SUMÁRIO:
I - A sujeição a Imposto do Selo do crédito utilizado, no atual Código do Imposto do Selo (CIS), encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade, sendo que, quando esteja em causa concessão de crédito, apenas será tributada a utilização de fundos consumada em território nacional, podendo a Autoridade Tributária e Aduaneira exigir o imposto devido, incidente sobre o crédito utilizado em Portugal, diretamente ao titular do interesse económico, ou seja, ao beneficiário de tal crédito.
II - As regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Autoridade Tributária e Aduaneira do cumprimento do dever de realizar diligências com vista à descoberta da verdade material, que não se encontram subordinadas à iniciativa do autor do pedido, ou seja, do Requerente.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Regina de Almeida Monteiro (Presidente), Francisco Melo e Hélder Faustino (Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
1 RELATÓRIO
1. A..., S.A., com o número único de matrícula e identificação fiscal ..., e sede na ..., ..., ..., ...-... Lisboa, (doravante designado “Requerente”), nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, com os fundamentos que fazem constar no Pedido de Pronúncia Arbitral (“PPA”).
O Requerente peticiona que seja:
i. Declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa que correu termos sob o n.º... 2024 ...; e
ii. Declarada a ilegalidade das autoliquidações de Imposto do Selo relativas às utilizações de crédito e comissões associadas, nos meses de outubro de 2022 a outubro de 2024, no montante total de € 203.821,06, com a sua consequente anulação, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso da referida quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal até ao seu integral reembolso.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante designada “Requerida” ou AT).
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 27-02-2025, e automaticamente notificado à Requerida.
3. O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 2, do artigo 6.º e da alínea b), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os três árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, no dia 15-04-2025.
4. As Partes foram devidamente notificadas dessa nomeação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico e, em conformidade com o preceituado na alínea c), do n.º 1, do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 08-05-2025.
5. A Requerida, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 09-06-2025, tendo junto ainda o processo administrativo (PA).
6. Por não ter sido requerida a produção de prova adicional, para lá da prova documental incorporada nos autos, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2 do RJAT), o Tribunal Arbitral proferiu despacho com dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, convidando as Partes a apresentar alegações escritas.
7. Em 30-06-2025, o Requerente apresentou alegações escritas e juntou documentos.
8. Em 02-07-2025, o Tribunal Arbitral notificou a Requerida para, querendo, exercer o contraditório relativamente aos referidos documentos.
9. Em 04-07-2025, a Requerida apresentou as suas alegações, nas quais se pronunciou quanto aos documentos juntos pelo Requerente.
10. Em 28-07-2025, em cumprimento do despacho do Tribunal Arbitral, a Requerida apresentou requerimento, reiterando integralmente o que expôs nas suas alegações quanto aos referidos documentos. Em suma, e com fundamento no artigo 423.º do CPC, bem como no princípio da preclusão, a Requerida defende a impossibilidade de admissão dos documentos apresentados, não podendo estes, ser relevados pelo Tribunal Arbitral, sob pena de violação de lei e consequente nulidade, requerendo a não admissão e o consequente desentranhamento dos documentos que o Requerente pretende juntar fora do prazo legal e processualmente adequado para o efeito.
11. Importa apreciar o requerimento de desentranhamento dos documentos juntos pelo Requerente com as suas alegações.
1.1 Questão do desentranhamento de documentos
12. O Requerente juntou documentos com as suas alegações, indicando que se reportam a contratos de mútuo, acompanhados de tabela síntese com a indicação do montante transferido para o cliente mutuário, do período mensal a que respeita, do Imposto do Selo liquidado e da linha do ficheiro XML que corresponde à DMIS do mês em causa, entregue mensalmente à Autoridade Tributária e Aduaneira, a que corresponde este Imposto do Selo e, bem assim, comprovativos de transferência para o cliente mutuário respeitantes aos contratos juntos.
13. A Requerida defende, em suma, que os documentos são anteriores à apresentação do pedido de pronúncia arbitral e que teriam de ser com ela junto, invocando um princípio processual da preclusão.
14. Antes de mais, sempre se diga que nos processos arbitrais não se aplicam necessariamente as regras do CPC ou do CPPT, aplicando-se um princípio da informalidade e impondo-se ao Tribunal Arbitral que defina a tramitação mais adequada a cada processo, obrigação esta que é considerada de relevância primacial, como se infere do facto de ela ser referida insistentemente no RJAT, prevendo-se na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do RJAT a realização de uma reunião para «definir a tramitação processual a adoptar em função das circunstâncias do caso e da complexidade do processo» e impondo-se ao Tribunal Arbitral, no n.º 2 do artigo 29.º, o dever de «definir a tramitação mais adequada a cada processo especificamente considerado».
15. Por isso, ao abrigo desse princípio da informalidade, o Tribunal Arbitral pode admitir a junção ao processo dos documentos em qualquer momento, se entender que isso é adequado para o processo, desde que seja assegurado o princípio do contraditório, não sendo aplicáveis as regras sobre preclusão que se preveem no CPC relativas à junção de documentos.
16. A Requerida teve a oportunidade de se pronunciar sobre os documentos em causa.
17. Mais, os documentos juntos pelo Requerente com as suas alegações surgem precisamente na sequência da alegação genérica e conclusiva da Requerida que não haveria evidência de que o Imposto do Selo em causa tivesse sido levado às Declarações Mensais de Imposto de Selo (DMIS) e consequentemente pago / entregue ao Estado (cfr. os artigos 15.º e 16.º da resposta).
18. Assim, e em aplicação dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT), indefere-se a pretensão da Requerida de desentranhamento dos documentos em causa.
1.2 Argumentos das Partes
19. O Requerente sustenta a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, dos atos de liquidação de Imposto do Selo referentes aos períodos de outubro de 2022 a outubro de 2024 com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:
Em sintonia com a jurisprudência dos tribunais superiores, com a doutrina e, bem assim, com o entendimento que tem vindo a ser propugnado pela própria Requerida, o facto tributário a considerar para efeitos de sujeição a Imposto do Selo é a utilização do crédito.
As operações de hipoteca inversa desenvolvidas em Espanha consubstanciam financiamentos concedidos sujeitos ao Imposto do Selo previsto na citada verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo TGIS (mais concretamente, 17.1.3 da TGIS).
No caso das operações de crédito em causa, o facto tributário a considerar é a utilização do crédito, haverá lugar a tributação em sede de Imposto do Selo apenas quando esse mesmo facto tributário (a utilização do crédito) ocorra em território nacional, o que não se verifica quando o mutuante seja entidade com sede em Portugal e o mutuário não seja residente em território português.
No presente caso também os mutuários, utilizadores do crédito, estão fora de Portugal, mais concretamente em Espanha – cfr. a descrição e documentação destas operações de hipoteca inversa, exclusivamente efetuadas no e para o mercado espanhol.
Acresce que exercesse o Requerente a sua atividade em Espanha por intermédio de uma sucursal / estabelecimento estável aí localizado, nenhum Imposto do Selo incidiria sobre as operações em causa.
Pretende a Requerida, em contraste, que incidiria tributação quando em vez de exercer atividade através de uma sucursal, a mesmíssima atividade, tendo por alvo o mesmíssimo mercado espanhol, e por contrapartes os mesmíssimos consumidores / clientes aí estabelecidos, o Requerente o faça no uso da liberdade de prestação de serviços?
Há nesta diferença de tratamento fiscalmente discriminatória quando esteja em causa o exercício da liberdade de prestação de serviços, violação do artigo 56.º e segs. do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Pelo que por mais esta razão, devem ser anulados os atos tributários em causa: a putativa regra de localização territorial das mesmas em território português constitui(ria) uma restrição injustificável à liberdade de prestação de serviços transfronteira dentro do espaço da União Europeia.
Acresce ainda, violação da liberdade de estabelecimento prevista no artigo 49.º e segs. do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, porquanto uma empresa não deve ser penalizada fiscalmente, com imposto do selo no caso, pelo facto de não optar por exercer a sua atividade noutro Estado-Membro através de uma sucursal, optando antes, ao invés, pelo exercício dessa atividade em regime de livre prestação de serviços.
A liberdade de estabelecimento não é só a liberdade de se estabelecer noutro Estado-Membro, mas também a liberdade de optar por não o fazer, e exercer a sua atividade noutro Estado-Membro sem aí se estabelecer, em regime de livre prestação de serviços.
Em conclusão, nas operações em causa e relativamente às quais o Requerente é mutuante e o mutuário vive e reside noutro território e mercado, em Espanha, são ilegais as correspondentes liquidações de Imposto do Selo no montante de € 203.821,06, por violação do disposto no artigo 4.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código do Imposto do Selo, devendo consequentemente os supra identificados atos de liquidação de Imposto do Selo ser anulados em conformidade (artigo 163.º, do Código de Procedimento Administrativo), com as devidas consequências legais (reembolso do imposto anulado ao Requerente, acrescido dos juros indemnizatórios correspondentes).
20. A Requerida defende a manutenção dos atos tributários de liquidação impugnados com base nos fundamentos sinteticamente elencados:
A questão de direito a decidir está em saber qual o elemento de conexão relevante com o território nacional quando estão em causa operações de concessão de crédito e respetivas comissões e determinar se, in casu, se verifica esse elemento de conexão.
As operações financeiras que se pretendem tributar são as de concessão de crédito, sendo este o elemento integrante da sujeição.
A circunstância de a tributação apenas ocorrer com a efetiva utilização do crédito, como resulta da verba 17.1 da TGIS, não afasta tal conclusão.
Antes pelo contrário: as operações financeiras que se pretendem tributar são as de concessão de crédito, mas estas apenas se consideram verdadeiramente concretizadas, ou consumadas, no momento em que o crédito concedido é utilizado.
Não se pode é retirar da referida verba 17.1 da TGIS que o facto tributário a que se refere o n.º 1 do artigo 4.º é a utilização e não a concessão de crédito.
É o CIS que define as regras de incidência, incluindo as isenções, e o nascimento da obrigação tributária e do consequente facto tributário.
Assim, o facto tributário a que se referem as verbas que compõem a verba 17.1 da TGIS é constituído pela “utilização de crédito (...) em virtude da concessão de crédito”, incidindo o imposto sobre a utilização do crédito em resultado de uma operação de concessão de crédito, sendo esta última operação financeira o objeto de incidência no âmbito de todas as situações previstas na verba 17 da TGIS, não podendo a utilização do crédito ser dissociada da sua concessão, nem do local onde o mesmo é concedido.
Pese embora a obrigação tributária só nasça com a utilização de crédito, a conexão relevante para aferir da incidência territorial do Imposto do Selo é o local da concessão do crédito, que determina o dever de liquidar do concedente.
O facto tributário – concessão do crédito – ocorre em território nacional sempre que a entidade concedente nele tenha a sede ou a direção efetiva.
Não se extrai, nem da verba 17.1 da TGIS, nem do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo, em especial do seu n.º 1, que o legislador tenha alguma vez pretendido excluir de Imposto do Selo as operações de crédito concedidas por entidade residente em Portugal a entidade não residente, pelo mero facto de esta ter domicílio fiscal no estrangeiro.
Se o facto relevante fosse a “utilização de crédito”, conforme afirma o Requerente, então a extensão de territorialidade prevista no n.º 2 seria redundante, dado que a sujeição estaria já abrangida pelo n.º 1.
Para efeitos de sujeição, não existe qualquer discriminação entre entidades, sendo as normas de incidência relativas a Imposto do Selo aplicadas indistintamente a todas as operações financeiras legalmente previstas, sem discriminação em função da nacionalidade, território ou tipo societário das entidades nelas envolvidas.
Consequentemente, independentemente da localização do beneficiário do crédito, o facto tributário da concessão de crédito por entidade residente em Portugal ocorre em território nacional.
1.3 Saneamento
21. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1, do artigo 10.º, do RJAT e as Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade processual e mostram-se devidamente representadas.
22. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), de acordo com os fundamentos supra.
2 MATÉRIA DE FACTO
2.1 Factos dados como provados
23. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
a) O Requerente é uma instituição de crédito, que tem por objeto social o exercício da atividade bancária (para a qual obteve autorização por parte do Banco de Portugal em julho de 2014), incluindo a obtenção de recursos de terceiros, sob a forma de depósitos ou outros, os quais aplica, juntamente com os seus recursos próprios, em diversos sectores da economia, na sua maior parte sob a forma de concessão de crédito a clientes ou títulos de dívida, prestando adicionalmente outros serviços bancários.
b) No âmbito da atividade exercida, o Requerente comercializou em Espanha, por via
de intermediários comerciais e legais locais (espanhóis), um produto de hipoteca inversa, que descontinuou em 2021 (cfr. os Relatórios e Contas de 2021, 2022 e 2023 nas págs. relevantes – Documentos n.º 4, n.º 5 e n.º 6 juntos com o PPA), mas cujos contratos anteriores e respetivas vicissitudes (retiradas, capitalização de juros, e comissões) perduraram pelos anos seguintes.
c) De acordo com o manual deste produto de crédito, são elegíveis apenas “pessoas de nacionalidade espanhola, residentes em Espanha com idades compreendidas entre 65 e 95 anos, proprietários do imóvel de habitação própria permanente (…)” – cfr. Documento n.º 7 junto com o PPA.
d) Trata-se de um produto exclusivamente comercializado em Espanha, junto de clientes espanhóis, que não pode ser comercializado em Portugal – cfr. carta do Banco de Portugal datada de 21 de julho de 2017 [Documento n.º 8 junto com o PPA].
e) A angariação de clientes em Espanha foi levada a cabo pelo Requerente mediante o recurso aos serviços (sem exclusividade) da empresa residente em Espanha B..., S.L. (“B...” ou “Intermediária”), consultora experiente da área das ciências atuariais especializada em soluções de reforma, cuja função passava pela angariação de clientes, reunir a documentação subjacente aos contratos de crédito e partilhá-la com o Requerente.
f) No âmbito do processo de angariação de clientes, a B... procedia à apresentação de propostas de concessão de crédito com hipoteca inversa, sem possibilidade de alteração das respetivas condições contratuais previamente estabelecidas, sendo a escritura realizada em território espanhol, e totalmente redigida ao abrigo da legislação espanhola que regula o produto hipoteca inversa (Ley 41/2007, de 7 de dezembro), atuando na escritura em representação do Requerente a C..., S.L. (“C...”) (cfr. Documentos n.º 9 e n.º 10 junto com o PPA).
g) Os clientes eram e são consumidores residentes em Espanha, o agenciamento de negócios era efetuado em Espanha, e a concretização dos mesmos efetuada ao abrigo da lei espanhola e efetuada mediante escritura celebrada em Espanha também (cfr. Documentos n.º 8, n.º 9 e n.º 10 junto com o PPA).
h) Após a celebração do contrato de hipoteca inversa com o cliente espanhol, os fundos eram cedidos para utilização pelo mesmo através do International Bank Account Number (“IBAN”) indicado pelo cliente espanhol em Espanha e respeitante à sua conta pessoal em Espanha. (cfr. comprovativos de transferências para os contratos juntos como Documentos n.º 1 a n.º 8 com as alegações [Documentos n.º 14 a n.º 21 juntos com as alegações].
i) Os concorrentes do Requerente em Espanha neste mercado não estavam sujeitos a liquidação de Imposto do Selo sobre a concessão ou utilização do crédito, comissões associadas ou juros.
j) O Requerente, suportou o Imposto do Selo sobre a utilização de crédito, incluindo capitalização de juros, e comissões, relativas a estas hipotecas inversas comercializadas em Espanha, por impossibilidade, de o repassar no mercado espanhol aos seus clientes (cfr. Documento n.º 11 junto com o PPA e Documentos n.º 9, e n.º 10 a n.º 13 juntos com as alegações).
k) O Requerente liquidou e suportou Imposto do Selo por estas operação em Espanha a título de utilização de crédito, verba 17.1.3 da TGIS, e liquidou e suportou Imposto do Selo da verba 17.3.4. da TGIS, relativamente às comissões respeitantes a estas mesmas operações em Espanha de hipoteca inversa – cfr. extrato da contabilidade da conta #7501105 onde consta o Imposto do Selo liquidado no período temporal em causa relativo às hipotecas inversas aqui em causa (cfr. Documentos n.º 12 e n.º 11 junto com o PPA).
l) O Requerente liquidou e pagou o Imposto do Selo liquidado com respeito às operações de utilização de crédito, no montante total a seguir discriminado:


m) O Requerente apresentou em 20-11-2024, reclamação graciosa contra atos de liquidação de Imposto do Selo referentes aos períodos de outubro de 2022 a outubro de 2024 (cfr. PA), tendo sido notificado do seu indeferimento no dia 23-12-2024 (cfr. Documento n.º 1 junto com o PPA).
n) Em 26-02-2025 o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
2.2 Factos não provados
24. Com relevo para a decisão do caso em apreço, não existem factos dados como não provados.
2.3 Motivação da matéria de facto dada como provada e não provada.
25. Relativamente à matéria de facto o Tribunal Arbitral não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex viartigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
26. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
27. Entende a Requerida de forma genérica e conclusiva, que não existe evidência que o Imposto do Selo em causa tivesse sido levado às Declarações Mensais de Imposto do Selo (“DMIS”) e consequentemente, pago / entregue ao Estado (cfr. artigos 15.º e 16.º da resposta.
28. Antes de mais, sempre se diga, que as regras do ónus da prova, no procedimento tributário, não têm o alcance de dispensar a Requerida do cumprimento do dever de realizar diligências com vista à descoberta da verdade material, que não se encontram subordinadas à iniciativa do autor do pedido, ou seja, do Requerente.
29. Com efeito, foi junto extrato da contabilidade da conta #7501105 onde consta o Imposto do Selo liquidado no período temporal em causa relativo às hipotecas inversas aqui em causa (cfr. Documento n.º 12 junto com o PPA) e, bem assim, certificação pelo contabilista certificado da entrega / pagamento do Imposto do Selo em causa, com discriminação mensal de valores e guias de pagamento (cfr. Documento n.º 11 junto com o PPA), contabilidade e declarações fiscais (no caso, DMIS) do Requerente que gozam da presunção de veracidade prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT.
30. Mais, o Requerente juntou documentos com as suas alegações, indicando que se reportam a 8 (oito) contratos de mútuo, acompanhados de tabela síntese com a indicação do montante transferido para o cliente mutuário, do período mensal a que respeita, do Imposto do Selo liquidado e da linha exata do ficheiro XML que corresponde às declarações fiscais (no caso, DMIS) do mês em causa, entregue mensalmente à Requerida, a que corresponde este Imposto do Selo e, bem assim, comprovativos de transferência para o cliente mutuário respeitantes aos contratos juntos, prova esta que se nos afigura suficiente nos termos e para os efeitos do artigo 74.º, n.º 2 da LGT.
2.4 Questão decidenda
31. A questão de direito a decidir está em saber qual o elemento de conexão relevante com o território nacional quando estão em causa operações de concessão de crédito e respetivas comissões e determinar se, in casu, se verifica, ou não, esse elemento de conexão para efeitos do Imposto do Selo.
32. Com efeito, as operações financeiras, nas quais se inclui a concessão e utilização de crédito a qualquer título, estão, por princípio, sujeitas a Imposto do Selo.
33. De facto, o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (incidência objetiva) refere que “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
34. O Código do Imposto do Selo tributa a “utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias e outros valores, em virtude da concessão de crédito a qualquer título, incluindo a cessão de créditos, o factoring e as operações de tesouraria quando envolvam qualquer tipo de financiamento ao cessionário, aderente ou devedor”, de acordo com as taxas referidas na verba 17.1 da TGIS “sobre o respectivo valor em função do prazo”.
35. De acordo com o princípio da territorialidade estabelecido pelo n.º 1 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo “o imposto do selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.º ocorridos em território nacional”, sendo precisamente esta questão que se discute nos presentes autos.
36. Nesse sentido, no Acórdão do STA de 14-03-2018, proferido no processo n.º 0800/17, pode ler-se que:
“I - A concessão de crédito está sujeita a imposto do selo, qualquer que seja a natureza e forma, relevando, contudo, para o efeito a efectiva utilização do crédito concedido.
II - O facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é, sempre, a concessão de crédito - prestação de valores monetários de uma parte a outra obrigando-se esta última a restituir aquele montante (em singelo ou acrescido de valor convencionado), no futuro-.
III - A mera celebração do contrato de concessão de crédito nem sempre gera facto tributário do imposto. Quando a utilização do crédito for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que coincide com a data de celebração do contrato de concessão de crédito.
IV - Quando a utilização do crédito não for imediata, o facto tributário emerge na data de utilização que não coincide com a data de celebração do contrato concessão de crédito”.
37. Verifica-se, assim, que no entender daquele Tribunal, o facto relevante para a incidência será a utilização – e não a concessão – do crédito.
38. Nesse sentido, de resto, conclui já o TCA-Sul, no seu Acórdão de 25-03-2021, proferido no processo n.º 675/03.9BTLRS, onde se pode ler, para além do mais, que:
“IV. Nos termos das normas supra citadas do anterior CIS o facto tributário que desencadeia a obrigação do pagamento do imposto residia na celebração do negócio jurídico (data da celebração da concessão de crédito/contrato de mútuo), entendida como a obrigação de fornecimento de fundos a outrem (e não a utilização do crédito efectuado tal como definido actualmente na Verba 17.1 da TGIS).
V. A sujeição a imposto de selo do crédito utilizado, no actual CIS, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade.”.
39. Mais se explicando, naquele Acórdão:
“Preceitua o n.º 1, do artigo 4.º do CIS, com a epígrafe “Territorialidade”:
«1 – Sem prejuízo das disposições do presente Código e da Tabela Geral em sentido diferente, o imposto de selo incide sobre todos os factos referidos no artigo 1.o ocorridos em território nacional.»
De referir que o n.º 2, do artigo 4.º do CIS estabelece várias normas de extensão da incidência territorial, que não importam analisar no caso em apreço, uma vez que mesmo se considerasse a nota promissória uma garantia, a mesma terá que ser considerada meramente acessória do financiamento (cfr. artigo 4.º, n.º 2 do CIS e ponto 10 da TGSI).
Assim, a sujeição a imposto de selo do crédito utilizado, no actual CIS, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade.
Nos termos do artigo 1.º do CIS, para determinar a relevância da tributação, em sede de imposto de selo, em sede das operações financeiras é relevante a “utilização de crédito”, ou seja, o momento em que se utilizam os fundos colocados à disposição de acordo com o contratado, o qual ocorre no local onde o seu utilizador recebe o capital.
No entanto, com o desenvolvimento das novas tecnologias, quando se tratam de operações desmaterializadas, realizadas através do sistema bancário, deve considerar-se cumprida a concessão do crédito quando o montante deste é recebido na conta do beneficiário ou na conta por este indicada, porque até esse momento a prestação pecuniária ainda não está na sua livre disposição, não podendo, por isso, ser utilizada.
No caso em análise, as utilizadoras dos créditos (sociedades brasileiras) são residentes fora do território de Portugal, pelo que, entendemos que nas operações em apreço, em que a utilização do crédito foi efectuada fora do território nacional, por entidades não residentes, não é devido imposto de selo, ao abrigo da regra da territorialidade.”.
40. Ou seja, em suma, conclui-se, como ali se sumariou, que a sujeição a Imposto do Selo do crédito utilizado, no atual Código do Imposto do Selo, encontra-se condicionada pela conexão que a situação apresente com o território português, sendo esta conexão determinada pelo local onde se verifica a utilização do crédito, por força da regra da territorialidade, sendo que, quando esteja em causa concessão de crédito, apenas será tributada a utilização de fundos consumada em território nacional, podendo a Requerida, conforme já decidido pelo STA no Acórdão de 19-02-2020, proferido no processo n.º 02244/12.3BEPRT 0898/17, exigir o imposto devido, incidente sobre o crédito utilizado em Portugal, diretamente ao titular do interesse económico, ou seja, ao beneficiário de tal crédito.
41. No caso, e como resulta provado, o crédito concedido pelo Requerente e sujeito a Imposto do Selo foi encaminhado para diversas contas bancárias indicadas pelo cliente espanhol em Espanha e respeitante à sua conta pessoal em Espanha, sendo, pois, utilizado em Espanha, pelo que tal utilização não cai no âmbito territorial do imposto em causa, tal como resulta do artigo 4.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo.
42. Por outro lado, para que fique territorialmente sob a alçada do Imposto do Selo português, é preciso que o facto tributário “juro”, ou “juro cobrado” (verba 17.3.1 da TGIS) se possa dizer ter ocorrido em Portugal (artigo 4.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo).
43. Ora, do ponto de vista do crédito com cuja utilização o juro se relaciona, quando esta utilização ocorre fora de Portugal, designadamente, quando o destinatário do crédito (cliente mutuário espanhol) reside e vive fora de Portugal, nenhuma razão se vislumbra para que o acessório, dependente e consequente da utilização do crédito, o juro, não seja visto como formando-se, ocorrendo, fora de Portugal também.
44. Acresce que do ponto de vista da cobrança do juro, o princípio legal vigente é de que deve ser efetuada no domicílio do devedor (cfr. artigo 772.º, n.º 1, do Código Civil), pelo que se tem então também por territorialmente ocorrida no domicílio do devedor.
45. Idêntico raciocínio vale para as comissões associadas.
46. Face ao exposto, deverá proceder integralmente o pedido arbitral, anulando-se os atos tributários objeto da presente ação arbitral, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas pelo Requerente face à violação do Direito Europeu e à liberdade circulação de capitais no espaço europeu.
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47. Quanto ao pedido de restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, formulado pelo Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
48. No caso, o erro que afeta a liquidação adicional anulada é de considerar imputável à Requerida, a partir do momento em que decidiu a reclamação graciosa necessária, mantendo, indevidamente, na ordem jurídica os atos tributários ilegais.
49. Tem, pois, direito o Requerente a ser reembolsado da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força dos atos anulados e, ainda, a ser indemnizado do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data da decisão da reclamação graciosa, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril.
3 DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado e anular os atos de liquidação de Imposto do Selo referentes aos períodos de outubro de 2022 a outubro de 2024, que constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, na quantia total de imposto de € 203.821,06;
b) Anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra aqueles atos tributários;
c) Condenar a Requerida no reembolso dos valores do Imposto do Selo indevido com juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 e n.º 4, do artigo 43.º da LGT;
d) Condenar a Requerida no pagamento das custas deste processo atento o seu decaimento.
4 VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 203.821,06, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b), do n.º 1, do artigo 29.º, do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT.
5 CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de outubro de 2025
Os Árbitros
Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
(Francisco Melo – Adjunto, com declaração de voto vencido)
(Hélder Faustino Adjunto e Relator)
Declaração de Voto Vencido
Acompanhamos a posição da Requerida segundo a qual o facto tributário eleito para tributação em imposto de selo é a concessão de crédito – o que justificaria o indeferimento do pedido do Requerente –, aderindo aos argumentos expendidos em sede de Resposta sobre esta matéria.
Para esta conclusão assim aponta a globalidade do regime legal, ao considerar sujeito passivo quem concede o crédito [de harmonia com o disposto no artigo 2.º, alínea b), do Código do Imposto do Selo], incumbi-lo da liquidação do imposto «devido por operações de crédito» (nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 23.º do mesmo Código) e impondo-lhe a obrigação de efectuar o seu pagamento (artigo 41.º do mesmo Código).
Francisco Melo