SUMÁRIO:
No caso das instalações de um operador abrangidas por um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE), ainda que tenham que tenham optado pela exclusão voluntária do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), aplica-se, em 2021, o pagamento de uma taxa correspondente a 5 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO (índice 2), constante da Lei de Orçamento do Estado, o qual assume um carácter excecional e temporário.
DECISÃO ARBITRAL
A Árbitra Ana Rita do Livramento Chacim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 08.05.2025, decide no seguinte:
I. RELATÓRIO
1.1.A..., LDA., titular do número de identificação de pessoa coletiva ... e sede na Rua ..., n.º..., ...-... Maia (doravante “Requerente”), vem, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e dos 10.º e seguintes, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por “RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributaria e Aduaneira (doravante designada de “Requerida” ou “AT”), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à decisão de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao ato de liquidação de imposto especial de consumo (taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2), e respetivos juros compensatórios, no âmbito do processo OI2023..., instaurado pela Alfândega de Leixões, com o registo de liquidação n.°..., de 11.03.2024, no montante global de €29.439,37.
1.2.Do Pedido
O Requerente deduziu o pedido de pronúncia arbitral peticionando a apreciação da legalidade da liquidação já identificada, concretizando a final o seu pedido:
«Termos em que se requer a V. Ex.ª a constituição de Tribunal Arbitral, ao qual se pede pronúncia arbitral sobre o indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação do imposto especial de consumo (taxa de adicionamento sobre as emissões de CO2), com o registo de liquidação n.°..., requerendo-se que: a) Determine a ilegalidade e consequentemente a anulação da liquidação n.°..., de 11.03.2024, bem como a liquidação dos juros compensatórios, com todas as legais consequências daí advenientes, nomeadamente a condenação da Requerida a devolver o montante de € 29.439,37 (vinte e nove mil quatrocentos e trinta e nove euros e trinta e sete cêntimos) indevidamente tributado à Requerente e por esta pago; b) na medida dos pedidos anteriores, condene a Entidade Requerida no pagamento das custas do processo, c)assim como no pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, nos termos legais, tudo com as demais consequências legais.»
1.3.Tramitação Processual
1. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 26.02.2025 pelo Presidente do CAAD e notificado à AT nos termos regulamentares.
2. Em 13.03.2025 a Requerente juntou aos autos os documentos que no PPA protestou juntar, incluindo a troca de emails e a cópia do relatório da ação inspetiva instaurada à Requerente pela Alfândega de Leixões em 2021.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico, designou a árbitra do Tribunal Singular, aqui signatária, que comunicou a sua aceitação, nos termos legalmente previstos.
4. Em 15.04.2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea c), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Desta forma, o Tribunal Singular foi regularmente constituído em 08.05.2025, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio.
6. Por despacho arbitral de 09.05.2025, foi cumprido o disposto no artigo 17.º do RJAT, tendo a Requerida sido notificada para apresentar a sua Resposta e juntar o processo administrativo.
7. A 06.06.2025 a AT apresentou a sua Resposta, juntando aos autos o respetivo processo administrativo, concluindo pela improcedência do pedido arbitral, pela legalidade e manutenção dos mesmos na ordem jurídica.
8. A 10.07.2025 a AT vem apresentar o despacho que procede à substituição dos juristas designados.
9. Por despacho de 16.10.2025 proferido pela Presidente do presente Tribunal Arbitral, a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada nos termos seguintes:
«1. À luz dos princípios da autonomia que regem o processo arbitral (artigo 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária- RJAT) e do princípio da livre condução do processo a que se refere o artigo 19.º do RJAT), dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a produção de alegações, determinando-se o prosseguimento do processo.
2. Entende este tribunal que as questões que subsistem são essencialmente de direito. Nos termos do art. 393.º do Código Civil, havendo documentos, a prova testemunhal teria necessariamente de cingir-se à interpretação do contexto desses documentos, não podendo incidir nos factos que esses documentos provam. (…).»
10. Na sequência do despacho nada foi acrescentado ou requerido.
II. POSIÇÃO DAS PARTES
2.1. POSIÇÃO DA REQUERENTE
A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alegou o seguinte:
11. Sendo uma sociedade comercial cujo objeto social é a importação e a comercialização de carvões, dedicando-se, em concreto, à importação a granel de hulha, coque de fundição e carvão de forja, procedendo ainda à sua armazenagem e comercialização, a Requerente, introduziu em território nacional, proveniente de outros estados-membros, no exercício de 2021, hulha destinada a ser fornecida à empresa B...– ....
12. As correspondentes declarações foram emitidas ao abrigo da isenção 1P14 – Combustíveis Industriais CELE e ARCE, uma vez que as instalações da B... - ... se encontravam (e encontram) abrangidas pelo Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE).
13. Explica que, a partir de 01.01.2021, a referida B..., em ..., optou por deixar de estar abrangida pelo CELE – conforme faculdade que lhe é legalmente conferida pelo Decreto-Lei n.º 12/2020, de 6 de abril, por preencher as respetivas condições - e estabeleceu um ARCE (Acordo de Racionalização de Consumos Energéticos) com a DGEG (Direção Geral de Energia e Geologia), pelo que passou a estar abrangida igualmente pela exclusão opcional prevista no referido CELE.
14. Nesse mesmo ano de 2021, a Requerente foi sujeita a uma ação inspetiva levada a cabo pela Alfândega de Leixões (Processo OI2021..., Ação Inspetiva...). Tendo a Requerente protestado juntar aos autos todos os documentos relativos à ação inspetiva em questão (2021), com interesse para a matéria controvertida, a mesma fê-lo na sequência da constituição do presente Tribunal Arbitral, tendo anexo as trocas de e-mails com a AT a que aludiu, e a cópia do relatório da ação inspetiva instaurada à Requerente pela Alfândega de Leixões em 2021.
15. Esclarece, neste âmbito, que a AT foi questionada sobre a matéria em concreto, não tendo a Requerente obtido resposta, salientando ainda a omissão do relatório da ação inspetiva. Assim, pela ausência de pronúncia da AT e não tendo a Requerente sido objeto de qualquer liquidação adicional neste âmbito, alega que a AT terá validado a sua atuação, fazendo-a crer que estava a agir em conformidade com a lei, e criando-lhe a convicção de que poderia continuar a emitir as declarações correspondentes aos fornecimentos efetuados às instalações da B...– ..., ao abrigo da isenção 1P14 – Combustíveis Industriais CELE e ARCE.
16. No início de 2022, e ainda na pendência da ação inspetiva instaurada à Requerente, na qual fora suscitada a dúvida sobre a isenção que aplicara aos fornecimentos a tal instalação em 2021, a mesma entendeu, por uma questão de salvaguarda, declarar a introdução no consumo com o código adicional 1679 as DIC..., de 17.01.2022, 22DIC..., de 17.01.2022, e 22DIC..., de 19.01.2022, enquanto não houvesse uma conclusão cabal sobre a aplicabilidade da isenção.
17. Refere que tal ação inspetiva veio a ser arquivada, considerando que a isenção era aplicável, nada sendo, pois, liquidado à Requerente a este título no âmbito da mesma. Pelo que a Requerente ficou absoluta e definitivamente convencida de que a isenção que tinha aplicado aos fornecimentos da instalação da B...- ..., através das correspondentes declarações ao abrigo da isenção 1P14 – Combustíveis Industriais CELE e ARCE, estava corretamente aplicada.
18. Em 12.09.2023, a Alfândega de Leixões iniciou nova ação de natureza fiscalizadora à Requerente. Alega aqui que a subsequente ação inspetiva instaurada pela Requerida, que culminou na liquidação que ora se impugna, gerou o maior espanto à Requerente, sendo passível de configurar uma situação de abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por parte da Requerida.
19. Em 05.12.2023, a AT, alegando dificuldades interpretativas, resultantes nomeadamente, da alteração ao artigo 92º-A do CIEC, e das disposições incluídas na Lei do OE 2021, comunicou à aqui Requerente que, tendo sido suscitada superiormente a dúvida em questão, «(…) nestes casos de exclusão opcional do regime CELE e subsequente estabelecimento de um ARCE com a DGEG e enquanto se mantiver tal situação, deverão ser seguidas as regras previstas para as instalações abrangidas por um ARCE, resultantes da conjugação da alínea f), do n.º 1 do artigo 89.º do CIEC com as regras da disposição transitória relativas a essas mesmas instalações, ou seja, deve-se aplicar a isenção das taxas unitárias de ISP e sujeição à percentagem da taxa de Adicionamento sobre as emissões de CO2, conforme previsão das disposições das Leis do OE (…)».
20. Nesta sequência, a Alfândega de Leixões emitiu o Projeto de Relatório de Inspeção Aduaneira, datado de 19.01.2024, do qual a Requerente seria notificada para, querendo, exercer o seu direito de audição relativamente ao mesmo. Com base no referido entendimento, a AT conclui que «Assim sendo, a introdução no consumo da hulha com isenção total constitui uma introdução irregular no consumo, facto que constitui contraordenação tipificada epunível na alínea do n.º 1 do art.º 96º conjugado com o n.º 1 do art.º 109º do RGIT.»
21. A Requerente exerceu o seu direito de audição em 07.02.2024, tendo sido notificada em 06.03.2024 do Relatório final de Inspeção, no qual a AT manteve as conclusões.
22. Tendo a Requerida emitido a liquidação no valor total de € 29.439,37, a Requerente procedeu ao respetivo pagamento (25.03.2024) e submeteu a competente reclamação graciosa contra o ato de liquidação de imposto especial de consumo (adicionamento sobre emissões de CO2) em 15.07.2024, tendo sido notificada do seu indeferimento, com o qual não se conforma.
23. Alega:
a) a incompetência da Alfândega de Leixões para proceder à ação inspetiva que acabou por dar origem à liquidação em causa, sendo por isso um ato contrário à lei e, logo, nulo. Clarifica que não está em causa que a Requerente esteja sujeita aos controles aduaneiros previstos no âmbito do Estatuto de Destinatário (cf. artigo 28.°, n.º 3, do Código dos IEC), mas sim o facto de na Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, as alfândegas terem as competências que lhes são atribuídas pelo artigo 37.º do referido diploma, em concreto, “Assegurar a liquidação e cobrança «a posteriori» dos direitos aduaneiros, impostos especiais de consumo e demais imposições que se mostrem devidas na sequência das atividades de natureza fiscalizadora e inspetiva realizadas pelos serviços antifraude aduaneira em relação às empresas e demais contribuintes que tenham a sua sede na área de jurisdição da respetiva alfândega, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 35.º;” (artigo 37.º, n.º1, al. j)]. Pelo que a Alfândega de Leixões não tinha, efetivamente, competência para levar a cabo a ação inspetiva que deu origem à liquidação do imposto em causa.
b) sem prescindir, entende que as operações em causa não estavam sujeitas à taxa do Adicionamento sobre as emissões de CO2, uma vez que as instalações da B..., por se tratar de instalações abrangidas pelo CELE, “incluindo as abrangidas pela exclusão opcional prevista no CELE”. Conclui a Requerente que a letra da lei é clara e inequívoca no sentido de que o referido adicionamento não se aplica a nenhuma instalação abrangida pelo CELE, incluindo as que se encontram abrangidas pela exclusão opcional naquele prevista, sendo esse precisamente o caso da instalação da B... . Refere que, em resposta a um email da Alfândega de Leixões (em 20.01.2022) entendeu que, resultava textualmente do artigo 389.º, n.º12 da Lei 75-B/2020, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, que "Aos produtos (…) utilizados em instalações abrangidas pelo comércio europeu de licenças de emissão (CELE), incluindo as abrangidas pela exclusão opcional no CELE, não se aplica a taxa de adicionamento sobre emissões de CO2", tendo sido igualmente juntos elementos informativos divulgados pela Agência Portuguesa do Ambiente, I. P. (APA) - autoridade nacional competente no âmbito desta matéria.
24. Refere que os contribuintes não podem ser penalizados pela confusão e falta de harmonização de entendimentos dentro da AT, pelo que, mesmo que se entendesse que o parecer emitido por aquela (DSIECIV), era vinculativo, ainda assim apenas poderia o respetivo conteúdo vincular os contribuintes a partir de 10.11.2023 (data da sua emissão).
25. Conclui que: se a liquidação apreciada na reclamação graciosa indeferida viola a lei, encontrando-se ferida de ilegalidade, por erro na aplicação do Direito, devendo em consequência ser anulada do qual resultou pagamento em quantia superior à devida (no caso, não devida) e, sendo tal erro imputável aos Serviços, que praticaram os atos de liquidação em violação da lei, são devidos, por aquela, juros indemnizatórios à Requerente.
2.2. POSIÇÃO DA REQUERIDA
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua Resposta na qual, em substância, alegou o seguinte:
26. Refere, em síntese, que em 2021, a Requerente foi objeto de ação da natureza fiscalizadora n.º OI2021..., que teve início em 21.09.2021, e abrangeu o período compreendido entre 01.01.2018 e 21.09.2021.
27. As conclusões daquela ação de natureza fiscalizadora, de onde não resultaria qualquer menção ao regime de Comércio Europeu das Licenças de Emissão de Gases com Efeito de Estufa (CELE), nem qualquer questão associada àquele regime, foram as seguintes:
“Da ação inspetiva realizada foi possível concluir que a empresa “A..., Lda., NIF ..., possuidora do estatuto de destinatário registado desde 26/10/2010, para adquirir no mercado intracomunitário, em suspensão de imposto, produtos sujeitos a ISP, essencialmente carvões, recebeu em território nacional produtos sujeitos a imposto sobreprodutos petrolíferos e energéticos (ISP) provenientes do mercado comunitário, sem que tenham sido cumpridas asformalidades de introdução no consumo previstas na alínea b), nº 3, artigo 28º CIEC, pelo que foi apurada dívida novalor de 835,19€, e dos correspondentes juros compensatórios no montante de 67,73€ o que perfaz a quantia total de 902,92€.”
28. Em 2023, a Requerente foi objeto de outra ação de natureza fiscalizadora, a OI2023..., subjacente à liquidação ora contestada, que teve início a 12.09.2023, com a realização de visita às instalações da Requerente. De acordo com o referido no Relatório de Inspeção, a Requerente fornece hulha [produto com incidência objetiva de ISP, nos termosdo artigo 88.º, n.º 2, alínea b) do CIEC] ao cliente C..., S.A., (NIF...), o qual explora duas instalações distintas, ondeconsome a referida hulha, a saber:
- Instalações de... – <B... (Rua ... ...-... ...);
- Instalações de ...– C... (Rua ... ...-... ...).
29. As instalações de...– D...encontram-se sujeitas ao regime de CELE para o período 2021-2030, conforme Título de Emissão de Gases de Efeito de Estufa (TEGEE). Sendo que, para as instalações de B...– ..., o cliente da Requerente solicitou exclusão do regime de CELE, para o período 2021-2025.
30. Em março de 2021, a AT recebeu comunicação da DGEG, informando que, nos termos do artigo 8.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 71/2008. de 15 de abril, foi estabelecido um Acordo de Racionalização dos Consumos de Energia (ARCE) com o operador C..., S.A., no que se refere à instalação de ... (B...) “Desta forma e nos termos do n.º 2 doartigo 11.º do citado Decreto-Lei, deverá a Autoridade Tributária e Aduaneira proceder ao reconhecimento da isenção do ISP, notificando o operador explorador da referida instalação.”
31. Em 12.09.2023, aquando do início da ação de natureza fiscalizadora nº OI2023... realizada pela Alfândega de Leixões e no período analisado por esta (22-09-2021 a 12-09-2023) e da qual resultou a liquidação agora em litígio, as instalações de... –B..., encontravam-se: i) excluídas opcionalmente do regime CELE; e ii) sujeitas a um ARCE (OP2107), ao abrigo do qual havia sido reconhecida ao operador C..., S.A. a isenção de ISP para os produtos consumidos em instalações abrangidas por um ARCE.
32. Em sentido contrário à Requerente, entende a AT que «(…) aquela instalação beneficia de isenção de ISP, mas está sujeita à percentagem da taxa do Adicionamento sobre as emissões de CO2, conforme previsão das disposições das Leis do Orçamento de Estado de 2021, 2022, 2023, aplicando-se as regras ARCE. Em razão da errada invocação de isenção total aquando da apresentação das e-DIC’s, a receita em sede de Adicionamento sobre as Emissões de CO2 foi afetada para menos em 27.960,10€ (a que se acrescem juros compensatórios).».
33. Sobre a alegada incompetência da Alfândega de Leixões para realizar “a ação inspetiva”, defende que, de acordo com o artigo 37.º, n.º1, alínea r), da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, compete às Alfândegas elaborar e executar programas de ação de controlo de natureza fiscalizadora em conformidade com o estabelecido no plano referido na alínea h) do n.º 2 do artigo 20. º e efetuar ações de carácter imediato, bem como ações de natureza inspetiva desde que superiormente determinadas. Ora, resulta da leitura do “Relatório de Inspeção”, que a natureza do procedimento externo efetuado é a de uma ação de natureza fiscalizadora (ANF) – pontos II.1 e II.2. do Relatório, relativamente aos objetivos, âmbito, e incidência temporal do procedimento – pelo que, a ação de natureza fiscalizadora subjacente à liquidação ora contestada, encontra-se dentro do âmbito de competências da Alfândega de Leixões, nos termos da referida norma; por outro lado, a definição de “procedimento de inspeção tributária”, nos termos do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), o “procedimento de inspeção tributária”, é definido como o procedimento que inclui a verificação do cumprimento das obrigações tributárias e a prevenção das infrações tributárias.
34. Conclui, pois, pela total improcedência do pedido e pela legalidade dos atos impugnados, entendendo, em consequência, que não se mostram preenchidos os pressupostos legais que conferem, ao Requerente, o direito ao recebimento de juros indemnizatórios, não tendo ficado demonstrada a existência de qualquer erro imputável aosserviços. Refere ainda que, e por outro, temos a definição de “procedimento de inspeção tributária”, nos termos do RCPITA, no âmbito da qual se incluem aqueles dois tipos de controlo.
III. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído, é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral, tendo em vista as disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, n.ºs. 1 e 3 ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, estando ambas regularmente representadas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
Não foram suscitadas exceções, nem se verificam nulidades.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
Cumpre apreciar e decidir.
IV. MATÉRIA DE FACTO
FACTOS PROVADOS
Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre atender aos seguintes factos que se julgam provados:
a. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que desenvolve a sua atividade no comércio por grosso de combustíveis sólidos, líquidos e gasosos, não derivados de petróleo (CAE 476812), sendo titular do Estatuto de Destinatário Registado – facto não controvertido;
b. Na sequência do despacho de 4.03.2021, comunicação da DGEG à AT para efeitos de reconhecimento da isenção de ISP, nos termos do artigo 8.º. n.º8, e para efeitos do artigo 11.º, n.º2, ambos do Decreto-Lei n.º 71/2008, de 15 de abril – cf. cópia junta à Resposta como Documento 2;

c. Para as instalações de B...–..., foi solicitada a exclusão do regime de Comércio Europeu das Licenças de Emissão de Gases com Efeito de Estufa (CELE), para o período 2021-2025 – facto não controvertido;
d. Notificaçao do relatório final de inspeção, referente ao período entre 01.01.2018 e 21.09.2021 (Ordem de Serviço n.º OI2021..., de 23.07.2021), através do ofício n.º 2024..., de 07.03.2024, da Alfândega de Leixões (AT) - cf. cópia junta como Doc 5;
e. Em 2023, a Requerente foi objeto de uma ação de natureza fiscalizadora, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2023... (12.06.2023), a qual teve início legal no dia 12.09.2023 - cf. cópia constante do PA;





f. Em 24.01.2024, notificação do projeto de relatório de inspeção aduaneira (n.º OI2023...) para, querendo, exercer o direito de audição – cf. cópia junta como Doc 3;
g. Apresentação de direito de audição prévia do projeto de relatório de inspeção aduaneira (assinado em 07.02.2024) - cf. cópia junta como Doc 4;
h. Notificaçao do relatório final de inspeção, através do ofício n.º 2024..., de 07.03.2024, da Alfândega de Leixões (AT) - cf. cópia junta como Doc 5;
i. Notificação da liquidação, para pagamento do montante em dívida referente ao Adicionamento sobre emissões de CO2 (Registo de Liquidação n.º 2024/..., de 11.03.2024), pelo ofício n.º 2024..., de 13.03.2024, da Alfândega de Leixões - cf. cópia constante do PA , cópia do DUC junta como “DUC liquidação”- tendo a mesma sido paga em 25.03.2024 – facto não controvertido;
j. Apresentação de Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de imposto especial sobre o consumo (adicionamento sobre as emissões de CO2), no valor de € 29.439,37, em 15.07.2024 - cf. cópia constante do PA e junta como Doc 6;
k. Notificação pelo ofício n.º 2024..., de 25.10.2024, da Alfândega de Leixões, do projeto de decisão da Reclamação Graciosa – cf. cópia junta como Documento n.º 7;


l. Notificação pelo ofício n.º 2024..., de 21.11.2024, da Alfândega de Leixões, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, remetendo-se para os fundamentos da decisão de indeferimento constantes do ofício n.º 2024..., de 25.10.2024 (ponto anterior da matéria de facto) - cf. cópia junta como Documento n.º 8;
m. O pedido de pronúncia arbitral foi efetuado no dia 24.02.2025 e aceite em 26.02.2025.
FACTOS NÃO PROVADOS
Com pertinência para a apreciação do mérito, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto assenta na prova documental junta aos autos pelas Partes. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT.
O Tribunal formou a sua convicção, quanto à factualidade dada como provada, com base nos documentos juntos ao Pedido e no processo administrativo junto pela Autoridade tributária com a Resposta. Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
V. MATÉRIA DE DIREITO
Considerada a matéria controvertida no presente processo arbitral tributário, e as posições apresentadas pelas Partes, cumpre indicar as questões a apreciar:
§ 1. Da alegada incompetência das alfândegas para a realização da ação inspetiva;
§ 2. Dos pressupostos legais subjacentes à isenção da taxa do Adicionamento sobre as emissões de CO2 no ano de 2021.
Determina o artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, que, na sentença, o tribunal apreciará em primeiro lugar os vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado.
§ 1. Da alegada incompetência das alfândegas para a realização da ação inspetiva
35. Entende a Requerente que, não estando em causa a sujeição aos controles aduaneiros previstos no âmbito do Estatuto de Destinatário (cf. artigo 28.°, n.º 3, do Código dos IEC), alega que, nos termos do artigo 37.º, n.º1, alínea j), (Competências das alfândegas) da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro, compete às alfândegas, “Assegurar a liquidação e cobrança «a posteriori» dos direitos aduaneiros, impostos especiais de consumo e demais imposições que se mostrem devidas na sequência das atividades de natureza fiscalizadora e inspetiva realizadas pelos serviços antifraude aduaneira em relação às empresas e demais contribuintes que tenham a sua sede na área de jurisdição da respetiva alfândega, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 35.º;” [nosso sublinhado]. Pelo que a Alfândega de Leixões não tinha, efetivamente, competência para levar a cabo a ação inspetiva que deu origem à liquidação do imposto em causa.
36. Contrapõe a AT com o enquadramento de que a ação se reconduz ao exercício das competências constantes do artigo 37.º, n.º1, alínea r), da Portaria n.º 320-A/2011, de 30 de dezembro: «r) Elaborar e executar programas de ação de controlo de natureza fiscalizadora em conformidade com o estabelecido no plano referido na alínea h) do n.º 2 do artigo 20.º e efetuar ações de caráter imediato, bem como ações de natureza inspetiva desde que superiormente determinadas;». [nosso sublinhado]
37. Da análise efetuada, resulta da leitura do “Relatório de Inspeção” – cf. ponto d. da matéria de facto - que a natureza do procedimento externo efetuado é a de uma ação de natureza fiscalizadora (ANF). Embora se encontre igualmente explícito que a realização da ação de natureza fiscalizadora tem como objetivo controlar os produtos sujeitos a imposto especial sobre o consumo adquiridos a estados- membros, conforme disposto na alínea artigo 37.º, n.º1, alínea j), da Portaria referida pela Requerente, entende este Tribunal que a recondução da ação de natureza inspetiva realizada, superiormente determinada, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2023..., pelo Senhor Diretor da Alfândega de Leixões, conforme artigo 46.º, n.º 1 e n.º 2 do RCIPTA, sofre o devido enquadramento («2 - Consideram-se credenciados os funcionários da Autoridade Tributária e Aduaneira munidos de ordem de serviço emitida pelo serviço competente para o procedimento ou para a prática do ato de inspeção ou, no caso de não ser necessária ordem de serviço, de cópia do despacho do superior hierárquico que determinou a realização do procedimento ou a prática do ato.»)
38. Pelo que se expõe, e atento o sentido do enquadramento que se indica, mostra-se verificada a competência para o exercício da ação de natureza inspetiva realizada pelas alfândegas (AT) identificada, improcedendo este invocado vício aduzido pela Requerente.
§ 2. Dos pressupostos legais subjacentes à isenção da taxa do Adicionamento sobre as emissões de CO2 no ano de 2021
39. Entende a Requerente que, com respeito às introduções no consumo de hulha para fornecimento ao cliente B...– ..., as mesmas não estavam sujeitas à taxa de Adicionamento sobre as emissões de CO2, pelo que facto de as instalações em questão (B...) estarem abrangidas pela exclusão opcional do regime CELE. Desta forma, deverá ser anulada a liquidação controvertida nos presentes autos, com o n.º 2024/..., de 11.03.2024, relativa à taxa de adicionamento sobre emissões de CO2 e juros compensatórios.
40. Em sentido contrário, e pugnando pela legalidade dos atos impugnados, entende a AT que «(…) aquela instalação [B...–...] beneficia de isenção de ISP, mas está sujeita à percentagem da taxa do Adicionamento sobre as emissões de CO2, conforme previsão das disposições das Leis do Orçamento de Estado de 2021, 2022, 2023, aplicando-se asregras ARCE. Em razão da errada invocação de isenção total aquando da apresentação das e-DIC’s, a receita em sede de Adicionamento sobre as Emissões de CO2 foi afetada para menos em 27.960,10€ (a que se acrescem juros compensatórios).».
Vejamos,
41. Nos termos do artigo 88.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código dos IEC, encontram-se sujeitos ao imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos (ISP), designadamente, os produtos petrolíferos e energéticos, qualificando-se como tal: (…) Os produtos abrangidos pelos códigos 2701, 2702 e 2704 a 2715; (…)», mostrando-se verificada a respetiva incidência sobre os produtos em causa.
42. Encontra-se incluído no «NC 2704 00 - Coques e semicoques, de hulha, de linhite ou de turfa, mesmo aglomerados; carvão de retorta» [nosso sublinhado; cf. Regulamento de Execução (UE) 2023/2364 da Comissão], prevendo o artigo 89.º, n.º 1, alínea f), do Código dos IEC que:
«1-Estão isentos do imposto os produtos petrolíferos e energéticos que, comprovadamente: (…)
f) Sejam utilizados em instalações sujeitas ao regime de comércio europeu de licenças de emissão de gases com efeitos de estufa (CELE), identificadas no anexo II do Decreto-Lei n.º 12/2020, de 6 de abril, ou a um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE), no que se refere aos produtos energéticos classificados pelos códigos NC 2701, 2702, 2704 e 2713, (…)». [nosso realce e sublinhado]
43. O Decreto-Lei n.º 71/2008, de 15 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 68-A/2015, de 30 de abril, estabelece o sistema de gestão do consumo de energia por empresas e instalações consumidoras intensivas, determinando a apresentação de um Plano de Racionalização do Consumo de Energia (PREn), com vista ao aumento global da eficiência energética. O PREn, quando aprovado pela DGEG, designa-se por Acordo de Racionalização dos Consumos de Energia (ARCE) – cf. artigo 8.º, n.º 8, do Decreto-Lei n.º 71/2008 de 15 de abril. O mesmo diploma estabelece que «O ARCE é comunicado pela DGEG à AT, com vista à instrução dos mecanismos de isenção previstos na legislação fiscal aplicável.» - cf. artigo 8.º, n.º 9, do Decreto-Lei n.º 71/2008 de 15 de abril. O que seria cumprido pela DGEG.
44. Sobre o respetivo enquadramento em sede de ISP, dispõe ainda o artigo 11.º (Isenção de ISP) do referido Decreto-Lei n.º 71/2008, de 15 de abril que,
«1 - Para efeitos de reconhecimento da isenção do ISP por parte da AT, esta entidade é notificada pela DGEG sobre a identificação do operador que explore uma instalação abrangida por um ARCE.
2 - A AT procede ao reconhecimento da isenção do ISP e notifica os operadores exploradores das referidas instalações da data a partir da qual a mesma produz efeitos ou da revogação da mesma, caso o operador explorador deixe de cumprir o estabelecido no número anterior.»
45. No que respeita ao regime do comércio europeu de licenças de emissão (CELE), esta matéria encontra-se regulada anível nacional, no Decreto-Lei n.º 12/2020, de 6 de abril, que transpõe a Diretiva (UE) 2023/959, de 10 de maio, que altera a Diretiva 2003/87/CE, de 13 de outubro (Diretiva CELE), relativa à criação de um sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na União, e na Decisão (UE) 2015/1814, relativa à criação e ao funcionamento de uma reserva de estabilização do mercado para o sistema de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa da União Europeia.
46. A Reforma da Fiscalidade Verde, consagrada na Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro, introduziu um Adicionamento de tributação aos produtos sujeitos ao ISP e deste não isento (Adicionamento sobre as emissões de CO2 - a denominada “taxa de carbono”). A estrutura do adicionamento, decorrente do artigo 92.º-A, n.º 4, do Código dos IEC, mantém assim definida a incidência da taxa de carbono por referência à incidência do próprio ISP, remetendo a determinação do valor para portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.
47. Resulta do referido artigo 92.º-A, n.º 6 (atualmente, n.º 7) que «Os produtos petrolíferos e energéticos suscetíveis de beneficiar da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º do Código dos IEC que sejam utilizados em instalações abrangidas pelo sistema CELE que tenham optado pela exclusão voluntária prevista neste regime estão isentos doadicionamento previsto neste artigo.”.
48. Ora, com respeito ao ano de 2021, dispunha o artigo 389.º, n.º 10 e 12, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro que:
«10 - Em 2021, os produtos petrolíferos e energéticos que sejam utilizados em instalações sujeitas a um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE), no que se refere aos produtos energéticos classificados pelos códigos NC 2701, 2702, 2704, 2713 e 2711 12 11, e ao fuelóleo com teor de enxofre igual ou inferior a 1 %, classificado pelo código NC 2710 19 61, são tributados com uma taxa correspondente a 5 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO(índice 2), prevista no artigo 92.º-A do Código dos IEC. (…)
12 - Aos produtos previstos nos n.os 4, 6, 8 e 10 utilizados em instalações abrangidas pelo comércio europeu de licenças de emissão (CELE), incluindo as abrangidas pela exclusão opcional prevista no CELE, não se aplica a taxa de adicionamento sobre as emissões de CO (índice 2).» [nosso sublinhado]
49. Em 2021, a Requerente considerou assim que o seu cliente (B...–...), tendo optado pela exclusão opcional do regime CELE, deveria ser-lhe aplicado o disposto no artigo 389.º, n.º 12, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
50. Atento o exercício da exclusão (opcional) do CELE (cf. artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 12/2020, de 6 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15 de dezembro) a C..., S.A. veio a estabelecer, relativamente às instalações de ... (B...–...), um ARCE com a DGEG, o que foi comunicado à AT por esta entidade e deu origem ao reconhecimento da isenção prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 89.º do Código dos IEC (resposta AT). – cf. pontos b. e c. da matéria de facto.
51. Suscita-se aqui a dúvida de saber se resulta das referidas disposições em matéria de produtos petrolíferos e energéticos, que os produtos consumidos em instalações abrangidas por um ARCE são tributados com uma percentagem da taxa do Adicionamento sobre as Emissões de CO2.
52. Da análise ao jurídico-tributário oportunamente descrito resulta, compreensivelmente, um conjunto de questões no que diz respeito à coexistência de mecanismos de natureza tributária e não tributária, enquanto instrumentos (ainda que diferentes) aptos a dar resposta ao problema das alterações climáticas causadas pelo aumento das emissões de CO2.
53. Reconhecendo a própria Requerida a existência de dúvidas interpretativas (pontos 99 e 105 da Resposta).
54. Não desconhecendo este tribunal o entendimento de que o ISP (a então CSR – Contribuição de Serviço Rodoviário) e o Fator de Adicionamento de CO2) constituem um imposto monofásico, não dotando este último de clara autonomia, resulta do quadro fiscal, bem como da própria norma orçamental em causa, uma diferente utilização do ISP e do adicionamento.
55. Resulta do exposto, e tem razão a Requerida quando refere que, estamos perante uma situação de incidência objetiva de imposto [já que a hulha, produto classificado na posição pautal 2701, constitui um produto sujeito a ISP, conforme resulta do artigo 88.º, n.º 2, alínea b) do CIEC], podendo existir (ou não) o benefício de isenção.
56. O artigo 89.º, n.º 1, alínea f), do Código dos IEC veio contemplar a isenção para os produtos utilizados em instalaçõessujeitas ao regime do CELE ou a um ARCE, no que se refere, entre outros, aos produtos energéticos classificadospelos códigos NC 2704.
a. Sendo que, nos termos do respetivo regime jurídico (Decreto-Lei n.º 71/2008), o ARCE é comunicado pela DGEG à AT, com vista à instrução dos mecanismos de isenção previstos na legislação fiscal aplicável, colocando-nos perante um benefício fiscal dependente de reconhecimento.
b. Também no caso das instalações sujeitas ao regime CELE, o reconhecimento da isenção prevista na mesma norma (artigo 89.º, n.º 1, alínea f), do Código dos IEC), se encontra depende do respetivo jurídico (Decreto-Lei n.º 12/2020, de 6 de abril, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 114/2021, de 15 de dezembro), comunicação por parte da APA à AT, de que determinado operador explora instalações sujeitas ao regime CELE e de qual o TEGEE (Título de Emissão de Gases com Efeito de Estufa) emitido.
57. Desta forma, não obstante a realização de ações inspetivas no exercício das competências legais atribuídas aos serviços da AT, perante benefícios fiscais dependentes de reconhecimento [artigo 5.º, n.º 1 “Benefícios fiscais automáticos e dependentes de reconhecimento”) do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), deve considerar-se o exercício dos poderes de fiscalização da AT (e das demais entidades competentes), para controlo da verificação dos pressupostos dos benefícios fiscais respetivos e aplicação do respetivo quadro legal.
58. Com respeito ao ano de 2021, encontra-se previsto um regime em sede de Lei de Orçamento do Estado, o qual assume um carácter excecional e temporário (artigo 106.º, n.º 1, da Constituição; artigo 14.º da Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro, aprova a Lei de Enquadramento Orçamental).
59. Decorre do referido regime [artigo 389.º, n.º 10, da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro] a previsão de pagamento de uma taxa correspondente a 5 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO (índice 2), prevista no artigo 92.º-A do Código dos IEC, no que respeita aos produtos petrolíferos e energéticos que sejam utilizados em instalações sujeitas a um acordo de racionalização dos consumos de energia (ARCE).
60. A presente norma, afasta em 2021 o quadro de isenção total do adicionamento no âmbito de um ARCE, prevendo-se um valor concreto de pagamento correspondente a 5 % da taxa de adicionamento sobre as emissões de CO (índice 2), prevista no artigo 92.º-A do Código dos IEC.
61. Cabe aqui notar que, a isenção referida no artigo 92.º-A, n.º 6 (atual n.º 7) do Código dos IEC, cuja redação acarreta compreensíveis dúvidas, contempla na previsão da norma uma remissão para os produtos e respetivas nomenclaturas que constam da alínea f) [do artigo 89.º, n.º 1, do Código dos IEC], não deixando. no entanto, de manter ausente da sua letra a existência de um ARCE.
62. Uma diferente interpretação implicaria um confronto com as exigências de determinação da lei fiscal pelo princípio da tipicidade legal[1] [2], numa decorrência do princípio da legalidade presente na Constituição da República Portuguesa [artigo 103.º, n.º 2, veículo da segurança e certeza do direito. tributário]. Sem que deixe de se considerar acarência de clarificação normativa pelo legislador, com uma tendencial complexificação da lei fiscal e da sua aplicação, suscitando a maior colaboração entre a AT e os contribuintes, não poderá deixar de se impor, no plano da legalidade tributária, uma avaliação feita com base nos elementos fornecidos pelo legislador.
63. Pelo que antecede, o pedido arbitral mostra-se improcedente, mostrando-se prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Requerente.
§ 4. Do pedido de reembolso e condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios
Face à improcedência do pedido principal, fica necessariamente prejudicado o pedido de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios.
VI. DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral;
b) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido de reembolso do imposto pago e de pagamento de juros indemnizatórios;
c) Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
VII. VALOR DA CAUSA
Fixa-se o valor do processo em €29.439,37 (vinte e nove mil, quatrocentos e trinta e nove mil euros e trinta e sete cêntimos), de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e artigo 306.º do Código de Processo Civil (CPC).
VIII. CUSTAS
O valor das custas é fixado em € 1.530,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), a cargo do Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2 do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4 e 5 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 30 de outubro de 2025
A Árbitra do Tribunal Arbitral
Ana Rita Chacim
[1] Sanches, JL Saldanha, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2ª Ed. (2002), pp. 32 e segs.
[2] Dourado, Ana Paula, O Princípio da Legalidade Fiscal – Tipicidade, conceitos jurídicos indeterminados e margem de livre apreciação, Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídico-Económicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Almedina (2007).