Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 535/2025-T
Data da decisão: 2025-10-23  IRC  
Valor do pedido: € 52.681,00
Tema: IRC – PER- Variação patrimonial e registo contabilístico. Inutilidade superveniente da lide e desistência.
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SUMÁRIO

I — Ocorre inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide quando, na pendência da instância, a resolução do litígio deixe de interessar seja em razão de desaparecerem o(s) sujeito(s) ou objecto do processo, seja por o Autor lograr satisfação fora do âmbito da instância.

II – Atendendo a que a Requerente desistiu do pedido relativamente ao segmento não revogado do acto de liquidação aqui sindicado, constitui-se aquele como responsável pelo pagamento das custas em função da parte reportada à desistência do pedido apresentado.

III - Na determinação do valor da causa atende-se exclusivamente à realidade processual existente no momento em que a acção é proposta sendo irrelevantes posteriores modificações dos elementos da instância (artigo 299.º do CPC).

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.     A..., S. A., adiante abreviadamente designada por A..., pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... BRAGA, sujeito passivo fiscal da área do Serviço de Finanças de Braga ... (...), doravante “ Requerente”, apresentoupedido de constituição de Tribunal Arbitral, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro(Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.     A Requerente tendo sido notificada da liquidação de IRC n.º 2025..., que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) contra si processou em 2025-01-29, pelo montante de € 52 681,81 (juros compensatórios incluídos no montante de € 6 463,03), a qual tem data limite de pagamento em 2025-03-24 – tudo conforme DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC, DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS e DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS de que se juntam cópias como docs. n.ºs n.º 1, 2 e 3; bem como a anulação da liquidação de juros que lhe está associada, pediu a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do aludido acto, solicitando a anulação dessa liquidação, com o consequente reembolso.

3.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.     O Conselho Deontológico designou a signatária como Árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

5.     As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 8.º do RJAT, e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

6.     O Tribunal Arbitral ficou constituído em 11 de Agosto de 2025; foi-o regularmente, e é materialmente competente.

7.     Por Despacho de 11 de Agosto de 2025, foi a AT notificada para, nos termos do artigo 17.º do RJAT, apresentar Resposta.

8.     A AT apresentou a sua Resposta em 30 de Setembro de 2025, juntamente com o Processo Administrativo.

9.     Na sua Resposta a AT veio, nos termos infra, concluir que o procedimento arbitral deveria ser julgado parcialmente improcedente, pelo que, em 30 de Setembro de 2025, exarou este Tribunal o seguinte Despacho

“Notifique-se a Requerente para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre a proposta da AT apresentada na sua Resposta, a saber - " deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado parcialmente improcedente por não provado nos termos acima peticionados, e, consequentemente, absolvida a Requerida igualmente nos termos acima peticionados, tudo com as devidas e legais consequências.", bem como se pretende prosseguir com os autos. “

10.  Em 20 de Outubro de 2025, este Tribunal, determinar que, “O processo não se mostra ser especialmente complexo no plano da tramitação processual, não são suscitadas excepções, nem há irregularidades a suprir.

O processo poderá ser apreciado com base na prova documental e não há quaisquer outras diligências que caiba realizar.

Assim, e em aplicação dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), e não havendo novos elementos sobre que as partes se devam pronunciar, dispensa-se a reunião do tribunal arbitral a que se refere o artigo 18.º desse Regime, bem como a apresentação de alegações escritas.

Indica-se o dia 3 de Dezembro de 2025 como data previsível para prolação da decisão arbitral, devendo até essa data a Requerente pagar a taxa de arbitragem subsequente.”

11.  Em 22 de Outubro de 2025, a Requerente veio invocar que a 10 de Outubro de 2025 juntou ao Processo por lapso em formato word um requerimento no qual manifestava o seguinte: “A..., S.A., Requerente nos autos à margem, notificada para se pronunciar sobre a proposta apresentada pela AT, vem dizer que aceita e, desta forma, concorda em não prosseguir os autos, com a consequente inutilidade superveniente da lide parcial imputável à Requerida e desistindo do pedido na parte restante.”, solicitando que o mesmo fosse admitido não obstante não ter sido recepcionado pelo sistema.

12.  Em 23 de Outubro de 2025, exarou este Tribunal Despacho a admitir a junção ao Processo do referido documento.

13.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.

14.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e a Requerente juntou procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

15.  O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1.     A Requerente é uma sociedade anónima com um capital social de 200.000,00€, constituída em 2010-07-29, então com a designação B..., SGPS, S.A., detendo 50% do capital social da sociedade C... Lda. (NIPC ...).

2.     A Requerente possui actividade principal no ramo de Actividades das sedes sociais – CAE 70100 e objecto social actividade de consultoria para os negócios e a gestão, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários.

3.     O pedido de pronúncia arbitral (PPA) tem por objecto o acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2025 ..., de 2025.01.29 (estorno da liquidação de IRC n.º 2021...) e respectivos juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2020, consumados na nota de acerto de contas n.º 2025... de 2025.02.03, da qual resultou o valor a pagar de €52.681,81.tendo sido notificada da liquidação de IRC n.º 2025..., que a AT contra si processou em 2025-01-29, pelo montante de € 52 681,81 (juros compensatórios incluídos no montante de € 6 463,03), a qual tem data limite de pagamento em 2025-03-24 – tudo conforme DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE IRC, DEMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS e DEMONSTRAÇÃO DE ACERTO DE CONTAS de que se juntaram cópias como docs. n.ºs n.º 1, 2 e 3; 

4.     Este valor não foi pago pela Requerente, tendo sido instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2025... .

5.     O acto tributário em causa decorre do procedimento inspectivo externo ao período de 2020 da Requerente, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2024..., de âmbito parcial (IRC e IVA), cujos termos correram junto dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Braga, e do qual resultaram correcções ao resultado tributável declarado, no montante de €275.579,46, alterando o resultado tributável declarado de prejuízo fiscal de 17.383,00€ para um lucro tributável corrigido de 258.196,41€ e matéria colectável de € 223.621,82, conforme RIT que foi notificado à Requerente em 2025-01-18, conforme ofício junto como doc. n.º 4 na Resposta. 

6.     A sociedade C... Lda., participada em 50% pela Requerente, submeteu-se a Processo Especial de Revitalização (PER)  (proc. n.º .../19....T8VNF), no âmbito do qual veio a ser aprovado e homologado, no ano de 2020, um plano destinado à sua recuperação económico-financeira (vide capítulo IV. do RIT), o qual implicou a reestruturação do passivo, quer quanto aos montantes em dívida, quer relativamente aos prazos de pagamento, conforme se comprova pelos documentos juntos como Anexo 1 ao RIT (cf. páginas 107 a 112 do processo administrativo, adiante PA). 

7.     A referida acção de inspecção externa decorreu do cruzamento de informação, visando averiguar o tratamento contabilístico associado ao perdão de dívida no âmbito do referido Processo Especial de Revitalização da sociedade C..., Lda. (II.1 do RIT).

8.     Como se refere no RIT (cf. ponto IV do mesmo):

 

 

 

 

 

 

 

 

9.     Em conformidade com a sentença homologatória do PER da C..., Lda, transitada em 2020.02.12, a alegada dívida não existe, restando apenas um crédito residual de €3.870,80, após redução de 97,5% do valor reclamado (€154.831,89), conforme lista de créditos do Anexo 2; o plano foi aprovado por 92,99% dos credores votantes (94,92% do total), com voto favorável do Sujeito Passivo (Anexo 4). (vide página 168 do PA).

10.  Por despacho de 10-09-2025, da Subdirectora-geral da Área de Imposto, para que se remete e se dá aqui por reproduzido, e cuja cópia a AT junta como documento n.º 2, foi entendido, em síntese, o seguinte: «30. No âmbito do procedimento inspetivo conduzido ao abrigo da OI2024..., os serviços de inspeção constataram que, em 2020, a Requerente adquiriu, no âmbito de um PER, o direito ao recebimento de 2,5% de um crédito que não se encontrava refletido na sua contabilidade, encontrando-se, porém, contabilizada uma dívida a favor do alegado credor no montante de €271.708,66. 

31. Conforme o exposto na presente informação, face à ausência de elementos probatórios suficientes que nos permitam afirmar, com segurança, que a dívida contabilizada no passivo da Requerente não corresponde a uma obrigação real ou efetiva a 31-12-2020, não é possível acolher a correção promovida pelos SIT ao lucro tributável, resultante do alegado “perdão de dívida” obtido pela Requerente e consequente variação patrimonial positiva no montante de €271.708,66. 

32. Sendo de manter a correção referente ao acréscimo ao lucro tributável do montante de €3.870,80, decorrente do reconhecimento do direito ao recebimento de 2,5% de um crédito que não se encontrava refletido na sua contabilidade, mas que lhe foi concedido judicialmente, configurando, assim, um ganho efetivo.»

11. Por Requerimento de 10 de Outubro de 2025, a Requerente veio aceitar a antedita proposta da AT desistindo do pedido na parte restante.

 

 

B. Matéria de facto não-provada

 

Tal como a AT veio a reconhecer, não há elementos probatórios suficientes que nos permitam afirmar, com segurança, que a dívida contabilizada no passivo da Requerente não corresponde a uma obrigação real ou efectiva a 31-12-2020.

 

C. Fundamentação da matéria de facto

 

Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo e na prova testemunhal aproveitada de outro processo.

Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos. 596.º, n.º 1 e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. artigos. 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. artigo 16.º, alínea e) do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).

 

III. Sobre o mérito da causa

 

A. Posição da Requerente no Pedido de Pronúncia

 

Entende essencialmente a Requerente na sua argumentação que, “8.º Da argumentação da IT vê-se que a divergência de saldos entre a C... e a Requerente decorre de esta não ter efetuado em 2015 um registo contabilístico equivalente àquele que a C... então processou, 

9.º sendo que, assim, desde 2015 a contabilidade da Requerente está errada pela omissão de tal registo – como decorre do reconhecimento do seu crédito no PER: tivesse a Requerente procedido em 2015, ao registo contabilístico homólogo daquele que (BEM, até segundo a decisão judicial) a C... processou, e desde então a sua contabilidade estaria certa, em coerência com o que (BEM) expressava a contabilidade da C... . 10.º Se, porventura – contra o que entende a Requerente – se pretender levantar dúvidas quanto ao entendimento de que seria em 2015 que a Requerente devia ter procedido ao registo contabilístico homólogo daquele que a C... processou, sempre o mesmo deveria, pelo menos, ter sido efetuado em 2019, 

11.º ano em que o crédito daquela sobre esta foi reconhecido no PER – como se demonstra pelo RIT, que integra no seu Anexo 4 uma carta da Requerente, datada de 2019-12-30, com a sua votação como credora antes reconhecida e integrante da respetiva lista. 

12.º Quer dizer que, se a Requerente não tivesse cometido a omissão que a IT refere, não haveria em 2020 qualquer diferença entre as duas contabilidades (da C... e da Requerente), 

13.º e não haveria qualquer variação patrimonial positiva a reconhecer em 2020, porque de facto não correu qualquer variação patrimonial positiva em 2020. 

14.º Mais: o que na realidade ocorreu em 2020 para a Requerente foi uma variação patrimonial negativa correspondente à diferença entre o crédito de € 154 831,89 que reclamou no PER da C... (e a que tinha direito desde 2015) e valor de € 3 870,80 que efetivamente ficou com direito a receber depois do perdão de 97,5%, ou seja, uma variação patrimonial negativa de € 150 961,09 (154 831,89 – 3 870,80 = 150 961,09). 

15.º O art.º 18.º do CIRC dispõe que “1 - Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.” 

16.º Ora, sendo assim, mesmo que em 2015 tenha ocorrido uma variação patrimonial positiva que a Requerente não tenha reconhecido na contabilidade – o que não é seguro que tenha ocorrido, porque importaria que fosse analisado o período de 2015 e isso a IT não fez – o certo é que nunca haveria rendimento a tributar em 2020 por causa dessa hipotética variação patrimonial.”

 

B. Posição da Requerida na Resposta

 

Na sua resposta, a Requerida começa por enunciar, em tese geral, os fundamentos principais da posição que assume:

a) Do RIT colhe-se que a liquidação ora em apreço decorre de uma variação patrimonial positiva de que, segundo a Inspecção Tributária, a Requerente teria beneficiado em 2020 no desenvolvimento das suas relações com a sociedade C..., titular do NIPC ...– sendo que a IT propôs uma correcção positiva do lucro tributável de € 275 579,46. 

b)    A C... foi sujeita a um processo especial de revitalização (PER) autuado com o n.º .../19... T8VNF, com sentença de homologação proferida em 2020-01-20 e transitada em julgado em 2020-02-12. 

c)     No PER, a Requerente reclamou um crédito de € 154 831,89, que lhe foi reconhecido, sendo que teve de se conformar com a decisão de um perdão de 97,5%, pelo que perdeu o montante de € 150 961,09 – ficando com direito a receber o valor de € 3 870,80. 

d)    A contabilidade da Requerente não expressava qualquer crédito sobre a C..., mas antes uma dívida para com ela no montante de € 271 708,66, pelo que ocorreu uma variação patrimonial de € 275 579,46, correspondente à soma da dívida que afinal não existia com o valor que ainda teria a receber (275 579,46 = 271 708,66 + 3 870,80) – “O desreconhecimento daquela dívida e o reconhecimento do crédito deveriam ter sido refletidos na contabilidade, tendo por contrapartida uma conta de capitais próprios ...”

e)     Seria em 2015 que a Requerente devia ter procedido ao registo contabilístico homólogo daquele que a C... processou, pelo que o mesmo deveria, pelo menos, ter sido efectuado em 2019, ano em que o crédito daquela sobre esta foi reconhecido no PER – como se demonstra pelo RIT, que integra no seu Anexo 4 uma carta da Requerente, datada de 2019-12-30, com a sua votação como credora antes reconhecida e integrante da respectiva lista.

f)      Por despacho de 10-09-2025, da Subdirectora-geral da Área de Imposto, para que se remete e se dá aqui por reproduzido, e cuja cópia a AT junta como documento n.º 2, foi entendido, em síntese, o seguinte: «30. No âmbito do procedimento inspetivo conduzido ao abrigo da OI2024..., os serviços de inspeção constataram que, em 2020, a Requerente adquiriu, no âmbito de um PER, o direito ao recebimento de 2,5% de um crédito que não se encontrava refletido na sua contabilidade, encontrando-se, porém, contabilizada uma dívida a favor do alegado credor no montante de €271.708,66. 

31. Conforme o exposto na presente informação, face à ausência de elementos probatórios suficientes que nos permitam afirmar, com segurança, que a dívida contabilizada no passivo da Requerente não corresponde a uma obrigação real ou efetiva a 31-12-2020, não é possível acolher a correção promovida pelos SIT ao lucro tributável, resultante do alegado “perdão de dívida” obtido pela Requerente e consequente variação patrimonial positiva no montante de €271.708,66. 

32. Sendo de manter a correção referente ao acréscimo ao lucro tributável do montante de €3.870,80, decorrente do reconhecimento do direito ao recebimento de 2,5% de um crédito que não se encontrava refletido na sua contabilidade, mas que lhe foi concedido judicialmente, configurando, assim, um ganho efetivo.»

 

IV. Fundamentação da Decisão

 

A. O mérito da causa

 

Estamos agora em condições de nos pronunciarmos sobre o mérito da causa.

 

B. A identificação da questão controvertida

 

A questão que se coloca é a de saber se padece de ilegalidade o acto tributário de liquidação adicional de IRC n.º 2025..., de 2025.01.29 (estorno da liquidação de IRC n.º 2021...) e respectivos juros compensatórios, referente ao período de tributação de 2020, consumados na nota de acerto de contas n.º 2025... de 2025.02.03, da qual resultou o valor a pagar de €52.681,81.

A AT veio dar provimento a parte do Pedido e a Requerente desistiu do restante segmento.

 

C. Do Direito

 

1. Da parcial inutilidade superveniente da lide 

 

Como é sabido, ocorre inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide quando, na pendência da instância, a resolução do litígio deixe de interessar seja em razão de desaparecerem o(s) sujeito(s) ou objecto do processo, seja por o Autor lograr satisfação fora do âmbito da instância. A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide é causa de extinção da instância.

Isto é, a instância pode extinguir-se por inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide, o que se verifica quando, por facto ocorrido na sua pendência, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência requerida, situação em que não existe qualquer efeito útil na decisão a proferir por já não ser possível o pedido ter acolhimento ou o fim visado com a acção ter sido atingido por outro meio. 

Verifica-se assim a inutilidade superveniente da lide e a consequente extinção da instância se o Requerente obteve a plena satisfação do seu pedido em virtude da revogação pela AT, após a constituição do Tribunal Arbitral, do acto de liquidação que havia impugnado. 

Neste contexto, o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 30 de Julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14, referiu que “A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.” 

É também este o sentido que a doutrina tem conferido ao conceito em análise, referindo LEBRE DE FREITAS, RUI PINTO e JOÃO REDINHA, em Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 555, que “(…) a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio.” 

Ora, na pendência da acção em tribunal, pode suceder que a pretensão do Autor seja parcialmente satisfeita pela Administração Tributária (por ex. revogação parcial do acto impugnado), facto este que tem consequências quanto à amplitude da condenação ou absolvição no pedido, e na repartição da responsabilidade por custas do processo.

Nesse caso, a acção perde parcialmente a sua utilidade, e por conseguinte, deve ser declarada na parte decisória da sentença a extinção da instância relativamente a essa parte, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 287.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente, ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

De igual modo, a extinção parcial da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, releva para efeitos da repartição das custas do processo entre as partes, e nessa medida, há que atender às regras do artigo 450.º, do CPC para efeitos da condenação em custas.

Ora, conforme resulta da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, no caso concreto, como vimos, a Requerida veio reconhecer que, face à ausência de elementos probatórios suficientes que nos permitam afirmar, com segurança, que a dívida contabilizada no passivo da Requerente não corresponde a uma obrigação real ou efectiva a 31-12-2020, não é possível acolher a correcção promovida pelos SIT ao lucro tributável, resultante do alegado “perdão de dívida” obtido pela Requerente e consequente variação patrimonial positiva no montante de €271.708,66, sendo de manter a correcção referente ao acréscimo ao lucro tributável do montante de €3.870,80, decorrente do reconhecimento do direito ao recebimento de 2,5% de um crédito que não se encontrava refletido na sua contabilidade, mas que lhe foi concedido judicialmente, configurando, assim, um ganho efectivo.

Com a referida revogação a Requerente não atingiu a totalidade dos efeitos pretendidos com o presente pedido de pronúncia arbitral, restando ainda decidir quanto ao aludido crédito residual de €3.870,80. Contudo, a Requerente veio desistir do Pedido no tocante a este segmento.

Em face do exposto entende este Tribunal que se verifica a inutilidade parcial superveniente da lide quanto à apreciação da legalidade e consequente anulação do acto tributário impugnado pelo Requerente.

Atendendo a que a Requerente desistiu do pedido relativamente ao segmento não revogado do acto de liquidação aqui sindicado, constitui-se aquele como responsável pelo pagamento das custas em função da parte reportada à desistência do pedido apresentado.

 

Da desistência por parte da Requerente

 

De acordo com a alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, é “de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário” o Código do Processo Civil (“CPC”).

À desistência do pedido aplica-se, portanto, o disposto nos artigos 283.º e seguintes do CPC. Nestes termos, estando nós perante uma desistência por parte da Requerente no que tange ao segmento do aludido crédito residual de €3.870,80 e face à inexistência de normativo especificamente aplicável no RJAT que regule o regime da desistência, deverá subsidiariamente recorrer-se ao regime constante do CPC e mais especificamente o preceituado no n.º 1 dos seus artigos 283.º e 285.º, nos termos do qual se conclui que a desistência do pedido extingue o direito pretendido valer.

 Destarte, não se vislumbrando existir qualquer óbice de natureza legal ao decretamento da desistência do pedido, decide-se homologar a desistência do remanescente pedido anulatório e declarar extinto o direito à ilegalidade da correcção ao aludido crédito residual de €3.870,80, devendo absolver-se a AT desta parte do pedido, declara-se extinto, por desistência, o pedido anulatório ainda subsistente pela Requerente formulado.  

 Ocorre assim, quer revogação parcial, quer desistência da parte do acto tributário mediato e imediato subsistente, as quais têm, conjugadamente, por consequência um total esvaziamento de objecto do pedido. 

 

 

3. Valor da causa

 

O valor dos processos arbitrais em matéria tributária é determinado pelo artigo 97.º-A do CPPT, ex vi do artigo 29.º do RJAT, e não por aplicação do Regulamento das Custas em Matéria Tributária, do CAAD.

Como é sabido, no caso de existir liquidação de imposto, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende obter, reportando-se ao imposto liquidado; caso não haja liquidação de imposto, o valor da causa é correspondente ao próprio montante da matéria tributável corrigida, que é necessariamente superior ao imposto que seria apurado se houvesse lugar a liquidação.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, o valor da causa corresponde ao valor da liquidação ou ao valor da parte impugnada desta, consoante se peça, respectivamente, a sua anulação total ou parcial, isto é, a quantia certa e líquida que na procedência da impugnação o impugnante deixará de pagar ou lhe será devolvida.

Quando é unicamente impugnado o valor das correcções à matéria colectável, a utilidade económica do pedido, e por consequência, o valor da causa, não equivale ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar com a procedência da impugnação, porque tal montante apenas representa uma utilidade económica futura e hipotética, dado que a posterior utilização, para efeitos fiscais, dos montantes corrigidos está dependente da produção de factos e circunstâncias contingentes, imprevisíveis e incertas por natureza. A utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa.

No caso vertente, a Requerente impugna a liquidação adicional de IRC de que resultou um valor acrescido a pagar, pelo que o valor da causa terá de ser fixado nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, correspondendo ao da importância cuja anulação se pretende.

Neste contexto, importa ter em consideração que na determinação do valor da causa atende-se exclusivamente à realidade processual existente no momento em que a acção é proposta sendo irrelevantes posteriores modificações dos elementos da instância (artigo 299.º do CPC)

 

4. Custas

 

No que toca à responsabilidade pelas custas processuais por estes autos devidas, importa chamar à colação o estatuído no n.º 3 do artigo 536.º do CPC, segundo o qual:

Nos restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.”

Como vimos, no caso em apreço a AT não procedeu à decisão de revogação antes da constituição do tribunal arbitral, isto é, não o fez nos termos do artigo 13.º do RJAT, tendo-o feito a posteriori, dando causa à propositura do presente pleito arbitral, constituindo-se, pelo exposto, a Requerida, como responsável pelo pagamento das custas não pela totalidade, mas em função da parte revogada na pendência do presente processo arbitral.

A Requerente veio desistir do segmento remanescente, pelo que importa atender ao estatuído no n.º 1 do artigo 537.º do CPC, que determina que, terminando a causa por desistência, as custas serão imputáveis ao desistente, a não ser que, como na situação controvertida, tal desistência seja parcial, caso em que tal responsabilidade deve ser proporcional à parte de que se desistiu.

 Termos de acordo com os quais, in casu, a imputação a título de responsabilidade por custas deve reportar-se ao decaimento com base no quantitativo relativo de cada uma dessas causas de pedir. 

 

V. Decisão

 

Nos termos expostos, acorda este Tribunal Arbitral em:

 

a) Declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide decorrente da eliminação parcial voluntária da ordem jurídica do acto de liquidação de IRC n.º 2025..., no montante de € 52 681,00 (juros compensatórios incluídos no montante de € 6 463,03); e

b) Homologar a desistência do pedido formulado pela Requerente quanto ao segmento da decisão e acto tributário não objecto da revogação administrativa, declarando-se extintos os direitos de anulação em causa no que se reporta ao crédito residual de €3.870,80 e correspondentes juros compensatórios, no montante global de €739,97, assim se absolvendo a Requerida do pedido. 

 

c) Condenar a Requerida e a Requerente no pagamento das custas na proporção do respectivo decaimento. 

 

VI. Valor do processo 

 

Fixa-se, assim, o valor do processo em € 52.681,00, nos termos do disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 2.142,00 (dois mil, cento e quarenta e dois euros), respectivamente €2.112,00 (dois mil, cento e doze euros) a cargo da Requerida e €30,00 (trinta euros) a cargo da Requerente (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 23 de Outubro de 2025

 

A Árbitra

 

 

Clotilde Celorico Palma