Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 663/2018-T
Data da decisão: 2019-05-21  Selo  
Valor do pedido: € 29.174,21
Tema: Imposto do Selo; artº. 7º, nº 1, alínea e) do CIS; verbas 17,17.1., 17.3 e 17.3.1 da TGIS.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 11 de dezembro de 2019, recurso n.º 51/19.1BALSB, que decide em substituição.
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I- RELATÓRIO

 

1. A... FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO (doravante designado por Requerente, Sujeito Passivo ou Fundo), representado por B... Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., apresentou em 2018-12-21, pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e artigo 10º, nº 1, alínea a) do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante designado por RJAT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT ou Requerida), com vista à declaração de ilegalidade do acto de indeferimento tácito de procedimento de revisão oficiosa, e consequente anulação parcial dos actos de  liquidação do imposto do selo, com referência aos anos de 2014 e 2015, no montante de 29.174,21 €.

 

2. O pedido de constituição de Tribunal Arbitral Tributário foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, e notificado à Requerida nos termos legais, em 2018-12-21.

3. Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, devidamente notificado às partes, nos prazos previstos, foi designado como árbitro o signatário que comunicou àquele Conselho a aceitação do encargo no prazo previsto no artigo 4º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

4. Em 2019-02-18, foram as partes notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11º, nº1, alíneas a) e b) do RJAT, na redacção que lhes foi conferida pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

5. O Tribunal Arbitral Singular ficou constituído em 2019-02-28 em consonância com a prescrição da alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

6. Devidamente notificada para tanto, através de despacho proferido em. 2019-02-28 a Requerida apresentou em 2019-04-03 a sua resposta, tendo nessa mesma data procedido à junção do processo administrativo.

7. Por despacho em 2019-04-03, devidamente notificado às partes, que fundamentou, para além do mais, a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e a apresentação de alegações finais, foi indicado como data limite provável para a prolação e notificação da decisão final o dia três de Maio, de dois mil e dezanove.

8. Em 2019-04-16 veio o Requerente apresentar três documentos que admitidos por despacho proferido nesse mesmo dia, foram notificados à Requerida para sobre os mesmos se pronunciar.

9. Veio a Requerida, em 2019-04-29, através de requerimento junto aos autos pronunciar-se sobre a junção dos mesmos tendo solicitado um prazo não inferior a dez dias para sobre os mesmos de pronunciar.

10. Por despacho exarado em 2019-04-30, foi concedido tal prazo, tendo em consequência sido remarcada a data limite para prolação da decisão e sua notificação às partes o dia vinte e cinco de Maio de dois mil e dezanove.

11. Veio a Autoridade Tributária e Aduaneira pronunciar-se sobre os documentos juntos pela Requerente em 2019-05-10.

12. A fundamentar o seu pedido, o Requerente, invocou em síntese, e com relevo para o que aqui importa o seguinte (que se menciona maioritariamente por transcrição):

12.1. que é um "fundo de investimento imobiliário fechado de acumulação" sendo a respectiva actividade hoje regulada pelo Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei nº 16/2015, de 24 de Fevereiro (cfr. artigo 23º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 3 com o mesmo junto),

12.2. "(....) na prossecução dos seus objectivos e no âmbito da actividade que desenvolve, o Fundo tem vindo a recorrer a financiamento junto do C... (cfr. artigo 27º do pedido de pronúncia arbitral),

12.3. a instituição de crédito mutuante (...) na qualidade de sujeito passivo do imposto, liquidou e entregou o Imposto do Selo devido com referência àquele contrato (...) através das correspondentes guias de pagamento de imposto (cfr. artigo 28º do pedido de pronúncia arbitral e documento 2 com o mesmo junto),

12.4. (....) nos termos previstos na lei, aquela instituição repercutiu o Imposto do  Selo liquidado na esfera do Fundo (...) tendo este suportado integralmente o mesmo, [no montante de 29.174,21 € ] (cfr. artigo 29º do pedido de pronúncia arbitral e documento nº 4 com o mesmo junto),

12.5. Procede ainda a Requerente a várias considerações de direito acerca da aplicabilidade da isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, alicerçando a sua tese, fundamentalmente do âmbito subjectivo da mesma, pugnando pela qualificação do FUNDO como "instituição financeira" nos termos da legislação comunitária de forma a poder beneficiar da referida previsão (objectiva) da isenção em causa.

12.6. Convoca ainda o Requerente um parecer emitido pelo Centro de Estados Fiscais e Aduaneiros, bem assim como uma informação vinculativa suscitada no âmbito de situação factual similar à que subjaz dos presentes autos,

12.7. Para concluir, como se retira do seu pedido, que "seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento (tácito) no âmbito de Revisão Oficiosa (...);  que "sejam parcialmente anulados os actos tributários de Imposto do Selo, porque ilegais, por manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito, no  montante de € 29.174,21"; seja reembolsado ao Fundo o montante de Imposto do Selo indevidamente suportado (...); e "seja a Autoridade Tributária e Aduaneira condenada no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde o momento do pagamento (indevido) do montante de € 29.174,21, até ao reembolso integral da quantia devida e calculados sobre o imposto"

 

13. Conforme referido, em 2019-04-03 a Autoridade Tributária e Aduaneira procedeu à junção do processo administrativo (PA) e apresentou a sua resposta, retirando-se da mesma em brevíssima síntese, e para o que aqui releva, que;

 

13.1. No essencial (e como se densificará infra)  não diverge da posição veiculada pelo FUNDO, nas diversas vertentes em que este estriba o seu pedido, questionando, isso sim, que o mesmo "não faz prova"  de estarmos perante um contrato de empréstimo entre a entidade mutuante/sujeito passivo do imposto e o Requerente, de forma a verificar-se a isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS,

13.2. Convoca o artigo 74º da Lei Geral Tributária e cita o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/07/2012 (processo nº 0982/11) para reafirmar que é ao Requerente "que cabe provar inequivocamente os factos por si alegados" o que, na sua perspectiva o FUNDO não terá logrado alcançar.

13.3. Pugna ainda pela inverificação de causa que determine a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.

13.4. De relevo para a decisão não se vislumbram quaisquer outros factos de relevo que tenham sido suscitados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

13.5. Concluindo deste modo a Requerida o seu articulado de resposta no sentido de que "deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado e, consequentemente, absolvido a Requerida de todos os pedidos, nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências."

14. O Tribunal Arbitral Singular é materialmente competente, e encontra-se regularmente constituído nos termos do disposto nos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1 do RJAT.

15. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legitimas e estão devida e legalmente representadas (artigos 3º, 6º e 15º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, ex vi, artigo 29.º, nº 1, alínea e) do RJAT).

16. O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas quaisquer excepções de que deva conhecer-se.

 

II- FUNDAMENTAÇÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

i. O Requerente encontra-se constituído como um fundo de investimento imobiliário fechado, com autorização da CMVM em 06/07/2005 tendo iniciado a sua actividade em 15/07/2005, a que corresponde o código CAE "64300 - Trusts, fundos e entidade financeira similares" e, como CAE secundária "6810- Compra e venda de bens imobiliários",

ii- O depositário dos seus activos e a sua entidade comercializadora é o "C..., S. A.", encontrando-se registado na CMVM, como intermediária financeiro desde 29/07/1991,

iii- O FUNDO tem recorrido a financiamentos juntos do "C..., S.A." a coberto de um "contrato de abertura de crédito por conta corrente, celebrado em 20/03/2013 e aditado em 23/12/2014,

iv- Entre Junho de 2014 e Junho de 2015, o Requerente contraiu financiamentos bancários junto do referido banco,

v- Relativamente a esse período o "C..., S.A." liquidou o imposto do selo devido por tais operações ao abrigo do disposto na verba 17 da TGIS, tendo-o repercutido ao Requerente,

vi- Em 20/06/2018 o Requerente apresentou junto da Autoridade Tributária e Aduaneira pedido de revisão oficiosa, com vista à anulação dos actos tributários de liquidação do imposto do selo com referência à verba 17 da respectiva tabela anexa ao CIS, tendo-se sobre o mesmo formado indeferimento tácito,

vii- Em 2018-12-21, o Requerente através do seu representante legal "B... - Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário" dirigiu ao CAAD pedido de constituição de tribunal arbitral que originou o presente processo. (cfr. sistema informático de gestão processual do CAAD).

 

 

A.2. Factos dados como não provados

 

Inexistem factos relevantes para a decisão que devem considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto dada como provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto, o tribunal  não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de seleccionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigos 607º, nº 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 29º. nº a) e e) do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa, são escolhidos em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) do Direito. (cfr. artigo 596º do CPCivil, aplicável ex vi artigo 29º, nº1, alínea e) do RJAT).

Assim sendo, tendo em considerações as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, a prova documental e o PA anexo, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

 

B-DO DIREITO

 

O Requerente no seu pedido de pronúncia suscita várias questões, com densidade diferentes, que se reconduzem: à (i) arbitrabilidade nesta sede, dos actos de indeferimento tácito provindos de pedido de revisão oficiosa de actos tributários, (ii) á natureza e qualificação do "FUNDO" como "instituição financeira" de modo a beneficiar da isenção do imposto do selo prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, e (iii) da sua legitimidade para o pedido de pronúncia arbitral subjacente.

 

Vejamos então;

 

Atento o teor da resposta produzida pela AT, e como já sinalizado, parece ser legítimo concluir-se que não constituem matéria controvertida as questões suscitadas pelo Requerente, supra identificadas, uma vez que em defesa da sua tese, conducente à improcedência do pedido, esgrime, fundamentalmente, argumentos relativos à prova, ao não cumprimento do respectivo ónus por parte do Requerente, privilegiando e retirando conclusões em resultado da escassez ou ausência de prova documental que sustentem o pedido por este formulado.

Com efeito, outra conclusão parece não se retirar do que vem vertido, nomeadamente sob os artigos 15º, 16º e 20º, da resposta, que aqui se retomam:          

15º

"(... entende-se que a Requerente, enquanto titular do encargo do IS, tem legitimidade procedimental e processual para sindicar a legalidade de atos tributários de liquidação do imposto do selo, enquanto titular de interesse legalmente protegido, considerando-se que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão  do imposto ao abrigo da alínea a) do nº 4 do artigo 18º da LGT, em consonância com o disposto na parte final do artigo 9º, nº 1 do CPPT e com o artigo 65º da LGT, corroborado pelo nº 2 do artigo 54º da LGT".

16º

"Também o meio procedimental utilizado se afigura correto, pois o artigo 78º da LGT regula com carácter genérico os pressupostos do dever de revisão dos atos tributários independentemente de a mesma resultar da iniciativa do contribuinte ou da AT (revisão oficiosa)"

2oº

Efetivamente tem a Requerente razão quando afirma que a AT tem entendido que os fundos de investimento imobiliário são qualificados como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estarão isentos de imposto do selo ao abrigo da alínea n)  do  nº 1 do artigo 7º do CIS, relativamente às comissões cobradas quando diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições de crédito aí referidas."

 

Em todo o caso, ainda que de forma necessariamente sintética sempre se tecerão as seguintes considerações.

 

(i) arbitrabilidade nesta sede, dos actos de indeferimento tácito provindos de pedido de revisão oficiosa de actos tributários.

 

Relativamente à competência material do tribunal arbitral tributário para conhecer de actos de indeferimento expresso ou tácito de pedido de revisão oficiosa, com assento no artigo 78º da LGT, partilha este tribunal data venia, do que vem dito no âmbito do processo nº 47/2012 de 2012-09-28, proferido sob a égide do CAAD:

" O artigo 2º do RJAT não faz qualquer referência expressa a estes atos, ao contrário do que sucede com a lei da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT (artigo 124º da Lei 3-B/2010 de 28 de Abril), que refere os pedidos de revisão de actos tributários " e os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de atos de liquidação"

No entanto, a expressão "declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta" utilizada na alínea a) do nº1 do artigo 2º do RJAT, numa mera interpretação declarativa, não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau, que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

"(....) Assim conclui-se do que vem exposto que por força da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT não se excluem os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um ato de segundo grau e como consequência o âmbito material da alínea a) do nº 1 do artigo 2º do RJAT abrangerá também os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do ato tributário (...)"

 

Face ao que vem de expor-se e citar-se, dúvidas não se colocam quanto à competência material deste tribunal para apreciar e decidir o pedido subjacente, questão aliás, e como referido, sequer é controversa face à ausência de pronúncia a respeito por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O mesmo se verificando, de resto, quanto à questão assinada supra,

 

(ii)- da natureza e qualificação do "FUNDO" como "instituição financeira" de modo a beneficiar da isenção do imposto do selo prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS.

 

Relativamente a este segmento, haverá que assinar, como ponto prévio, que sobre os empréstimos de que o FUNDO beneficiou por parte da entidade mutuante - C..., S. A. - incide imposto de acordo com as verbas 17. 17.1. e 17.3 da TGIS;

 

"operações financeiras"

 

"(...) utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude de concessão de crédito a qualquer título (...)"

 

" operações realizadas por ou com intermediação das instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras"

 

Dispondo por seu turno a alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS que se encontram isentos do imposto "os juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos da instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em território com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças"

 

 

Acrescendo ainda o nº 7  do mesmo artigo que "o disposto na alínea e) do nº 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de créditos, no âmbito da atividade exercida pelas instituições referidas naquela alínea"

 

Relativamente aos actores beneficiários  da isenção em causa, e que subjaz ao pedido do Requerente [("o presente Pedido de Pronúncia Arbitral assenta  (unicamente) na análise e interpretação do âmbito subjectivo da isenção de Imposto do Selo (...)]" afigura-se pertinente actualizar, a definição quanto ao que deverá entender-se como "sociedades financeiras e instituições financeiras  previstos na legislação comunitária" (na terminologia da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS.

Ora,

Quanto a esta questão, o Requerente convoca, para além do mais a Diretiva (UE) 2015/849 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Maio de 2015, concluindo muito sinteticamente que "a entidade mutuante é qualificada como "instituição de crédito" e (....) o Fundo, na qualidade de mutuário, configura uma "instituição financeira", nos termos previstos " na legislação comunitária".

 

Ora,

Face à concordância da AT quanto ao entendimento acabado de verter, não vislumbra este tribunal qualquer necessidade em emitir sobre o tema em questão, qualquer pronúncia, que não seja subscrever, sem reservas as posições uníssonas veiculadas pelas partes,

 

Convoca ainda o Requerente quanto à abrangência da isenção aqui subjacente aos "fundos de investimento imobiliário" e para o que aqui importa uma informação vinculativa que tinha por objecto situação similar à que decorre da factualidade dos presentes autos.

 

Não obstante tratar-se de uma informação vinculativa, suscitada ao abrigo do disposto no artigo 68º da Lei Geral Tributária e obviamente sem abrangência universal   a AT na resposta a que procedeu manifesta a sua concordância quanto ao  entendimento que da mesma brota, e mais concretamente, da informação vinculativa prestada no âmbito do processo nº 2017... - IVE Nº..., com despacho concordante de 7 de Julho de 2017 da Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. (cfr. artigo 20º da resposta já supra transcrito).

 

Também aqui não subsistem quaisquer divergências das partes quanto ao entendimento em causa, perfilhando este tribunal do mesmo, concluindo-se e apropriando-nos da conclusão que se extrai da ficha doutrinária em causa que:

" O fundo de investimento imobiliário...é qualificado como instituição financeira, nos termos da legislação comunitária, e como tal estará isento e imposto do selo ao abrigo da alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS relativamente às comissões cobrados quanto diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades aí referidas".

 

(iii)- quanto à legitimidade do FUNDO para apresentação do pedido de pronúncia subjacente

 

Não sendo esta a sede apropriada para se proceder ao recorte jurídico ou distinção analítica entre as várias "categorias" de sujeitos passivos ou análise da substituição tributária sem retenção na fonte, deixa-se nota, incontroversa, que estamos face um fenómeno de repercussão legal, entendido este, de forma simples, "na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para outrem com quem este tem relações económicas"  .

Dito de outra forma, na repercussão "(...) há um sujeito passivo do imposto que é quem o vai pagar ao Estado, e um sujeito passivo de uma obrigação legal, não perante o Estado, mas sim perante o sujeito passivo, a cargo do titular da capacidade contributiva" 

 

Relativamente a este segmento, e reiterando o que vem sido dito, a AT não questiona a legitimidade do FUNDO quer em sede procedimental, quer no âmbito do pedido de pronúncia arbitral.

 

Recuperando-se o teor do expresso no artigo 15º da contestação:

 

"(....) entende-se que o Requerente, enquanto titular do encargo do IS, tem legitimidade procedimental e processual para sindicar a legalidade de atos tributários de liquidação do imposto do selo, enquanto titular de interesse legalmente protegido, considerando que é na sua esfera patrimonial que se opera a repercussão do imposto, ao abrigo da alínea a), do nº 4 do artigo 18º da LGT, em consonância com o disposto na parte final do artigo 9º, nº 1do CPPT e com o artigo 65º da LGT. corroborado pelo nº 2 do artigo 54º da LGT".

 

 Não poderá subscrever-se outra posição que não seja a de adesão à subscrita pelas partes.

 

********

 

Conforme salientado a Autoridade Tributária e Aduaneira afirma no seu articulado, para além do mais, que não obstante a referência feita pelo Requerente quanto à existência de um contrato de empréstimo, tal documento "não é junto pela Requerente" (cfr. artigo 8º da resposta).

Não obstante a sua junção tardia  , o Requerente procedeu em 2019-04-16, à junção de um contrato de abertura de crédito por conta corrente, celebrado em 20 de Março de 2013 entre o C..., S.A. e o Requerente, ao aditamento a este, datado de 23 de Dezembro de 2014, e a uma declaração emitida pelo C..., S.A., datada de 11 de Abril de 2019, onde a entidade mutuante afirma ter procedido entre Junho de 2014 e Junho de 2015 às liquidações de imposto do selo.

O Requerente, a instruir o seu pedido de pronúncia arbitral, juntou cinco documentos, relevando para o que aqui importa os numerados sob os nºs 2 e 4.

Relativamente ao primeiro dos indicados, consubstancia-se o mesmo numa declaração emitida pelo "C..., S.A." onde declara ter celebrado um contrato de empréstimo com o Fundo em 20/03/2013 e aditado em  23/12/2014, sendo que o documento nº 4, se reporta aos movimentos a débito da entidade mutuante ao Requerente onde estão reflectidos os  respectivos valores do imposto liquidado com a identificação das respectivas guias de pagamento.

 Contrariamente à posição subscrita pela AT, afigura-se a este tribunal que dos documentos em causa (juntos com o pedido de pronúncia arbitral e em 16/4/2019) não são susceptíveis de infirmar que, efectivamente entre o banco mutuante e a entidade beneficiária do mesmo (Fundo) se não tenha estabelecido um contrato de empréstimo na modalidade de "abertura de crédito por conta corrente".

Não se questionando a veracidade dos documentos em causa, a convicção do tribunal  funda-se, para além da mais, no princípio da livre apreciação da prova, baseada "(...) em relação às provas produzidas, na sua íntima conviçção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artº 607, nº 5, do C.P.Civil, na redacção da Lei nº 41/2013 de 26/6)"

"(...) Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré- estabelecida na lei (v.g .força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. artº 371, do C. Civil)é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação"  [(cfr. Acórdão já citado do TCAS de 2019-02-14)].

 

Face ao que vem de expor-se, concluindo este tribunal (de resto em consonância com as posição subscritas por ambas as partes) pela qualificação do Requerente /FUNDO como uma instituição financeira ao abrigo das normas de direito financeiro da União Europeia, deverá considerar-se isento nos termos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS, do imposto do selo incidente sobre créditos, juros e comissões ao mesmo cobrados pela entidade mutuante "C..., S.A.", procedendo, em conformidade, o pedido arbitral, declarando-se a ilegalidade e anulação dos actos de liquidação do imposto do selo aqui em causa, e  consequentemente anular o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa.

 

III-JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

De conformidade ao disposto na alínea b) do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a administração tributária, a partir do termo do prazo para o recuso ou impugnação, devendo esta, nos precisos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, "restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessárias para o efeito", o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT, aplicável ex vi alínea a) do nº 1 do artgo 29º do RJAT, que prevê:

Artigo 100º

Efeitos de decisão favorável ao sujeito passivo

A administração tributária está obrigada em caso de procedência total ou parcial da reclamação, impugnação ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do prazo da execução da decisão.

 

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utilize a expressão "declaração de ilegalidade", para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), não fazendo menção a decisões condenatórias, deverá entender-se que compreendem nas suas competências, os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se harmoniza e conjuga com o sentido de autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que "o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária".

 

O nº 5 do artigo 24º do RJAT ao afirmar que "é devido o pagamento de juros independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário", deverá ser interpretado n sentido de permitir o conhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral tributário.

 

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passiva ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante em determinado período de tempo, visando colocá-lo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

 

Perante o que vem de expor-se, e face ao sentido decisório quanto ao mérito da causa, já sinalizado, decide este tribunal singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre a data dos pagamentos efectuados até à sua integral devolução.

 

IV- DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em:

 

a- julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando-se a ilegalidade e anulação dos actos de liquidação do imposto do selo aqui em causa, correspondentes aos meses de Junho de 2014 a Junho de 2015;

b- anular, consequentemente, o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

c-julgar procedente o pedido de reembolso das quantias pagas, bem como dos juros indemnizatórios;

d- condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira ao pagamento das custas do processo.

 

V-VALOR DO PROCESSO

 

De conformidade ao estatuído nos artigos 206º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º-A, nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º nº 3 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 29.174,21 € (vinte e nove mil, cento e setenta e quatro euros, e vinte e um cêntimos).

 

VI- CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº1 1, 22º, nº4, do RJAT, e artigo 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem, e Tabela I a esta anexo, fixa-se o montante de custas em 1.530,00 € (mil quinhentos e trinta euros).

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computados, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo árbitro.

 

[A redação da presente decisão rege-se pela grafia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas].

 

Vinte e um de Maio de dois mil e dezanove

 

O árbitro,

(José Coutinho Pires)