Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 177/2023-T
Data da decisão: 2024-03-25  ISV  
Valor do pedido: € 17.255,93
Tema: ISV – Artigo 11.º do CISV na redação da Lei do Orçamento do Estado 2021 (Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro); artigo 110º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia).
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Sumário:

1 – O ISV calculado por aplicação da redação do artigo 11.º do CISV dada pela LOE 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31/12), continua a provocar um efeito discriminatório sobre os veículos usados provenientes de outros estados membros da União Europeia, o que viola o disposto no artigo 110º do TFUE.

2 - Os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão oficiosa (in casu, 25 de janeiro de 2023), até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A Signatária Dra. Elisabete Flora Louro Martins Cardoso foi designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, o qual foi constituído em 30 de maio de 2023.

 

  1. Relatório

 

1. A..., Lda., registada com o NIPC..., e com sede na ..., ..., .., ...-... Alenquer (doravante, Requerente), apresentou no dia 17 de março de 2023 pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto‑Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

O pedido formulado no PPA é o seguinte:

        Nestes termos deve a presente impugnação ser julgada provada e procedente, ordenando-se a anulação parcial da liquidação do ISV, de forma a aplicar-se a redução prevista no art. 11º do CISV à componente ambiental.

        Mais deve a AT ser condenada a restituir à Impugnante a quantia de € 17.255,93 cobrada em excesso, acrescida dos juros indemnizatórios calculados à taxa legal de 4%, desde a data do pagamento do imposto até à efetiva restituição.

 

A Requerente fundamenta o PPA com base na ilegalidade, no que diz respeito ao cálculo da componente ambiental ou CO2, das liquidações de Imposto Sobre Veículos (ISV) objeto do PPA, “E isto porque a norma jurídica que esteve na base daquela liquidação – art. 11º do CISV [na redação dada pela Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro] viola o art. 110º do TFEU (Tratado de Funcionamento da União Europeia)”; “o legislador português, através da Lei do Orçamento do Estado para 2021 – Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro – aprovou uma nova alteração ao art.   11º do CISV, mediante a qual foi introduzida uma tabela de desvalorização da componente ambiental em função do número de anos de uso do veículo, com indicação das respetivas percentagens. Ver tabela D, nº 1 do art. 11º do CISV. Todavia, as percentagens aplicadas à componente ambiental, são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do imposto”. O presente PPA tem por objeto as referidas liquidações de ISV (objeto mediato) e o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (objeto imediato).

 

2. O pedido de pronúncia arbitral (PPA) foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 20 de março de 2023, e foi automaticamente notificado à Requerida.

 

3. A Requerida não procedeu à nomeação de Árbitro, pelo que, em 12 de maio de 2023, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a Signatária como Árbitro do Tribunal Arbitral Singular, tendo a mesma comunicado a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4. Em 12 de maio de 2023, a Requerente e a Requerida foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo as mesmas manifestado vontade de recusar a designação do Árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 30 de maio de 2023.

 

6. Ainda em 30 de maio de 2023, o Tribunal proferiu o seguinte despacho arbitral:

      Notifique o dirigente máximo do serviço da administração tributária, nos termos do artigo 17.º n.º 1 e n.º 2 do RJAT, para:

        (i) apresentar resposta;

        (ii) requerer, querendo, a produção de prova adicional; e

        (iii) remeter cópia do processo administrativo (na falta de remessa é aplicado o disposto no artigo 110.º n.º 5 do CPPT).

        Prazo: 30 dias.

 

7. Em 26 de junho de 2023, a Requerida veio aos autos juntar o processo administrativo e apresentar Resposta, pugnando pela legalidade dos atos de liquidação de ISV impugnados                (“o cálculo do montante de imposto foram efetuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV”) e, por conseguinte, pela improcedência do PPA.

 

8. Em 28 de junho de 2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:

      “Processo 177/2023-T

      (i) O processo não se mostra especialmente complexo no plano da tramitação processual;

      (ii) não foram suscitadas exceções (pela Requerida) de que caiba ao Tribunal conhecer preliminarmente, nem há irregularidades a suprir;

      (iii) Não foi requerida a produção de prova testemunhal e a matéria de facto relevante para a decisão da causa poderá ser fixada com base na prova constante dos autos, tornando-se assim desnecessária a realização de outras diligências instrutórias;

      Assim, e por aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária — RJAT), não havendo outros elementos sobre que as partes devam pronunciar-se, dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º do RJAT, e a apresentação de alegações.

      Ao abrigo do princípio da colaboração solicita-se às partes a remessa das peças processuais em formato word.

      Indica-se o dia 2023-11-30 (5ª feira) como data previsível para prolação da decisão arbitral, devendo até 10 dias antes dessa data a Requerente pagar a taxa de arbitral subsequente.

 

9. No dia 10 de julho de 2023, a Requerida veio aos autos, ao abrigo do princípio da cooperação, informar que, por decisão arbitral proferida em 23/06/2023, no processo n.º  383/2022-T, foi determinada a suspensão daquela instância arbitral até que seja rececionada a resposta à questão prejudicial a dirigir ao TJUE, a qual está diretamente relacionada com a questão de direito subjacente aos presentes autos.

 

10. Em 24 de agosto de 2023, foi proferido despacho com o seguinte teor: Notifique-se a Requerente para se pronunciar sobre o teor do requerimento e do documento apresentado pela Requerida em 10 de julho de 2023. Prazo: 30 dias.

 

11. Em 05 de setembro de 2023, a Requerente veio informar os autos que embora considere injustificado um pedido de reenvio prejudicial, não se opõe à suspensão dos autos, se o Tribunal Arbitral assim o entender.

 

12. Em 17 de novembro de 2023, a Requerente veio juntar aos autos o documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

13. Em 20 de novembro de 2023, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:

        O Tribunal teve conhecimento que está em curso no Supremo Tribunal Administrativo um recurso de uniformização de jurisprudência que tem por objeto a apreciação de uma questão semelhante à questão que está em causa nos presentes autos. Assim, e por forma a assegurar a uniformidade da aplicação do Direito, prorroga-se o prazo para prolação da decisão arbitral por dois meses (até 30 de janeiro de 2024) nos termos do art. 21º, 2 do RJAT.

 

14. Em 23 de janeiro de 2024, foi proferido novo despacho arbitral com o seguinte teor:

        Uma vez que ainda não foi proferida decisão pelo Supremo Tribunal Administrativo no recurso de uniformização de jurisprudência (que tem por objeto a apreciação de uma questão semelhante à questão que está em causa nos presentes autos), por forma a assegurar a uniformidade da aplicação do Direito, prorroga-se o prazo para prolação da decisão arbitral por mais dois meses (até 30 de março de 2024) nos termos do art. 21º, 2 do RJAT.

      

  1. Saneamento

     

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram‑se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º n.º 2 do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112‑A/2011 de 22 de Março).

O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

O processo não enferma de nulidades.

 

Cumpre apreciar e decidir.

 

 

      

  1. Matéria de Facto

III.1    Factos Provados

  1. A Requerente, operadora sem estatuto, procedeu à apresentação junto da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz (da Alfândega de Aveiro), por transmissão eletrónica de dados, das Declarações Aduaneiras dos Veículos (doravante, DAV’s) constantes do processo administrativo (para o qual se remete, dado o elevado número de veículos), relativas à admissão de veículos ligeiros de passageiros usados entre 02.12.2021 e 27.12.2022;
  2. Os referidos veículos ligeiros de passageiros usados, introduzidos no consumo pela Requerente, eram todos provenientes de Estados Membros da EU (Bélgica, Itália, Luxemburgo, Alemanha, França, Países Baixos e Dinamarca);
  3. A Delegação Aduaneira da Figueira da Foz (da Alfândega de Aveiro) liquidou ISV (Imposto Sobre Veículos), com base nas DAV’s, no valor de € 125.526,29, imposto que já foi pago pela Requerente;
  4. Do ISV liquidado, € 70.225,82 corresponde à componente cilindrada e € 56.414,72, à componente ambiental, sendo que estes valores resultaram das reduções referentes ao número de anos de uso do veículo;
  5. Em 25 de janeiro de 2023, a Requerente apresentou Pedido de Revisão Oficiosa das liquidações efetuadas (processo n.º ...2023...), o qual foi indeferido por despacho do Diretor da Alfândega de Aveiro, notificado pelo Ofício nº ..., de 06.03.2023, o qual confirmou os argumentos expostos no projeto de decisão:

 

 

 

 

 

 

 

 

   

III.2    Factos não Provados

    

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide.

    

III.3    Fundamentação da matéria de facto

    

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil [CPC], aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

    

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

    

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo, não havendo controvérsia sobre eles.

    

  1. DA APRECIAÇÃO JURÍDICA

    

Está em causa nos presentes autos apreciar a conformidade do artigo 11º do CISV, na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2021 (Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro), com o artigo 110º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE); na medida em que as tabelas previstas na nova redação do artigo 11.º do CISV determinam a aplicação de percentagens de redução (associada à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos mesmos) diferentes para cada uma das componentes do ISV ((i) componente cilindrada, e (ii) componente ambiental), entendendo a Requerente que se mantém um tratamento desigual entre estas duas componentes.

 

O artigo 11º do CISV, na redação introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2021               (Lei 75-B/2020 de 31 de dezembro), tem a seguinte redação:

 

Artigo 11.º

Taxas - veículos usados

1 — O imposto incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados-Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo-se o agravamento previsto no n.º 3 do artigo 7.º, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

 

 

No Acórdão proferido em 22/11/2023, no processo n.º 025/23.8BALSB, o Supremo Tribunal Administrativo entendeu:

 

“a questão da compatibilidade do artigo 11º do CISV com o direito comunitário não é nova, e embora tenha assumido diversos contornos decorrentes das suas diversas redações que têm sido objecto de censura pelas instituições europeias, o legislador português tem insistido na utilização deste imposto de “registo” para contrariar o comércio de veículos usados provenientes de outros estados membros (quiçá excessivo, em resultado das especificidades da nossa economia e de não sermos país produtor desses bens), mas com resultados perniciosos no que respeita à violação do direito comunitário.

É certo que a ideia do legislador parece partir de um pressuposto válido quanto ao critério utilizado na componente ambiental, quando se afirma que “(...) se procurou salvaguardar os ambiciosos objetivos ambientais do País e a incorporar o essencial das preocupações levantadas pela Comissão Europeia em matéria de compatibilidade com o direito europeu, prevê-se, à semelhança do que já sucede com a componente cilindrada do ISV, que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia passem a beneficiar de um desconto sobre a componente ambiental do ISV, o qual, ao contrário do que sucede com a componente cilindrada, não estará associado à desvalorização comercial dos veículos, mas antes à sua vida útil média remanescente (medida pela idade média dos veículos enviados para abate), por se entender que a mesma é uma boa métrica do horizonte temporal de poluição do veículo, assegurando-se, deste modo, que os carros poluentes serão justamente tributados à entrada em Portugal.” (motivos expostos na proposta de Lei 61/XIV do Parlamento).

 

Coloca-se, assim, a questão de saber, face aos termos das decisões em confronto, se o legislador nacional respeitou e deu resposta adequada às preocupações levantadas pela Comissão Europeia.

Atento que nas decisões arbitrais se enunciou de forma exaustiva o entendimento do TJUE sobre esta matéria, designadamente em casos que envolveram o nosso país, importa aqui apenas repescar algumas ideias chave.

Decorre dessa jurisprudência do TJUE que «a partir do momento em que se paga um imposto de registo de veículo automóvel num EM, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo registado no EM em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo EM, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de registo, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (v. acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádasdi e Németh, C-290/05 e C-333/05, n.º 54)».

Decorre igualmente que «…um EM não pode cobrar um imposto sobre os veículos usados importados, calculado com base num valor superior ao valor real do veículo, tendo como efeito uma tributação mais onerosa destes relativamente à dos veículos usados similares disponíveis no mercado nacional v. (acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão Europeia contra República Portuguesa, C200/15, n.º 37».

Decorre igualmente que «o artigo 110.º do TFUE é violado sempre que a imposição que incide sobre o produto importado e a que incide sobre o produto nacional similar são calculadas de forma diferente e segundo modalidades diferentes que conduzam, ainda apenas em certos casos, a uma imposição superior do produto importado (acórdãos de 22 de fevereiro de 2001, Gomes Valente, C-393/98, EU:C:2001:109, n.° 21; de 19 de setembro de 2002, Tulliasiamies e Siilin, C-101/00, EU:C:2002:505, n.° 53; e de 20 de setembro de 2007, Comissão/Grécia, C-74/06, EU:C:2007:534, n.° 25)».

Decorre igualmente que «…um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado-Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.º do TFUE (v. neste sentido acórdão de 2 de setembro de 2021 no processo n.º 169/20, considerando n.º 46)».

Por último decorre igualmente da jurisprudência do TJUE que a prossecução de um objetivo ambiental não dispensa um Estado-Membro da necessidade de evitar qualquer tipo de discriminação» (proc. C-169/20).

Ora, pese embora na redação do nº 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75- B/2020, de 31 de dezembro, se tenha incluído uma taxa de desvalorização em função da componente ambiental, que não era prevista na anterior redação, que só previa a desvalorização na componente da cilindrada, essa desvalorização obedece a critérios distintos (num caso atende à “desvalorização comercial do veículo” e no outro à “vida útil média remanescente do veículo”), o que implica a utilização de taxas de desvalorização distintas, conforme se infere da Tabela D do artigo 11º, o que pode dar origem a diferente carga do imposto residual no preço de venda de um veiculo usado com as mesmas caraterísticas, conforme seja proveniente doutro estado membro ou vendido no mercado interno.

Na verdade, enquanto na venda de um veículo usado já anteriormente registado no território nacional se atende apenas à desvalorização comercial do veículo, em cujo preço de venda está incorporado o valor residual do imposto suportado aquando da 1ª matricula (admissão ao consumo), na venda de um veículo usado proveniente de outro estado membro o cálculo do imposto que onera o valor do veículo é feito em função de duas taxas de desvalorização distintas, sendo a relativa à componente ambiental inferior à da componente de cilindrada, o que, em princípio, penaliza esta última transação (por implicar uma menor desvalorização do valor do veículo na componente ambiental, o que implica maior matéria tributável).

Ou seja, no primeiro caso o valor residual do imposto que onera o preço do veículo é formado apenas em função da desvalorização comercial do veículo, enquanto no segundo caso o mesmo é formado em função da desvalorização do veículo e da sua “vida útil remanescente”, o que origina que, em razão da menor taxa de desvalorização deste último critério, uma maior carga tributária no segundo caso.

E nessa medida, suscita-se agora a dúvida, se se pode considerar que o imposto (ISV) assim calculado provoca (continua a provocar) um efeito discriminatório sobre os veículos usados provenientes de outros estados membros da União Europeia, o que, salvo melhor opinião, viola o disposto no artigo 110º do TFUE.

Sendo certo que, a verificar-se tal efeito discriminatório, tal situação pode não se mostrar proporcional aos fins visados (proteção do ambiente), atento que o Tribunal de Justiça já entendeu igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado-Membro.

 

Em face do exposto afigura-se-nos que deve ser ordenado reenvio prejudicial ao TJUE no sentido de ser apreciada a questão de saber:

o artigo 110º do TFUE e os comandos ínsitos no acórdão do TJUE n.º C-169/20, são afrontados pela alteração legislativa de 2020 do artigo 11º do CISV, que estabeleceu as regras de desvalorização da componente ambiental, mas em que a desvalorização da componente ambiental obedece a critérios distintos da desvalorização da componente da cilindrada, o que implica taxas de desvalorização distintas e, nessa medida, poderá acarretar um efeito discriminatório sobre os veículos usados importados de outros países da União?.

 

Esta mesma questão (que também é a questão de fundo em causa nos presentes autos) foi submetida ao Tribunal de Justiça da União Europeia (Oitava Secção), no âmbito do pedido de decisão prejudicial, também apresentado pelo CAAD no processo n.º C-399/23, o qual foi resolvido pelo despacho de 6 de fevereiro de 2024 (MB contra Autoridade Tributária e Aduaneira), com o seguinte teor:

Despacho

1. O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 110.° TFUE.

2. Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe MB à Autoridade Tributária e Aduaneira (Portugal) (a seguir «Autoridade Tributária») a respeito da taxa do imposto sobre veículos (a seguir «ISV») que incide sobre dois veículos automóveis provenientes da Bélgica que MB introduziu no território português.

Quadro jurídico

3. O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Código do Imposto sobre Veículos, na redação resultante das alterações introduzidas pela Lei n.° 75‑B/2020, de 31 de dezembro (a seguir «CISV»), dispõe:

«Estão sujeitos ao [ISV] os seguintes veículos:

a) Automóveis ligeiros de passageiros, considerando‑se como tais os automóveis com peso bruto até 3 500 kg e com lotação não superior a nove lugares, incluindo o do condutor, que se destinem ao transporte de pessoas.»

4. O artigo 3.°, n.° 1, do CISV prevê:

«São sujeitos passivos do [ISV] os operadores registados, os operadores reconhecidos e os particulares, tal como definidos pelo presente código, que procedam à introdução no consumo dos veículos tributáveis, considerando‑se como tais as pessoas em nome de quem seja emitida a declaração aduaneira de veículos.»

5. Nos termos do artigo 5.° do CISV:

«1 — Constitui facto gerador do [ISV] o fabrico, montagem, admissão ou importação dos veículos tributáveis em território nacional, que estejam obrigados à matrícula em Portugal. […]

3 — Para efeitos do presente código entende‑se por:

a) “Admissão”, a entrada de um veículo originário ou em livre prática noutro Estado‑Membro da União Europeia em território nacional; [...]»

6. Resulta do artigo 7.°, n.° 1, alíneas a) e b), do CISV que as taxas de ISV, previstas na tabela A constante deste artigo, são estabelecidas tendo em conta a componente cilindrada e ambiental dos veículos automóveis.

7. O artigo 11.° do CISV, sob a epígrafe «Taxas — veículos usados», enuncia:

«1 — O [ISV] incidente sobre veículos portadores de matrículas definitivas comunitárias atribuídas por outros Estados‑Membros da União Europeia é objeto de liquidação provisória nos termos das regras do presente Código, ao qual são aplicadas as percentagens de redução previstas na tabela D ao imposto resultante da tabela respetiva, tendo em conta a componente cilindrada e ambiental, incluindo‑se o agravamento previsto no n.° 3 do artigo 7.°, as quais estão associadas à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respetivamente:

 

2 — Para efeitos de aplicação do número anterior, entende‑se por “tempo de uso” o período decorrido desde a atribuição da primeira matrícula e respetivos documentos pela entidade competente até ao termo do prazo para apresentação da declaração aduaneira de veículos. [...]» Litígio no processo principal e questão prejudicial

8. MB introduziu em Portugal dois veículos automóveis provenientes da Bélgica e com as primeiras matrículas registadas neste último Estado‑Membro. Procedeu à declaração aduaneira desses veículos, com base na qual a Autoridade Tributária liquidou o ISV pelo valor de 13 687,77 euros.

9. MB pagou esse montante e apresentou um pedido de decisão arbitral em matéria tributária contra a Autoridade Tributária no Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) (Portugal), que é o órgão jurisdicional de reenvio. Pediu, a título principal, a declaração da ilegalidade e a anulação parcial das liquidações de ISV incorporadas nas declarações aduaneiras dos veículos em causa pelo montante de 1 990,58 euros. A título acessório, pediu a condenação na restituição do quantitativo de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

10. Em apoio do seu pedido, MB sustenta que a parcela de ISV liquidado correspondente à componente ambiental deste imposto foi calculada em aplicação de uma norma de direito interno que é incompatível com o disposto no artigo 110.° TFUE. Com efeito, as percentagens de redução aplicadas a esta componente são inferiores às que são aplicadas à componente cilindrada, mantendo assim um tratamento desigual entre estas duas componentes do ISV. Por conseguinte, o montante de imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.

11. Por seu turno, a Autoridade Tributária sustenta que a legislação nacional, na redação aplicável na presente causa, não tem nenhuma incompatibilidade com o artigo 110.° TFUE. Salienta que, no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos) (C‑169/20, EU:C:2021:679), embora tenha considerado que a depreciação de um veículo usado tem de ser tida em conta na componente ambiental do ISV, o Tribunal de Justiça não entendeu, porém, que a percentagem de redução deste a aplicar à cilindrada tenha de ser a mesma que a aplicada à componente ambiental deste imposto. Dessa forma, o artigo 11.°, n.° 1, do CISV, porquanto prevê que os veículos usados provenientes de outros Estados‑Membros beneficiem de uma redução sobre a componente ambiental do ISV, cumpre a jurisprudência do Tribunal de Justiça e incorpora as preocupações levantadas pela Comissão Europeia no passado.

12. O órgão jurisdicional de reenvio considera que, não obstante a jurisprudência do Tribunal de Justiça acima referida e em face da constante evolução legislativa do direito português neste domínio, continua a verificar‑se uma ausência de diretrizes claras e inequívocas por parte do Tribunal de Justiça quanto à compatibilidade com o direito da União do regime interno de determinação do ISV devido pela admissão no mercado português de veículos automóveis provenientes de outros Estados‑Membros.

13. Nestas circunstâncias, o Tribunal Arbitral Tributário (Centro de Arbitragem Administrativa — CAAD) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«No âmbito do cálculo do [ISV] previsto no [CISV], o n.° 1 do artigo 11.° deste [Código], ao não desvalorizar a componente ambiental na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada no cálculo do valor de imposto aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado‑Membro, é incompatível com o artigo 110.° do TFUE?»

 

Quanto à questão prejudicial

14. Nos termos do artigo 99. ° do seu Regulamento de Processo, o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, mediante proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, decidir pronunciar‑se por meio de despacho fundamentado, quando a resposta a uma questão submetida a título prejudicial possa ser claramente deduzida da jurisprudência.

15. Importa também recordar que a cooperação judiciária instituída pelo artigo 267.° TFUE se baseia numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça. Por um lado, o Tribunal de Justiça não está habilitado a aplicar as regras do direito da União a um caso determinado, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.° 201 e jurisprudência referida). Por outro lado, em conformidade com o ponto 11 das Recomendações do Tribunal de Justiça da União Europeia à atenção dos órgãos jurisdicionais nacionais, relativas à apresentação de processos prejudiciais (JO 2019, C 380, p. 1), cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais retirar, no litígio neles pendente, as consequências concretas dos elementos de interpretação fornecidos pelo Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2018, Roche Lietuva, C‑413/17, EU:C:2018:865, n.° 43).

16. No caso em apreço, o Tribunal de Justiça considera que a interpretação do direito da União solicitada pelo órgão jurisdicional de reenvio pode ser claramente deduzida do Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre veículos) (C‑169/20, EU:C:2021:679). Por conseguinte, há que aplicar o artigo 99.° do Regulamento de Processo na presente causa.

17. Como resulta do n.° 15 deste despacho, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio retirar as consequências concretas, no litígio no processo principal, dos elementos de interpretação que decorrem desta jurisprudência do Tribunal de Justiça.

18. Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a desvalorização da componente ambiental desse imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto.

19. A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, no Acórdão de 2 de setembro de 2021, Comissão/Portugal (Imposto sobre Veículos) (C‑169/20, EU:C:2021:679):

«35 [A] cobrança, por um Estado‑Membro, de um imposto sobre os veículos usados provenientes de outro Estado‑Membro é contrária ao artigo 110.° TFUE, quando o montante do imposto, calculado sem tomar em conta a depreciação real do veículo, exceda o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados no território nacional (v., designadamente, Acórdão de 16 de junho de 2016, Comissão/Portugal, C‑200/15, [...] EU:C:2016:453, n.° 25 e jurisprudência referida). [...]

38 [O] Tribunal de Justiça especificou que, a partir do momento em que se paga um imposto de matrícula num Estado‑Membro, o montante desse imposto é incorporado no valor do veículo. Deste modo, quando um veículo matriculado no Estado‑Membro em causa é, em seguida, vendido como veículo usado nesse mesmo Estado‑Membro, o seu valor de mercado, que inclui o montante residual do imposto de matrícula, será igual a uma percentagem, determinada pela desvalorização desse veículo, do seu valor inicial (Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 40 e jurisprudência referida). [...]

44 [O] Tribunal de Justiça já teve oportunidade de sublinhar que o artigo 110.° TFUE se opõe a um imposto relativo ao registo dos veículos cujo montante, determinado, nomeadamente, em função da “classificação ambiental” dos veículos, seja calculado sem ter em conta a depreciação dos mesmos, de tal forma que, quando se aplique a veículos usados importados de outros Estados‑Membros, ultrapasse o montante do referido imposto contido no valor residual de veículos usados similares que já foram registados no Estado‑Membro de importação (Acórdão de 5 de outubro de 2006, Nádashi e Németh, C‑290/05 e C‑333/05, EU:C:2006:652, n.os 56 e 57).

45 Por outro lado, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o objetivo de proteção do ambiente poderia ser realizado de forma mais completa e coerente fazendo incidir um imposto anual sobre qualquer veículo que entrasse em circulação num Estado‑Membro, o qual não beneficiaria o mercado nacional dos veículos usados em detrimento da colocação em circulação de veículos usados importados de outros Estados‑Membros e seria, além disso, conforme com o princípio do poluidor‑pagador (v., neste sentido, Acórdão de 7 de abril de 2011, Tatu, C‑402/09, EU:C:2011:219, n.° 60).

46 Em contrapartida, um imposto calculado em função do potencial de poluição de um veículo usado, que, à semelhança do imposto em causa, só é integralmente cobrado no momento da importação e da entrada em circulação de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, ao passo que o adquirente de um desses veículos já presente no mercado do Estado‑Membro em causa só tem de suportar o montante do imposto residual incorporado no valor comercial do veículo que adquire, é contrário ao artigo 110.° TFUE.»

20. Cabe assim ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, no momento da introdução no consumo em Portugal de um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a aplicação do ISV conduz a que o imposto que incide sobre o referido veículo usado exceda o montante residual do referido imposto incorporado no valor dos veículos usados similares já matriculados em território nacional, criando, assim, o risco de favorecer a venda de veículos usados nacionais e de desencorajar a introdução de veículos usados similares neste território. Para o efeito, deverá determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda de veículos usados nacionais.

21. Atendendo a todos os fundamentos anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

Quanto às despesas

22. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Oitava Secção) declara:

O artigo 110.° TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado‑Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.

 

Conclui-se assim, de acordo com o despacho do TJUE exposto, que o ISV calculado por aplicação da redação do artigo 11.º do CISV dada pela LOE 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31/12), continua a provocar um efeito discriminatório sobre os veículos usados provenientes de outros estados membros da União Europeia, o que viola o disposto no artigo 110º do TFUE.

 

Outras Decisões Arbitrais proferiram decisão no mesmo sentido, como a Decisão Arbitral proferida em 2023-01-30, no Processo nº 343/2022-T:

 

     “1. Na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transacionados no mercado nacional, a norma do artigo 11.º do CISV, na redação conferida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31/12, continua a mostrar-se incompatível com o Direito da União Europeia, por violação do artigo 110.º do TFUE.

     2. Do princípio do primado do Direito da União Europeia resulta que a Requerida tem o dever de recusar a aplicação de normas nacionais contrários ao Direito da União Europeia, pelo que  se encontra ferido de ilegalidade um ato tributário praticado ao abrigo da citada norma do CISV, na medida da sua incompatibilidade com o artigo 110.º do TFUE”.

No que respeita aos juros indemnizatórios, é pacífico o entendimento assumido pelos Tribunais superiores (designadamente o STA) no sentido de que “V - A anulação do acto impõe à administração tributária o dever de reconstituição da situação jurídica hipotética que existiria caso ele não tivesse sido praticado, o que inclui a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez, bem como o pagamento de juros indemnizatórios” (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-10-2014, proferido no processo n.º 01502/12); havendo lugar a juros indemnizatórios ainda que o ato de liquidação seja declarado ilegal (por decisão, in casu, do CAAD) por violação de normas de Direito Comunitário.

O artigo 8.º n.º 4 da Constituição dispõe: “As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna”; pelo que, existe erro imputável aos serviços (erro de Direito) ainda que o ato de liquidação em causa viole as normas dos Tratados que regem a União Europeia, e as normas emanadas das suas instituições.

 

Contudo, nos termos do artigo 43.º n.º 3 al. (c) da LGT, há lugar a juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste. In casu, o pedido de revisão oficiosa dos atos de liquidação de ISV foi apresentado em 25 de janeiro de 2023, pelo que, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios a contar a partir do termo do prazo de um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, ou seja, a partir de 25 de janeiro de 2024. Assim o entendeu, entre outros, o Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão de 28/09/2023, proferido no processo 022/23.3BALSB: “II - Os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento indevido do imposto;”.

   

  1. DECISÃO

   

Termos em que, decide este Tribunal:

a) Declarar totalmente procedente o PPA, sendo, por conseguinte, anulada a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e os atos de liquidação de ISV impugnados;

b) Condenar a Requerida (b.i) na restituição do ISV indevidamente pago; e                                        (b.ii) ao pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal de 4%, sobre o ISV indevidamente pago, contados a partir da data apresentação do pedido de revisão oficiosa (25 de janeiro de 2023), até à data do processamento da respetiva nota de crédito; e

c) Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

  

     

 

  1.     VALOR DO PROCESSO

  

Em conformidade com o disposto no artigo 306.º n.º 2 do CPC, no artigo 97.º-A n.º 1 alínea a) do CPPT, e no artigo 3.º n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de EUR 17.255,93.

   

  

  1. CUSTAS

  

O montante das custas (a cargo da Requerida) é fixado em EUR 1 224,00 (nos termos do disposto no artigo 12.º n.º 2 e no artigo 22.º n.º 4 do RJAT, e na Tabela I anexa do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária).

  

Notifique-se.

  

Notifique-se o Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 72.º n.º 3 da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82, de 15 de novembro).

  

Lisboa, 25 de março de 2024

 

O Árbitro,

 

 

Elisabete Flora Louro Martins Cardoso