Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 101/2014-T
Data da decisão: 2014-09-15  IRS  
Valor do pedido: € 368.175,77
Tema: IRC - Diferimento de pagamentos; Preços de transferência
Versão em PDF

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa (árbitro-presidente), Luís Menezes Leitão e João Sérgio Ribeiro, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 14-04-2014, acordam no seguinte:

 

I. Relatório.

 

1. A SGPS, S.A., com o NIF … e sede na Rua …, Porto (doravante a Requerente), apresentou em 10 de fevereiro de 2014, requerimento de constituição de tribunal arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º e dos arts. 10.º e segs. do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), constante do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, invocando ainda os artigos 66.º e a alínea a) do art. 99.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

 

2. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente declarou não pretender proceder à designação de árbitro, pelo que a constituição do Tribunal Arbitral se processou em conformidade com o disposto no n.º1 do artigo 6.º e no n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, mediante decisão do Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, tendo sido designados os árbitros acima identificadosria﷽﷽﷽﷽﷽﷽﷽la Autoridade Tributrátrclamaçe Novembro de 2013.

Em 14 de abril de 2014 foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusariao de cesse do nege m cessionnássiuonginºariu constitudessa decisçaipelo adquirente q uer peliao de cesse do nege m cessionnássiuonginºariu constitudessa decisçaipelo adquirente q uer pel, considerando-se por isso o Tribunal Arbitral constituído nessa data, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT.

 

3. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral consiste na declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2013 … de 16.09.2013, relativa ao exercício de 2009, cujo prazo de pagamento terminava em 18 de novembro de 2013, tendo sido a mesma objeto de reclamação graciosa ainda não decidida pela Autoridade Tributária.

Em virtude dessa liquidação adicional, a Requerente pagou a quantia de € 368.175,77, reclamando a Requerente a anulação total da liquidação em causa e a consequente devolução desse montante, acrescido dos juros indemnizatórios legalmente devidos.

 

4. Sustenta a Requerente, em síntese, o seguinte:

 

4.1. Verifica-se a caducidade do direito à liquidação adicional de IRC por ter sido ultrapassado o prazo de três anos mencionado no art. 45.º, n.º 2, da LGT.

 

4.2. Houve violação do regime português dos preços de transferência estabelecido no art. 63.º do Código do IRC (CIRC), uma vez que esse regime não permite proceder à alteração da forma jurídica de uma dada operação e corrigir o valor da operação que ficcionou, não podendo assim o mesmo ser utilizado para ficcionar a existência de um financiamento e, subsequentemente, proceder à determinação da remuneração associada.

 

4.3. Estando em causa os termos e condições estabelecidos num contrato de compra e venda celebrado no exercício de 2008, apenas foi demonstrada a existência de relações especiais, (i) não se tendo demonstrado o estabelecimento de condições diferentes das que normalmente seriam acordadas entre pessoas independentes, (ii) que essas condições tivessem conduzido ao apuramento de um lucro diferente do que se apuraria na sua ausência, (iii) e que as relações especiais fossem causa adequada para as diferentes condições acordadas.

 

5. Ao abrigo do art. 17º do RJAT a Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), ora Requerida, apresentou a sua Resposta, onde sustentou sinteticamente o seguinte:

 

5.1. Verifica-se a incompetência material do Tribunal Arbitral para decidir o presente processo, uma vez que o art. 2.º b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março exceciona da vinculação da ATA à jurisdição dos Tribunais Arbitrais as pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos; constituindo o regime do art. 63.º CIRC uma forma de apuramento da mat5.3. previsto no art. 63º CIRC.ao abrigo do regime dos preços de transferéria tributável com o recurso a métodos semelhantes aos métodos indiretos, em que a matéria tributável apurada pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, é desconsiderada pela ATA, por não expressar a exata quantificação que poderia ter alcançado, em condições normais de mercado, mercê de relações especiais com determinado operador económico.

 

5.2. N5.3. previsto no art. 63º CIRC.ao abrigo do regime dos preços de transferão se verifica a caducidade do direito à liquidação invocado pelo sujeito passivo, uma vez que não se está perante um erro evidenciado na declaração daquele, nos termos do art. 45.º, n.º 2, LGT, mas antes perante correções do resultado fiscal declarado ao abrigo do regime dos preços de transferência previsto no art. 63.º CIRC.

 

5.3. Os diferimentos do pagamento do preço estipulado e a não exigência de pagamento dos respetivos juros, para a venda do B consubstanciaram financiamentos gratuitos das sociedades relacionadas com a Requerente: a C BV e a D SA, sendo que de acordo com as orientações da OCDE, o princípio geral que convém acolher é o de que o financiamento deverá suportar juros desde que os tivesse suportado em circunstâncias análogas entre partes independentes.

 

5.4. Nunca os Serviços de Inspeção alteraram a forma jurídica do contrato em causa, tendo apenas procedido a uma quantificação da remuneração que caberia à Requerente numa situação de ausência de relações especiais e de cumprimento do princípio de plena concorrência.

 

5.5. É esse o objetivo do regime estatuído no artigo 63.º do CIRC, que tem como função principal neutralizar certas práticas de evasão fiscal, mas também estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre as empresas integradas em grupos internacionais e empresas independentes de forma a assegurar a proteção da base tributável interna, tal como é definido no primeiro paragrafo de introdução da referida Portaria 1446-C/2001.

 

5.6. Em consequência, a ATA aplicou esse regime com base no método do preço comparável de mercado, sendo que os Termos e Condições da Operação Comparável e os Termos e Condições da Operação Vinculada encontram-se devidamente identificados e descritos no Relatório de Inspeção (páginas 21 a 24), a fls 49 a 52 do PA que se dá por integralmente reproduzido.

 

5.7. A atuação da Autoridade Tributária pautou-se assim pela estrita observância dos preceitos legais, constitucionais e de direito comunitário e internacional a que se encontra vinculada.

 

6. Realizou-se em 10 de fevereiro de 2014 a reunião prevista no art. 18.º do RJAT, tendo sido discutida a exceção de incompetência material invocada pela ATA e marcada a data de 15 de setembro de 2014 para a prolação da decisão final.

 

 

II. Saneamento

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março), pelo que e o processo não enferma de nulidades.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é competente, nada obstando à apreciação e conhecimento do objeto do processo.

 

 

III. Matéria de facto

 

1. Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão, com base na prova documental junta aos autos e depoimentos prestados.

 

1.1. A Requerente encontra-se registada desde novembro de 2005 para o exercício da atividade de gestão de participações sociais não financeiras, à qual corresponde o CAE …, tendo estado enquadrada desde o início de atividade, para efeitos de IRC, no regime geral de determinação do lucro tributável.

 

1.2. A partir do exercício de 2010, inclusive, a Requerente passou a ser tributada em sede de IRC ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, previsto no artigo 69º do CIRC, onde a sociedade dominante é a B SA (doravante B).

 

1.3. Em 30 de Dezembro de 2005, a Requerente passou a integrar o Grupo D após a aquisição da totalidade do seu capital pela C BV, sociedade de direito holandês, possuindo nessa data a Requerente 85% do capital social do B e 85% do capital social da E, SA.

 

1.4. Em 20 de dezembro de 2007, a C BV vendeu à sua subsidiária F SA as participações financeiras que detinha em Portugal, pelo montante total de €52.409.640,00, incluindo 100% da Requerente.

 

1.5. Em julho de 2008, a F SA canalizou para a Requerente, sua participada, a título de prestações acessórias, o montante de €5.600.000,00, o qual foi utilizado pela Requerente para a aquisição dos 15% do capital do B e da E que, ainda, se encontravam na posse dos anteriores acionistas, passando a Requerente a ser detentora da totalidade do capital dessas empresas.

 

1.6. Em 5 de dezembro de 2008, a Requerente vendeu à C BV, detentora indireta do seu capital, a participação social detida no B (100% do capital), pelo montante de €29.862.000,00, a pagar em 2 prestações até ao final de 2010.

 

1.7. Na cláusula 3ª do contrato de compra e venda de participações sociais celebrado entre a Requerente e a C BV ficou estabelecido que o preço seria pago da seguinte forma:

i) O valor de €20.500.000,00 seria pago até ao final do ano de 2009;

ii) O valor remanescente de €9.362.000,00 seria pago até ao final do ano de 2010.

 

1.8. Apesar do pagamento diferido do preço, a compra e venda das ações do B produziu efeitos na data do contrato, pelo que a Requerente entregou nessa mesma data a totalidade dos títulos representativos do capital do B à C BV.

 

1.9. A Requerente passou, assim, a deter apenas a participação social na E e créditos sobre duas entidades não residentes detentoras indiretas do seu capital: a C BV e a D SA.

 

1.10. Em 30 de novembro de 2011, a Requerente e a D SA celebraram uma adenda ao referido contrato de compra e venda de participações sociais, a qual estipula que, em 31 de dezembro de 2009, a Requerente acordou transferir para a D SA a dívida no valor de €29.862.000,00 (o que corresponde à transferência da posição de devedor da CBV para a D SA).

 

1.11. Aquela adenda determina, ainda, que, por razões de carácter financeiro, a D SA não tem capacidade para cumprir com o plano de pagamento acordado no contrato inicial, nomeadamente quanto ao pagamento da primeira prestação no montante de €20.500.000,00 a efetuar até ao final do ano de 2009, pelo que as duas partes acordaram o diferimento do pagamento do valor em dívida (€29.862.000,00) que deveria ser pago pela D SA à Requerente, de uma só vez ou parcelado, assim que a situação económica e financeira da D SA o permitisse, mas nunca após o dia 30 de junho de 2012.

 

1.12. A 31 de dezembro de 2009, de 2010 e de 2011, o capital da Requerente era detido diretamente a 100% pela B, SA e, indiretamente, também numa percentagem de 100% do seu capital social, num primeiro nível pela C BV e, seguidamente, pela D SA.

 

1.13. Em conformidade com a Ordem de Serviço ncom 00996 foi determinadarviço na renda no montante de  a Março de 2013, teendoº OI2012… foi determinada uma ação inspetiva realizada pela Direção de Finanças do Porto à Requerente, dirigida aos exercícios de 2009 e de 2010, cuja extensão foi alargada ao exercício de 2011, com o objetivo de avaliar a não contabilização de juros relativamente a créditos detidos sobre entidade relacionada não residente, à luz do regime dos preços de transferência.

 

1.14. Na sequência dessa inspeção foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética ao resultado fiscal declarado pela Requerente, no montante global de €1.394.605,17, respeitantes ao exercício de 2009, decorrentes da aplicação do regime dos preços de transferência conforme previsto no artigo 63.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC).

 

1.15. Essas correções determinaram a liquidação adicional de IRC n.º 2013 … de 16.09.2013, relativa ao exercício de 2009, com prazo de pagamento que terminava em 18 de novembro de 2013, em virtude da qual a Requerente pagou € 368.175,77, tendo sido a mesma objeto de reclamação graciosa ainda não decidida pela ATA.

 

 

IV. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

A fixação da matéria de facto fundamenta-se em juízos probatórios retirados dos documentos, prova testemunhal e afirmações das partes e cuja correspondência com a realidade não é controvertida pelas partes.

 

Não se verificam factos que devam considerar-se não provados e que tenham interesse para a decisão da causa.

 

 

V. Fundamentação de Direito.

 

 

1.      Da caducidade da liquidação

 

A Requerente sustenta que relativamente aos preços de transferência o prazo de caducidade seria de 3 anos uma vez, que no seu entender, a ATA dispunha de toda a informação necessária para formular um juízo quanto ao enquadramento jurídico da operação efetuada. Tratando-se, portanto, de um caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, pelo que a situação seria suscetível de ser reconduzida ao caso excecional previsto no artigo 45.º, n.º 2 da LGT. Consequentemente o direito à liquidação referente ao exercício de 2009 teria caducado a 31 de dezembro de 2012.

A ATA, por sua vez, nega a aplicação dessa disposição afirmando que o prazo de caducidade do direito à liquidação a considerar é o prazo normal de 4 anos, tal como decorre do artigo 45.º. n.º 1 da LGT.

            A doutrina[1] e a jurisprudência[2] sustentam que por erro evidenciado na declaração do sujeito passivo deve entender-se aquele que é detetável mediante simples leitura ou análise sumária da declaração. Ora, decorre dos factos provados que as correções do resultado fiscal declarado, ainda que meramente aritméticas, emanaram de um procedimento de inspeção, tendo, nesse âmbito, havido a necessidade de recorrer a documentação adicional. Não se podendo dizer, por conseguinte, que resultaram de uma simples leitura ou análise sumária da declaração.

            Face ao exposto, entende este tribunal que o prazo de caducidade a considerar é de 4 anos, pelo que a liquidação adicional foi feita dentro do prazo que só terminaria em 31/12/2013, não procedendo, por consequência, a pretensão da Requerente a este respeito.

 

 

2. Da exceção da incompetência do Tribunal Arbitral

 

2.1. Conforme acima se salientou, a Autoridade Tributária considera que o apuramento da matéria tributável com recurso ao regime previsto no artigo 63.º do CIRC, como ocorreu no presente caso, constitui uma forma de apuramento da mesma com o recurso a métodos semelhantes aos métodos indiretos, em que a matéria tributável apurada pelo contribuinte na sua declaração de rendimentos, é desconsiderada pela ATA, por não expressar a exata quantificação que poderia ter alcançado, em condições normais de mercado, mercê de relações especiais com determinado operador económico.

 

2.2. Neste contexto, a Requerida considera que o presente caso se encontra enquadrado na exceção prevista no art. 2.º b) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que exclui da vinculação da ATA aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as "pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão", invocando em apoio dessa posição o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 05-07-2011, proferido no processo n.º 04384/10.

 

2.3. Em consequência, sustenta a ATA que o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar a questão, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576.º, no 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2.º alínea e) do CPPT e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.

 

2.4. A Requerida considera ainda que uma interpretação em sentido contrário seria não só ilegal, mas manifestamente inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de Direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da ATA.

Vejamos se assiste razão à Requerida.

 

2.5. Nos termos do art. 2.º, n.º1, a) do RJAT, os tribunais arbitrais são competentes para apreciar as pretensões de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação e de autoliquidação de tributos. Por sua vez, o n.º 1 do art. 4.º do mesmo diploma determina que a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.

 

2.6. Foi assim publicada a Portaria 112-A/2011, de 22 de março, resultando dos seus arts. 1.º e 2.º que a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo ficaram vinculadas à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, com algumas exceções. Um destes impostos é precisamente o IRC, pelo que o presente Tribunal Arbitral tem competência para dirimir questões relativas a este imposto.

 

2.7. Sustenta, porém, a requerida que o presente caso estaria abrangido pela exclusão da vinculação da ATA à arbitragem tributária, nos termos do art. 2.º b) da Portaria 112-A/2011, de 22 de março, dado que se estaria perante um procedimento semelhante à determinação da matéria tributável por métodos indiretos, havendo uma equivalência entre esse regime e o dos preços de transferência.

 

2.8. Esta questão tem vindo a ser resolvida uniformemente pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD em várias decisões, salientando-se, designadamente, as decisões arbitrais 76/2012-T, de 29/10/2012, 55/2012-T, de 24/12/2012, e 91/2012-T, de 21/1/2013. Como bem foi salientado nestes arestos, a exclusão prevista na parte final da alínea b) do art. 2.º da Portaria 112-A/2011 constitui uma norma excecional, que não pode ser analogicamente aplicada nos termos do art. 11º do Código Civil.

 

2.9. Para além disso, a analogia no caso presente nem sequer existe pois não se está perante uma situação em que seja solicitada uma pronúncia arbitral sobre atos de determinação da matéria coletável ou da matéria tributável por métodos indiretos, ou sobre pedidos de revisão da matéria tributável; mas sim perante atos de liquidação, baseados em avaliação direta, ao abrigo do regime dos preços de transferência, pelo que não ena b) do art. 2º RJAT.al pela al transfersos do art. 11º do Cxcepcional prcessoé afastada a competência do tribunal arbitral pela alínea b) do art. 2.º da Portaria 112-A/2011.

 

2.10. Neste caso, compete precisamente ao Tribunal Arbitral averiguar se a liquidação respeitou as regras definidas no art. 63.º CIRC e na Portaria nº 1446-C/2001, de 21 de dezembro, o que constitui um juízo normativo que cabe integralmente na competência dos Tribunais Arbitrais, não tendo a mesma sido excluída por nenhuma disposição.

 

2.11. Ao contrário do que sustenta a Requerida, não existe qualquer inconstitucionalidade na atribuição dessa competência aos Tribunais Arbitrais. Antes pelo contrário, essa exclusão é que seria inconstitucional, atento o direito que assiste a todos os cidadãos de impugnar contenciosamente nos tribunais os atos da Administração Pública que afetem os seus interesses (art. 20.º, n.º1, e 268.º, n.º4, CRP), o qual não pode deixar de ser previsto em relação aos atos de aplicação do regime dos preços de transferência.

 

2.12. Improcede assim a exceção invocada pela ATA relativamente à incompetência deste Tribunal Arbitral.

 

 

3. Questão de saber se os diferimentos do pagamento do preço consubstanciam financiamentos gratuitos e se lhes podem ser aplicados os preços de transferência

 

Para responder à questão é necessário fazer um enquadramento dos diferimentos do pagamento no contrato de alienação do capital do B a favor da C BV. Tal como resultado próprio relatório de inspeção (pp. 9 e 10) os diferimentos do pagamento do preço integram o contrato de compra e venda, sendo dele incindíveis. Pelo que, apesar de o contrato levantar dois problemas distintos em termos de preços de transferência − um quanto ao preço de venda da totalidade do capital do B e outro quanto ao diferimento do pagamento do preço − eles só podem ser analisados em conjunto, tal como é reconhecido pela própria ATA no relatório de inspeção (pp. 7 e 8) e na Resposta (artigo 122.º).       

            Concordam, portanto, as partes que foi celebrado um contrato de compra e venda que é constituído por vários elementos. Todavia, existe um diferendo relativamente, por um lado, à operação à qual deverão ser aplicados os preços de transferência (questão principal) e, por outro, a título subsidiário, no que concerne à bondade da aplicação do método do preço comparável de mercado.

            Apreciar-se-á, prioritariamente, a questão principal, só se passando a subsidiária se improceder aquela. Com efeito, os pedidos subsidiários só devem ser tomados em consideração no caso de não proceder um pedido anterior [artigo 469.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

            No que concerne à questão principal, a ATA considera que, não obstante o contrato ser uno, há uma violação do princípio de plena concorrência previsto no n.º 1 do art. 63.º, no que diz respeito aos diferimentos do pagamento do preço que consubstanciam financiamentos gratuitos (artigo 50.º da Resposta).

             A Requerente, por sua vez, sustenta que não existe qualquer financiamento gratuito suscetível de ser apreciado à luz do princípio de plena concorrência, isto é, à qual possam ser aplicados os preços de transferência.

            É certo que, no domínio do contrato de compra e venda, há uma série de operações e inerentes obrigações, sendo possível identificar concretamente os diferimentos relativos ao pagamento do preço. Contudo, estes são parte integrante de um contrato que, como é reconhecido pelas partes, é um só e comporta todas essas dimensões. Aliás, a ATA afirma-o expressamente (artigo 122.º da resposta).

            Não é possível, por conseguinte, fragmentar o contrato de compra e venda para fazer uma aplicação dos preços de transferência a um dos elementos que o compõem. Convém salientar que na interpretação da disposição dos preços de transferência, para além do elemento literal, devem ser tidos em consideração outros elementos relevantes. No que respeita à ponderação do elemento histórico e, seguramente, ao elemento teleológico não será certamente alheia a consideração dos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais. A este propósito impõe-se a referência a um excerto do ponto 1.42. dos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais que está num capítulo que tem precisamente como epígrafe Avaliação de operações separadas e combinadas. «Em termos teóricos, o princípio de plena concorrência deve ser aplicado numa base de operação-a-operação para se aproximar o mais possível do justo valor de mercado. Mas acontece com frequência que operações distintas se encontrem tão estreitamente ligadas ou contínuas que não é possível fazer uma avaliação correta sem as tomar em consideração no seu conjunto. (…) Estas operações devem ser analisadas conjuntamente, utilizando o método ou métodos mais adequados assentes no princípio de plena concorrência»[3]. Ora, por maioria de razão, este raciocínio deve ser aplicado às operações que estão mais do que estreitamente ligadas, isto é, que se encontram verdadeiramente integradas como as que estão a ser alvo do nosso escrutínio.

Assim, não obstante haver cláusulas do contrato e aditamentos ao mesmo que se traduzem num diferimento do pagamento e têm, consequentemente, os efeitos de um contrato de mútuo, essas cláusulas estão integradas no contrato entendido no seu todo, não podendo ser abstraídas do mesmo para ganhar vida autónoma.

Restaria, por conseguinte, uma única via para abstrair do negócio um eventual financiamento − a da desconsideração do negócio celebrado e a requalificação do mesmo. Ora, uma atuação deste tipo, apesar de não ser impossível, seria sempre excecional. Tanto no plano geral como no estrito contexto do direito nacional.

No contexto geral, e fazendo mais uma vez apelo aos Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, transcrevemos um excerto do ponto 1.36., que é suficientemente expressivo para dispensar qualquer comentário: «a verificação pela Administração Fiscal de uma operação vinculada deve basear-se na operação efetivamente ocorrida entre as partes e no modo como foi estruturada pelas partes (…) Salvo em casos excecionais, a Administração Fiscal não deve abstrair das operações efetivas, nem substituí-las por outras operações. A restruturação de operações comerciais legítimas relevaria de um procedimento totalmente arbitrário…»[4]. Os casos excecionais em que é possível não atender à estrutura adotada pelo contribuinte referem-se às situações em que há uma discordância entre a forma da operação e a sua substância económica, e aos casos em que a estrutura adotada impede a Administração Fiscal de determinar um preço adequado[5]. Isto acontecerá quando, subentende-se, a estrutura originária teve na sua base razões eminentemente fiscais, independentemente de existirem outras.

            Também no direito interno o enquadramento que se faz do problema reflete, em grande medida, o princípio a que se fez alusão no parágrafo anterior. A desconsideração da operação realizada é igualmente algo de excecional e que pressupõe a aplicação de um procedimento próprio. No caso concreto, não foi posta em causa a efetividade do contrato ou sugerido que aquele tivesse em vista a redução de imposto de forma artificiosa, fraudulenta e com abuso, ocultando um contrato de financiamento, única operação que seria realmente pretendida pelas partes. Isso sem prejuízo de a ATA dizer no relatório de inspeção, de modo explícito, que «os diferimentos do pagamento do preço estipulado para venda do B consubstanciam financiamentos gratuitos das sociedades relacionadas C BV e D SA» (p. 17). Ora, não tendo sido iniciado o único procedimento que permitiria uma requalificação da operação financeira praticada em termos fiscais, o que só seria possível com o enquadramento no art. 63.º do CPPT e art. 38.º, n.º 2, da LGT (normal geral antiabuso), não há margem para o fazer, aplicando, sem mais, o artigo 63.º do CIRC a uma operação que com ele não quadra.

Isto é, não tendo sido utilizado o procedimento correto para eventualmente desconsiderar o contrato de compra e venda e pôr a tónica no financiamento gratuito que se teria em vista com o negócio previsto, está afastada a possibilidade de ser requalificada a operação e, consequentemente, de lhe serem aplicados os preços de transferência.

Em acórdão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD, proferido no Proc. n.º 76/2012, de 29 de outubro de 2012, foram feitas algumas considerações que sintetizam muito bem os argumentos acabados de avançar, o que justifica a sua reprodução:

«Na aplicação da norma sobre preços de transferência, a Administração Tributária tem de atender à operação realmente praticada, à ‘forma jurídica’ utilizada pelo contribuinte na sua operação comercial ou financeira, podendo alterar, para efeitos fiscais, os seus termos ou condições quando os considere diferentes dos que seriam contratados aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

            Diferentes destas situações e fora do regime dos preços de transferência ficam as situações em que a Administração Tributária conclui que, em vez das operações comerciais ou financeiras realmente efetuadas, pessoas independentes realizariam outras operações, de tipos diferentes, com outras ‘formas jurídicas’. Nestes casos, os requisitos para deixar de considerar eficazes, para efeitos fiscais, as operações efetivamente realizadas não são os previstos no art. 63.º do CIRC, mas sim os previstos no art. 38.º, n. 2, da LGT e no art. 63.º do CPPT».

Do exposto decorre que o art.º 63.º do CIRC não pode ser aplicado de forma isolada ao financiamento ínsito no contrato de compra e venda. Fica, por conseguinte, prejudicado o conhecimento da questão acessória da incorreta aplicação do método do preço comparável de mercado.

            Assim, conclui-se que tem razão a Requerente quanto à questão da correção efetuada com invocação de violação do art. 63.º, n.º 1, do CIRC, pelo que tem de ser declarada a ilegalidade da liquidação adicional impugnada (art. 135.º do Código do Procedimento Administrativo).

A Requerente peticiona ainda o pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se verifique o pagamento de valor de imposto superior ao legalmente devido, o que ocorreu no caso concreto.

 

 

VI. DECISÃO

 

Termos em que acorda este Tribunal em:

 

  • julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de IRC n.º 2013…, relativo ao exercício de 2009;
  • anular a liquidação impugnada;
  • e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao reembolso das liquidações pagas pela Requerente, e  ainda ao pagamento a esta dos juros indemnizatórios devidos.

 

Custas, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, sendo o valor do processo o de € 368.175,77 (valor, não contestado, constante da petição inicial).

 

            Lisboa, 15-09-2014

 

 

 

Os Árbitros

 

 

Jorge Lino Ribeiro Alves de Sousa

 

 

Luís Menezes Leitão

 

 

João Sérgio Ribeiro



[1] Cf. Diogo Leite de Campos; Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Lisboa, Encontro da escrita, 4ª edição, 2012, pp. 359 e 360.

[2] Cf. Acórdão do STA de 14-06-2012, processo n.º 0402/12.

[3] In Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, op. cit., p. 54.

[4] In Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, op. cit., pp. 51 e 52.

[5] Cf. Ponto 1.37. do Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais, op. cit., p. 51.