Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 104/2025-T
Data da decisão: 2025-11-03  IVA  
Valor do pedido: € 368.995,90
Tema: IVA – obras de reabilitação urbana; verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA
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SUMÁRIO:

1. Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana. 

2. A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Professor Doutor Victor Calvete (Presidente), Dra. Sofia Ricardo Borges e  Dr. António Cipriano da Silva (adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte: 

 

I. Relatório

1. Em 27 de janeiro de 2025, A..., S.A,  contribuinte fiscal nº ..., com sede na ... nº... ...-... Lisboa (doravante “Requerente”) ao abrigo do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), de dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de março, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral apresentando pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”) com vista à declaração da ilegalidade dos atos tributários de liquidação de IVA nº 2024..., nº 2024... e nº 2024... e das liquidações de juros nº 2024..., nº 2024... e nº 2024...

2. No dia 28 de janeiro de 2025 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

3. No dia 07 de abril de 2025 foi constituído o Tribunal Arbitral.

4. Em 07  de abril de 2025, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

5. Em 14 de maio de 2025 a Requerida juntou aos autos o processo administrativo e a sua resposta. 

6. Em 16 de maio de  2025,  na sequência de pedido de renúncia do árbitro adjunto Dr. Henrique Nunes  o Conselho Deontológico nomeou em sua substituição  o Dr. António Cipriano da Silva.

7. Em 14 de agosto o Tribunal arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º RJAT.

8. Em 03 de setembro a Requerente veio dar conta “que a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia («CM de Gaia»), na sua Reunião Pública de 25 de agosto de 2025, deliberou aprovar a correspondente Operação de Reabilitação Urbana («ORU») designada «Cidade de Gaia», que será publicada em breve no Diário da República, conforme atesta a Certidão emitida pela CM de Gaia que se junta em anexo” e que “foi ainda informada pela GAIURB, E.M., de que a aprovação da ORU terá efeitos retroativos, em coerência com a política urbanística que a CM de Gaia tem vindo a desenvolver e a informação prestada inicialmente à Requerente”, pedindo a suspensão da instância até à “publicação em Diário da República da mencionada ORU, cuja aprovação se antecipa para breve”.

9. Em 10 de setembro de 2025 foi proferido o seguinte despacho:

1. Já com o projecto de decisão pronto, deu entrada, no passado dia 3 do corrente, um requerimento da Requerente de junção de documento superveniente consistente em Certidão da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia datada de 1 de Setembro de 2025, da qual consta: “(…) a Câmara Municipal, na sua Reunião Pública de 25 de agosto de 2025, deliberou aprovar a correspondente Operação de Reabilitação Urbana, que entra em vigor após a sua publicação na 2.ª série do Diário da República, em conformidade com o estabelecido no artigo 17.º do D.L. n.º 307/2009, de 23 de Outubro, na sua atual redação.--------------- A ARU – Cidade de Gaia, foi publicitada em Diário da República, através do Aviso n.º 7412/2023, de 11 de abril (...)".

2. Para garantir o contraditório, fixa-se um prazo de 10 dias para que a AT se possa pronunciar, advertindo-se desde já Requerente e Requerida que se fixará prazo para alegações na sequência disso.

3. No mesmo prazo de 10 dias, deve a Requerente juntar aos autos cópia da invocada acta da Reunião Pública da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia com a deliberação camarária na íntegra. 

4. Ficando assim impossibilitado o cumprimento do prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, determina-se desde já a sua prorrogação por dois meses, ao abrigo do disposto no seu n.º 2.”.

9. Nesse mesmo dia foi junto aos autos a pronúncia da AT, que 

- por um lado, sublinhava que “a existência de ORU, não integra a causa de pedir do PPA em apreço”, e, não tendo sido pedida a alteração desta, “não há porque suspender a prolação da Decisão, para esperar por um facto que não constituiu causa de pedir.”;

- por outro lado, impugnava “o conteúdo da Certidão, na parte em que refere “que a Câmara Municipal, na sua Reunião Pública de 25 de agosto de 2025, deliberou aprovar a correspondente Operação de Reabilitação Urbana, que entra em vigor após a sua publicação na 2.ª série do Diário da República”.”, uma vez que “A competência para aprovar as ORU´s é das assembleias municipais, sob proposta da câmara municipal e, após parecer não vinculativo do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) e a discussão pública.”;

- por outro lado, ainda, invocava que “Um acto, que constitui direitos e encargos na esfera dos administrados e, para o qual se prevê expressamente que apenas será eficaz após a sua publicação e D.R. (precisamente por ser a forma de dar a conhecê-lo aos administrados), não pode ter efeitos retroactivos, pela simples razão de que tal implicaria, que seria oponível aos administrados antes de lhes ter sido dada a conhecer.”.

10. Em 25 de setembro de 2025 a Requerente juntou aos autos:

- “Ata da reunião pública de aprovação da Operação de Reabilitação Urbana («ORU») «Cidade de Gaia»”;

- “cópia do requerimento dirigido à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia («CMG»), acompanhado do respetivo comprovativo de entrada e documentos de suporte (Documento 2), solicitando a confirmação expressa, por parte da CMG, quanto aos efeitos produzidos pela publicação de ORU, conforme explicitado no Parecer”;

- Parecer assinado por ... .

11. Em 03 de outubro de 2025 foi fixado prazo para apresentação simultânea de alegações.

12. A requerente juntou as suas em 17 de outubro, depois de ter notificado o Tribunal arbitral, em 10 desse mês, da alteração do mandatário. Incluiu nelas uma cópia do Aviso n.º 24255/2025/2, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 1 de outubro de 2025, com o seguinte Sumário: “Aprova a operação de reabilitação urbana Cidade de Gaia”, certificando que “por proposta da câmara municipal tomada por unanimidade em sessão pública da reunião realizada no dia 25 de agosto de 2025, foi aprovada pela assembleia municipal, em sessão ordinária, pública, realizada no dia 11 de setembro de 2025, a Operação de Reabilitação Urbana Cidade de Gaia.”.

13. Em 21 de outubro de 2025 a AT veio pronunciar-se sobre a junção de documentos referida em 10., reiterando o por si invocado no requerimento mencionado em 9., e fazendo notar, por um lado, que “resulta das págs. 36 e ss. da acta da reunião de câmara que, não foi aprovada a ORU, mas antes, submeter uma proposta de ORU à apreciação da Assembleia Municipal” e, por outro, que “parece que a ARU em vigor à data da prática das operações caducou, porque foram submetidas também, à apreciação da Assembleia Municipal, novas ARU´s.”, pelo que “da aprovação dos projectos das novas ARU´s, resulta evidente que não tem adesão à realidade, a alegação da Requerente, da retroactividade da nova ORU, que não corresponde à ARU (caducada), mas a uma nova, também agora proposta.”.

14. Nesse mesmo dia, a AT juntou o que designou de “Alegações sucintas”, remetendo para a sua Resposta.

 

II. Posição das partes

II.1. Posição da Requerente

a)     No âmbito da sua atividade a Requerente celebrou um contrato de empreitada  com a B..., LDA para a realização de obras, mais precisamente a construção de um prédio para habitação num lote de terreno sua propriedade.

b)     O referido lote está situado na ..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, e encontra-se dentro da Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) denominada “Cidade de Gaia”, cuja delimitação em vigor à data dos factos foi publicitada em Diário da República através do Aviso n.° 7435/2020, de 06-05-2020.

c)     A Câmara Municipal  de Vila Nova de Gaia emitiu certidão datada de 10.03.2023 que certificava que o prédio onde se pretendem executar as obras de reabilitação se encontrava localizado em área de reabilitação urbana – ARU cidade de Gaia para efeitos da aplicação do IVA a taxa reduzida de 6% prevista na verba 2.23 da lista I anexa ao código de IVA por via da alínea a) do nº1 do artigo 18º.

d)     Decorre da redação da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, que as Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definidas em diploma específico realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas, nos termos legais ou no âmbito de operações de requalificação e de reabilitação de reconhecimento interesse público nacional beneficiam da taxa reduzida de IVA a 6% (artigo 18º CIVA).

e)     Entende a Requerente que da supra citada norma resultam cinco requisitos, sendo o quarto e quinto requisitos alternativos: i) um contrato de empreitada; ii) que tenha por objeto uma obra de reabilitação; iii) tal como definida em diploma especifico; iv) realizada em imóvel (espaço público) localizado numa área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional ou v) no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.

f)      Defende a Requerente que estando definidos e cumpridos os requisitos de aplicação do benefício em sede de IVA, importa esclarecer que não podem ser criados requisitos para além dos legalmente previstos.

g)     Alegando a Requerente que verifica-se uma tendência de harmonização da jurisprudência arbitral, inicialmente muito diversa, no sentido de recusar a exigência de ORU como requisito à qualificação da empreitada como de “reabilitação urbana” e consequente atribuição do benefício da taxa reduzida de IVA.

h)     Alegando para defesa da sua posição a doutrina de Fernanda Paula Oliveira, Clotilde Celorico Palma ou jurisprudência arbitral nomeadamente as decisões  nº 947/2023-T, nº 932/2023-T, nº 255/2024-T, e nº 181/2024-T.

i)      Entende a Requerente que a exigência imposta pela AT teve “geração espontânea”', violando não só o princípio da proporcionalidade e igualdade (criando um requisito de preenchimento moroso e diferenciador, que a lei não exige e que não depende do sujeito passivo) mas também o princípio da legalidade fiscal (ao constranger o acesso a um regime especial de IVA legalmente consagrado, criando requisitos para a sua aplicação para além dos previstos na respetiva lei) da segurança jurídica e da confiança plasmados no artigo 103.° da Constituição da República portuguesa.

j)      Defende a Requerente que não subsistem quaisquer dúvidas de que a ORU não é um requisito exigível para efeitos da aplicação do regime do IVA previsto na verba 2.23 da Lista I, anexa ao Código do IVA, invocando múltipla jurisprudência arbitral, bem como os entendimentos de Fernanda Paula Oliveira e Clotilde Celorico Palma.

k)     Alega a Requerente que o comportamento da AT viola ainda os princípios da imparcialidade (consagrado no artigo 9.° do CPA) ao frustrar a confiança na isenção da sua atividade (pelo aumento inesperado e ilegal do valor de imposto cobrado), da proporcionalidade (consagrado no artigo 7.° do mesmo diploma) na medida em que a atividade da AT não vai ao encontro da tributação consagrada lei; e da justiça e da razoabilidade (consagrado no artigo 8.° do CPA) ao recusar fazer uma interpretação hermenêutica do RJRU, interpretando arbitrariamente uma lei urbanística, sem considerar o seu contexto e gerando uma solução manifestamente injusta, desrazoável e incompatível com o Direito.

l)      Concluindo no PPA que as liquidações adicionais de IVA e juros decorreram da errada aplicação da lei por parte da AT,  pelo que padecem de vícios e  por esta via devem ser anuladas.

m)   Em alegações, pronunciou-se criticamente sobre o – superveniente – acórdão uniformizador do STA proferido em 26 de março de 2025 no processo n.º 0430/16. Alegou, essencialmente, que, por força do disposto no artigo 14.º do RJRU[1], “o direito de propriedade (e direitos conexos) sobre imóveis localizados numa ARU confer[e], nos termos estabelecidos na legislação aplicável, imediata e incondicionalmente, acesso a incentivos fiscais e financeiros previstos nesse diploma.” e que “a ORU traduz-se num ato instrumental, de execução da ARU: aprovada: trata-se de um ato formal que apenas verifica uma condição suspensiva e produz, no nosso entender, efeitos retroativos, sem constituir direitos na esfera dos beneficiários.”.

n)     Invocou também a posição de Carlos Baptista LOBO e Daniel S. BOBOS-RADU, «Ainda o IVA na reabilitação urbana: algumas divergências insupríveis face à recente uniformização de jurisprudência», in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, 2025, 2.º T, pp. 112-113, bem como a violação dos “princípios da legalidade e da tipicidade tributárias, consagrados no artigo 103.º, n.º 2 da CRP”, e a desautorização das “certidões emitidas pelas Câmaras Municipais, entidades competentes para se pronunciarem sobre a qualificação urbanística de empreitadas”, o que se traduziria “numa violação dos princípios da confiança e da segurança jurídica, bem como do princípio da proporcionalidade” e do “princípio da igualdade tributária”.

o)     Finalmente, invoca a publicação, no Diário da República, 2.ª série, de 01 de outubro de 2025, da ORU de Vila Nova de Gaia, pelo que, como “nos termos do artigo 15.º do RJRU, a ORU constitui condição suspensiva da eficácia dos benefícios conferidos pela ARU e, uma vez aprovada, a ORU retroage à data da delimitação da ARU, assegurando que todas as operações realizadas no âmbito da ARU são consideradas como reabilitação urbana para efeitos fiscais”.

 

II.2. Posição da Requerida

Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     Refere a Requerida que o  n.º 1 do art.º 7.º do RJRU determina que a reabilitação urbana em áreas definidas resulta da aprovação: a) da delimitação de ARU e da b) ORU a desenvolver nas áreas determinadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano pormenor de reabilitação urbana.

b)     O decreto-lei em referência esclarece, assim, que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação destes dois requisitos/instrumentos: ARU e ORU.

c)     Assim no entendimento da Requerida para que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, não é suficiente que se trate de uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b) do n.º 1 art.º 7.º do RJRU  a reabilitação urbana resulta da aprovação da ORU a desenvolver nas ARU, através de instrumento próprio ou de um plano pormenor de reabilitação urbana.

d)     Salienta a Requerida ainda, que, de acordo com o n.º 4 do art.º 7.º do mesmo diploma, a cada ARU corresponde uma ORU, tanto mais que uma vez aprovada a ARU, esta caduca se, no prazo de três anos, não tiver sido aprovada a ORU correspondente, conforme estatui o art.º 15.º do mesmo diploma.

e)     A localização de um prédio numa ARU não constitui, por si só, condição bastante para afirmar que as operações sobre ele efetuadas se subsumem no conceito de reabilitação urbana, constante do respetivo regime jurídico e, consequentemente, possa beneficiar da aplicação da taxa reduzida do imposto, sendo igualmente necessária a aprovação da correspondente ORU.

f)      Entende a Requerida que o sujeito passivo não demonstrou que houvesse uma ORU aprovada para as obras em causa.

g)     Ou seja, as obras em apreço dizem respeito a imóvel inserido na ARU do respetivo município, cuja ORU não se encontra aprovada, pelo que, não existindo ORU aprovada, não se pode enquadrar a referida obra numa empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, pelo que, não é aplicável a taxa reduzida do imposto a que se refere a alínea a) n.º 1 art.º 18.º do CIVA, mas sim a taxa normal (23%), definida na alínea c) do mesmo preceito e normativo legal.

h)     Reforça a Requerida a sua posição colocando a tónica que este entendimento  tem sido perfilhado em decisões arbitrais como  no Processo n.º 3/2023-T, de 2023-07-31, da qual resulta que só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU, quando, a par da delimitação da ARU, o Município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona através da aprovação da ORU.

i)      Evidenciando a Requerida que existe acórdão uniformizador de jurisprudência, proferido pelo STA no âmbito do Processo 12/24.9BALSB, que acolhe a posição da Requerida.

j)      Concluindo a Requerida que não havendo factos controvertidos e, sendo a única questão a decidir, a de saber se para efeitos de aplicação da taxa reduzida de imposto, se pode entender por empreitada de reabilitação urbana, aquela que seja levada a cabo sobre imóveis sitos em Área de Reabilitação Urbana para a qual não esteja aprovada qualquer Operação de Reabilitação Urbana e, tendo o Supremo Tribunal Administrativo uniformizado jurisprudência no sentido de que não, deve o pedido improceder, por não provado.

k)     Em alegações, limitou-se a remeter para o teor da sua Resposta.

 

 

III. Saneamento

 O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT. 

O PPA é tempestivo.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

IV. Questão a Decidir

questão decidenda prende-se em decidir num caso de uma empreitada de reabilitação urbana quais são as condições necessárias para a mesma ficar sujeita à taxa reduzida de IVA, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º CIVA - verba 2.23 da Lista I. Se basta que a obra se localize numa área de reabilitação urbana (ARU), já legalmente definida (é o entendimento da Requerente) ou se é necessário que tal obra esteja, também (requisitos cumulativos), abrangida por uma “operação de reabilitação urbana”, previamente aprovada para essa ARU  (posição defendida pela AT).

Tendo em conta o constante dos pontos 8. e seguintes do Relatório, supra, o Tribunal apreciará, em qualquer caso, do relevo que deve, ou não, ser dado à subsequente aprovação de uma ORU.

 

V. Matéria de Facto

V.1. Factos Dados com Provados

Com interesse para a decisão deram-se por provados os seguintes factos:

a)     A Requerente é uma sociedade anónima que desenvolve a sua atividade no ramo imobiliário, tendo por CAE principal o CAE 68200 — “Arrendamento de bens imobiliários”, e por CAEs secundários o 68100 — “Compra e venda de bens imobiliários”, o 64300 - “Trusts, fundos e entidades financeiras similares” e o 55201 - “Alojamento mobilado” (cfr. artigo 1º do PPA).

b)     No âmbito da sua atividade a Requerente celebrou um contrato de empreitada com a B..., LDA para a realização de obras mais precisamente a construção de um prédio para habitação num lote de terreno sua propriedade (cfr. doc nº4 PPA).

c)     O referido lote está situado na ..., ..., ..., em Vila Nova de Gaia, e encontra-se dentro da Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) denominada “Cidade de Gaia”, cuja delimitação em vigor à data dos factos foi publicitada em Diário da República através do Aviso n.° 7435/2020, de 06-05-2020.

d)      Na altura, não foi aprovada ORU para a Área de Reabilitação Urbana (“ARU”) denominada “Cidade de Gaia” publicitada em Diário da República através do Aviso n.º 7435/2020, de 06.05.2020. 

e)     A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia emitiu certidão datada de 10.03.2023 de que consta (cfr. doc nº5):

f)      A Requerente aplicou a taxa de 6% de IVA aos pagamentos ao empreiteiro (cfr. doc nº6 PPA).

g)     A Requerente  foi alvo de procedimento de inspeção tributária com a ordem de serviço com o número 0I2024... .

h)     A Requerente foi notificada em 03.09.2024 de Relatório Final de Inspeção Tributária (RIT) que concluiu: 

“ No caso em apreço, não ficou demonstrado que as obras em causa cumprissem todos estes requisitos, em particular o descrito na alínea b) que antecede, porquanto se desconhece que o Município de Vila Nova de Gaia tenha aprovada uma ORU para a ARU da Cidade de Gaia. Recorde-se que, qualquer ORU, depois de aprovada, é enviada para publicação através de Aviso na 2.ª série do Diário da República e divulgada na página eletrónica do município, com remessa, em simultâneo, ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., por meios eletrónicos. Após pesquisa nos referidos meios de divulgação, não foi encontrada qualquer referência a tal

(….)

Desta forma, relativamente às obras em causa, referentes à construção do imóvel, inserido na ARU da Cidade de Gaia, Concelho de Vila Nova de Gaia, cuja ORU não se encontra aprovada, não existindo ORU aprovada, não se pode considerar que estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, pelo que, não será aplicável a taxa reduzida do imposto a que se refere a alínea a), do n.º 1, do artigo 18.º, do CIVA, mas sim a taxa normal (23%), definida na sua alínea c).

Tendo em conta todo o exposto, resume-se no quadro seguinte, por período de imposto, os valores declarados pelo sujeito passivo e os valores a corrigir relativos à aplicação incorreta da taxa reduzida – verba 2.23: (...)”

i)      Do RIT resultaram as seguintes correções:

j)      Em consequência do RIT foram emitidas as liquidações adicionais de IVA nº 2024..., nº 2024... e 2024... e as liquidações de juros nº 2024..., nº2024... e nº2024..., todas de 07.09.202.

k)     A Requerente prestou garantia bancária aceite pela Unidade de Grandes Contribuintes por oficio 1/2025 de 02.01.2025

l)      A Requerente apresentou PPA em 27.01.2025

 

 

V.2. Factos que não se consideram provados

Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.

 

V.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Requerente, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos 596.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição, factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA, 5.º, n.º 2, e 411.º do CPC).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial,  que só possam ser provados por documentos, e que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

VI. Do Direito

 A  questão decidenda nos presentes autos é determinar se as liquidações de IVA impugnadas pela Requerente referente a empreitada de reabilitação, reuniam ou não condições para a aplicabilidade da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, ou seja a taxa reduzida de IVA de 6%.

A verba 2.23 da Lista I anexa ao Código de IVA (à data dos factos)  determinava que são sujeitas à taxa reduzida de imposto as “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”.

A  questão decidenda, é recorrente, tendo dado origem a numerosa jurisprudência divergente.

Esta divergência interpretativa deu origem à prolação de acórdão uniformizador de jurisprudência pelo Supremo Tribunal Administrativo processo nº12/24.9.BALSB de 26 de março de 2025.

Transcrevemos de tal aresto:

“(…)

3.2.4.3. Na Verba 2.23 da referida lista I, onde estão identificados os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, consta que beneficiam da taxa de 6% as «Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.». 

3.2.4.4. O artigo 2.º, alínea j) do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro dá-nos o conceito de “Reabilitação urbana”, definindo-a como «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios». 

3.2.4.4. Por sua vez, dispõem os artigos 7.º, 8.º, 14.º e 15.º do RJRU (…)

3.2.4.6. Tendo presente o quadro legal supra transcrito e cientes de que as normas fiscais se devem interpretar segundo os cânones que regem a interpretação de quaisquer outras, por assim resultar expressamente do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, antecipamos que é afirmativa a nossa resposta à questão de saber se a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA depende da existência de uma Operação de Reabilitação Urbana aprovada para o local inserido em Área de Reabilitação Urbana onde é realizada a Operação Urbanística (empreitada). Ou seja, entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. 

3.2.4.7. Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação da norma consagrada na Verba 2.23., a que melhor compatibiliza os critérios previstos no artigo 9.º, nºs 1 e 2 do Código Civil - isto é, a que, partindo do texto da lei e tendo nele suficiente suporte, melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil). 

3.2.4.8. Começando pelo elemento literal, dúvidas não subsistem que só as empreitadas de reabilitação urbana podem beneficiar do benefício consagrado no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por este normativo, onde se encontram definidas as taxas de imposto, estabelecer que estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma e a Verba 2.23 da referida lista I e nesta constar que só beneficiam dessa taxa reduzida as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico. 

3.2.4.9. É possível, assim, concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que por contrato sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 127.º do Código Civil) mas, tão só, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana. 

3.2.4.10. Não definindo o legislador fiscal nem o legislador urbanístico o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito e, por si, a verificação deste requisito de reconhecimento do direito ao benefício, tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, para o qual a verba 2.23 nos remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar. 

3.2.4.11. Dispõe a esse propósito o artigo 2.º, alínea j) do RJUR, que “ Reabilitação urbana” é «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios». 

3.2.4.12. Começa, pois, a ganhar consistência o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6% , tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana. 

3.2.4.13. É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da Verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que: - a reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos, delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º]; (…)

3.2.4.14. Como se diz no acórdão recorrido, invocando o julgamento proferido no processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Primeira, «só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto» (…). Segunda, «o que ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16 da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).». 

3.2.4.15. Em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“ Simples” ou “ Sistemática”) de Reabilitação Urbana. 

3.2.3.16. Interpretação que sai reforçada pelo elemento teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objetivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização.

 3.2.3.17. Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção politica, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje «uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objetivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna». ( § 1 do referido preâmbulo). 

3.2.3.18. Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para «cinco grandes desafios», destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infraestruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos atores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana». 

3.2.3.19. Elegeu-se como objetivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objetivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução. Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspetos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. (…) 

3.2.3.20. Ficou ainda exarado no mesmo preâmbulo, que «O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva área de reabilitação urbana.». 

3.2.3.21. Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, «regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.». 

3.2.3.22. Passa a permitir-se «que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respetiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objectivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora. 

3.2.3.23. “Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana. No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objetivo a reabilitação urbana de uma área. No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, com os objetivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano.». 

3.2.3.24. «Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele acto a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O acto de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.». 

3.2.3.25. Em suma, resulta, a nosso ver de forma expressiva, do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objetivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade ( ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual ( que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objetivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objetivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar. 

3.2.3.26. Só tendo presente esta intencionalidade e objectivos faz sentido a norma excepcional do artigo 18. Al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na 

ausência desta contextualização a atribuição daquele beneficio e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria, em nosso entender, de duvidoso conforto constitucional.

(…)

3.2.4.28. Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na Verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições constitui, tão só, o cumprimento da lei. (...)

(...)

3.2.4.32. Concluindo e uniformizando jurisprudência: - Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana; A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.”

No mesmo sentido, em momento já posterior ao supra citado acórdão de uniformização de jurisprudência a nível arbitral encontramos decisões similares como é o caso ao decisão arbitral nº 1291/2024-T.

O Tribunal Arbitral, manifesta a sua concordância com o acórdão de uniformização de jurisprudência.

No caso dos autos, apesar de existir ARU devidamente delimitada e publicada no Diário da República aviso nº 7345/2020 de 06.05.2020, não foi aprovada ORU em data anterior à realização da empreitada de reabilitação urbana, pelo que não poderia a empreitada usufruir da taxa de 6% da Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. 

Sem prejuízo do que acaba de se concluir, sempre se diga, quanto aos efeitos jurídicos de aprovação de uma ORU para a Cidade de Vila Nova de Gaia em momento posterior à empreitada de reabilitação urbana, como segue.

Antes de mais, devemos ter em consideração que a Requerente não indicou como causa de pedir no PPA a existência de ORU, a sua possível aprovação ou a aprovação em data posterior à empreitada de reabilitação urbana.

Toda a sua argumentação jurídica cingia-se exclusivamente à desnecessidade de aprovação de ORU para efeitos da aplicação da taxa reduzida de IVA de 6% à luz da verba 2.23 da lista I anexa ao código do IVA, por via da alínea a) do nº1 do artigo 18º.

O Código de  Procedimento e Processo Tributário (CPPT) aplicável aos presentes autos via aliena a) do nº1 do RJAT, não tem norma própria sobre a ampliação e alteração da causa de pedir, dispondo apenas no artigo 108.º do CPPT relativamente aos requisitos da petição inicial que:

1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.

2 - Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efetuar pelos serviços competentes da administração tributária.

3 - Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.

Por sua vez o Código de Processo Civil (também aplicável via al. e) do nº1 do RJAT) no artigo 264º, sob a epígrafe de “Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo” estabelece que: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.”

Conforme refere Jorge Lopes de Sousa “ A indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao ato impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120 .° do CPPT. Este entendimento, que tem vindo a ser adotado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268.° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.°1 deste art. 108.º do CPPT).”[2]

Entende o Tribunal que aprovação posterior de uma ORU, enquanto facto não alegado no PPA, constitui uma alteração da causa de pedir, em violação do princípio da estabilidade da instância (art. 268.° do CPC) e do ónus imposto à Requerente de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.°1 deste art. 108.º do CPPT). 

Nestes  termos este facto não pode ser tido em consideração pelo Tribunal Arbitral.

 

De qualquer das formas também mencionar que o acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo processo nº12/24.9.BALSB de 26 de março de 2025 refere:

“I - Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as “empreitadas de reabilitação urbana”.
II - A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.”

 

Pelo que é claro da jurisprudência uniformizada que a taxa reduzida de IVA de 6% à luz da verba 2.23 da lista I anexa ao código do IVA, por via da alínea a) do nº1 do artigo 18º, pressupõe antes da realização de empreitada de reabilitação urbana, uma ORU aprovada previamente, para essa ARU, o que não é caso, desde logo na justa medida em que temos faturas de 2023 (vide doc nº6 junto ao PPA) enquanto que a ORU que a Requerente veio mais recentemente invocar foi publicada em Diário da República em 01.10.2025.

 

Pelo exposto, este Tribunal arbitral conclui pela improcedência do PPA da Requerente (improcedendo o pedido de anulação das liquidações impugnadas, improcedem os demais pedidos, daquele dependentes).

 

VII. Decisão

Termos em que se decide julgar totalmente improcedente o PPA

 

VIII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 368.995,90 (trezentos e sessenta e oito mil  novecentos e noventa e cinco euros e noventa cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

IX. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 6.120,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos processos de Arbitragem Tributária.

Dado que o PPA foi julgado improcedente são as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo na totalidade à Requerente

 

 

Lisboa, 3 de novembro de 2025

 

Os Árbitros

 

 

 

___________

(Victor Calvete – Presidente, com voto de vencido)

 

 

       ______________________

(Sofia Ricardo Borges - Adjunto)

 

 

 

___________________________

(António Cipriano da Silva, Adjunto e Relator)

 

Vencido. Não está em causa o acatamento da decisão uniformizadora do STA, muito embora não subscreva o que a decisão escreve sobre esta (“O Tribunal Arbitral, manifesta a sua concordância com o acórdão de uniformização de jurisprudência.”), por tal declaração ser irrelevante (não compete ao Tribunal concordar ou não, mas sim aplicar a jurisprudência uniformizada), não corresponder ao que penso (que ficou consignado na decisão do Proc. n.º 181/2024-T – onde, designadamente, notava que a própria AT já tinha corrigido a sua interpretação em resultado da alteração introduzida na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA pela Lei n.º 56/2023, de 6 de Outubro, como o demonstravam: i) o Ofício-Circulado n.º 25003, de 30 de Outubro de 2023, em que, tendo em conta a nova redacção dessa verba, se escrevia o seguinte (destaque aditado): “A redação atual diverge da anterior na medida em que as operações agora abrangidas deixam de estar sujeitas à existência de uma “operação de reabilitação urbana” aprovada nos termos do Decreto-Lei n.º 307/99, de 23 de outubro (aprova o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana).”; e ii) a Informação Vinculativa do Processo 26631, com despacho de 30 de Agosto de 2024, em que se escrevia o seguinte (destaque e sublinhado aditados): “a aplicação da taxa reduzida, por enquadramento nesta verba com a nova redação,  não está sujeita à existência da operação de reabilitação urbana aprovada.”). 

Como já o fiz na decisão do Proc. n.º 1292/2024-T, acataria sem reserva a nova jurisprudência obrigatória se a entendesse aplicável ao caso. Acontece que, tendo a aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) ocorrido durante a pendência dos autos (tal como a sua publicação no jornal oficial – como comprovado pela junção do aviso referido no ponto 12 do Relatório), fui da opinião de que este caso exigia um tratamento diferente. 

No meu entendimento, não obstante o segmento uniformizador do Acórdão do STA de 26 de Março de 2025, determinar que “A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana” (e o segmento destacado foi determinante para a tese que fez vencimento), tal decisão foi nisso substancialmente inovadora, na medida em que, antes dela, os agentes económicos (e os decisores autárquicos – e, como referido, a própria AT desde Outubro de 2023) estavam convencidos de que uma ORU aprovada num prazo de 3 anos após a delimitação da área de reabilitação urbana (ARU) ainda permitiria fruir no ínterim dos benefícios fiscais autárquicos e estaduais. Pareceu-me, portanto, um contra-senso (e violador dos princípios da confiança e da segurança jurídica ínsitos no princípio do Estado de Direito - artigo 2.º da CRP) aplicar para passado a jurisprudência uniformizadora e não aplicar para o mesmo passado a publicação em Diário da República da ORU

 

Victor Calvete

 



[1] Transcreve-se a transcrição feita pela Requerente:

A delimitação de uma área de reabilitação urbana: (…)

b) Confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural.

[2] Jorge Lopes de Sousa – “ Código de Procedimento e Processo Tributário”. 6º edição, 2011, pp.209.