17.752,46 (dezassete mil, setecentos e cinquenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos).

Com efeito, não se conformando com as liquidações de Imposto do Selo acima identificada a Requerente solicitou a constituição deste tribunal arbitral, formulando os seguintes pedidos:

  1. Declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de liquidação de Imposto do Selo, ao que se julga, com fundamento em vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito de que depende a aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS);
  2. Reembolso do montante de € 17.752,46 pago indevidamente;
  3. Condenação da Administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.°, n.° 1, da LGT.

 

Com a petição juntou 42 documentos.

Como a Requerente optou pela não designação de árbitro, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitra do tribunal arbitral singular a Dra. Carla Castelo Trindade que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram notificadas dessa designação, não tendo sido apresentado qualquer pedido de recusa da designação como árbitro pela Dra. Carla Castelo Trindade.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 27 de Abril de 2017.

Em 1 de Junho de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida”) apresentou resposta na qual se defendeu apenas por excepção, tendo alegado a intempestividade do pedido de constituição do tribunal arbitral improcedência total do pedido de pronúncia arbitral. A Requerida não procedeu à junção do procedimento administrativo.

Atendendo a que, no caso, não se verificava nenhuma das finalidades que legalmente estão cometidas à reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e, tendo em conta a posição tomada pelas partes nos articulados, ao abrigo do disposto nos artigos 16.º alínea c) e 19.º do RJAT, bem como dos princípios da economia processual e da proibição de actos inúteis, dispensou-se a realização desta reunião tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações.

A Requerente apresentou alegações, nas quais respondeu à excepção de caducidade invocada pela Requerida.

Em 20 de Agosto de 2017 foi proferido despacho, convidando as partes a prestar esclarecimentos e elementos de prova quanto à notificação para pagamento das primeiras prestações do Imposto do Selo em questão e quanto às datas de notificação da Requerente das notas de cobrança das primeiras, segundas e terceiras prestações do Imposto. Tudo ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material, previsto no artigo 99.º da LGT, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, bem como ao abrigo do princípio do contraditório, na vertente de proibição de decisões surpresa e da cooperação das partes com o tribunal, previstos nas alíneas a) e f) do artigo 16.º do RJAT.

A Requerida respondeu, em 11 de Setembro de 2017, tendo junto os documentos relativos à notificação da Requerente das primeiras prestações do Imposto do Selo.

A Requerente não respondeu.

II. SANEAMENTO

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.

As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias e são legítimas.

Tudo visto, cumpre decidir.

III. DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada. Tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e o artigo 607.º, n.º 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º Código de Processo Civil aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Ora, atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

  1. A Requerente é proprietária de um prédio sito no … n.º … a …, … n.º … a …, Rua do … n.ºs …-…-…-…-…-…ª-…-…, …-… Lisboa, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho de Lisboa, sob o artigo …, actualmente correspondente ao artigo … da mesma freguesia, na sequência da apresentação do Modelo I do IMI de 12-05-2016.
  2. O prédio é constituído por quatro pisos, dispondo de um total de quinze divisões susceptíveis de utilização independente (cf. Doc. 41 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  3. O prédio encontra-se em propriedade vertical e tem um valor patrimonial tributário de € 2.030.012,44 (dois milhões, trinta mil e doze euros, e quarenta e quatro cêntimos) (cf. Doc. 41 do pedido de constituição do tribunal arbitral).
  4. Os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente que integram o prédio são, os seguintes, e com as afectações que se seguem:

Andar/divisão

Afectação

Loja 3

Armazéns e actividade industrial

Loja 3A

Armazéns e actividade industrial

Loja 50

Habitação

Loja 52

Habitação

Loja 54

Habitação

Loja 56

Habitação

Loja 58

Armazéns e actividade industrial

Loja 63

Comércio

Loja 64

Comércio

Loja 65

Comércio

Rés do chão D 62

Habitação

Rés do chão E 62.

Habitação

Rés do chão F 62

Habitação

Rés do chão 1

Habitação

  1. Deste modo, são oito as divisões susceptíveis de utilização independente com fim habitacional, e com interesse para a decisão da causa.
  2. De acordo com a avaliação efectuada, foi atribuída a cada uma das divisões susceptíveis de utilização independente, com fim habitacional, o seguinte valor patrimonial (cf. Doc. 41 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral):

Andar/divisão

VPT

Loja 50

€ 36.482,80

Loja 52

€ 42.771,18

Loja 54

€ 39.938,85

Loja 56

€ 21.830,38

Rés do chão D 62

€ 60.532,00

Rés do chão E 62.

€ 79.744,78

Rés do chão F 62

€ 80.450,30

Rés do chão 1

€ 1.391.152,15

 
  1. Em 2015 a Requerida liquidou Imposto do Selo previsto na Verba 28.1 da TGIS, à taxa de 1%, sobre o valor patrimonial de cada uma das divisões do prédio, susceptíveis de utilização independente, e afectas a habitação.
  2. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das primeiras prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2015, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança
(1ª Prestação)

Valor a pagar

Loja 50

2016 …

€ 182,42

Loja 52

2016 …

€ 213,86

Loja 54

2016 …

€ 199,70

Loja 56

2016 …
(Prestação Única)

€ 218,30

Rés do chão D 62

2016 …

€ 201,78

Rés do chão E 62.

2016 …

€ 265,83

Rés do chão F 62

2016 …

€ 268,18

Rés do chão 1

2016 …

€ 4.637,18

Total:

€ 4.541,08

(conforme documentos juntos pela Requerida em 11-09-2017)

  1. As notificações foram efectuadas electronicamente, através do serviço ViaCTT em 08-04-2017.
  2. A Requerente apenas acedeu à caixa postal electrónica do serviço ViaCTT em 21-06-2017.
  3. A Requerente foi citada para os processos de execução fiscal n.ºs …2016…; …2016…; …2016…; …2016…; …2016…; …2016…; …2016… (relativos à primeira prestação acima identificada) e …2016… (relativo à prestação única acima identificada), tendo sido emitidos documento únicos de cobrança para pagamento integral voluntário do imposto em processo de execução fiscal.
  4. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário, em processo de execução fiscal, das primeiras prestações acima identificada em 23-06-2016 (Cf. Docs. 22 a 29 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral).
  5. A Requerente procedeu ao pagamento voluntário, em processo de execução fiscal, da prestação única acima identificada, relativa à Loja 56, em 29-07-2016 (Cf. Doc. 34 do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral).
  6. A Requerente foi notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2015, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança
(2ª Prestação)

Valor a pagar

Loja 50

2016 …

€ 182,41

Loja 52

2016 …

€ 213,85

Loja 54

2016 …

€ 199,69

Loja 56

N/A

N/A

Rés do chão D 62

2016 …

€ 201,77

Rés do chão E 62.

2016 …

€ 265,81

Rés do chão F 62

2016 …

€ 268,16

Rés do chão 1

2016 …

€ 4.637,17

Total:

€ 4.541,08

(conforme Docs. 10 a 16 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral)

  1. Em 28-07-2016 a Requerente procedeu ao pagamento das segundas prestações acima identificadas relativas às divisões Rés do Chão D62; Rés do Chão E62, Rés do Chão F62 e Rés do Chão 1 (cf. Docs. 30, 31, 32, 33 do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral).
  2. Em 14-11-2016 a Requerente procedeu ao pagamento das segundas prestações acima identificadas relativas às divisões Loja 50, Loja 52 e Loja 54 (cf. Docs. 35, 36 e 38 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral).
  3. A Requerente foi ainda notificada para proceder ao pagamento das terceiras prestações do acto de liquidação de Imposto do Selo, respeitante ao ano de 2015, efectuado ao abrigo da verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, correspondente aos seguintes montantes e notas de cobrança:

Andar/divisão

Nota de cobrança
(3ª Prestação)

Valor a pagar

Loja 50

N/A

N/A

Loja 52

N/A

N/A

Loja 54

N/A

N/A

Loja 56

N/A

N/A

Rés do chão D 62

2016 …

€ 201,77

Rés do chão E 62.

2016 …

€ 265,81

Rés do chão F 62

2016 …

€ 268,16

Rés do chão 1

2016 …

€ 4.637,17

Total:

€ 4.541,08

(conforme Docs. 17 a 20 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral)

  1. Em 14-11-2017 a Requerente procedeu ao pagamento das terceiras prestações acima identificadas (cf. Docs. 37, 39, 40 e 41 do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral).

 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Como referido, relativamente à matéria de facto dada como assente, o tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada tal como dispões o artigo 123.º, n.º 2, do CPPT aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram, como acima se referiu, escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, não existindo outra factualidade alegada que seja relevante para a correcta composição da lide processual.

 

IV. DA MATÉRIA DE DIREITO

Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, as questões a dirimir são, pela seguinte ordem:

  1. Caducidade do direito de acção da Requerente (excepção invocada pela Requerida na sua Resposta);
  2. Legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos ao ano 2015.

Da caducidade do direito de acção da Requerente

A Requerida invocou, em sede de resposta, a excepção peremptória de caducidade do direito da acção da Requerente quanto aos actos de liquidação de Imposto de Selo relativos ao ano 2015, “porquanto o prazo de 90 dias após o pagamento voluntário das primeiras prestações foi amplamente ultrapassado”.

Entende a Requerida que, tendo o prazo para pagamento das primeiras prestações de Imposto acima identificadas terminado em 30-04-2016, e não tendo a Requerente procedido ao pagamento das mesmas, nos termos do artigo 120.º, n.º 4 do Código do IMI, implica o imediato vencimento das restantes prestações. Nestes termos, o pedido de constituição do tribunal arbitral, porque apresentado no prazo de 90 dias a contar de 30-11-2016 (termo do prazo de pagamento das segundas e terceiras prestações, consoante a cobrança do Imposto tenha sido dividida em duas ou três prestações) seria extemporâneo, uma vez que tais prestações já se teriam vencido.

Tal entendimento até poderia prevalecer caso (i) a Requerida tivesse, em sede de processo de execução fiscal, promovido a cobrança coerciva da totalidade do imposto e (ii) a Requerente não tivesse, ainda assim, continuado a ser notificada para pagamento das restantes prestações.

Ora, em sede de processo de execução fiscal, a Requerida demandou apenas o pagamento das primeiras prestações dos actos de liquidação acima melhor identificados (Cf. Docs. 1 a 7 do Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral). Tendo a Requerente então procedido ao pagamento integral voluntário, nos termos dos respectivos Documentos Únicos de Cobrança. A Requerida não exigiu da Requerente o pagamento da totalidade do imposto, em ordem com o vencimento imediato das prestações.

Mais acresce que, posteriormente, a Requerente foi novamente notificada para proceder ao pagamento das segundas prestações e mesmo das terceiras (consoante a cobrança do imposto tenha sido dividida em duas ou três prestações nos termos legais), conforme se comprova dos documentos juntos com o pedido de constituição do tribunal arbitral acima melhor identificados.

Deste modo, e ao contrário do que alega a Requerida no artigo 20.º da sua Resposta, o pedido de constituição de tribunal arbitral não se poderá considerar intempestivo.

De facto, uma vez que os actos de liquidação são únicos, ainda que, para efeitos de cobrança, sejam repartidos em duas ou três prestações (o que, de todo o modo, a Requerida não contesta) e que a não contestação da primeira prestação não implica a preclusão do direito a contestar a segunda ou a terceira, tendo a Requerente procedido ao pagamento atempado da segunda e terceiras prestações (nos casos em que estas últimas existiram), o prazo para constituição do tribunal arbitral conta-se do termo do prazo para pagamento voluntário da última prestação que seja devida. Entendimento este que, de resto, tem sido amplamente seguido quer pela jurisprudência do CAAD quer pela dos tribunais administrativos e fiscais judiciais.

No entanto, este entendimento aplicado ao caso concreto levará, ainda assim, à procedência parcial da excepção de caducidade invocada pela Requerida no que respeita a um dos actos de liquidação.

Tudo porque, nos termos do artigo 120, n.º 1, alínea a) do Código do IMI ex vi do artigo 44.º, n.º 5, do Código do Imposto do Selo, a cobrança do Imposto do Selo apurado quanto ao andar/divisão susceptível de utilização independente com a designação de Loja 56, por ter um VPT de € 21.830,38, do qual resultou um imposto a pagar de € 218,30 (i.e. inferior a € 250,00), é efectuada através de uma prestação única, com data limite de pagamento voluntário em 30 de Abril.

Ora, não tendo a Requerente procedido ao pagamento voluntário desta prestação, foi-lhe instaurado, conforme se viu supra, processo de execução fiscal, no âmbito do qual foi emitido um documento único de cobrança para pagamento integral, com data limite de pagamento de 31-07-2016. A Requerente procedeu ao respectivo pagamento em 28-07-2017. A cobrança deste acto de liquidação foi, assim, efectuada através de uma única prestação, pelo que, quanto a este acto de liquidação, ocorreu a caducidade do direito de acção da Recorrente, nos termos conjugados dos artigos 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e 102.º, n.º 1 do CPPT.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a excepção de caducidade invocada pela Requerida, quanto ao acto de liquidação de Imposto do Selo relativo ao ano 2015, no valor de € 218,30 que incidiu sobre o andar/divisão susceptível de utilização independente designado como Loja 56, cuja cobrança foi efectuada por via do documento com o n.º 2016… .

No restante, julga-se a excepção de caducidade improcedente, pelos motivos supra indicados.

 

Da legalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo

 

Em face da procedência parcial da excepção de caducidade invocada, a apreciação da legalidade incide apenas sobre os actos de liquidação do Imposto do Selo relativo ao ano 2015 que incidiu sobre os seguintes andares/divisões susceptíveis de utilização independente: Loja 50, Loja 52, Loja 54, Rés do Chão D62, Rés do Chão E62, Rés do Chão F62 e Rés do Chão 1, supra melhor identificados.

Ora, entende a Requerente que os actos de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre os andares/divisões de susceptíveis de utilização independente do prédio supra descrito são ilegais, por vício de violação de lei, pela errónea interpretação e aplicação da Verba 28.1 da TGIS, tendo a Requerida ficcionado que o prédio estaria em propriedade horizontal para efeito de tributação da parte habitacional do prédio.

Assim, cabe antes de mais referir que foi a Lei n.º 55-A, de 29 de Outubro que alterou o artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, aditando à TGIS a Verba 28, a qual dispõe que:

“28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28-1 – Por prédio com afectação habitacional- 1%;

28-2 – Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças – 7,5%.”

Assim, com a entrada em vigor da Verba 28.1 os prédios com afectação habitacional de valor patrimonial tributário igual ou superior a € 1.000.000,00 passaram a estar sujeitos a Imposto do Selo, à taxa de 1%.

Dir-se-á, então, que são três os pressupostos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, a saber (1) o imóvel tratar-se de um prédio; (2) que esse prédio tenha afectação habitacional; e (3) que o valor patrimonial tributável (VPT) constante da matriz e utilizdo para efeitos de liquidação de IMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Para a concretização dos primeiros dois pressupostos, importa, portanto, atender ao conceito de prédio com afectação habitacional.

Ora, o Código do Imposto do Selo não define o conceito de “prédio”, nem tampouco o de “prédio com afectação habitacional”. Com efeito, é o próprio artigo 1.º, n.º 6, do Código do Imposto do Selo que determina que “Para efeitos do presente Código, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI)”.

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 do Código do IMI, prédio é:

toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.”

Por seu turno, terão afectação habitacional os prédios urbanos “(…) que tenham como destino normal cada um destes fins”, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 6.º, n.º 2, do Código do IMI.

No caso em concreto, estamos perante um prédio urbano, em propriedade total, ou em regime de propriedade vertical. Tendo em conta o conceito de prédio estabelecido pelo legislador – o supra citado – não restam dúvidas que o prédio ora em análise, propriedade da Requerente se encontra literalmente abrangido pela verba 28.1 da TGIS.

Não obstante, trata-se de um prédio composto por andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, também elas com afectação habitacional, conforme se retira da Caderneta Predial Urbana, junta como Doc. 1 com o Pedido de Constituição de Tribunal Arbitral.

Refira-se, porém, que a lei não distingue, em momento algum, entre prédio em propriedade vertical e prédio em propriedade horizontal. De facto, o artigo 2.º, n.º 4, do Código do IMI limita-se a determinar que “para efeitos deste imposto, cada fracção autónoma, no regime de propriedade horizontal, é havida como constituindo um prédio”. O que o preceito determina é que as fracções autónomas são havidas como prédios. Tal não implica, porém, que as fracções autónomas sejam havidas como prédios habitacionais cujo valor patrimonial tributário, para efeitos do disposto na Verba 28.1, seja igual ou superior a € 1.000.000,00.

Restará, pois, determinar se o VPT relevante neste caso, para efeitos de incidência da Verba 28.1 da TGIS, será o VPT “global” do prédio, ou o VPT de cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, individualmente considerados.

Ora, conforme resulta da própria Verba 28.1 da TGIS e, bem assim, do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, o Imposto do Selo incidirá sobre o VPT utilizado para efeitos de IMI.

Os artigos 38.º e seguintes do Código de IMI definem o modo de determinação do VPT para efeitos daquele imposto, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 7.º daquele mesmo Código.

Mais acresce que o n.º 3 do artigo 12.º do Código do IMI dispõe que:

“Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário.”

Deste modo, para efeitos de liquidação de IMI, a cada parte do prédio susceptível de utilização independente é atribuído um VPT individual, sendo descriminado na matriz predial do prédio em propriedade total ou vertical. É então sobre esse VPT separadamente considerado que será apurado e liquidado o IMI, ou seja, em relação a cada andar, parte ou divisão do prédio com utilização independente.

A este respeito, saliente-se o decidido no âmbito do processo arbitral n.º 194/2014-T, onde se escreveu que

o Código de IMI consagra, quer quanto à inscrição matricial e discriminação do respectivo valor patrimonial tributário, quer quanto à liquidação do imposto, a autonomização das partes de prédio urbano susceptíveis de utilização independente e a segregação/individualização do VPT relativo a cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente.

Assim, a cada prédio, nos termos conceptualmente definidos pelo artigo 2.º do CIMI corresponde um único artigo na matriz (…) mas, segundo o n.º 3 do artigo 12.º do mesmo Código, referente ao conceito de matriz predial (…) «cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário» (…).

Ou seja, a regra é a autonomização, a caracterização como “prédio” de cada parte de um edifício, desde que funcional e economicamente independente, susceptível de utilização independente, de acordo com o conceito de prédio definido logo no n.º 1 do artigo 2.º do CIMI (…)”.

Em suma, para efeitos de IMI, o VPT a considerar será o VPT de cada um dos andares, partes ou divisões do prédio susceptíveis de utilização independente.

E deste modo, se a própria Verba 28 da TGIS remete para os termos do Código do IMI, as mesmas regras e princípios terão, necessariamente, de ser aplicáveis em sede de Imposto do Selo. À mesma conclusão se chegaria por força do disposto no n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo, nos termos do qual “Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.”

Assim, se nos termos do artigo 11.º da LGT a interpretação das leis tributárias deve ser efectuada atendendo aos princípios gerias de interpretação; e se deve partir do pressuposto de que o legislador “consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (cf. artigo 9.º do Código Civil), só estão abrangidas pela norma de incidência da Verba 28.1 da TGIS os andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, com afectação habitacional, cujo VPT seja inferior a € 1.000.000,00.

A verdade material é, pois, o critério determinante da capacidade contributiva, sendo irrelevante a mera realidade jurídico-formal do prédio. Com efeito, e como se disse supra, o legislador não distinguiu entre prédios em propriedade horizontal e prédios em propriedade vertical. Por conseguinte, não pode a Requerida distinguir onde o próprio legislador entendeu não o fazer, sob pena de violar o princípio da legalidade fiscal, previsto no artigo 103.º da CRP, e ainda os princípios da justiça, igualdade e proporcionalidade fiscal.

Recordando o que disse o tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 50/2013-T:

“(…) considerando que a inscrição na matriz de imóveis em propriedade vertical, constituídos por diferentes partes, andares ou divisões com utilização independente, nos termos do CIMI, obedece às mesmas regras de inscrição dos imóveis constituídos em propriedade horizontal, sendo o respectivo IMI, bem como o novo IS, liquidados individualmente em relação a cada uma das partes, não oferece qualquer dúvida que o critério legal para definir a incidência do novo imposto tem de ser o mesmo. (…)

Logo, se o critério legal impõe a emissão de liquidações individualizadas para as partes autónomas dos prédios em propriedade vertical, nos mesmos moldes em que o estabelece para os prédios em propriedade horizontal, claramente estabeleceu o critério, que tem de ser único e inequívoco, para a definição da regra de incidência do novo imposto.

Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de sele se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.

O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.

(…)

Assim, a adopção do critério defendido pela AT viola os princípios da legalidade e da igualdade fiscal, bem assim como, o da prevalência da verdade material sobre a realidade jurídico-formal.

O legislador fiscal (…) não efectua nenhuma distinção quanto ao regime dos prédios que se encontrem em propriedade horizontal ou vertical, se o prédio se encontrasse em regime de propriedade horizontal, nenhuma das suas fracções habitacionais sofreria incidência do novo imposto, pelo que não pode a AT, tratar situações iguais de forma diferente.”

A interpretação que aqui se vem defendendo – a de que o VPT relevante para efeitos da Verba 28.1 da TGIS é aquele que é imputado a cada um dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente e não o somatório de todos esses valores – é a interpretação que resulta, de resto, da ratio do Verba 28.1 e, consequentemente, das razões que determinaram a tributação, a título de Imposto do Selo, dos prédios urbanos habitacionais de valor igual ou superior a € 1.000.000,00.

Com efeito, na exposição de motivos da proposta de lei nº 96/XII (2ª) que esteve na origem da Lei nº 55-A/2012, de 29/10 que, por sua vez, introduziu a verba 28 à TGIS, é dito que:

“estas medidas são fundamentais para reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento. O Governo está fortemente empenhado em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho. Em conformidade com esse desiderato, este diploma alarga a tributação do capital e da propriedade, abrangendo equitativamente um conjunto alargado de sectores da sociedade portuguesa”.

Por seu turno, na apresentação e discussão da referida proposta de lei na Assembleia da República, na sua intervenção, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, afirmou o seguinte:

“O Governo elegeu como princípio prioritário da sua política fiscal a equidade social. Esta é ainda mais importante em tempos de rigor como forma de garantir a justa repartição do esforço fiscal.

No período exigente que o país atravessa, durante o qual se encontra obrigado a cumprir o programa de assistência económica e financeira, torna-se ainda mais premente afirmar o princípio da equidade. Não podem ser sempre os mesmos - os trabalhadores por conta de outrem e os pensionistas, a suportar os encargos fiscais.

Para que o sistema fiscal seja mais justo é decisivo promover o alargamento da base tributável exigindo um esforço acrescido aos contribuintes com rendimentos mais elevados e protegendo dessa forma as famílias portuguesas com menores rendimentos.

Para que o sistema fiscal promova mais igualdade é fundamental que o esforço de consolidação orçamental seja repartido por todos os tipos de rendimentos abrangendo com especial ênfase os rendimentos de capital e as propriedades de elevado valor. Esta matéria, recorde-se, foi amplamente abordada no acórdão do Tribunal Constitucional.

Finalmente, para que o sistema fiscal seja mais equitativo, é crucial que todos sejam chamados a contribuir de acordo com a sua capacidade contributiva, conferindo à administração tributária poderes reforçados para controlar e fiscalizar as situações de fraude e evasões fiscais.

Neste sentido o Governo apresenta, hoje, um conjunto de medidas que reforçam efectivamente uma justa e equitativa distribuição do esforço de ajustamento por um conjunto alargado e abrangente de setores da sociedade portuguesa.

Esta proposta tem três pilares essenciais: a criação de uma tributação especial sobre prédios urbanos de valor superior a 1 milhão de euros; o agravamento da tributação sobre rendimentos de capital e sobre as mais-valias mobiliárias e o reforço das regras de combate à fraude e evasão fiscais.

Em primeiro lugar o Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012, e de 1%, em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros. Com a criação desta taxa adicional o esforço fiscal exigido a estes proprietários será significativamente aumentado em 2012 e 2013”.

Nas suas intervenções, na discussão de tal proposta de lei, os deputados Pedro Filipe Soares, do BE, e Paulo Sá, do PCP, falam na tributação do património imobiliário de luxo, chegando a ser feitas alusões a anteriores propostas de lei sobre o mesmo assunto que não vieram a ser aprovadas.” (destacados nossos)

A ratio legis foi então a de criar um imposto que incidisse sobre, nas palavras do Senhor Secretário de Estado, “casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros”.

Deste modo, apenas aos andares, partes ou divisões do prédio, com utilização independente, de valor patrimonial igual ou superior a € 1.000.000,00 poderá ser aplicada a Verba 28 da TGIS.

Ora, no caso concreto, apenas um dos andares/divisões susceptíveis de utilização independente tem um valor patrimonial superior a € 1.000.000,00.

De facto, à divisão identificada como Rés de Chão 1 foi atribuído um VPT de 1.391.152,15 (um milhão, trezentos e noventa e um mil e cento e cinquenta e dois euros e quinze cêntimos), conforme caderneta predial junta aos autos.

Nos termos acima expostos, a aplicação da Verba 28 da TGIS a esta divisão foi efectuada em conformidade com as normas legais aplicáveis pelo que improcede parcialmente o pedido da Requerente na parte relativa ao acto de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre esta divisão, a que correspondem as notas de cobrança: 2016 …, 2016 … e 2016 ….

No que respeita aos restantes andares/divisões do prédio com utilização independente e fim habitacional (com excepção da divisão identificada como Loja 56 cujo conhecimento ficou prejudicado pela procedência da excepção de caducidade, nos termos acima expostos), na medida em que o VPT de todos eles é inferior a € 1.000.000,00 (cf. resulta dos documentos juntos aos autos), conclui-se pela não verificação do pressuposto legal de incidência do Imposto do Selo previsto na Verba 28 da TGIS. Quanto a estes, verifica-se, pois, um vício de violação de lei, pelo que a tributação em causa é indevida, verificando-se a ilegalidade dos actos de liquidação do Imposto do Selo em causa.

Em resumo, conclui-se, pois, que as liquidações de Imposto do Selo nos termos em que foram realizadas são ilegais por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justifica a sua anulação nos termos do artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e 2.º, alínea c) da LGT.

Procede, assim parcialmente o pedido de pronúncia arbitral.

 

Da restituição do imposto indevidamente pago e do pagamento de juros indemnizatórios

A Requerente pede ainda que seja determinado a restituição do imposto indevidamente pago e o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, relativamente ao montante de € 17.752,46, referente às prestações já pagas.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária[1].

Ora, o restabelecimento da situação que existiria se os actos tributários objecto desta decisão arbitral não tivessem sido praticados implica, necessariamente, a restituição do imposto indevidamente pago. Nestes termos, procede parcialmente o pedido da Requerente, relativamente aos actos tributários cuja ilegalidade foi aqui declarada, i.e., excluindo-se os actos de liquidação de Imposto do Selo relativos às divisões designadas por Loja 56, a que correspondem a nota de cobrança 2016…, no valor de € 218,30, e Rés do Chão 1, a que corresponde a nota de cobrança 2016…, 2016… e 2016… .

Por seu turno, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, quando se refere que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, mais não se estabelece do que o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

A doutrina também tem defendido que se enquadra no âmbito das competências dos tribunais arbitrais a fixação dos efeitos das suas decisões, nos mesmos termos previstos para a impugnação judicial, designadamente, quanto a condenação em juros indemnizatórios ou a condenação por indemnização por garantia indevida (Cf. Carla Castelo Trindade (2016), “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado”, 121 e Jorge Lopes de Sousa (2013), “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária”, 116).

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 66/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que:

“Assim, à semelhança do que sucede nos tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, é claro que estes pedidos têm de proceder, já que as liquidações são anuladas e o erro de que enfermam é imputável à Administração Tributária, pelo que o direito a juros indemnizatórios e (sic.) reconhecido pelo artigo 43.º, n.º 1 da LGT.”

O pedido de pronúncia relativamente ao direito a juros indemnizatórios versa, então, sobre as primeiras, segundas e terceiras prestações dos actos de liquidação de Imposto do Selo pagas à data da entrega do pedido no sistema informático do CAAD.

Com efeito, assim o é na medida em que a ilegalidade do acto de liquidação de imposto implica a ilegalidade de todas as notas de cobrança relativas a todas as prestações de Imposto do Selo.

Em conclusão, no caso em apreço, é manifesto que, na sequência da declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto do Selo, há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios pois a ilegalidade daqueles actos é imputável à Administração tributária, que, por sua iniciativa, os praticou sem suporte legal.

A doutrina e a jurisprudência têm-se questionado se o legislador, ao utilizar a expressão erro e não vício no n.º 1 do artigo 43.º da LGT onde reconhece o direito a juros indemnizatórios, pretendeu restringir este direito aos vícios do acto anulado relativamente aos quais é adequada essa designação, ou seja, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, excluindo os vícios de forma como a incompetência ou a violação de direitos procedimentais.

Assim tem entendido o STA, alegando designadamente no acórdão de 3- 02 -2010, proferido no recurso n.º 01091/09 que quando “o vício que leva à anulação do acto é relativo a uma norma que regula a actividade da Administração, aquela nada revela sobre a relação jurídica fiscal e sobre o carácter indevido da prestação, à face das normas fiscais substantivas. Nestes casos, a anulação do acto não implica que tenha havido uma lesão da situação jurídica substantiva e, consequentemente, da anulação não se pode concluir que houve um prejuízo que mereça reparação.”

No mesmo sentido, este tribunal superior entendeu no acórdão de 22-05-2013, proferido no âmbito do processo n.º 0245/13, que a “anulação de um acto de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a Administração Tributária não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede do exercício do direito de audição, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT”.

A jurisprudência do STA tem assim entendido que o direito a juros indemnizatórios não se verifica quando o acto inválido por vício de forma ainda possa ser substituído por um acto válido que cumpra todas as formalidades legais, ou seja, quando o imposto pago ainda possa ser legalmente exigido, exigindo que se verifique um erro sobre os pressupostos de facto ou de direito.

No nosso caso, está-se perante violação de lei substantiva, consubstanciado em erro nos pressupostos de direito, imputável à Administração tributária.

Consequentemente, não há dúvida que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente na data do pedido de constituição do tribunal arbitral, à taxa dos juros legais prevista no artigo 559.º do Código Civil e, actualmente, na Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT).

Saliente-se, porém, que em face da improcedência parcial do pedido, os juros indemnizatórios não serão calculados sobre os € 17.752,46 da Requerente, mas sim sobre as quantias pagas indevidamente, e cujo pagamento indevido foi declarado por este tribunal, i.e., excluindo-se os valores pagos por conta dos actos de liquidação de Imposto do Selo relativos às divisões designadas por Loja 56, a que correspondem a nota de cobrança 2016…, no valor de € 218,30, e Rés do Chão 1, a que corresponde a nota de cobrança 2016…, 2016… e 2016…, no valor total de € 13.911,52.

V. DECISÃO

Termos em que se decide neste tribunal arbitral:

a) Julgar parcialmente procedente a excepção de caducidade do direito de acção quanto ao acto de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre a divisão com utilização independente designada por Loja 56, a que corresponde a nota de cobrança 2016…;

b) Julgar parcialmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral na parte relativa ao acto de liquidação de Imposto do Selo que incidiu sobre a divisão com utilização independente designada por Rés do chão 1, a que correspondem as notas de cobrança 2016…, 2016… e 2016…;

c) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos demais actos de liquidação sindicados;

b) Declarar a ilegalidade dos actos de liquidação a que correspondem as notas de cobrança n.ºs 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, 2016…, e 2016…;

c) Anular as liquidações de Imposto do Selo supra referidas em b);

e) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT e do artigo 61.º do CPPT, calculados sobre a quantia que pagou indevidamente até à data do pedido de constituição do tribunal arbitral.

 

VI. CUSTAS

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.224,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida e pela Requerente, uma vez que o pedido foi apenas parcialmente procedente, na proporção de 22% - € 3 840,94 € - mantendo-se em vigor 78% - 13 911,52 € - do valor em discussão, respectivamente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

Lisboa 9 de Outubro de 2017

 

A Árbitro

 

 

 

(Carla Castelo Trindade)

 

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 138.º, número 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária.

 

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



[1] Que estabelece, que “a Administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.