Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 493/2023-T
Data da decisão: 2024-03-13  IRC  
Valor do pedido: € 141.017,59
Tema: IRC. Autoliquidação. Tributação autónoma. Taxas de portagens e estacionamentos. Ónus da prova.
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SUMÁRIO:

 

1. As autoliquidações assentam na declaração e subsequente liquidação de imposto, pelo próprio sujeito passivo, pelo que o fundamento daquelas é a própria declaração do contribuinte.

2. O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque - artigo 74.º, n.º 1, da LGT.

3. No presente caso, é sobre a Requerente que recai o ónus da prova das concretas despesas com taxas de portagens e estacionamentos, bem como dos valores sobre os quais incidiu tributação autónoma e respectivo imposto, que declarou em sede de autoliquidação, e que invoca como suporte factual da sua pretensão.

4. A falta da referida prova haverá de resolver-se contra a pretensão da Requerente - artigo 414.º, do CPC.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Dra. Márcia Coutinho e Dr. Martins Alfaro (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 12-09-2023, acordam no seguinte:

 

A - RELATÓRIO

 

A.1 - Requerente da constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT): A..., SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º..., com sede social na Rua ..., n.º ..., ...-..., ..., ...

 

A.2 - Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

A.3 - Objecto da pronúncia arbitral:

 

Constituem objecto do pedido de pronúncia arbitral os seguintes actos tributários:

 

  1. Tributação autónoma apurada por autoliquidação na declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2020, referente a encargos incorridos com viaturas ligeiras de passageiros, no valor de € 2.298.556,40 e a que corresponde imposto no valor de € 370.614,87.

 

  1. Tributação autónoma apurada por autoliquidação na declaração modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 2021, referente a encargos incorridos com viaturas ligeiras de passageiros, no valor de € 2.558.212,60 e a que corresponde imposto no valor de € 413.169,28

 

Constitui ainda objecto do pedido de pronúncia arbitral a decisão final do procedimento de reclamação graciosa que incidiu sobre a apreciação da legalidade dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

A.4 - Pedido:

 

  1. Que seja anulada a decisão final do procedimento de reclamação graciosa que incidiu sobre a apreciação da legalidade dos actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral;
  2. Que sejam anuladas parcialmente as autoliquidações de IRC objecto do pedido de pronúncia arbitral, relativas ao exercício de 2020 e 2021 e, em consequência, que seja restituído à Requerente o montante de tributação autónoma pago em excesso, na parte relativa aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, apenas relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de €141.017,59, respeitando € 62.829,09 ao exercício de 2020 e € 78.188,50 ao exercício de 2021.
  3. Que a Requerida seja condenada em juros indemnizatórios, calculados sobre os montantes a restituir e computados desde o indeferimento do procedimento de reclamação graciosa; e
  4. Que a AT seja condenada no pagamento das custas arbitrais.

 

A.5 - Fundamentação do pedido:

Para fundamentar o seu pedido, a Requerente alega, em síntese, que no âmbito de uma revisão interna de procedimentos, concluiu que, aquando do apuramento das suas tributações autónomas nos períodos de tributação em causa, foi cometido um erro, na medida em que sujeitou indevidamente a tributação autónoma os gastos respeitantes a portagens e estacionamentos e estes não preenchem a hipótese legal da tributação autónoma, prevista no artigo 88.º, do Código do IRC.

Para a Requerente, os encargos com portagens e estacionamentos, (i) não são encargos específicos de viaturas ligeiras de passageiros, (ii) não são indissociáveis de viaturas ligeiras de passageiros e (iii) constituem encargos com a obtenção do direito de passagem e estacionamentos, independentemente do tipo de veículo usado ser ligeiro de passageiros, de mercadorias, pesado ou motociclo,

Daí que os custos com a utilização de portagens não constituem um encargo da viatura, uma vez que a portagem se assume como uma taxa de acesso a um serviço público e a um bem do domínio público (ainda que concessionado a terceiros), não devendo ser tida como um custo, neste caso, inerente a viaturas ligeiras de passageiros.

Do mesmo modo, os encargos com a utilização de estacionamento não consubstanciam encargos intrínsecos a viaturas ligeiras de passageiros, assumindo-se antes como a remuneração de um serviço de acesso a uma zona pública ou privada, que presta um serviço, através do pagamento de uma tarifa.

Assim sendo, os encargos com portagens e estacionamentos não são encargos específicos com tal tipo de viaturas, nem sequer se assumem como indissociáveis das mesmas, constituindo antes encargos com a obtenção do direito de passagem e de estacionamento, respectivamente, em zonas concessionadas e/ou em zonas de acesso reservado, independentemente do tipo de veículo usado.

Por conseguinte, este tipo de encargos não preenche a hipótese legal da tributação autónoma prevista no artigo 88.º, do Código do IRC.

 

A.6 - Resposta da Requerida, Autoridade Tributária e Aduaneira:

A Requerida defende o seguinte:

Quanto à matéria de facto alegada, e cujo ónus da prova incumbe à Requerente atendendo ao alegado erro nas autoliquidações resultante do preenchimento das suas declarações de rendimentos modelo 22, constata-se que essa mesma prova não se encontra efectuada, quer na presente instância arbitral, quer na reclamação graciosa que a antecedeu.

Percorrendo os documentos entregues com o pedido de pronúncia arbitral, bem como os documentos juntos com a reclamação graciosa, não se encontra nenhum extracto contabilístico e financeiro susceptível de demonstrar os termos em que as tributações autónomas ora em discussão foram apuradas, razão por que se impugna o alegado pela Requerente nesta parte.

Quanto à discussão jurídica, entende a Requerida que estão abrangidos pelas tributações autónomas todos os encargos dedutíveis ou não relativos a viaturas ligeiras de passageiros, com a excepção dos relativos a viaturas movidas exclusivamente a energia eléctrica e os casos em que a utilização das viaturas está directamente relacionada com a exploração do serviço público de transportes ou com o aluguer das viaturas no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem com as viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo com o trabalhador ou gerente, tudo situações que não se aplicam ao caso dos autos.

Os encargos suportados com portagens e estacionamentos que sejam relativos à utilização de viaturas ligeiras de passageiros estão sujeitos a tributações autónomas, pois este só são devidos porque existem viaturas ligeiras de passageiros, ou seja, sem estas o sujeito passivo não suportaria encargos com portagens e estacionamentos.

Sendo que o mesmo sucede com os encargos de impostos e combustíveis que decorrem da utilização de viaturas ligeiras de passageiros, já que estes também não são inerentes, específicos e indissociáveis a viaturas ligeiras de passageiros, bem como constituem encargos para o sujeito passivo, com a obtenção do direito de circulação ou de movimentação, e no caso dos combustíveis independentemente do tipo de veículo em causa (ligeiro de passageiros, de mercadorias, pesado ou motociclo).

Não se compreende que as despesas controvertidas não estejam compreendidas no n.º 5, do artigo 88.º, do Código do IRC, uma vez que este normativo apenas enumera alguns dos encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, a título de exemplo, não se retirando dessa enumeração meramente exemplificativa algo susceptível de excluir os encargos ora em apreciação do âmbito da norma antiabuso que consigna a tributação autónoma em discussão.

Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.

 

B - SANEAMENTO:

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, na redacção introduzida pelo artigo 228. ° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo as partes manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAMT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAMT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 12-09-2023.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, atenta a conformação do objecto do processo e à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAMT).

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT.

Não obstante a Requerente e a Requerida terem sido notificadas para apresentarem alegações finais, nenhuma delas alegou.

O processo não enferma de nulidades.

Não existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

 

Cumpre assim apreciar e decidir, o que se fará de seguida.

 

C - FUNDAMENTAÇÃO:

C.1 - Matéria de facto - Factos provados:

Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

 

A Requerente é a sociedade dominante de um grupo de sociedades – que se encontra enquadrado, em termos do IRC, no RETGS – do qual faziam parte, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, e para além de si, as seguintes sociedades:

• B..., S.A. (“B...”);

• C..., S.A. (“C...”);

• D..., S.A. (“D...”);

• E..., SGPS, S.A. (“E...”);

• F..., Lda. (“F...”);

• G..., S.A. (“G...”);

• H..., S.A. (“H...”);

• I..., S.A. (“I...”);

• J..., S.A. (“J...”);

• K..., Lda. (“K...”);

• L..., S.A. (“L...”);

• M..., Lda. (“M...”);

• N..., S.A. (“N...”);

• O..., Lda. (“O...”);

• P..., Lda. (“P...”);

• Q..., Unipessoal, Lda. (“Q...”);

• R... Unipessoal, Lda. (“R...”) [entidade pertencente ao perímetro fiscal no período de tributação de 2020];

• S... Unipessoal, Lda. (“S...”) [entidade pertencente ao perímetro fiscal no período de tributação de 2020];

• T... Unipessoal, Lda. (“T...”) [entidade pertencente ao perímetro fiscal no período de tributação de 2020];

• U..., Lda. (“U...”) [entidade pertencente ao perímetro fiscal no período de tributação de 2021];

• V..., Lda. (“V...”) [entidade pertencente ao

perímetro fiscal no período de tributação de 2021] - Facto não impugnado pela Requerida.

 

A Requerente é uma sociedade anónima cujo objecto social se consubstancia na gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas - Facto não impugnado pela Requerida.

 

A Requerente é uma instituição financeira que exerce normal e habitualmente a actividade comercial prevista no artigo 4. °, n.° 1, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras- Facto não impugnado pela Requerida.

 

No âmbito da sua actividade, as aludidas sociedades incorreram, nos períodos de tributação de 2020 e de 2021, num conjunto de despesas com viaturas ligeiras de passageiros - Facto não impugnado pela Requerida.

 

A A... SGPS, enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo, com referência ao período de tributação de 2020 - Documento junto pela Requerente com o n.º 1 e não impugnado.

A A... SGPS, enquanto sociedade dominante do Grupo sujeito ao RETGS, procedeu à entrega da declaração de rendimentos (Modelo 22) do IRC do Grupo, com referência ao período de tributação de 2021 - Documento junto pela Requerente com o n.º 3 e não impugnado.

 

O Grupo W... apurou, no período de tributação de 2020, o montante de € 494.313,83, a título de tributação autónoma, correspondendo a uma base tributável no montante de € 4.772.535,59, de acordo com o seguinte quadro - Quadro 13 da respectiva declaração modelo 22 de IRC, do Grupo sujeito ao RETGS:

 

 

O Grupo W... apurou, no período de tributação de 2021, o montante de € 564.315,07, a título de tributação autónoma, correspondendo a uma base tributável no montante de € 5.581.128,16, de acordo com o seguinte quadro - Quadro 13 da respectiva declaração modelo 22 de IRC, do Grupo sujeito ao RETGS:

 

 

A Requerente apresentou, em 23-01-2023, reclamação graciosa relativamente às autoliquidações de IRC, dos períodos de tributação de 2020 e de 2021, visando a anulação do valor de tributação autónoma apurado e pago, na parte relativa aos encargos incorridos com a utilização de portagens e estacionamentos - Processo administrativo.

A Requerente foi notificada, em 11-04-2023, da decisão final do procedimento de reclamação graciosa, a qual indeferiu a pretensão da ora Requerente - Processo administrativo, fls. 150.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 06-07-2023 - Sistema Informático de Gestão Processual (SGP) do CAAD.

 

C.2 - Matéria de facto - Factos não provados:

O Tribunal considera que não se encontram provados os seguintes factos, alegados pela Requerente:

Que, dos encargos totais, incorridos com viaturas ligeiras de passageiros, uma parte foi incorrida com estacionamentos e portagens e

 

Que, no que respeita aos gastos incorridos com portagens e estacionamentos, de viaturas ligeiras de passageiros a respectiva tributação autónoma ascendeu, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, a € 62.829,09 e a € 78.188,50, respectivamente.

 

C.3 - Motivação quanto à matéria de facto:

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados em função da sua relevância jurídica, face às soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT.

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente, não impugnados, e no processo administrativo, nos pontos indicados.

A convicção do Tribunal fundou-se igualmente nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não se entende posta em causa, e no acervo probatório carreado para os autos, o qual foi objecto de uma análise crítica e de adequada ponderação, à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e de razoabilidade.

 

Os factos foram dados como não provados, por virtude de o respectivo ónus probatório competir à Requerente - artigo 74.º, n.º 1, da LGT - e esta não o ter satisfeito - artigo 414.º, do CPC.

 

C.4 - MATÉRIA DE DIREITO:

C.4.1 - Questões a decidir:

 

Primeira questão a decidir - Os actos de autoliquidação, objecto do pedido de pronúncia arbitral, devem ser anulados parcialmente, na parte relativa aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, apenas relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos?

 

Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?

 

Vejamos:

 

C.4.2 - Apreciação da primeira questão: Os actos de autoliquidação, objecto do pedido de pronúncia arbitral, devem ser anulados parcialmente, na parte relativa aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, apenas relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos?

Nos presentes autos de processo arbitral está em causa a aferição da legalidade das autoliquidações de IRC efectuadas pela Requerente, relativas aos períodos de imposto de 2020 e 2021, na parte referente a encargos com viaturas provindos de taxas de portagem e de estacionamentos.

Sublinhe-se que estão em causa autoliquidações, e não, liquidações efectuadas pela AT.

As autoliquidações assentam na declaração e subsequente liquidação de imposto, pelo próprio sujeito passivo, pelo que o fundamento daquelas é a própria declaração do contribuinte.

Nestes casos, à AT apenas cumpre assegurar que a liquidação de imposto está em conformidade com a declaração do contribuinte, a qual se presume verdadeira - artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

Tal como se escreveu no Acórdão do STA, de 27-06-2012, processo n.º 0982/11:[1]

No contencioso tributário existem regras próprias sobre a repartição do ónus da prova em matéria de quantificação da matéria tributável, ficando afastada a possibilidade de fundamentar tal repartição com base quer nas regras dos arts. 342º a 344º do Código Civil e 516º do Código de Processo Civil, quer no critério geral de repartição do ónus da prova que tem vindo a ser usado no contencioso administrativo (Neste sentido também Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, vol. II, pag .133.) .

Assim, no que concerne à repartição do ónus da prova entre a Administração Fiscal o contribuinte estabelece o artº 74º nº 1 da Lei Geral Tributária que «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

 

Também o TCA - Sul, por acórdão de 25-11-2021, processo n.º 5/07.0BELSB,[2] doutrinou o seguinte:

É pacífico na jurisprudência e na doutrina o entendimento de que os citados normativos, conferem ao Juiz o poder de ajuizar da necessidade ou não da produção das provas oferecidas sobre os factos alegados, pois mesmo que se considerem como factos instrumentais nada impede que o Tribunal indague sobre eles.[3]

Com efeito, como doutrinado no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0388/13, de 23 de outubro de 2013: “não impondo a lei ao juiz que proceda sempre à produção dos meios de prova oferecida pelas partes, antes estabelecendo que este pode e deve dispensá-la se considerar que pode conhecer imediatamente do pedido (cfr. o artigo 113.º do CPPT)” a verdade é que atento “o princípio do inquisitório, a omissão de diligências de prova quando existam factos controvertidos que possam relevar para a decisão da causa, pode afectar o julgamento da matéria de facto, acarretando, consequentemente, a anulação da sentença por défice instrutório.”

No entanto, se é certo que o inquisitório é um poder/dever do Juiz a verdade é que o mesmo não pode desvirtuar o ónus probatório que existe, a montante, sobre as partes.

[…]

Mas a verdade é que, se por um lado, tais alegações em nada permitem almejar o efeito pretendido pela AT, por outro lado, anuímos, inteiramente, com o seu teor, e isto porque “O princípio do inquisitório, não pode servir para as partes se eximirem do seu ónus probatório. A intervenção ativa do julgador tem de ser sempre balizada pela igualdade processual das partes, e com o respeito pela justa repartição do ónus da prova”.[4]

 

Nestes termos - e tendo em justa conta o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT -, é à Requerente que cabe o ónus da prova dos pressupostos de facto de que pretende prevalecer-se,

Reiterando-se que, na presente situação, não está em causa a aferição da legalidade de qualquer correcção operada pela AT, mas sim a aferição da legalidade de autoliquidações praticadas pela Requerente.

Ora, resulta do probatório que o Tribunal não considerou provado que, dos encargos totais, incorridos com viaturas ligeiras de passageiros, uma parte foi incorrida com estacionamentos e portagens e que, no que respeita aos gastos incorridos com portagens e estacionamentos, de viaturas ligeiras de passageiros a respectiva tributação autónoma ascendeu, por referência aos períodos de tributação de 2020 e 2021, a € 62.829,09 e a € 78.188,50, respectivamente.

 

Sendo que é sobre a Requerente que impende o ónus da prova dos referidos factos e que é contra a Requerente que a ausência de prova deve ser resolvida, nos termos do artigoº 414.º, do CPC.

 

Vimos já anteriormente que a Requerente sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral no facto de as autoliquidações de IRC objecto de impugnação, relativas ao exercício de 2020 e 2021, terem incluído tributação autónoma também sobre a parte relativa aos encargos com viaturas ligeiras de passageiros, apenas relacionados com a utilização de portagens e estacionamentos, no valor total de €141.017,59, respeitando € 62.829,09 ao exercício de 2020 e € 78.188,50 ao exercício de 2021.

 

Decorre do probatório que a Requerente não fez prova da existência da parte da tributação autónoma relativa a viaturas ligeiras de passageiros, incorrida com estacionamentos e portagens, tendo-se limitado a invocar tais factos de modo genérico, sem, contudo, aportar aos autos qualquer prova daqueles.

A Requerente também não produziu qualquer prova sobre quais os concretos gastos em causa, relativamente a que tipo de viaturas e quais os valores de cada concreto gasto em causa e se foram ou não sujeitos a tributação autónoma nos termos que alega.

Apenas assim se consideraria satisfeito o ónus da prova sobre os factos, aliás, genericamente invocados pela Requerente - o que não aconteceu.

Acresce que, na sua Resposta, a Requerida impugnou os factos invocados pela Requerente, ali dizendo que a prova sobre o alegado erro não se encontra efectuada, quer na presente instância arbitral, quer na reclamação graciosa que a antecedeu.

E mais escreveu a Requerida que, percorrendo os documentos entregues com o pedido de pronúncia arbitral, bem como os documentos juntos com a reclamação graciosa, não se encontra nenhum extracto contabilístico e financeiro susceptível de demonstrar os termos em que as tributações autónomas ora em discussão foram apuradas.

O Tribunal entende que, à míngua de prova da mera existência dos factos - e, já agora, dos concretos factos em causa, despesa a despesa -, não é possível controlar e validar os valores que, no entendimento da Requerente, respeitariam à tributação autónoma em apreciação.

Sendo certo que era sobre a Requerente - e não, sobre a Requerida - que impendia o ónus probatório, o qual não foi satisfeito.

 

Assim, e face a todo o exposto, dúvidas não restam de que a pretensão da Requerente não poderá obter acolhimento, pelo que irá decidir-se pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

C.4.3 - Segunda questão a decidir: Deve a Requerida AT ser condenada no pagamento de juros indemnizatórios?

Peticiona a Requerente que a Requerida AT seja condenada no pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos constantes do n.º 4, do artigo 43.º, da LGT.

O artigo 43.º, n.º 1, da LGT, estatui que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».

Decorre da resposta dada à precedente questão que inexistiu erro nas autoliquidações objecto do pedido de pronúncia arbitral.

 

Assim sendo, considera o Tribunal que o pedido da Requerente não preenche os pressupostos plasmados no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, pelo que irá decidir-se pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral nesta parte.

 

D - DECISÃO:

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  1. Absolver a Requerida do pedido;
  2. Condenar a Requerente nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

E - VALOR DA CAUSA:

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 141.017,59.

O valor indicado pela Requerente não foi impugnado e não considera o Tribunal existir fundamento para o alterar, pelo que, de harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e ainda 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se à presente causa o valor de € 141.017,59.

 

F - CUSTAS:

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAMT, e da Tabela I, anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, indo a Requerente, que foi vencida, condenada nas custas do processo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 13 de Março de 2024.

 

Os Árbitros,

 

___________________

(Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro - Presidente),

 

 

_____________

(Dra. Márcia Coutinho, Adjunta)

 

 

________________

(Dr. Martins Alfaro. Adjunto e Relator)

 



[3] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual, págs. 412 a 417.

[4] Como aduzido no Aresto prolatado no processo nº 1478/06, de 14.11.2019, relatado pela, ora, Relatora.