Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 194/2025-T
Data da decisão: 2025-11-03  IRS  
Valor do pedido: € 4.938,62
Tema: IRS | Tributação das mais-valias imobiliárias auferidas por sujeitos passivos não residentes.
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Sumário:

I.               Com as alterações decorrentes da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro, o rendimento auferido por sujeitos passivos não residentes a título de mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º passou a ser obrigatoriamente englobado para efeitos de determinação do rendimento coletável em IRS – cf. artigo 22.º, n.º 1 e n.º 3 alínea a) do CIRS.

II.             Com a alteração ao artigo 22.º operada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, os rendimentos obtidos fora do território nacional são tidos em consideração para efeitos de determinação das taxas previstas no artigo 68.º, n.º 1 do CIRS, conforme decorre do disposto no artigo 22.º, n.º 10 do CIRS.

III.          No caso das mais-valias imobiliárias previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do IRS, a taxa de IRS aplicável (que há de resultar da aplicação da tabela prevista no artigo 68.º, n.º 1 do CIRS) não será a taxa correspondente ao rendimento coletável (de mais-valias sujeitas a englobamento obrigatório), mas a taxa que corresponder ao rendimento englobado (rendimento de mais-valias imobiliárias de fonte portuguesa), acrescido do rendimento auferido pelo sujeito passivo fora do território nacional, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes (cf. artigo 22.º, n.º 10 do CIRS).

IV.           A taxa de imposto, bem como a taxa adicional de solidariedade são, subsequentemente, aplicáveis aos rendimentos obtidos em território português sujeitos a englobamento obrigatório. 

 

A árbitra, Alexandra Gonçalves Marques, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar tribunal arbitral, em formação singular, constituído em 8 de maio de 2025, decide o seguinte:

I.              Relatório

 

1.     A..., NIF..., residente em ..., ..., Alemanha (doravante, Requerente), veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), e apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”) para que seja apreciada a legalidade da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”), referente ao ano de 2023, que deu origem à liquidação n.º 2024..., no valor de 60.547,30 euros, bem como da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida contra aquele ato. 

2.     A Requerente peticiona, ainda, a restituição do montante do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (“LGT”).

3.     É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).

4.     Em 27-02-2025, o pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e, subsequentemente, notificado à Requerida.

5.     A árbitra designada pelo Conselho Deontológico do CAAD aceitou a designação.

6.     Em 15-04-2025, o Presidente Conselho Deontológico do CAAD informou as Partes dessa designação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do RJAT.

7.     Decorrido o prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1 do RJAT sem que as Partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 8 de maio de 2025.

8.     A AT apresentou resposta na qual sustenta a improcedência do pedido de pronúncia arbitral. 

9.     Por despacho de 01-10-2025, foi decidido dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e as partes notificadas para apresentarem alegações.

10.  As partes apresentaram alegações escritas.

 

 

II.            Posição das Partes

 

11.  Nos presentes autos, a Requerente veio deduzir Pedido de Pronúncia Arbitral pedindo a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, correspondente à liquidação n.º 2024..., no valor de 60.547,30 euros, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa que tem como objeto aquele ato.

 

A Requerente peticiona a declaração de nulidade ou, a título subsidiário, a anulação da decisão proferida em sede de reclamação graciosa, com fundamento, por um lado, na (i) falta de fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa e, por outro, (ii) na preterição do direito de audição prévia. 

 

No que respeita ao pedido de anulação do ato de liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, correspondente à liquidação n.º 2024..., entende a Requerente que o mesmo é ilegal por erro nos pressupostos de direito, na parte em que a AT considera que o rendimento coletável auferido pela Requerente em 2023 resulta da soma dos rendimentos obtidos em território nacional (mais-valias imobiliárias) e os rendimentos auferidos no país de residência (Alemanha). 

A Requerente entende que a tributação em sede de IRS deve incidir apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional e que os rendimentos auferidos no estrangeiro apenas são considerados para efeitos de aplicação da taxa de imposto prevista no artigo 68.º, n.º 1 do CIRS, bem como da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A daquele diploma.

 

Para a Requerente, o valor do imposto a pagar, no montante de 55.608,60 €, deveria ter sido calculado nos seguintes termos: 

 

A taxa de IRS deveria ser determinada de acordo com os artigos 22.º, n.º 10 e 68.º, n.º 1 do Código de IRS, por referência a todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora do território português, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. In casu, a totalidade dos rendimentos em 2023 (Portugal e Alemanha) foi de € 240.331,71, a que corresponde a taxa de IRS de 48%.

 

A taxa apurada nos termos supra descritos deve apenas ser aplicável aos rendimentos auferidos em território português pelo não residente, que correspondem aos rendimentos qualificados como mais-valias apurados de acordo com as disposições previstas no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS: € 131.764,92 * 48% = € 63.247,16.  

 

A aplicação da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.-A.º do CIRS aos rendimentos auferidos em território português deveria ocorrer sobre o quantitativo da parte do rendimento coletável que excede € 80.000,00, (131.764,92 - 80.000,00) * 2,5% =€ 1.294,12.

 

Por fim, deveria ocorrer o apuramento do imposto a pagar através da dedução da parcela a abater à soma das duas parcelas de imposto calculadas nos números anteriores: 63.247,16+1.294,12 - 8.932,68 = € 55.608,60.

 

Verifica-se, assim, existir um excesso, no valor de 4.938,70€, entre o valor (erradamente) liquidado pela AT (60.547,30€) e o valor que a Requerente entende ser devido (55.608,60€), que resulta de uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1, 3 e 10, conjugado com os artigos 68.º e 68.º-A do CIRS.

 

Conclui, deste modo, que a liquidação de IRS em apreço enferma de erro sobre os pressupostos de direito, pelo que deve ser anulada com as legais consequências, i.e., reembolso da quantia de 4.938,70€, acrescida de juros indemnizatórios. 

 

12.  Apresentado o pedido de pronúncia arbitral, a AT, notificada para apresentar Resposta, nos termos do artigo 17.º do RJAT, apresentou Resposta pugnando pela improcedência do pedido.

 

A AT começa por refutar os vícios imputados ao procedimento de reclamação graciosa pela Requerente. 

 

Quanto à ilegalidade da liquidação de IRS, a AT alega que procedeu ao apuramento do imposto a pagar pela Requerente de acordo com o seguinte processo: 

 

Ao rendimento tributável global (mais-valia) de 131.764,92 € somam-se os rendimentos obtidos no estrangeiro de 108.566,79€ para a determinação da taxa.

 

O valor obtido totaliza o montante de 240.331,71€, ao qual foi aplicada a taxa de 48% prevista no art.º 68º do CIRS, dá uma importância apurada de 115.359,22€.  

 

Atendendo à progressividade do imposto é necessário apurar uma taxa média dada pelo rácio rendimentos isentos e rendimentos totais, devido a opção do SP pelas taxas previstas no art.º 68º do CIRS.  

 

Assim, a coleta decorrente das taxas gerais e da taxa adicional foi ponderada pelo rácio (rendimentos isentos / rendimento totais) nos seguintes termos: (115.359,22€ subtraindo-se a parcela a abater de 8.932,68€, obtém-se o valor de 106.426,54€) x (108.566,79€/240.331,71€ = 0,451737248872488), logo 106.426,54€ x 0.451737248872488 = 48.076,83€. 

 

A diferença entre este valor 106.426,54€ e 48.076,83€, perfaz o valor da coleta de 58.349,71€, qual se adiciona a taxa da solidariedade de 2.197,60€, obtendo-se o valor do imposto a pagar de 60.547,31€. 

 

Sendo que a taxa de solidariedade resulta do rácio ponderado de (240.331,72€ - 80.000€)*0,025* (131.764,92€/240.331,72€), conforme previsto no art.º 68-Aº nº 1 do CIRS.

 

O processo de apuramento do imposto tem, no essencial, fundamento na aplicação das seguintes normas:

·      O mesmo tratamento fiscal dos residentes foi feito ao saldo das mais valias auferidas pela ora requerente que é não residente (tendo sido tributado em apenas 50% - n.º 3 do art.º 43º do CIRS), o que significa que a tributação foi efetuada nas mesmas condições aplicáveis aos residentes fiscais em Portugal, conforme determinado no Ofício nº ... de 14-04-2023. Recorde-se que foi a própria requerente que assinalou a opção pelas taxas gerais do art.º 68.º do CIRS.  

·      Nos termos do nº 10 do art.º 22 do CIRS “Sempre que a lei imponha o englobamento de rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português são tidos em consideração, para efeitos de determinação da taxa a aplicar de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.” (Aditado pela Lei n.º 24-D/2022, de 30/12).

 

Entende a AT que a fórmula da cálculo usada na liquidação está correta, pelo que a liquidação não viola os princípios da tipicidade, legalidade, justiça tributária e capacidade contributiva. 

 

Conclui, assim, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

III.          Questões a decidir

 

13.  Cumpre apreciar e decidir as seguintes questões: i) da falta de fundamentação do projeto de decisão no âmbito do ato de liquidação; ii) Preterição de uma formalidade essencial por falta de audição prévia; iii) Ilegalidade do ato de liquidação de IRS. 

 

IV.          Saneamento

 

14.  O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. 

O processo não enferma de nulidades.

 

V.            Matéria de facto

 

15.  Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.   A Requerente encontra-se registada, junto da Autoridade Tributária, no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, como residente fiscal na Alemanha, com efeitos a 16-11-2021 (cf. Processo Administrativo).

B.    No ano de 2023, a Requerente obteve mais-valias pela alienação de bens imobiliários situados em território nacional (cf. PPA e Processo Administrativo).

C.   A Requerente apresentou declaração de rendimentos – IRS, Modelo 3, referente ao ano de 2023, acompanha do Anexo G, a que foi atribuído o n.º ...-2023-... -... (cf. Processo Administrativo).

D.   Na declaração de IRS apresentada, a Requerente assinalou no campo 8B que opta “pelas taxas gerais do art. 68.º do CIRS” e declarou no campo 11 (Total dos Rendimentos obtidos no estrangeiro) o valor de 108.566,79 euros.

E.    No anexo G, a Requerente declarou (Quadro 4 - a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis – art.º 10.º, n.º 1, al. a) do CIRS), os seguintes valores:

 

 

 

 

F.    Com base nos elementos declarados, foi calculado o rendimento tributário global de mais-valias no montante de 131.764,92 euros. 

G.   Aquela declaração deu origem à liquidação de IRS com o n.º 2024..., referente ao ano de 2023, com o valor de imposto apurado e a pagar no montante de 60.547,30 euros (cf. Documento n.º 2 junto com o PPA):

H.   Em 21 de agosto de 2024, em resposta a um pedido de esclarecimento, a Requerente foi informada pela AT acerca dos critérios utilizados para o cálculo do imposto, explicando detalhadamente a fórmula aplicada.

I.     Em 24 de agosto de 2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra o ato de liquidação de IRS de 2023, que veio a ser autuada com o n.º ...2024... (cf. documento n.º 1 junto com o PPA).

J.     A AT justifica o apuramento da matéria coletável com base no seguinte processo:

K.   Por ofício com data de 8 de novembro de 2024, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento para, querendo, exercer o seu direito de audição prévia (cf. Processo Administrativo).

L.    Em 26 de novembro de 2024, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia (cf. documento n.º 4 junto com o PPA).

M.  A AT indeferiu a reclamação graciosa apresentada, por despacho de Indeferimento proferido em 09-12-2024, pelo Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Lisboa.

N.   Em 30 de dezembro de 2024, a Requerente foi notificada do despacho indeferimento da reclamação graciosa proferido em 09-12-2024, mediante registo CTT n.º RH ...PT (cf. documento n.º 1 junto com o PPA).

O.   O despacho proferido adere à Informação anexa a esse despacho, nos termos da qual:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

P.    Em 26 de fevereiro de 2025, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral.

 

 

Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

16.  Não há factos relevantes para a decisão da causa que importe julgar como não provados.

 

17.  Os factos foram dados como provados com base nas alegações das partes, vertidas nos seus articulados, no exame crítico dos documentos juntos pelas partes com o Pedido de Pronuncia Arbitral (PPA), Resposta da AT e Processo Administrativo (PA), os quais não suscitaram controvérsia entre as partes.

 

VI.          Matéria de Direito

 

Cumpre apreciar e decidir: (i) ilegalidade da decisão proferida em sede de reclamação por falta de fundamentação do projeto de decisão no âmbito do ato de liquidação, (ii) bem como como preterição de uma formalidade essencial, por falta de audição prévia e (iii) Ilegalidade do ato de liquidação de IRS.

 

Da ilegalidade da decisão proferida em sede de reclamação por falta de fundamentação do projeto de decisão no âmbito do ato de liquidação

 

18.  A Requerente começa por sustentar a falta de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que, no seu entender, já resultava do projeto de indeferimento, porquanto não foi explicada, com base na lei, a razão pela qual a liquidação foi efetuada de determinada forma, vício este que se verificava na audição prévia. Fundamenta o seu pedido no facto de não lhe ter sido explicado, por um lado, o que levou a AT a incluir no rendimento coletável o rendimento obtido fora do território nacional e, por outro, o motivo para a aplicação da chamada “regra de três simples”. Conclui que a decisão é insuficiente e obscura, o que configura uma nulidade do ato, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 1 e 2 do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”).

 

19.  Por seu turno, a Requerida frisa que a decisão de procedimento é sempre fundamentada nas razões de facto e de direito que a motivaram nos termos do artigo 77.º da LGT. 

 

20.  Da matéria de facto provada (cf. pontos G, J e O) resulta que a decisão de indeferimento da AT contém a matéria de facto e de direito que conduziu ao apuramento do imposto a pagar pela Requerente, da qual resulta uma explicação detalhada do processo de cálculo e dos valores que lhe serviram de base. 

 

21.  Assim, não podemos dizer que a decisão – independentemente de o sentido decisório estar ou não correto – seja insuficiente e obscura. Com efeito, a decisão de indeferimento baseia-se na informação anexa, na qual é possível identificar os factos tributários que serviram de base ao cálculo do imposto, em especial, o apuramento do rendimento coletável, a determinação da taxa, bem como a aplicação da taxa ao rendimento coletável.

 

Improcede, pois, a invocada nulidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa.

 

Da nulidade do despacho de indeferimento da reclamação graciosa por falta de audição prévia 

 

22.  A Requerente entende que a AT ignorou e desconsiderou toda argumentação por si aduzida em sede de audiência prévia, razão pela qual entende que este momento se mostrou inútil. Concluindo que a decisão é nula também por preterição de uma formalidade essencial, tudo nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 2, alíneas d) e g) do CPA ou, subsidiariamente, entende que tal conduz à anulabilidade do ato nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 do CPA.

 

23.  Desde já se adianta que – neste segmento – também não acompanhamos a posição da Requerente.

 

24.  Com efeito, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa apresentado, a Requerente foi notificada para a audição prévia em momento anterior à prolação de uma decisão que lhe veio a ser desfavorável. 

 

A Requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre os elementos relevantes para a decisão quando apresentou a reclamação graciosa, pronunciou-se igualmente em sede de audição prévia e a decisão de indeferimento que veio a ser proferida confirma a liquidação de IRS e explica todo o processo de liquidação de imposto efetuado, as disposições legais aplicáveis, bem como o enquadramento que é dado pelo Ofício Circulado n.º 20255 de 2023-04-14.

 

25.  Na audição prévia a Requerente mantém a sua discordância quanto à liquidação do IRS, adensando, com a própria o reconhece, a fundamentação jurídica subjacente. Os fundamentos invocados pela Requerente foram analisados pela AT, que – sem prejuízo do acerto ou não da decisão de indeferimento – os afastou, tendo mantido o projeto de decisão conforme proposto.

 

26.  Não se verifica, neste circunstancialismo, o pretendido vício de nulidade ou anulabilidade por preterição da audição prévia.

 

Da (i)legalidade da liquidação de IRS 

 

27.  A questão trazida aos autos pela Requerente respeita à tributação, em sede de IRS, das mais valias imobiliárias auferidas por não residentes.

 

28.  Requerente e Requerida aceitam (cf. pontos F, D e O da matéria de facto):

a)     Que valor das mais-valias imobiliárias sujeitas a tributação (correspondente ao rendimento coletável de fonte portuguesa) é de 131.764,92 euros.

b)    Que o valor dos rendimentos obtidos pela Requerente no estrangeiro é de 108.566,79 euros.

c)     Ambas as partes aceitam que as mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes estão sujeitas a englobamento por força do disposto no artigo 22.º, n.ºs 1 e 3 alínea a) do CIRS, para determinação da taxa de IRS aplicável.

 

29.  Porém, as partes discordam quanto à quantificação do rendimento coletável (englobamento), e discordam quanto ao método seguido para aplicação das taxas de IRS previstas no artigo 68.º do CIRS, bem como quanto à aplicação da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A do CIRS.

 

30.  Mais concretamente, a Requerente entende que existiu um erro no cálculo do imposto utilizada pela AT porquanto, após apurar uma taxa de 48%, a AT veio aplicar essa taxa à totalidade dos rendimentos obtidos pela Requerente e apurou o imposto a pagar com base numa regra de três simples, violando assim o disposto nos artigos 15.º e 22.º, n.º 1 e 3, todos do CIRS. 

 

31.  A AT apurou – conforme resulta do ponto G da matéria de facto – o imposto a pagar pela Requerente de acordo com a seguinte demonstração de liquidação:

 

 

32.  Quanto à quantificação do rendimento tributável que serve de base à aplicação das taxas de IRS previstas no artigo 68.º n.º 1 e 2 do CIRS, a AT seguiu o seguinte processo:

·      Ao rendimento global (mais-valia) de 131.764,92 € somam-se os rendimentos obtidos no estrangeiro de 108.566,79€.

·      Resultando um rendimento coletável de 240.331,71€, ao qual foi aplicada a taxa de 48% prevista no art.º 68º do CIRS, dá uma importância apurada de 115.359,22€.  

·      Atendendo à progressividade do imposto, é necessário apurar uma taxa média dada pelo rácio rendimentos isentos e rendimentos totais, devido à opção do SP pelas taxas previstas no art.º 68º do CIRS.  

·      Assim, a coleta decorrente das taxas gerais e da taxa adicional foi ponderada pelo rácio (rendimentos isentos / rendimento totais) nos seguintes termos: (115.359,22€ subtraindo-se a parcela a abater de 8.932,68€, obtém-se o valor de 106.426,54€) x (108.566,79€/240.331,71€ = 0,451737248872488), logo 106.426,54€ x 0.451737248872488 = 48.076,83€. 

·      A diferença entre este valor 106.426,54€ e 48.076,83€, perfaz o valor da coleta de 58.349,71€, ao qual se adiciona a taxa de solidariedade de 2.197,60€, obtendo-se o valor do imposto a pagar de 60.547,31€. 

 

33.  Quanto à aplicação das taxas de adicional de solidariedade previstas no artigo 68.º-A do CIRS, o valor de 2.197,60 euros foi apurado de acordo com o seguinte processo:

·      a taxa de solidariedade resulta do rácio ponderado de (240.331,72€ - 80.000€)*0,025* (131.764,92€/240.331,72€), conforme previsto no art.º 68-Aº, nº 1 do CIRS.

 

34.  A Requerente, como já vimos, não acompanha o entendimento da Requerida. No entender da Requerente o valor do imposto a pagar é de 55.608,60 euros, de acordo com o seguinte processo: 

·      A taxa de IRS deveria ser determinada de acordo com os artigos 22.º, n.º 10 e 68.º, n.º 1 do Código de IRS, por referência a todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora do território português, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. In casu, a totalidade dos rendimentos em 2023 (Portugal e Alemanha) foi de € 240.331,71€, a que corresponde a taxa de IRS de 48%.

·      A taxa apurada nos termos supra descritos deve apenas ser aplicável aos rendimentos auferidos em território português pelo não residente, que correspondem aos rendimentos qualificados como mais-valias apurados de acordo com as disposições previstas no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS: € 131.764,92 * 48% = € 63.247,16.  

·      A aplicação da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.-A.º do CIRS aos rendimentos auferidos em território português deveria ocorrer sobre o quantitativo da parte do rendimento coletável que excede € 80.000,00, (131.764,92 - 80.000,00) * 2,5% =€ 1.294,12.

·      Por fim, deveria ocorrer o apuramento do imposto a pagar através da dedução da parcela a abater à soma das duas parcelas de imposto calculadas nos números anteriores: 63.247,16+1.294,12 - 8.932,68 = € 55.608,60.

 

35.  Entende a Requerente que a liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, enferma de erro sobre os pressupostos de direito que resultam de uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 22.º, n.º 1, 3 e 10 do CIRS, conjugado com o disposto nos artigos 68.º e 68.º-A do CIRS.

 

36.  A questão colocada e que importa dirimir prende-se, face ao que antecede, com a tributação das mais-valias imobiliárias aferidas por sujeitos passivos não residentes, mais concretamente, com a determinação do rendimento coletável em IRS à luz do artigo 22.º, n.ºs 1 e 3 do CIRS, conjugado com o artigo 22.º, n.º 10 do CIRS e com o subsequente processo de aplicação das taxas gerais de IRS previstas no artigo 68.º e da taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A do CIRS e determinação da coleta de IRS.

 

37.  Como é sabido, os não residentes encontram-se sujeitos a IRS unicamente quanto aos rendimentos obtidos em território português. Importa aqui considerar que, caso haja sido celebrado um acordo de dupla tributação entre o estado de residência do sujeito passivo e Portugal, há que determinar se a Convenção sobre Dupla Tributação permite ao Estado da Fonte (in casu, Portugal) tributar. 

 

38.  Sendo a Requerente residente na Alemanha, ter-se-á de atender ao disposto na Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, aprovada para ratificação pela Lei n.º 12/82, de 3 de Junho, cujo artigo 6.º, n.º 1 confere ao Estado da Fonte (Portugal) competência para tributar os rendimentos, obtidos pelo residente de um outro Estado, de bens imobiliários situados no outro Estado.

 

39.  À luz da desta Convenção, Portugal, enquanto estado da fonte, pode tributar os rendimentos auferidos de bens imobiliários aqui situados (cf. artigo 6.º, n.º 1 da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha).

 

40.  Resulta do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do CIRS que, tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português. 

 

41.  Por sua vez, o artigo 18.º, n.º 1 do CIRS elenca os rendimentos que se consideram obtidos em território português, onde se incluem os rendimentos respeitantes a imóveis, incluindo as mais-valias resultantes da sua transmissão (cf. artigo 18.º, n.º 1 alínea h) do CIRS). 

 

42.  Assim sendo, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 da Convenção entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha para Evitar a Dupla Tributação em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e sobre o Capital, conjugado com os artigos 15.º, n.º 2 e 18.º, n.º 1, alínea h) do CIRS, as mais-valias obtidas por sujeitos passivos não residentes podem ser tributadas em território nacional. 

 

43.  Porém, a tributação das mais-valias resultantes da transmissão de imóveis situados em Portugal por sujeitos passivos não residentes foi, nos últimos anos, controversa porquanto, a sua tributação não se mostrava compatível com o direito da União Europeia. 

 

44.  Com efeito, até 2023, a tributação das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes suscitava dúvidas porquanto as disposições do CIRS se mostravam contrárias ao direito da União Europeia. Com efeito, o quadro legal vigente até 2022 constituía uma restrição à livre circulação de capitais proibida pelo artigo 63.º do TFUE, conforme reconhecido em diversas decisões judiciais (cf. acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, de 9 de Dezembro de 2020, proferido no âmbito do Processo n.º 75/20.6BALSB).  

 

45.  Até 31 de dezembro de 2022, o saldo das mais-valias imobiliárias obtidas por sujeitos passivos não residentes era tributado à taxa de 28% sobre a totalidade do seu valor. No entanto, este regime suscitava problemas de discriminação face aos residentes. Para estes últimos, a tributação do saldo das mais-valias imobiliárias obtidos por um residente era considerado em 50% do seu valor, em comparação com o saldo das mais-valias obtidas por um não residente, que era considerado pelo seu valor integral. 

 

46.  Chamado a pronunciar-se sobre a conformidade da legislação nacional com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (à data, artigo 56.º CE), o TJUE veio a decidir por acórdão de 11 de outubro de 2007, Processo C-443/2006 (caso Hollmann) que o regime português de tributação das mais-valias auferidas por não residentes era contrário ao direito da União Europeia e, consequentemente, entendeu que os não residentes deveriam beneficiar de uma tributação em 50% do valor do saldo das mais-valias obtidas.

 

47.  A partir de 2023, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2023), o regime português de tributação das mais-valias auferidas por não residentes foi alterado, passando as novas regras a aplicar-se aos rendimentos obtidos a partir de 1 de Janeiro de 2023. Para os não residentes (recorde-se que os mesmos se encontram sujeitos a IRS quanto aos rendimentos obtidos em território nacional), o rendimento tributável – à semelhança dos sujeitos passivos residentes – é considerado em 50 % do valor do rendimento qualificado como mais-valia (cf. artigo 43.º, n.º 1 e 2, alínea a) do CIRS). 

 

48.  Com as alterações decorrentes da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de Dezembro, o rendimento auferido por sujeitos passivos não residentes a título de mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º passou a ser obrigatoriamente englobado para efeitos de determinação do rendimento coletável em IRS – cf. artigo 22.º, n.º 1 e n.º 3 alínea a) do CIRS.

 

49.  Por seu turno, o artigo 22.º, n.º 10 do CIRS dispõe que, para efeitos de determinação da taxa a aplicar de acordo com a tabela prevista do artigo 68.º, n.º 1 do CIRS, são tidos em consideração “todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes”. 

 

50.  O artigo 22.º, n.º 1, 3 e 10 do CIRS dispõe o seguinte: 

CAPÍTULO II
Determinação do rendimento coletável

SECÇÃO I
Regras gerais

Artigo 22.º
Englobamento

  

1 - O rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.

(...)

3 - Não são englobados para efeitos da sua tributação:

 

a) Os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português, com exceção das mais-valias previstas nas alíneas a) e d) do n.º 1 do artigo 10.º que não sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e sem prejuízo do disposto nos n.ºs 13 e 14 do artigo 72.º; (Redação da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro)

 

(...)

10 - Sempre que a lei imponha o englobamento de rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes em território português são tidos em consideração, para efeitos de determinação da taxa a aplicar de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes. (Aditado​ pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro).

 

51.  À luz do artigo 22.º, n.º 10 do CIRS, tratando-se de rendimentos sujeitos a englobamento como é o caso das mais-valias imobiliárias auferidas por não residentes, a determinação das taxas previstas no artigo 68.º do CIRS aos sujeitos passivos não residentes deve ter em consideração todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora do território nacional.

 

52.  Por regra, os rendimentos auferidos por sujeitos passivos não residentes não se encontram sujeitos a englobamento[1]. Com a lei que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2023, foi determinado o englobamento obrigatório das mais-valias imobiliárias auferidas por sujeitos passivos não residentes (cf. artigo 22.º, n.º 1 e 3 do CIRS, na redação dada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro). 

 

53.  O artigo 22.º dispõe sobre uma das matérias nucleares para efeitos de englobamento: apurar o rendimento coletável em IRS (sujeito às taxas de IRS previstas no artigo 68.º e, se for o caso, à taxa adicional de solidariedade prevista no artigo 68.º-A do CIRS) e atendível para efeitos de determinação da taxa aplicável, através da soma dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano. 

 

54.  Como vimos, no caso de rendimentos obtidos em território nacional por sujeitos passivos não residentes, os rendimentos obtidos em território português não se encontram sujeitos a englobamento, com exceção (a partir de 1 de janeiro de 2023) das mais-valias previstas no artigo 10.º, n.º 1, alíneas a) e d) do CIRS (cf. artigo 22.º, n.º 3 alínea a)do CIRS).

 

55.  Daqui resulta que o rendimento coletável auferido por sujeitos passivos não residentes corresponde ao saldo das mais-valias previstas no artigo 10.º, n.º 1, alíneas a) e d), que passam a ser obrigatoriamente englobadas (cf. artigo 22.º, n.º 3 do CIRS), o qual é considerado em 50%, nos termos do artigo 43.º, n.º 2, alínea b) do CIRS.

 

56.  Para os sujeitos passivos não residentes, os rendimentos obtidos fora do território nacional não são sujeitos a IRS (cf. artigo 15.º, n.º 2 do CIRS) e, como tal, não concorrem para a quantificação do rendimento coletável obtido em território nacional.

 

57.  Todavia, com a alteração ao artigo 22.º operada pela Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, os rendimentos obtidos fora do território nacional são tidos em consideração para efeitos de determinação das taxas previstas no artigo 68.º, n.º 1 do CIRS, conforme decorre do disposto no artigo 22.º, n.º 10 do CIRS.

 

58.  O disposto no artigo 22.º, n.º 10 do CIRS dispõe que, para efeitos de determinação da taxa, os rendimentos obtidos fora do território nacional, por sujeitos passivos não residentes, são sujeitos a englobamento com o único propósito de determinar a taxa de imposto aplicável ao rendimento coletável auferido em território nacional.

 

59.  O artigo 22.º, n.º 10 do CIRS contém, deste modo, uma regra especial para efeitos de determinação da taxa de imposto (IRS) aplicável aos rendimentos sujeitos a englobamento obrigatório obtidos em território nacional por sujeitos passivos não residentes.

 

60.  Isto significa que os rendimentos obtidos, fora do território português, por sujeitos passivos não residentes não são tributáveis em território nacional. Porém, para efeitos de determinação da taxa a aplicar ao rendimento coletável, a lei determina que esses rendimentos sejam tidos em consideração.

 

61.  Donde resulta que, no caso das mais-valias imobiliárias previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do IRS, a taxa de IRS aplicável (que há de resultar da aplicação da tabela prevista no artigo 68.º, n.º 1 do CIRS) não será a taxa correspondente ao rendimento coletável (de mais-valias sujeitas a englobamento obrigatório), mas a taxa que corresponder ao rendimento englobado (rendimento de mais-valias imobiliárias de fonte portuguesa), acrescido do rendimento auferido pelo sujeito passivo fora do território nacional, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes (cf. artigo 22.º, n.º 10 do CIRS). 

 

62.  Nestes casos, os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo não residente, fora do território nacional, são considerados “nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes” (cf. artigo 22.º, n.º 10 do CIRS in fine). 

 

63.  Este segmento pode colocar dúvidas interpretativas quanto a determinar quais os rendimentos que devem ser incluídos no IRS dos sujeitos passivos não residentes. Entendemos que o elemento literal do preceito aponta no sentido de que o rendimento auferido fora do território nacional “nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes” quer significar um conceito de rendimento tributável à luz das normas previstas para os residentes. Assim, se certo rendimento estiver, à luz das normas internas, isento de tributação e não sujeito a englobamento, essa isenção sem englobamento também é extensiva ao rendimento auferido fora do território nacional.

 

64.  Assim sendo, quando se trate da tributação de mais-valias auferidas por não residentes, os rendimentos auferidos por sujeitos passivos fora do território nacional não são tributados em sede de IRS, mas apenas acrescentados ao rendimento coletável para determinação das taxas a aplicar ao rendimento coletável, sujeito a englobamento obrigatório, auferido em território nacional, por não residentes.  

 

65.  Isto significa que o rendimento coletável em sede de IRS é constituído – para os sujeitos passivos não residentes – pelos rendimentos obtidos em território português que se encontrem sujeitos a englobamento obrigatário (cf. artigo s15.º, n.º 2, 22.º, n.º 1 e 3 do CIRS).

 

66.  Apurado o rendimento coletável em IRS, há que determinar a taxa aplicável. Ora, na determinação da taxa aplicável são tidos em consideração: (i) os rendimentos sujeitos a englobamento e (ii) os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo não residente fora do território nacional (cf. artigo 22.º, n.º 10 do CIRS).

 

67.  A determinação da taxa aplicável far-se-á de acordo com a tabela prevista no artigo 68.º do CIRS. 

 

68.  E, quando o rendimento coletável seja superior a 80 000€ aplicar-se-á, também, a taxa adicional de solidariedade constante do artigo 68.º-A do CIRS, ao rendimento coletável de fonte portuguesa.

 

69.  Assim sendo, os rendimentos auferidos, em território nacional, por sujeitos passivos não residentes, referentes a mais-valias que resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (bem como da cessão onerosa de posições contratuais ou outros direitos) são sujeitos a tributação, sendo o apuramento do imposto efetuado de acordo com as seguintes regras:

a)    Determinação do rendimento coletável, sujeito a englobamento obrigatório, auferido em território nacional, por sujeitos passivos não residentes.

b)    Determinação da taxa de imposto aplicável de acordo com o disposto no artigo 22.º, n.º 10 (ao rendimento sujeito a englobamento obrigatório somam-se todos os rendimentos auferidos, incluindo os obtidos fora do território nacional).

c)     Aplicação da taxa de imposto ao rendimento coletável, i.e., rendimento obtido em território nacional, sujeito a englobamento obrigatório, pelo sujeito passivo não residente.

d)    Aplicação da taxa adicional de solidariedade de acordo com a tabela que consta do artigo 68.º-A do CIRS.

 

70.  Volvendo ao caso dos autos, da matéria de facto provada resulta que a Requerente – sujeito passivo não residente em território nacional – obteve no ano de 2023 rendimentos de mais-valias imobiliárias, sujeitas a englobamento obrigatório, no montante de 131.764,92 euros e os rendimentos auferidos, fora do território nacional, se computam em 108.566,77 euros (cf. ponto D, F e G da matéria de facto provada). 

 

71.  Para efeitos de determinação da taxa de imposto, ao rendimento coletável, no montante de 131.764,92 euros, somam-se os rendimentos auferidos fora do território nacional, no montante de 108.566,77 euros, totalizando o montante de 240.331,71 euros, o que nos coloca dentro do 9.º escalão de IRS, para o qual a lei prevê uma taxa de imposto de 48% (cf. artigo 68.º, n.º 1 e 2 do CIRS). 

 

72.  A taxa de IRS aplicável, in casu, ao rendimento coletável é, assim, de 48% aplicável – nos termos do artigo 68.º, n.º 1 e 2 do CIRS –, ao rendimento sujeito a englobamento obrigatório obtido em território português, i.e., 131.764,92 euros. 

 

73.  Sendo o rendimento superior a 80.000 euros, sobre o rendimento obtido em território português, sujeito a englobamento (131.764,92 euros), aplicar-se a taxa adicional de solidariedade (2,5%), nos termos do artigo 68.º-A do CIRS, o que perfaz o montante de 1.294,12 €.

 

74.  In casu, teremos o apuramento de uma coleta no valor de 55.068,60 € (que corresponde ao imposto a pagar), calculada nestes termos:

 

Rendimento coletável 131 764,92 €

Taxas

 

Coleta

 

 
   

78 834,00  €

36,67%

taxa média do 8.º escalão

                28 907,64  € 

   

52 930,92  €

48%

taxa normal do 9.º escalão

                25 406,84  € 

   

51 764,92  €

2,50%

taxa adicional de solidariedade

                   1 294,12  € 

   

 

 

Coleta

                55 608,60  € 

   

 

 

75.  A AT, ao proceder ao apuramento do rendimento coletável em IRS faz incluir, erradamente, no rendimento coletável, o valor dos rendimentos auferidos fora do território nacional. Porém, como vimos o rendimento coletável em IRS não inclui os rendimentos obtidos fora do território nacional. 

 

76.  Ora, o apuramento do imposto efetuado pela AT na parte em que considera que as taxas de IRS e a taxa adicional de solidariedade são aplicadas à parcela dos rendimentos auferidos fora do território nacional faz uma errada aplicação do disposto no artigo 22.º, n.º 1 e 3 do CIRS.

 

77.  O que resulta no apuramento de uma coleta superior àquela que seria apurada caso a AT tivesse procedido apenas ao englobamento do rendimento de mais-valias imobiliárias previstas no artigo 22.º, n.º 3 do CIRS.

 

78.  Embora a AT, na determinação da coleta final, venha a “desconsiderar” a parte do rendimento auferido fora do território (com aplicação da média ponderada rendimento isento/rendimento total), o cálculo está inquinado por ter subjacente uma base superior àquela resulta da lei, o que conduz, necessariamente, ao apuramento de uma coleta superior.   

 

79.  O mesmo sucedendo com a aplicação da taxa adicional de solidariedade. Com efeito, a aplicação da taxa de 2,5% é feita ao quantitativo de rendimento coletável auferido em território nacional. E o quantitativo de rendimento coletável não inclui a parcela de rendimento obtida fora do território nacional. 

 

80.  À luz destas disposições, o rendimento coletável auferido pela Requerente é constituído por pelo rendimento coletável obtido em território nacional, in casu, as mais-valias imobiliárias previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.

 

81.  Os rendimentos obtidos fora do território nacional por não residentes não concorrem para calcular o quantitativo do rendimento coletável, nem a coleta. Estes rendimentos apenas são considerados com único propósito de determinar a taxa aplicável. 

 

82.  Pelo que, a liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, é – pelas razões expostos - ilegal. 

 

83.  Devendo, assim, o pedido de pronuncia arbitral ser julgado procedente.

 

84.  Da ilegalidade do indeferimento do pedido de reclamação graciosa apresentado pela Requerente e, consequentemente, da ilegalidade do ato de liquidação de IRS, resulta para a AT a obrigação de restabelecer a situação que existiria se os atos não tivessem sido praticados. 

 

85.  De acordo com o disposto no artigo 24.º alínea b) do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

86.  Para além do reembolso do imposto indevidamente pago, dispõe o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que: 

“São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. 

 

87.  Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato de liquidação, há lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia indevidamente paga pelo Requerente, à taxa legal supletiva, desde a data do pagamento até integral e efetivo reembolso, nos termos conjugados do artigo 24.º, n.º 5 do RJAT, dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4 e 35.º, n.º 10 e 100.º da LGT e do artigo 61.º, n.º 4 e 5 do CPPT.

 

V – Decisão

Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a)    Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e a anulação do ato tributário de liquidação de IRS, referente ao ano de 2023, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida.

b)    Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago pelo Requerente e no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

VI – Valor do Processo

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 306.º do Código de Processo Civil e 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de 4.938,62 euros, indicado pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária.

 

VII – Custas

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Notifique.

Lisboa, 3 de novembro de 2025

A árbitra,

 

Alexandra Gonçalves Marques

 

 



[1] Os rendimentos não englobados são: i) Rendimentos auferidos por residentes tributados a taxas liberatórias sem prejuízo da possibilidade de opção por englobamento (derrogação dos art.ºs 71.º e 72.º); ii) Rendimentos auferidos por residentes na UE ou no EEE – sem opção de englobamento, mas com opção de tributação às taxas aplicáveis aos residentes (art.º 72.º, n.ºs 9); iii) Rendimentos auferidos por residentes em países terceiros – sem opção por englobamento.