Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 791/2019-T
Data da decisão: 2021-05-10  Selo  
Valor do pedido: € 6.375,00
Tema: Imposto do Selo – Imposto do Selo da Verba 17.3.4 da TGIS; Comissões de gestão cobradas por Sociedades de Capital de Risco (SCR) a Fundo de Capital de Risco (FCR)
Versão em PDF

Decisão Arbitral         

                I. RELATÓRIO

 

A…..S.A., sociedade anteriormente designada por  A… – SOCIEDADE DE CAPITAL DE RISCO, S.A. (doravante designada por ‘Requerente’), com o número de identificação fiscal ………, com sede na Rua ….., … Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), em conjugação com artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente aos actos de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa com o processo n.º 3………… e, bem assim, de forma mediata, as autoliquidações de imposto do selo relativas a operações realizadas entre março e setembro de 2017 com o valor global a pagar de € 6.375,00.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante também identificada por “AT” ou simplesmente “Autoridade Tributária”).

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 22.11.2019 pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à Requerida.

 

3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

4. Em 16.01.2020, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 17.02.2020

 

6. A Requerente sustenta a procedência do seu pedido, em síntese, pelos seguintes argumentos:

- Com referência ao período tributário de março a setembro de 2017, alega, em suma, a Requerente que, enquanto Sociedade de Capital de Risco (doravante ‘SCR’), regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, e com a actividade principal à data dos factos de gestão do Fundo de Capital de Risco B… (doravante ‘FCR’), não se inclui no conceito legal de “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras” e, nessa medida como mais adiante se verá, afirma que as comissões de gestão trimestral de março a setembro de 2017, no total de € 6.375,00 cobradas àquela entidade, estão excluídas da esfera de incidência do imposto do selo, em especial da verba 17.3.4 da TGIS.

                - Por conseguinte, defende a Requerente que as autoliquidações de IS sub judice são indevidas por serem ilegais, devendo a AT proceder ao seu reembolso e ser condenada de juros indemnizatórios, à taxa legal, até ao integral reembolso da quantia devida.

 

                7. Por despacho proferido em 19.05.2020., foram as partes notificadas de que, ao não haver lugar à produção de prova constituenda, por um lado, e ao não ter sido suscitada matéria de excepção, por outro, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, ambos do RJAT.

 

8. Não havendo outras diligências instrutórias a realizar, notificaram-se igualmente as partes para a produção de alegações escritas no prazo simultâneo de 10. (dez) dias [(artigos 29º, do RJAT, 91º-5 e 91º-A, do CPTA, versão republicada em anexo ao DL nº 214-G/2015, de 2-10)], de facto (factos essenciais que consideram provados e não provados) e de direito. a partir da notificação do referido despacho.

 

9. As partes apresentaram alegações em que, no essencial, mantiveram as posições assumidas e desenvolvidas nos articulados.

 

II. SANEAMENTO

 

10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 5.º, ambos do RJAT.

- As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

- O processo não enferma de nulidades.

- Não foram alegadas pelas partes, nem existem quaisquer excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa e que cumpra conhecer.

 

III. DO MÉRITO

 

III. 1. MATÉRIA DE FACTO

III. 1.1. Factos provados

                         

11. Atentos os documentos juntos pelo Requerente e os documentos constantes do processo administrativo, para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

 

i)             A Requerente é uma Sociedade de Capital de Risco (doravante ‘SCR’), regularmente constituída ao abrigo da legislação nacional, em particular do atual Regime Jurídico do Capital de Risco, Empreendedorismo Social e Investimento Especializado, que se encontra estabelecido na Lei n.º 18/2015, de 4 de março, que teve a sua primeira alteração em 2018, através do Decreto-Lei n.º 56/2018, de 9 de julho.

ii)            À data das autoliquidações de imposto do selo agora contestadas, a atividade principal da Requerente consistia na gestão do Fundo de Capital de Risco B… (doravante ‘FCR’), sendo no âmbito dessa atividade cobrada uma comissão de gestão trimestral ao FCR.

iii)           Nos meses de março, junho e setembro de 2017, a Requerente cobrou uma comissão de gestão ao FCR, sobre a qual foi posteriormente liquidado e entregue ao Estado o imposto do selo de 4% previsto na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (doravante ‘TGIS’).

Fatura   Data      Comissão            IS@4%  Guia de pagamento Imposto do Selo

FA2017/.             31/03/2017         56 250,00 €        2 250,00 €           80500767…

FA2017/.             14/06/2019         56 250,00 €        2 250,00 €           80500768…

FA2017/.             29/09/2017         46 875,00 €        1 875,00 €           80500769…

Totais                   159.375,00 €      6.375,00 €         

 

iv)           Tal significa que, relativamente às comissões de gestão cobradas nos meses de março, junho e setembro de 2017, a Requerente liquidou imposto do selo no valor global de € 6.375,00  ao abrigo da verba 17.3.4.

 

v)            Na sequência das liquidações, a Requerente entregou ao Estado o produto do imposto do selo no valor global de € 6.375,00, através das respetivas Guias de Pagamento n.º 80500767…, 80500768… e 80500769… (docs. n.º 5 a 7), em conjunto com os comprovativos de pagamento (docs. n.º 8 a 10), apresentados pela Requerente.

 

vi)           Que sobre as autoliquidações de imposto do selo referentes a 2015 e 2016 da Requerente, veio o Tribunal Arbitral proferir a decisão arbitral relativa ao processo n.º 226/2018-T, que para referência e facilidade de consulta, aqui se junta, em anexo como doc. n.º 11, e onde se pode ler:

             «Na versão da Requerente, as SCR, como é o seu caso, não se encontram abrangidas pela previsão daquela norma, uma vez que não integram o conceito de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras.

             Pelo contrário, sustenta a Requerida que as SCR são consideradas como instituições financeiras, invocando como suporte de tal conclusão o disposto na alínea l) do n.º 1 do art. 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), em primeira linha, mas também o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 30º do Código dos Valores Mobiliários (CVM) e ainda a alínea h) do n.º 1 do art. 3º da Lei 25/2008, de 5 de Junho.

             Diga-se, desde já, que concordamos integralmente com o que refere a Requerida a propósito do percurso a efectuar tendo em vista a qualificação de uma entidade como instituição financeira, passando a transcrever o que se diz na Resposta:

             “De harmonia com o n.º 2 do artigo 11º da LGT, no domínio da exegese jurídico-tributária «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei».

             Por entender que o imposto do selo autoliquidado sobre as comissões de gestão cobradas pela Requerente ao FCR não era legalmente devido, na medida em que não se encontram verificados os pressupostos da incidência subjetiva, a Requerente apresentou, nos termos do artigo 131.º do CPPT, uma reclamação graciosa junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ‘AT’) no dia 26 de março de 2019, solicitando o reembolso do imposto do selo indevidamente autoliquidado e entregue nos cofres do Estado(doc. n.º 12 do PPA)

             Tal como já acima referido, a 1 de setembro de 2019 (novamente, 5.º dia posterior ao registo de disponibilização no Via CTT, conforme artigo 39.º, n.º 10 do CPPT) a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da reclamação graciosa (doc. n.º 1 do PPA).

 

III.1.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

12. Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 A fixação da matéria de facto baseia-se nos documentos juntos pelo Requerente e os que constam do processo administrativo.

13. Não há controvérsia sobre a matéria de facto relevante para decisão da causa.

 

 III.2. MATÉRIA DE DIREITO

III.2.1. Questão que é objecto do processo 

 

14. A questão de mérito que cumpre solucionar é a de saber se, como sustenta a AT, as liquidações de IS se devem manter com o fundamento, de que as SCR são consideradas como instituições financeiras.

- Com efeito, defende que “se extrai da alínea l) do nº 1, do artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), conjugando essa norma com a leitura de outros dispositivos legais, como consente expressamente a referida alínea l), embora de regime especial, dado a regulamentação estar especificada na Lei nº 18/2015, de 4 de Março”, e que como tal, e ao contrário do que alega a Requerente, resulta expressa e manifestamente da Lei que as SCR´s consubstanciam instituições financeiras, para efeitos da verba 17.3.4 da TGIS. Donde, se mostram acertadas as autoliquidações de IS relativamente às operações efectuadas de março a setembro de 2017, não existindo fundamento para a revogação da decisão de indeferimento proferida em sede de reclamão graciosa visada nos presentes autos, e nessa medida, devem manter-se na ordem jurídica os actos de autoliquidação. e a AT limitado a aplicar o quadro legal à realidade fatual, anteriormente descrita.

 

15. Ou, se como defende a Requerente, tais autoliquidações de IS são indevidas, porquanto tal como resulta do disposto na verba 17.3.4 da TGIS, estão sujeitas a imposto do selo, à taxa de 4%, as «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros».

 

16. Sustenta ainda a Requerente no PPA que a incidência subjetiva se verifica quando a entidade que cobra a comissão corresponda a uma das tipologias jurídicas constantes da verba 17.3 da TGIS, a saber: (i) Instituições de crédito; (ii) Sociedades financeiras; (iii) Outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras; e (iv) Quaisquer outras instituições financeiras.

 

17. E, tendo em conta que, como o sustenta a Requerente, não se encontra enquadrada em nenhum das referidas entidades, as autoliquidações de IS efectuadas ao abrigo da verba 17.3.4 relativamente às operações visadas nos presentes autos, apenas são aplicáveis às sociedades financeiras e não às sociedades de capital de risco, como é o caso da Requerente.

               

18. A posição da Autoridade Tributária e Aduaneira:

 

- A AT rejeita a argumentação da Requerente com os seguintes fundamentos:

 

- Em sede da reclamação graciosa já havia defendido conforme se transcreve infra, que a Requerente é uma sociedade financeira e, que nessa medida, as operações por ela realizadas estão sujeitas a IS:

(…)

 

- Em sede de RESPOSTA nos presentes autos, a AT reitera o seguinte:

(…)

27.º       

 “Resulta da lei (cfr. verba 17.3 da TGIS, anexa ao CIS):

«As operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras – sobre o valor cobrado”, em que “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” encontram-se sujeitas a uma taxa de 4% nos termos da verba 17.3.4.»

28.º       

Tal como bem assinala a doutrina, designadamente, J. Silvério Mateus e L.Corvelo de Freitas e Maria Angelina Tibúrcio da Silva, a sujeição a imposto de selo das comissões cobradas pelas entidades gestoras de fundos, a título de contraprestação pela administração e gestão dos fundos, depende da verificação cumulativa de um elemento subjetivo e de um elemento objetivo.

29.º       

Ou seja, as operações descritas na verba 17.3.4 apenas estão sujeitas a Imposto do Selo quando sejam realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, assim preenchendo o elemento subjetivo de incidência do imposto, e quando constituam contraprestação por serviços financeiros prestados, assim se preenchendo o elemento objetivo de incidência do imposto.

30.º       

Salvo o devido respeito, ao extrair a conclusão de que a Requerente, na qualidade de sociedade gestora de fundos, enquanto SCR, não está sujeita a Imposto do Selo nos termos da verba 17.3.4, da TGIS, porquanto não se inclui no conceito legal de “instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”, nem a gestão dos Fundos consubstancia uma operação financeira em sentido estrito nos termos daquela verba, a Requerente efetua uma interpretação totalmente enviesada, quer da letra, quer do espírito, não apenas do CIS e da respetiva TGIS, como também das várias leis em presença, in casu.

31.º       

Interpretação que não poderá ter qualquer acolhimento, pelos motivos que infra se explanarão.

32.º       

As SCR são consideradas como instituições financeiras, como se extrai da alínea l) do nº 1, do artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), conjugando essa norma com a leitura de outros dispositivos legais, como consente expressamente a referida alínea l), embora de regime especial, dado a regulamentação estar especificada na Lei nº 18/2015, de 4 de Março .(…)”

 

- Quanto à isenção de Imposto de Selo do artigo 7.º, n.º 1, alínea e) do CIS invocada pela Requerente, a AT defende que não lhe assiste razão, pois que n.º 2 do art. 1º do CIS estabelece que “não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”.

 

III.2.2. Apreciação da questão

 

Vejamos,

 

1)            A posição da Requerente:

 

19. A Requerente considera que as autoliquidações de IS são indevidas, porquanto foram realizadas nos termos da verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto o Selo, a qual só é aplicável às sociedades financeiras e não às sociedades de capital de risco.

- Afirma que não se encontra tipificada como «sociedade financeira» na legislação nacional desde 2002, o que significa que as comissões visadas nos autos estão excluídas da esfera de incidência do Imposto do Selo, em especial da verba 17.3.4 da TGIS.

- Nessa sequência, a Requerente apresentou reclamação graciosa junto da AT, através da qual apresentou à Fazenda Pública o seu entendimento relativamente ao sentido e alcance da verba 17.3.4 da TGIS, e solicitado o reembolso do IS indevidamente autoliquidado e entregue nos cofres do Estado em relação às operações efectuadas de março, junho e setembro de 2017 (Doc. 12 do PPA), solicitação essa que foi indeferida pela AT (Doc.1 do PPA.).

 

20. Deste modo e com base nos argumentos acima destacados, veio a Requerente pedir a declaração de ilegalidade das autoliquidações, bem como a sua integral anulação.

 

- Para tal, invoca, no essencial os seguintes fundamentos:

“(…) Da não sujeição a imposto do selo >> Verba 17.3.4 da TGIS :

(…)

11.          Tal como resulta do disposto na verba 17.3.4 da TGIS: estão sujeitas a imposto do selo, à taxa de 4%, as «outras comissões e contraprestações por serviços financeiros» (cit.).

12.          A incidência subjetiva verifica-se quando a entidade que cobra a comissão corresponda a uma das tipologias jurídicas constantes da verba 17.3 da TGIS, a saber: (i) Instituições de crédito; (ii) Sociedades financeiras; (iii) Outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras; e (iv) Quaisquer outras instituições financeiras.

13.          Certo é que, tal como desenvolvido no Requerimento Inicial, a Requerente não se enquadra em nenhum dos conceitos das referidas entidades.

14.          Surpreendentemente, vem a AT na sua Resposta invocar o n.º 27 do artigo 9.º do CIVA para argumentar que se a administração ou gestão de fundos de investimento estão isentas de IVA, então a mesma atividade deverá estar sujeita a Imposto do Selo…

15.          Efetivamente, refere a AT que «a isenção de IVA é uma condição sine qua non para a incidência do imposto do selo (cfr. n.º 2 do artigo 1.º do CIS)» (cit., artigo 23.º pág. 18 da Resposta).

16.          Ora, independentemente de aquelas comissões se encontrarem efetivamente isentas em sede de IVA, certo é que a AT incorre, como veremos, numa interpretação incorreta do n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo.

17.          Em concreto, a norma em apreço não determina que a isenção de IVA implique necessariamente incidência a Imposto do Selo.

18.          Na verdade, estamos, sim, perante uma norma de incidência negativa, dado que de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo «não são sujeitas a imposto [do selo] as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas» (cit.).

19.          Quer isto dizer que não haverá sujeição a Imposto do Selo caso a operação já seja sujeita (e não isenta) a IVA; mas obviamente, e ao contrário do que invoca a AT, não basta a referida isenção em sede de IVA para haver lugar, por si só, à aplicação do imposto do selo.

20.          Acresce que a norma de incidência positiva aplicável se encontra tipificada na verba 17.3.4 da TGIS, a qual não inclui no âmbito da incidência subjetiva as Sociedades de Capital de Risco, como é a Requerente.(…)”

 

- A Requerente defende por conseguinte que “(…) as Sociedades de Capital de Risco não são instituições financeiras, nem sociedades financeiras, a alínea f) do n.º 1 do artigo 30.º do Código dos Valores Mobiliários, veio intencionalmente incluir estas entidades, por forma a integrarem o conceito de investidor qualificado, para efeitos do referido código, mas apenas para esse efeito.

Caso contrário, se o legislador entendesse que as Sociedades de Capital de Risco já estavam incluídas na referida norma, não teria certamente evidenciado uma alínea especifica para estas entidades, de modo a incluir estas entidades no conceito de investidor qualificado.

- Veja-se que o n.º 1 do artigo 30 estabelece o seguinte:

«1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 317.º e 317.º-A, consideram-se investidores profissionais as seguintes entidades» (cit., sublinhado nosso).

 

- Conclui que “mal andou a AT, dado que o Código dos Valores Mobiliários não atribui à Requerente a qualificação de instituição financeira ou outra no âmbito da aplicação da verba 17.3.4 da TGIS.(..)”

 

2)            A posição da Requerida:

 

21. Por seu turno, a Requerida reitera na sua resposta quanto à não sujeição a Imposto de Selo que a verba 17.3 da TGIS tributa as «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras – sobre o valor cobrado”, em que “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” encontram-se sujeitas a uma taxa de 4% nos termos da verba 17.3.4 e,  que resulta da lei (cfr. verba 17.3 da TGIS, anexa ao CIS): «operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras – sobre o valor cobrado”, em que “outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” encontram-se sujeitas a uma taxa de 4% nos termos da verba 17.3.4.»

 

- Ou seja, no entender da Requerida, a Requerente não tem razão ao considerar que as operações descritas na verba 17.3.4 apenas estão sujeitas a Imposto do Selo quando sejam realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a ela legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras, assim preenchendo o elemento subjetivo de incidência do imposto, e quando constituam contraprestação por serviços financeiros prestados, assim se preenchendo o elemento objetivo de incidência do imposto.

 

- Acrescenta ainda que “(…)  as SCR são consideradas como instituições financeiras, como se extrai da alínea l) do nº 1, do artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), conjugando essa norma com a leitura de outros dispositivos legais, como consente expressamente a referida alínea l), embora de regime especial, dado a regulamentação estar especificada na Lei nº 18/2015, de 4 de Março. (…).

 

- Prossegue a sua exposição, referindo que a alínea e) do nº 1, do artigo 7º do Código do Imposto do Selo (CIS) prevê o seguinte:

50.º       

“[s]ão também isentos do imposto: (…) [o]s juros e comissões cobrados, as garantias prestadas e, bem assim, a utilização de crédito concedido por instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras a sociedades de capital de risco, bem como a sociedades ou entidades cuja forma e objecto preencham os tipos de instituições de crédito, sociedades financeiras e instituições financeiras previstos na legislação comunitária, umas e outras domiciliadas nos Estados membros da União Europeia ou em qualquer Estado, com excepção das domiciliadas em territórios com regime fiscal privilegiado, a definir por portaria do Ministro das Finanças”

51.º       

Sumaria o acórdão do STA, datado de 15 de Junho de 2016 (processo nº 0770/15) que “[a] isenção concedida pelo art.º 7.º nº 1 al. e) do CISelo, na redacção do DL n.º 287/2003NOV12, alterada pela Lei n.º 107-B/2003DEZ31, tem como elemento catalisador, - a que se reportam os juros, as comissões cobradas, as garantias prestadas ou a (sua) mera utilização -, o crédito concedido nos termos mencionados no mesmo normativo”.

52.º       

Acórdão que é lapidar (mas nem sequer inovador, pois já existiam interpretações jurisprudenciais anteriores no mesmo sentido), quando afirma “[c]oncordamos com o que foi expresso no Ac. do TCA Sul supra referido de que: “ (…) De facto, não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias. Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas,

53.º       

pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do ali determinado, estariam isentas. Mas mais relevantemente do que isto é que se tornaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições. (…).” Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise”

54.º       

Mas se dúvidas poderiam existir, estas deixam de ter qualquer fundamento quando o próprio legislador faz a interpretação expressa do texto que redigiu.

55.º       

O que sucedeu, com a introdução do nº 7 ao artigo 7º do CIS, através da Lei 7-A/2016, de 30 de Março, anterior aos factos tributários em causa nos autos.

56.º       

Estipulando este normativo que: “[o] disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da actividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea”.

57.º       

E tratando-se da mera explicitação de uma norma anterior, o artigo 154º da referida Lei nº 7- A/2016 confere ao número 7 do artigo 7º do CIS natureza interpretativa.

58.º       

O que mereceu o seguinte comentário do STA, por acórdão de 29/06/2016 (processo 01630/15): “[n]ão há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13º do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer “novidade” no próprio texto da norma”.

59.º       

Fazemos notar que os acórdãos citados foram votados por unanimidade, sendo certo que os Juízes Conselheiros que compunham o coletivo são completamente distintos (o que demonstra a aceitação pacífica por parte do STA da interpretação que aqui foi exposta e que contraria a pretensão da Requerente).

60.º       

Sendo que o STA não visualizou qualquer vício de constitucionalidade adveniente de uma pretensa retroatividade da Lei.

61.º       

Pelo contrário, afirma, de forma expressa, que o legislador limitou-se a vir esclarecer um conceito pré-existente.

62.º       

E volta a acolher esta interpretação em posteriores acórdãos, de que é exemplo o acórdão proferido em 3 de Novembro de 2016, no processo 0976/16.

63.º       

Neste acórdão é bastante esclarecedor o douto parecer do Ministério Público, secundado pelos doutos Juízes Conselheiros que subscreveram o aresto, afirmando-se, então, que “[n]a verdade, a norma do n.° 7 do artigo 7.° do Código do Imposto do Selo, introduzida pela Lei 7- A/2016 visou decidir uma questão de direito cuja solução era controvertida ou incerta no domínio da lei antiga e consagrou uma solução a que a jurisprudência pelos seus próprios meios poderia ter chegado no domínio da lei anterior (como decorre do citado acórdão do STA, de 15/06/2016). A lei nova para ser considerada interpretativa não tem de consagrar uma corrente doutrinal prevalecente, sendo suficiente uma interpretação defendida anteriormente (Sobre a Aplicação da Lei no Tempo, Baptista Machado, a páginas 286 e seguintes)”. (…) “

 

- Conclui referindo que não faz sentido falar na aplicação da isenção identificada na situação sub judice, pois a isenção prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 7º do CIS não aproveita à Requerente.

 

3)            Vejamos:

 

22.  Conforme resulta do pedido, a Requerente não se conforma com as liquidações de IS por ela efectuadas.

- Considera que as operações subjacentes não estão sujeitas a qualquer norma de incidência e, que em qualquer caso, estariam abrangidas por uma isenção.

- A data das autoliquidações de IS agora contestadas, a atividade principal da Requerente consistia na gestão do Fundo de Capital de Risco B… (doravante ‘FCR’), sendo no âmbito dessa atividade cobrada uma comissão de gestão trimestral ao FCR.

               

23. A questão em análise consiste em determinar se a verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), enquanto normas de incidência tributária do Imposto do Selo, aqui em discussão, abrange as Sociedades de Capital de Risco (SCR).

 

- A AT alega que no conceito de SCR estão incluídas “outras instituições financeiras” e, que:

(i) as SCR são consideradas como instituições financeiras, como se extrai da alínea l) do nº 1, do artigo 6º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), conjugando essa norma com a leitura de outros dispositivos legais, como consente expressamente a referida alínea l), embora de regime especial, dado a regulamentação estar especificada na Lei nº 18/2015, de 4 de Março.

(ii) o artigo 6º do RGICSF considera que “são sociedades financeiras (…) outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam como tal qualificadas pela lei”.

- Também o Código dos Valores Mobiliários (CVM), que qualifica, na alínea f), do nº 1, do artigo 30º, como “outras instituições financeiras autorizadas ou reguladas, designadamente fundos de titularização de créditos, respetivas sociedades gestoras e demais sociedades financeiras previstas na lei, sociedades de titularização de créditos, sociedades de capital de risco, fundos de capital de risco e respetivas sociedades gestoras”

- Conclui que, ao contrário do que a Requerente defende, resulta expressa e manifestamente da Lei que as SCR consubstanciam instituições financeiras, para efeitos da verba 17.3.4 da TGIS.

 

24. Entendemos que assiste razão à Requerente:

 

- Por não existir o elemento subjectivo de incidência, não serão de aplicar às comissões por aquelas cobradas, a verba 17.3.4 daquela Tabela.

-  De facto, as SCR não estão abrangidas pela verba 17.3 da TGIS, devendo o presente pedido ser considerado procedente e ser decretado o reembolso do imposto do selo pago indevidamente pela Requerente.

 

25. Impõe-se aqui chamar à colação os ensinamentos da Jurisprudência recente sobre esta matéria controvertida, nomeadamente a posição do CAAD na Decisão proferida no âmbito do processo n.º 226/2018-T, de 13-12-2018, que se acompanha e onde se conclui que não serão de aplicar às comissões por aquelas cobradas, a verba 17.3.4 daquela Tabela por falta do preenchimento do elemento de incidência subjectiva:

“(…) Voltando, então, ao conceito de instituição financeira é relativamente pacífico que, na ausência de definição legal expressa no ordenamento jurídico nacional, se admite que o RGICSF contempla apenas um conceito em sentido estrito daquela, o qual convive com um conceito mais amplo e onde se incluirão as instituições financeiras não monetárias. Seguindo o que afirma Carlos Costa Pina – Instituições e Mercados financeiros, Coimbra, 2005, pag. 249 – a limitação do conceito de sociedades financeiras é meramente formal, apenas para efeito da aplicação do RGICSF. A que não é alheia, como se diz na Decisão Arbitral n.º 348/2016-T “a tendência verificada do progressivo desaparecimento das barreiras e das distinções entre os três sectores financeiros tradicionais (banca, valores mobiliários e seguros), com a consequente fusão de interesses e actividades entre os diversos tipos de instituições da área financeira, em especial, entre as instituições monetária e não monetárias, e o aparecimento de novos conceitos como os da banca universal, bancassurance ou de assurfinance, etc., que tendem a exprimir fórmulas de colaboração entre instituições financeiras de objectos distintos mas similares concorrendo entre si”. Não desconhecemos a existência de várias decisões arbitrais, incluindo a que o signatário subscreveu já este ano, no acórdão 352/2017-T, quando consideram que o alcance do conceito de instituição financeira extravasa o que dispõe o RGICSF. Dissemos aí que enumerando o art. 6º daquele diploma tipos de sociedades financeiras e excluindo-se especificamente outras, isso só por si não impede que outras sociedades ou entidades possam ser consideradas “entidades financeiras” para outros efeitos, que não os previstos pelo RGICSF. É que o artigo 6º do RGICSF não tem uma preocupação doutrinal, de determinação exaustiva da conotação e denotação dos conceitos de sociedade financeira ou de instituição financeira, mas sim de demarcação do âmbito de aplicação do regime geral em causa. Com efeito, conforme aí se salientou, muita da jurisprudência arbitral (a título de exemplo, as decisões nº 303/17, n.º 9/17, n.º 667/16, n.º 633/16, n.º 348/16 ou n.º 279/16), conclui que podemos encontrar instituições financeiras ou sociedades financeiras para além do âmbito de aplicação do RGICSF. Sucede que a generalidade de tais decisões tinha em mente as sociedades gestoras de fundos, sociedades gestoras de participações do sector de seguros e afins. Será que os argumentos aí invocados valerão também para as sociedades de capital de risco? Para a Requerida não haverá dúvidas pois assume, sem reticências a “Requerente enquanto sociedade gestora de fundos” (veja-se, designadamente, os art. 21º e 25º da resposta). Que tais sociedades – SCR – não se inserem no conceito restrito de instituições financeiras para os efeitos do RGICSF, parece pacífico até para a Requerida ao concluir que aquelas se incluiriam na norma residual em que se traduz a alínea l) do n.º1 do art. 6º daquele regime, quando remete a definição de instituição financeira para outros diplomas legais: “outras empresas que, correspondendo à definição de sociedade financeira, sejam como tal definidas pela lei”. As SCR têm um regime jurídico próprio, actualmente regulado pela Lei 18/2015 de 4 de Março que, no n.º 1 do art. 9º, estipula que: - “As sociedades de capital de risco e os investidores em capital de risco têm como objeto principal a realização de investimentos em capital de risco e, no desenvolvimento da respetiva atividade, podem realizar as seguintes operações: a) Investir em instrumentos de capital próprio, bem como em valores mobiliários ou direitos convertíveis, permutáveis ou que confiram o direito à sua aquisição; b) Investir em instrumentos de capital alheio, incluindo empréstimos e créditos, das sociedades em que participem ou em que se proponham participar; c) Investir em instrumentos híbridos das sociedades em que participem ou em que se proponham participar; d) Prestar garantias em benefício das sociedades em que participem ou em que se proponham participar; e) Aplicar os seus excedentes de tesouraria em instrumentos financeiros; f) Realizar as operações financeiras, nomeadamente de cobertura de risco, necessárias ao desenvolvimento da respetiva atividade”. Por outro lado, dispõe o n.º 1 do artigo 2º do mesmo diploma que “não obstante o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 293.º do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro, as sociedades referidas no artigo anterior não são intermediários financeiros”, onde se incluem as SCR. Determinando aquela alínea b) do n.º 1 do artigo 293.º do Código dos Valores Mobiliários que são consideradas actividades de intermediação financeira ”os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento”. (…) - Posto isto, há que ter presente que o que está aqui em causa é a aplicação de uma norma de incidência que, por contender com um elemento essencial do imposto, na sua aplicação lhe são exigidas cautelas especiais, face ao princípio constitucional da legalidade, previsto no art. 103º da CRP. Sendo certo que, pelas mesmas razões, está vedado o recurso à analogia (art. 11º, n.º 4 da LGT). Face ao que se deixou dito, consideramos que não resulta da letra, nem sequer do espírito, da lei que as SCR possam ser incluídas no conceito de instituição financeira da verba 17.3 da TGIS. Pelo que, inexistindo o elemento subjectivo de incidência, não serão de aplicar às comissões por aquelas cobradas, a verba 17.3.4 daquela Tabela. Decorre do exposto lograr ter êxito a pretensão da Requerente, declarando-se a ilegalidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de imposto do selo, impondo-se a sua anulação (…)“.

 

- Também na Decisão arbitral proferida no processo n.º 399/2019-T, veio o Tribunal a dar razão à tese perfilhada pela Requerente nos presentes autos:

“(…) Por seu turno a alínea h) do nº 1 do artigo 3º da Lei 26/2008, de 05 de Julho, (Lei de Branqueamento de Capitais), na Secção II “âmbito de aplicação”, sob a epígrafe de “entidades financeiras”, refere o seguinte: “1 - Estão sujeitas às disposições da presente lei as seguintes entidades, com sede em território nacional: ... h) Sociedades e investidores de capital de risco;” Ora, parece claro que o artigo 6º do RGICSF, que é a norma por excelência a que o intérprete deve recorrer neste caso concreto, por força do nº 2 do artigo 11º da LGT, não resulta que as SCR estejam abrangidas na definição de sociedades financeiras ou de outras entidades a que se refere a verba 17.3. da TGIS, nomeadamente outras instituições financeiras. E se assim é, não é possível, face à redacção da verba 17.3 da TGIS, onde se estabelece a incidência subjectiva do imposto aqui em causa, concluir-se que as SCR estão sujeitas ao imposto do selo da verba 17.3.4 da TGIS (taxa ad valorem de 4% sobre as comissões de gestão cobradas a FCR). Com efeito, não sendo as SCR instituições de crédito, também não é possível enquadrá-las nos diversos tipos de entidades sujeitas a imposto do selo, que são • As sociedades financeiras, • outras entidades legalmente equiparadas a sociedades financeiras, • e quaisquer outras instituições financeiras. Parece resultar claro que a alínea f) do nº 1 do artigo 10º do CVM, inserida no Capítulo V “investidores” e epígrafe “investidores profissionais”, se limita a classificar as SCR, como investidores profissionais, tendo em vista os especiais deveres de conduta que certas entidades devem respeitar na sua actuação, ao nível do mercado de valores mobiliários. Ou seja, este normativo deve ser visto em consonância com Directiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros (DMIF): • Directiva 2004/39/CE, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera a Directiva 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Directiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Directiva 93/22/CEE do Conselho (DMIF em sentido estrito ou Directiva quadro); • Directiva (CE) n.º 2006/73/CE, de 10 de Agosto de 2006, no que diz respeito aos requisitos em matéria de organização e às condições de exercício da actividade das empresas de investimento (Directiva de execução); • Regulamento (CE) n.º 1287/2006, de 10 de Agosto de 2006, no que diz respeito às obrigações de manutenção de registos das empresas de investimento, à informação sobre transacções, à transparência dos mercados e à admissão à negociação dos instrumentos financeiros (Regulamento de execução). O elemento literal da norma, sobretudo quando à sua incidência subjectiva, é sempre o mais relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”. “Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz). “(...) Há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador, sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha). Também a alínea h) do nº 1 do artigo 3º da Lei 26/2008, de 05 de Julho, (Lei de Branqueamento de Capitais), inserida na Secção II “âmbito de aplicação”, e sob a epígrafe de “entidades financeiras”, não parece ter a virtualidade de lograr integrar as SCR na definição de uma das entidades, sujeitas subjectivamente ao imposto do selo da verba 17.3 da TGIS, porquanto, tal como o respectivo sumário refere, se pretendeu estabelecer “... medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita e ao financiamento do terrorismo, transpondo para a ordem jurídica interna as Directivas nºs 2005/60/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Outubro, e 2006/70/CE, da Comissão, de 1 de Agosto, relativas à prevenção da utilização do sistema financeiro e das actividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, procede à segunda alteração à Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto, e revoga a Lei n.º 11/2004, de 27 de Março”. Ou seja, o que o legislador pretendeu, foi sujeitar as SCR ao âmbito da aplicação específico desta lei, mas não resulta de quaisquer das suas disposições que pretendesse mais do que isso. Mesmo que assim não fosse, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa, não se fundamentou na aplicação deste dispositivo legal. A fundamentação do acto impugnado é a que aqui se pode considerar. De forma que tudo o que constitua alteração da fundamentação do acto recorrido, não pode ser aqui acolhido, sendo irrelevante a fundamentação a posteriori, tendo os actos cuja legalidade é questionada de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos (vidé acórdãos do STA de 10-11-98, do Pleno, proferido no recurso n.º 32702, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-4-2001, página 1207, de 19/06/2002, processo n.º 47787, publicado em Apêndice ao Diário da República de 10-2-2004, página 4289, de 09/10/2002, processo n.º 600/02, de 12/03/2003, processo n.º 1661/02). Também o facto das SDR estarem sujeitas a este imposto do selo, enquanto sujeitos passivos de direito, não parece ter a relevância pretendida, porquanto a sua sujeição parte da sua classificação como sociedades financeiras, o que não ocorre com as SCR. Em face do exposto não pode deixar de proceder o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que o indeferimento do pedido de revisão oficiosa (acto imediatamente impugnado) e as autoliquidações de imposto do selo (actos mediatamente impugnados), tiverem como pressuposto uma leitura da lei que aqui não teve acolhimento (desconformidade com a verba 17.3 da TGIS). Uma vez que a decisão a que se chegou garante a plenitude dos objectivos que a Requerente pretende com o PPA: a anulação da decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa e a anulação das autoliquidações de IS, seria inútil o TAS pronunciar-se sobre as demais desconformidades que aduziu contra a autoliquidações ou contra o procedimento de revisão oficiosa, ficando prejudicada a sua apreciação.(…) “

26. Não restam dúvidas face às normas na redacção em vigor à data dos factos, que na qualidade de SCR, não cabia no conceito de sociedade financeira, e que como tal, não estava abrangida, relativamente às operações que praticasse, incluindo a cobrança de comissões de gestão  pela norma de incidência de IS prevista na verba 17.3.4 da TGIS.

 

27. Cumpre assim, considerar, que assiste razão à Requerente, devendo ser revogada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, e bem assim as autoliquidações de IS aqui visadas, procedendo, por isso, o pedido arbitral.

 

V. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

28. Além do reembolso do imposto, a Requerente pede que seja ordenado o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, previsto no artigo 43º da LGT, o qual tem como pressuposto que se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial - ou em arbitragem tributária – que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida em montante superior ao legalmente devido.

- O reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, resulta do disposto no artigo 24º, n.º 5 do RJAT, quando estipula que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

- No caso vertente, as autoliquidações foram efectuadas pela própria Requerente.

- A AT optou por não atender ao pedido da Requerente, persistindo no erro.

- Daí se pode retirar que a ilegalidade das autoliquidações também se deve a erro imputável à AT.

- Nestes termos, é de entender que assiste à Requerente o direito ao pretendido pagamento de juros indemnizatórios.

 

VI. DECISÃO

                De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral em julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e, em consequência:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado, declarando a ilegalidade do despacho de indeferimento proferido na reclamação graciosa com o n.º n.º 3…………, relativa às autoliquidações de imposto do selo com referência ao período de março a setembro de 2017, que, por isso, devem ser anuladas;

b)           Condenar a Administração Tributária e Aduaneira a restituir o montante de imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios.

c)            Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

VII. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 6.375,00€.

 

VIII. CUSTAS

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 10 de Maio de 2021

 

O Árbitro          

(Maria da Graça Martins)