Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 158/2019-T
Data da decisão: 2020-01-22  IRS  
Valor do pedido: € 13.019,24
Tema: IRS – mais valias imobiliárias; reinvestimento; habitação própria e permanente.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1.            Relatório

 

No dia 08-03-2019, A..., contribuinte n.º..., e esposa B..., contribuinte n.º..., residentes na ..., n.º..., freguesia de ..., concelho de Braga, doravante designado por Requerentes, apresentaram um pedido de constituição de tribunal arbitral, com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2019..., com referência ao ano de 2017, no valor de 13.019,24 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 11-03-2019 e notificado à Requerida na mesma data.

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado como árbitro, pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 02-05-2019, a Dra. Suzana Fernandes da Costa, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-05-2019.

Em 28-05-2019, foi proferido despacho a ordenar a notificação da Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 17-06-2019, a Requerida apresentou a sua resposta e juntou aos autos o processo administrativo.

Em 02-10-2019, foi proferido despacho a designar o dia 15-11-2019, pelas 15:00 horas, para a realização da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT e para a inquirição das testemunhas designadas pelos Requerentes.

Os Requerentes juntaram ao processo o comprovativo do pagamento da taxa arbitral subsequente.

Em 12-11-2019, a Requerida juntou aos autos substabelecimento a favor da Dra. C..., para a diligência de inquirição de testemunhas.

No dia 15-11-2019 teve lugar a reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT.

Estiveram presentes o Ex.mo Dr. D..., na qualidade de mandatário dos Requerentes, a Ex.ma Sra. Dra. E... e a Ex.ma Sra. Dra. C..., juristas em representação da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

O representante dos Requerentes requereu que a Requerente B... fosse ouvida em sede de declarações de parte, pedido ao qual as representantes da Requerida declararam nada ter a opor.

Na reunião do tribunal arbitral foram ouvidas a Requerente, assim como as testemunhas F..., G... .

Foi concedido o prazo de 15 dias para apresentaram, de modo simultâneo, os Requerentes e a Requerida apresentarem alegações escritas.

Foi ainda prorrogado por dois meses o prazo referido no n.º 1 do artigo 21º n.º 1 do RJAT, bem como a comunicação de tal circunstância ao Conselho Deontológico do CAAD, por força do n.º 3 do artigo 11º do Código Deontológico, determinada em função do período de férias judiciais verificado entre 16-07-2019 e 31-08-2019, bem como pela transação processual subsequente definida.

Em 19-11-2019, os Requerentes juntaram aos autos as suas alegações. E a Requerida apresentou as alegações em 29-11-2019.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O pedido arbitral é tempestivo, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro e do artigo 102º n.º 1 alínea a) do Código do Procedimento e do Processo Tributário.

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.

 

2. Posição das partes

Os Requerentes começam por referir que, em 1995, adquiriram um lote de terreno para construção no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Braga, inscrito na matriz urbana da mesma freguesia sob o artigo ..., e que nesse terreno construíram um prédio urbano de rés-do-chão e andar. Referem também que inscreveram o imóvel na matriz através da entrega da modelo ..., em 21-05-1998, de que resultou a atribuição do artigo ...º.

Os Requerentes alegam que o imóvel foi construído com recurso a um crédito do banco H... no valor de 37.409,84 €, no regime jovem bonificado.

Os Requerentes fazem referência ao facto de o imóvel ter sido avaliado em 1998, tendo-lhe sido atribuído o valor patrimonial tributário (VPT) de 32.322,10 €, e de ter sido concedida a isenção de contribuição autárquica pelo período de 10 anos, com início em 1998 e fim em 2007.

Os Requerentes mencionam que, em 03-05-2017, alienaram o referido imóvel pelo valor de 120.000€, com intervenção de mediador imobiliário.

Os Requerentes referem que englobaram o ganho com a venda no anexo G, tendo declarado que o imóvel foi adquirido em 06-1998, que o valor de aquisição era de 32.322,10 €, e que foi alienado em 05-2017 pelo valor de 120.000 €. Também referem que manifestaram, no anexo G, a intenção de reinvestir o valor de 81.722,77 € do valor de realização, que o valor reinvestido no próprio ano foi de 70.000 € e que o valor em dívida do empréstimo contraído para a sua aquisição era de 11.722,77 €.

Alegam ainda que o reinvestimento se concretizou com a aquisição, em 25-07-2017, pelo valor de 110.000 €, do prédio inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., concelho de Braga, sob o artigo 668. Para esta compra, os Requerentes referem que utilizaram um empréstimo de 40.000 € do banco H... .

Os Requerentes mencionam que em 09-11-2018, receberam notificação da AT a informar que não seria aceite o valor de aquisição de 32.322,10 €, e que o valor correto a declarar seria 10.439,89 €.

Os Requerentes referem que receberam nova notificação da Requerida a informar que o reinvestimento não se encontra provado, dado que a residência nunca foi no prédio alienado, e que o valor de aquisição continua a não ser o correto.

Dizem ainda os Requerentes que, posteriormente, a Requerida elaborou declaração modelo 3 oficiosa na qual retirou os valores relacionados com o reinvestimento por considerar que o imóvel alienado em 2017 não era a sua habitação própria e permanente, pelo facto de não constar no mesmo o seu domicílio fiscal.

Alegam os Requerentes que não receberam qualquer notificação a informar da fundamentação usada para a emissão da declaração modelo 3 oficiosa.

Os Requerentes referem que não alteraram o seu domicílio fiscal, uma vez que são um casal que, fruto das suas atividades profissionais, ele como motorista e ela com um estabelecimento comercial na freguesia de ..., raramente estavam em tal residência durante o dia. No entender dos Requerentes, o domicílio fiscal na casa de familiares tornava mais fácil a receção de qualquer correspondência.

Os Requerentes alegam que residiram no imóvel alienado em 2017, que era a sua habitação própria e permanente, e para prova do alegado juntaram documentos e solicitaram a inquirição de testemunhas.

Para sustentar a sua posição, os Requerentes fazem referência ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2011 do processo n.º 590/11, e das decisões do CAAD dos processos n.º 113/2013-T, 721/2015-T, 921/2016-T e 572/2016-T.

Os Requerentes referem ainda que a correção efetuada não foi fundamentada, como legalmente é exigido.

 

Já a Requerida, AT, na sua resposta, apresentou defesa por impugnação, referindo, desde logo, que o ato tributário controvertido foi revogado parcialmente, facto este comunicado ao tribunal arbitral, sendo que o valor do processo passou a ser de 6.954,16 €.

A Requerida refere que a questão em crise se cinge sobre a eventual exclusão de tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel em 03-05-2017, porquanto este se destinava a habitação própria e permanente dos Requerentes, como estes advogam, ou se, como entende a AT, estes residiam noutro local na data da venda do imóvel em questão.

Quanto ao vício de fundamentação alegado pelos Requerentes, a AT refere que o mesmo não se verifica uma vez que a argumentação dos Requerentes e os documentos por estes apresentados revelam que os mesmos não tiveram dificuldades na apreensão dos motivos que levaram à emissão da liquidação de IRS.

A AT alega que os Requerentes não preenchem todos os requisitos para poderem beneficiar do regime de exclusão de tributação da mais-valia obtida com a venda do imóvel em 2017. A AT refere que os Requerentes não afetaram o imóvel que venderam à sua habitação própria e permanente.

Para a AT, a comunicação do domicílio fiscal é obrigatória e só com esta o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo goza de eficácia perante a AT.

A AT menciona que os Requerentes tinham o seu domicílio fiscal na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Braga, e não no imóvel que alienaram. E, por esse motivo, não podem beneficiar da exclusão da tributação da mais-valia obtida na alienação do imóvel, nos termos do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS.

Para a Requerida, cabe aos Requerentes o ónus de comprovar que se verificaram os pressupostos para a exclusão da tributação da mais-valia obtida constantes do artigo 10º n.º 5 do Código do IRS, o que não fizeram, já que para a Requerida, os documentos juntos não fazem prova que os Requerentes residiam no imóvel alienado em 2017.

Por fim, a Requerida refere que não se verifica qualquer interesse e utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18º do RJAT, e que a prova testemunhal requerida não tem qualquer relevância para a boa decisão da causa, não devendo ser admitida.

 

3. Matéria de facto

3. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental produzida, as declarações de parte, o depoimento das testemunhas e a posição das partes constante das peças processuais, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

1.            Os Requerentes, A... e esposa B..., adquiriram, em 1995, um lote de terreno para construção no Lugar de ..., na freguesia de ..., concelho de Braga, inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo ..., conforme documento 1 junto ao pedido arbitral;

2.            Os Requerentes construíram um prédio urbano de rés-do-chão e andar no terreno para construção referido no ponto anterior, com recurso a um crédito do Banco H... no valor de 37.409,84 €, conforme documento 3 junto ao pedido arbitral;

3.            Os Requerentes apresentaram a declaração modelo 129, em 21-05-1998, para inscrição do prédio urbano na matriz, da qual resultou a atribuição do artigo urbano ..., conforme documento 2 junto ao pedido arbitral;

4.            O prédio urbano foi avaliado em 1998, tendo-lhe sido atribuído um valor patrimonial tributário de 6.480 escudos, ou seja, 32.322,10 €, conforme ofício n.º... de 17-09-1998, do Serviço de Finanças de Braga ..., junto ao pedido arbitral como documento 4;

5.            O Serviço de Finanças de Braga ... concedeu aos Requerentes a isenção de contribuição autárquica pelo prazo de 10 anos, com início em 1998 e fim em 2007, conforme documento 5 junto ao pedido arbitral;

6.            Os Requerentes alienaram o referido imóvel, em 03-05-2017, pelo preço de 120.000 €, conforme cópia do contrato de compra e venda junta ao pedido arbitral como documento 6;

7.            Os Requerentes declararam, no anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 do ano de 2017, que adquiriram o imóvel em questão em 06-1998, que o valor de aquisição era de 32.322,10€, e a alienação do mesmo em 05-2017 pelo preço de 120.000 €, conforme cópia da declaração junta ao pedido arbitral como documento 8;

8.            Os Requerentes declararam ainda, no aludido anexo G da modelo 3, que o valor em dívida do empréstimo à data da alienação era de 11.722,77 €, que o valor de realização reinvestido em 2017 (sem recurso ao crédito) era de 70.000 €, e que o valor de realização que pretendiam reinvestir (sem recurso ao crédito) era de 81.722,77 €, conforme cópia da declaração junta ao pedido arbitral como documento 8;

9.            Os Requerentes adquiriram, em 25-07-2017, pelo peço de 110.000 €, o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de ... sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga sob o n.º...;

10.          Os Requerentes foram notificados, em 04-07-2018, de que a sua declaração de rendimentos tinha sido selecionada para análise por ter sido detetada a seguinte situação: “Alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores das despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação a atividade profissional”, conforme cópia da notificação junta ao pedido arbitral como documento 9;

11.          Os Requerentes foram notificados, em 09-11-2018, para audição prévia, por a AT ter constatado a seguinte incorreção, conforme documento 10 junto ao pedido arbitral:

“O reinvestimento anexo G, não ficou provado, uma vez que a residência nunca foi no prédio alienado.

O valor de aquisição não foi corrigido para o valor correto, conforme lhe foi informado em divergência anterior.

Deste modo, fica V. Ex.ª notificado da intenção de se efetuarem a(s) seguinte(s) correção(ões) aos valores inscritos na referida declaração Modelo 3:

 

Anexo  Quadro      Campo            Valor Declarado                     Valor a Corrigir           Valor Final

    G               4           4001                                   € 32.322,10          € 10.1439,89                              € 10.439,89”

 

12.          Em 23-11-2018, os Requerentes exerceram o direito de audição sobre a notificação acima referida, conforme documento 11 junto ao pedido arbitral.

13.          Em 03-12-2018, os Requerentes receberam nova notificação da AT (segunda notificação), que lhes comunicava que “o reinvestimento anexo G, continua a não ser provado, uma vez que a residência nunca foi no prédio alienado. O valor de aquisição continua a não ser corrigido para o valor correto”, conforme documento 12 junto ao pedido arbitral.

14.          Em 21-12-2018, os Requerentes foram notificados da correção efetuada aos valores declarados no campo 4001 do quadro 4 do anexo G da modelo 3 de 2017, relativamente ao valor de aquisição, sendo que a AT não aceitaria o valor declarado de 32.322,10 € mas apenas 10.439,89€, conforme documento 13 junto ao pedido arbitral.

15.          Os Requerentes foram notificados da liquidação de IRS de 2017 n.º 2019..., no valor de 13.019,24 €, com data limite de pagamento até 27-02-2019, conforme liquidação junta ao pedido arbitral;

16.          Os Requerentes tinham, à data da alienação do imóvel acima identificado, o seu domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Braga, e não contestam que não tiveram o seu domicílio fiscal no imóvel alienado;

17.          Os Requerentes, até à alienação, moravam no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Braga;

18.          Os Requerentes nunca moraram na freguesia de ..., concelho de Braga;

19.          Os Requerentes interpuseram o presente pedido de pronúncia arbitral em 08-03-2019;

20.          Após a entrada do presente pedido de pronúncia arbitral, foi proferido pela AT decisão de revogação parcial do ato tributário, na parte relativa ao valor de aquisição do imóvel alienado, tendo a AT considerado que a correção efetuada ao valor de aquisição do imóvel padece de falta de fundamentação, conforme consta do processo administrativo junto aos autos.

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

3.2. Factos não provados

Não se verificaram quaisquer factos que não tenham sido provados.

 

3.3. Fundamentação da matéria de facto provada:

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes, no processo administrativo junto pela Requerida, no depoimento das testemunhas F... e G..., nas declarações de parte da Requerente mulher e na posição e acordo das partes demonstrados nas peças processuais produzidas.

As testemunhas têm longa ligação com os Requerentes, sendo um deles irmão do Requerente marido (F...), e outro amigo de longa data.

Nas declarações de parte, a Requerente mulher explicou ao tribunal que a morada que constava do domicílio fiscal era a da casa dos sogros, porque durante o dia não estava ninguém na casa de ... que pudesse receber correspondência. E que até à venda do imóvel de ..., sempre residiu na casa de ..., e que a mesma foi vendida para comprar a casa de ... . Referiu que não tem mais nenhuma casa. Disse ainda que até à alienação era na casa de ... que residia com o marido e os filhos, era lá que dormia todas as noites, era lá que fazia tudo: frequentava a mercearia, ia ao café, ia aos hipermercados. E que vivia em ... e não em ... .

A testemunha F... é irmão do Requerente marido, facto que declarou não o impedir de dizer a verdade. Afirmou que o irmão morou em ... até 2017, na Rua ..., onde a testemunha também habita, e que nunca teve outra casa além dessa. Referiu também que os Requerentes trabalhavam durante o dia mas habitavam em ..., e que era essa a sua única habitação.

Pese embora tenha contradito a Requerente mulher na questão referente à existência ou não de caixa de correio, na questão essencial – a da residência na Rua ..., ...– o tribunal valorizou como verdadeiro o depoimento da testemunha.

Por sua vez, a testemunha G... referiu que frequentava a casa dos Requerentes desde a construção, e que a casa da família sempre foi em ... até 2017. Afirmou também que nunca moraram em ..., sempre moraram em ..., e que à noite faziam as refeições em ... . E ainda referiu a testemunha que ao fim de semana recebiam os amigos em ... e que era nessa casa que faziam as festas de aniversário dos filhos. Disse também ter a certeza absoluta que os Requerentes nunca moraram em ... e que em ... vivem os pais do Requerente marido.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

 

4. Matéria de direito:

4.1. Objeto e âmbito do presente processo

A questão essencial de direito que se coloca neste processo é a de saber se, como alega a AT para sustentar a liquidação de IRS em causa, o domicílio fiscal declarado pelo sujeito passivo perante a AT constitui um requisito legal imprescindível para que o contribuinte possa beneficiar da exclusão de tributação por reinvestimento do valor de realização de habitação própria e permanente, tal como dispõe o n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS.

Vejamos:

 

4.2. Do regime de tributação em sede de mais-valias

Em sede de IRS, constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, conforme artigo 10º n.º 1 alínea a) do Código do IRS.

Pela alínea a) do n.º 4 do artigo 10º do Código do IRS, o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição.

À data dos factos, a redação dos números 5 alínea a) e 6 alínea a) do Código do IRS, normas estas que enunciam os requisitos da delimitação negativa da incidência de IRS sobre os rendimentos de mais-valias, era a seguinte:

“5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a)            O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a)            Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado”.

Do exposto resulta que para que os Recorrentes possam beneficiar da exclusão da tributação da mais-valia obtida, deverão preencher os seguintes requisitos cumulativos:

i)             Quer o imóvel alienado, quer o imóvel adquirido destinam-se a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar;

ii)            Que o reinvestimento do valor de realização, para os fins indicados, ocorra no prazo máximo de 36 meses, na aquisição de novo imóvel com o mesmo destino (habitação própria e permanente);

iii)           Que o novo imóvel seja afeto a habitação própria do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nos 12 meses posteriores ao termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado.

No presente caso, dúvidas não existem quanto aos dois últimos requisitos. No entanto, quanto ao primeiro deles, a AT alega que o imóvel alienado não era a habitação própria e permanente dos Requerentes, razão pela qual não aceita a exclusão da tributação da mais-valia obtida com a alienação, tendo em consideração o reinvestimento efetuado.

Em relação à questão do domicílio fiscal e da habitação própria e permanente, a mesma foi clarificada com a Lei n.º 82-E/2014 de 31-01, que aditou ao artigo 13º do Código do IRS os números 10 a 13, que de seguida se transcrevem:

“10 – O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

11 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:

a)            Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou

b)           Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.

12 – A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.

13 – Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes”.

Decorre desta norma legal a presunção de que o domicílio fiscal do sujeito passivo é a sua habitação própria e permanente, e que o sujeito passivo ou a AT podem apresentar prova contrário.

De acordo com o n.º 10 do artigo 13º do Código do IRS, é permitido ao sujeito passivo apresentar prova em contrário, através de qualquer meio de prova.

Sobre esta questão da afetação da habitação própria e permanente e domicílio fiscal, já se pronunciou o Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 6685/13 de 08-10-2015, o Supremo Tribunal Administrativo no processo n.º 0590/11 de 23-11-2011, e ainda o CAAD nas decisões n.º 37/2013-T, 103/2013-T, 47/2014-T, 696/2015-T, 721/2015-T, 92/2016-T, 144/2016-T, 572/2016-T, 21/2017-T, 619/2017-T, 114/2018-T, 690/2018-T.

A jurisprudência citada entendeu que a não comunicação dos sujeitos passivos da alteração de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão de tributação devido a reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, e que a morada em certo lugar pode demonstrar-se através de “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.

O acórdão do TCA Sul do processo n.º 6685/13 de 08-10-2015, refere que “nos casos em que o sujeito passivo não cumpriu com a sua obrigação de comunicação de mudança de domicílio fiscal prevista no artº 19º da LGT pode ser demonstrada a sua morada em certo lugar através de “factos justificativos”, e por conseguinte, não obsta ao preenchimento do pressuposto de “habitação permanente” o n.º 5 do artº 10º do CIRS a não comunicação da alteração do domicílio fiscal”.

O acórdão do STA do processo n.º 0590/11 de 23-11-2011, sustenta que “a morada em certo lugar, a habitatio, pode demonstrar-se através de “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal”. Refere-se ainda no referido acórdão cuja questão de fundo é idêntica à que se discute neste processo: “sendo a residência habitual o local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida, não medeiam grandes diferenças entre o «domicílio fiscal» e a «habitação permanente»: há entre as duas figuras uma relação íntima, que se traduz em ambas pressuporem um lugar com o qual certa pessoa está em ligação, o local onde tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida. Mas, no plano conceitual, nem a residência habitual se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do CC (conforme Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98 e Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 380 e 381)” O pressuposto «habitação própria e permanente» é a situação de facto que condiciona … (neste caso a elegibilidade para a exclusão tributária em IRS). O requisito da permanência na “habitação” (a lei não utiliza o termo “residência”), deve ser entendido no sentido dehabitualidade e normalidade e não propriamente no sentido cronológico absoluto de estadia sem qualquer solução de continuidade. Para se assegurar a finalidade subjacente à atribuição da (neste caso a exclusão tributária) … que consiste em estimular e incentivar o acesso à habitação própria (conforme alínea c) do nº 2 do artigo 65º da CRP), basta que o beneficiado organize no prédio as condições da sua vida normal e do seu agregado familiar, de tal modo que se veja nele o local da sua habitação. Para este efeito, os actos ou factos que demonstram a ligação do beneficiado ao prédio isento de IMI não se esgotam na ligação à circunscrição fiscal onde se situa o prédio ou na correspondência da habitação com o domicílio fiscal registado nos serviços de finanças. É certo que estes elementos são indícios de que o beneficiado pretende fixar ou fixou a sua morada real e efectiva no prédio … Todavia, a morada em certo lugar, a habitatio, deve demonstrar-se através “factos justificativos” de que o beneficiado fixou no prédio o centro da sua vida pessoal. Ora, sendo essencial apenas a habitação no prédio objecto da (exclusão tributária neste caso) …, a ligação do beneficiado ao prédio concretiza-se necessariamente através de certas condições físicas (casa, mobília, etc.), jurídicas (contratos, declarações, inscrições em registos, etc.) e sociais (integração no meio, conhecimentos dos e pelos vizinhos, etc.). … A circunstância de no registo de contribuintes a morada dos recorridos não ter sido actualizada, a seu pedido ou oficiosamente (conforme 19º nº 6 da LGT), não é indício suficiente de que eles não habitavam no prédio. O facto da morada constante do cadastro dos contribuintes ser diferente do local da situação do prédio não justificava, por si só, que os recorridos habitavam nessa outra morada. Os procedimentos administrativos de reconhecimento e de controlo dos pressupostos do benefício fiscal poderiam conduzir a que a administração fiscal rectificasse oficiosamente o domicílio fiscal dos recorridos ou, pelo menos, em concretização do princípio da colaboração recíproca enunciado no artigo 59º da LGT, que lhes solicitasse a correcção da morada constante no registo central de contribuintes”

Com efeito, tal como se decidiu na decisão do CAAD do processo n.º 114/2018-T, decorre da jurisprudência indicada que a não comunicação dos sujeitos passivos da mudança de domicílio para o prédio relativamente ao qual pediram a exclusão para reinvestimento, por si só, não indicia que não têm habitação própria e permanente nesse prédio, e a morada pode demonstrar-se através de “factos justificativos” de que o sujeito passivo fixou no prédio o centro da sua vida pessoal.

Assim, não sendo o imóvel alienado o domicílio fiscal dos Requerente, não fica precludido o direito a apresentar prova alternativa da morada própria e permanente no imóvel alienado.

Como resulta da matéria de facto provada, os Requerentes lograram provar que, até à data da alienação do imóvel, moravam no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Braga.

Considerando que os Requerentes fizeram prova de que residiam no imóvel alienado e que a AT não apresentou prova em contrário, conclui-se que deve ser procedente o presente pedido arbitral.

Assim, deve ser considerado o reinvestimento do valor de realização declarado pelos Requerentes no anexo G da modelo 3 de IRS de 2017.

Conclui-se assim que a liquidação de IRS impugnada enferma de vício de violação da lei, devendo ser anulada.

 

5. Decisão

Em face do exposto, determina-se:

a)            Julgar procedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral, quanto à liquidação de IRS º 2019..., no valor de 13.019,24 €, do ano de 2017;

b)           Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.

 

6. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 306º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 13.019,24€.

 

7. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22º n.º 4 do RJAT.

 

Notifique.

Lisboa, 22 de janeiro de 2020.

 

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

 

A juiz árbitro

 

(Suzana Fernandes da Costa)