Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1345/2024-T
Data da decisão: 2025-10-24  IRS  
Valor do pedido: € 2.497.587,11
Tema: IRS– liquidação de fundo de investimento imobiliário – mais-valias
Versão em PDF

 

 

SUMÁRIO: 

I.           Os critérios de aferição do valor de aquisição das UPs a ser tidos em conta para efeitos de sujeição a mais-valias (valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redacção dada ao artigo 22.º do EBF ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas), especialmente previstos no n.º 9 do artigo 7.º do DL n.º 7/2015, não permitem a aferição do valor de aquisição daqueles valores mobiliários, à luz dos critérios decorrentes da lei geral, nomeadamente da correcção monetária prevista no n.º 1 do artigo 50.º do Código do IRS. 

II.         Sendo os rendimentos que resultam da liquidação de um OIC qualificados como mais-valias imobiliárias, os mesmos não podem ser tributados através do mecanismo da retenção na fonte, nem se encontram sujeitos à taxa especial de 28% prevista no artigo 72.º, do Código do IRS, sendo antes objecto de englobamento obrigatório, nos termos do artigo 22.º, do Código do IRS, e sujeitos a tributação às taxas progressivas que se mostrem aplicáveis ao caso concreto constantes do artigo 68.º, do Código do IRS.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os Árbitros Carla Castelo Trindade (Presidente), Ana Rita do Livramento Chacim e Luís Sequeira, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem no seguinte:

 

I.          RELATÓRIO

 

1.          A..., residente na Rua..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa, titular do número de identificação fiscal ... (“Requerente”),apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo dos artigos 5.º, n.º 3, alínea a), e 10.º, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2023..., de 06.12.2023, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., em resultados das quais resultou um montante total a pagar de € 2.497.587,11, referente ao exercício fiscal de 2019, e, bem assim da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa (“RG”) apresentada contra aquelas liquidações.

 

2.          O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, efectuado em 15 de Dezembro de 2024, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”).

 

3.          A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

 

4.          As partes foram notificadas dessa designação em 4 de Fevereiro de 2025, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD.

 

5.          Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo ficou constituído em 24 de Fevereiro de 2025.

 

6.          Tendo sido devidamente notificada para o efeito, a Requerida apresentou requerimento a 27 de Março de 2025 a solicitar a prorrogação do prazo para apresentação da resposta e junção aos autos de cópia do processo administrativo (“PA”), por um prazo não inferior a 20 dias, solicitação essa que foi deferida por despacho arbitral datado de 31 de Março de 2025.

 

7.          A Requerida, através de requerimento datado de 29 de Abril de 2025, arguindo o apagão de energia eléctrica verificado a nível nacional, invocou justo impedimento, ao abrigo do artigo 140.º, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, para não apresentar a sua resposta e juntar aos autos cópia do PA dentro do prazo fixado para o efeito, solicitando ainda a prorrogação desse prazo por um período adicional de 3 dias.

 

8.          No dia 1 de Maio de 2025, a Requerida apresentou a sua resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, peticionando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) e pela sua absolvição de todos os pedidos aí formulados. Nessa mesma data, a Requerida juntou aos autos cópia do PA.

 

9.          Por despacho arbitral datado de 5 de Maio de 2025, foi julgado procedente o incidente de justo impedimento invocado pela Requerida, deferido o pedido de prorrogação do prazo para apresentação da resposta e junção aos autos de cópia do PA e concedido o prazo de 10 dias à Requerente para, querendo, exercer o direito ao contraditório quanto à matéria de excepção invocada pela Requerida na sua resposta.

 

10.       Em 19 de Maio de 2025, veio a Requerente a suscitar a apresentação pela Requerida da identificação do autor do documento constante a fls. 20 do PA, a identificação do remetente do sobrescrito constante a fls. 21 do PA e a junção aos autos de cópia desse sobrescrito com a aposição do carimbo postal ou, em caso de impossibilidade, do respectivo original.

 

11.       Tendo sido proferido despacho arbitral em 21 de Maio de 2025 a notificar a Requerida para prestar a informação aludida pela Requerente em tal requerimento, a 26 de Maio de 2025, a Requerida respondeu a esse despacho, enunciando que os pedidos formulados pela Requerente eram um acto inútil já que não apresentavam qualquer relevância para a resolução dos presentes autos. 

 

12.       A 3 de Julho de 2025, foi proferido despacho arbitral nos termos do qual se dispensava a realização da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, se concedia o prazo de 10 dias para as partes apresentarem alegações escritas e para a Requerente apresentar comprovativo da taxa arbitral subsequente e ainda se consignava a prolação da decisão até ao dia 24 de Agosto de 2025. 

 

13.       Tendo em consideração o requerimento apresentado pela Requerente em 16 de Julho de 2025, foi proferido despacho arbitral no dia 21 de Julho de 2025, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, nos termos do qual foi determinada a prorrogação do prazo de arbitragem por 2 meses, designando-se o dia 24 de Outubro de 2025 como data-limite para a prolação da decisão.

 

14.       Em 3 de Setembro de 2025, quer a Requerente, quer a Requerida, vieram a apresentar as suas alegações, nas quais e no essencial, mantiveram o posicionamento já vertido nas respectivas peças processuais iniciais, tendo a Requerente utilizado igualmente este articulado para exercer o contraditório face à defesa por excepção erigida pela Requerida.

 

15.       Por despacho arbitral datado de 10 de Outubro de 2025, foi notificada a Requerida para juntar aos autos a cópia do “despacho da Exma. Sra. Subdirectora Geral da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares”, datado de “28/03/2025”, respeitante à “revogação parcial do ato de liquidação de IRS” aludido nos artigos 1.º e 2.º da sua resposta.

 

16.       Em 15.10.2025, na sequência do despacho arbitral acima mencionado, veio a Requerente remeter aos autos cópia do referido despacho de revogação parcial proferido pela AT relativamente ao acto de liquidação de IRS. 

 

II.        POSIÇÃO DAS PARTES

 

§1 – Posição da Requerente

 

17.       Na fundamentação do PPA invocou a Requerente, em síntese, os seguintes argumentos:

a.          A decisão de alteração da matéria colectável que antecedeu a liquidação adicional de IRS e juros compensatórios impugnada é nula por faltar-lhe uma assinatura válida;

b.          A decisão de alteração da matéria colectável não contém também determinados elementos – como o facto e a norma habilitadora de uma pretensa substituição – pelo que a aparente autora dessa decisão não possuía, à data, competência para a respectiva prolação, o que determina a anulação total dos actos impugnados;

c.          Uma vez que a notificação dessa decisão à Requerente não contém a identificação do autor do suposto acto de delegação de competências e o local e a data em que terá sido publicado o correspondente despacho, tal conduz à nulidade dessa notificação, sendo essa uma nulidade insanável, por ocorrência de preterição de formalidade essencial;

d.          A nulidade insuprível da notificação da decisão de alteração da matéria colectável determina ainda a caducidade do direito à liquidação de imposto, uma vez que, tendo o prazo para a liquidação do imposto já decorrido, já não pode o Estado na presente data praticar esse acto;

e.          Existe um clara e insanável contradição nos fundamentos do acto impugnado, o que determina a sua invalidade e respectiva anulação, dado que a Requerida emprega umas vezes o termo “resgate” de unidades de participação (UPs) e outras vezes o termo “alienação” de UPs;

f.           A Requerente jamais auferiu qualquer rendimento – tributável ou não – provindo do resgate de UPs no Fundo de Investimento Imobiliário B... (“FII”), pelo que a Requerida tributou uma realidade que não existia e não tributou outra realidade que existia (a quota-parte na partilha do saldo de liquidação do FII); 

g.          Estando em causa factos tributários distintos, ocorre a inexistência de facto tributário, o que determina a anulação dos actos tributários impugnados;

h.          Os princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e da capacidade contributiva obrigam a Requerida a averiguar todos os elementos relevantes à correcta quantificação da matéria colectável, pelo que a Requerida não poderia desconsiderar os custos de aquisição das UPs, sendo esta outra razão pela qual os actos impugnados são ilegais e devem ser anulados; 

i.           A Requerida sabe que a data de aquisição das UPs que consta na fundamentação do acto impugnado não é verdadeira, pelo que aquela violou uma vez mais, os princípios do inquisitório e da verdade material, o que implica a anulação dos actos impugnados;

j.           As UPs de que a Requerente foi titular tiveram um custo de aquisição, correspondente ao valor nominal unitário de € 1.000,00, pelo que se verificou um erro na determinação da matéria colectável que conduz à anulação das liquidações impugnadas;

k.          Ao abrigo do regime legal previsto no artigo 22.º, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), há uma obrigação de retenção na fonte, a título definitivo, da responsabilidade do banco depositário do FII, pelo que a estar em causa o resgate de UPs, a responsabilidade do imposto não pertencia à Requerente, mas à entidade obrigada a tal retenção, sendo este outro motivo pelo qual as liquidações impugnadas deverão ser anuladas na totalidade; e

l.           Considerando-se que houve um erro no apuramento do imposto devido pela Requerente, deverão ser anuladas as liquidações de IRS e de juros compensatórios, bem como a decisão de indeferimento tácito da RG , e a condenação da Requerida ao reembolso das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º e 100.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”), e do artigo 24.º, do RJAT, com responsabilidade pela totalidade das custas nos termos dos artigos 29.º, do RJAT, e 527.º, do CPC.

 

18.       Em sede de alegações e em resposta às excepções arguidas pela Requerida na sua resposta, acrescenta que esta estava impossibilitada de proceder à revogação do acto impugnado na pendência do processo arbitral. Mais disse a Requerente que a Requerida, ainda assim, errou no apuramento do valor de aquisição das UPs, pelo que não se verifica a excepção de inutilidade superveniente da lide.

 

19.       Em relação à arguição de estar a abusar do direito de acção, a Requerente justifica a apresentação do PPA invocando a inexistência de facto tributário (tributação de uma realidade inexistente – resgate ou alienação de UPs – e não da atribuição de uma quota-parte na liquidação de um fundo. Ademais, a invocação de abuso de direito pela Requerida constitui uma tentativa desta em transferir para o contribuinte a sua própria inércia e precipitação procedimental, dado estar pressionada pelo prazo de caducidade. Como tal, esta tese da Requerida sempre seria inconstitucional por constituir uma violação do direito constitucional de acesso dos particulares aos tribunais e do direito constitucional de ver discutida judicialmente a actuação administrativa, sempre que lesiva dos direitos dos particulares, constituindo adicionalmente uma sanção pelo não exercício do seu direito de audição prévia (transformando-o num dever com efeito de confissão ou com efeito de precludir o seu direito de recurso a meios contenciosos).

 

§2 – Posição da Requerida

 

20.       Na resposta, a Requerida defendeu a improcedência do PPA com base, em suma, nos seguintes argumentos:

a.          Foi proferido um despacho, em 28.03.2025, no qual se procedeu à revogação parcial do acto de liquidação de IRS impugnado, o qual foi fundamentado pela aceitação do valor de aquisição das UPs, bem como a data de aquisição dessas UPs, conforme demonstrados pela Requerente;

b.          A Requerente actuou em abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, nos termos do artigo 334.º, do Código Civil (“CC”), por não ter exercido o direito de audição prévia (apesar de regularmente notificada para o efeito), e por apenas suscitar a questão da inexistência de facto tributário após o decurso do prazo de caducidade do direito de liquidação; tal situação configura um caso de ilegitimidade substantiva e excepção peremptória impeditiva, nos termos do artigo 493.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea e), do CPPT; 

c.          No plano substantivo, rejeita a inexistência de facto tributário, uma vez que a Requerente confessou ter sido a detentora de UPs no FII que foi liquidado em 2019 e ter recebido a sua quota-parte nessa liquidação;

d.          Ainda que na fundamentação do acto tenha havido a utilização espúria do termo “resgate”, tal não altera a substância do rendimento nem a validade da liquidação, tratando-se de uma imprecisão terminológica sem relevância jurídica, tendo presente o disposto nos artigos 10.º, n.º 1, alínea b), subalínea 5), do Código do IRS, e 22.º-A, do EBF, os quais sujeitam a IRS quer o resgate quer a liquidação de UPs, tendo sido estas as normas consideradas nos actos de liquidação;

e.          A utilização do Código G40 é a única forma de, ao nível do sistema informático da Requerida, sujeitar o rendimento auferido pela Requerente ao regime previsto naquelas normas, aplicando o regime geral da tributação de mais-valias imobiliárias, considerando tal rendimento apenas em 50% do seu valor e não na sua totalidade;

f.           A Requerente tinha conhecimento da existência do facto tributável, mas não declarou esse rendimento na declaração de rendimentos Modelo 3, nem apresentou quaisquer elementos ou justificações quando foi convidada a participar na formação da decisão final que fundamentou os actos de liquidação impugnados;

g.          A Requerida aceita o valor e a data de aquisição das UPs declaradas pela Requerente, mas não se pode imputar à Requerida qualquer violação do princípio do inquisitório, sendo que aquela actuou e fez prova bastante da existência de uma mais-valia na esfera da Requerente com base nas informações que lhe foram disponibilizadas pelo E... (e na ausência de informações em sentido contrário providenciadas pela Requerente);

h.          Também não se verifica a violação do princípio da capacidade contributiva, uma vez que os actos de liquidação impugnados já se encontram parcialmente revogados;

i.           O rendimento em causa é tributado de acordo com as regras gerais de tributação do Código do IRS, pelo que sendo a Requerente a devedora original do imposto, não existe a obrigação de retenção na fonte sobre o rendimento auferido, o qual é considerado em 50% do seu valor e é obrigatoriamente englobado;

j.           Não se verifica qualquer erro no cálculo da matéria colectável;

k.          Relativamente aos vícios formais invocados pela Requerente, a decisão final encontra-se assinada de forma autógrafa e ainda digital, sendo que, mesmo que não estivesse assinada, essa falta não constituiria uma nulidade insanável, mas antes uma irregularidade ou, quanto muito uma nulidade sanável;

l.           Não constam das menções obrigatórias previstas no artigo 151.º, do CPA, o dever de constar do acto administrativo a razão pela qual o suplente ou substituto actuam em vez do titular efectivo, pelo que essa ausência não compromete a legalidade do acto administrativo;

m.        Acresce que a Directora de Finanças Adjunta da AT, autora daquela decisão, tem competência legal para determinar correcções em sede de IRS, enquanto inferior hierárquico imediato do titular do cargo;

n.          A concluir-se que esta não teria competência para actuar, sempre estaria em causa uma mera incompetência relativa, pelo que seria de afastar um efeito anulatório daquela decisão e também nunca se poderia estar na presença de uma nulidade da mesma;

o.          Mesmo que se verificassem irregularidades na notificação ou na tramitação procedimental, estas seriam irrelevantes para o resultado final, por força do artigo 163.º, n.º 5, alíneas a) e c), do CPA, uma vez que o conteúdo do acto não poderia ser outro e o fim da formalidade preterida foi atingido, pelo que o acto seria, no limite, susceptível de aproveitamento e não de anulação;

p.          Sendo a decisão de alteração da matéria colectável e a respectiva notificação válidos, não é cabível a alegação de ocorrência de caducidade do direito à liquidação; 

q.          A fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente, por via do PPA apresentado, demonstra, em face dos argumentos por si explanados ao longo do seu articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida, já que tenta rebater, ponto por ponto, toda a sua actuação;

r.           Conclui pela total improcedência do PPA, requerendo a sua absolvição de todos os pedidos formulados e o reconhecimento de que a Requerente agiu de forma abusiva e de má-fé, devendo suportar integralmente as custas do processo.

 

III.      SANEAMENTO

 

21.       Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar as duas excepções enunciadas pela Requerida na sua Resposta.

 

§1 –     Inutilidade superveniente da lide

 

22.       Em primeiro lugar, cumpre conhecer a excepção aduzida pela Requerida no sentido de dever o presente tribunal arbitral absolver parcialmente a Requerida da instância, quanto à parte revogada, por verificação de excepção dilatória de inutilidade superveniente da lide, prevista no artigo 277.º, alínea e), do CPC.

 

23.       Entende, por seu turno, a Requerente que tal revogação parcial continua ferida de ilegalidade, designadamente porquanto ocorreu fora do prazo legal previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, e porque dissente do valor de aquisição atribuído pela AT a cada UP em causa.

 

24.       A inutilidade superveniente da lide decorre da verificação de um facto, na pendência da instância judicial ou arbitral, mediante a qual a solução do litígio deixa de ter interesse e utilidade, designadamente por ter sido satisfeita, por meios extrajudiciais, a pretensão deduzida pelo autor.

 

25.       Conforme se poderá constatar da factualidade que este Tribunal Arbitral dá por provada, a AT veio, já após a constituição deste tribunal arbitral, proceder à revogação parcial do acto tributário de liquidação, arguindo que o valor de aquisição a considerar, por referência a cada UP, ascende a € 1.017,3639, devendo este montante ser multiplicado pelo número de UPs subscritas – 3.625 – resultando num valor de aquisição total dessas UPs de € 3.687.944,14, ocorrida no ano de 2015.

 

26.       Ainda assim, a pretensão da Requerente não se mostra sequer parcialmente satisfeita, atenta a circunstância de, entre as ilegalidades apontadas aos actos de liquidação impugnados, a mesma arguir que o valor de aquisição de cada UP deveria ser fixado no montante de € 1.040,00 (tendo em consideração a aplicação do coeficiente de desvalorização monetária ao respectivo valor de aquisição).

 

27.       Do cotejo desta factualidade, extrai-se que da decisão revogatória parcial, não dimana qualquer regulação verdadeiramente inovatória, antes se limitando a admitir, parcialmente, a argumentação expendida pela Requerente no que à ilegalidade de parte do acto tributário de liquidação arbitralmente impugnado. 

 

28.       Por outro lado, no caso dos autos aqui em apreço, resulta que tal revogação parcial promovida pela Requerida apenas teve lugar depois de ultrapassado o prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, para proceder, designadamente, à revogação do acto tributário posto em crise.

 

29.       A este respeito, pela sua clareza e correcção de entendimento que dele dimana, o qual acompanhamos, não podemos deixar de aqui citar trecho da decisão arbitral proferida em 17.06.2019, no âmbito do processo n.º 60/2019-T:

A questão que primeiramente poderia colocar-se é a de saber - atendendo ao disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT - se é possível proceder, na pendência do processo arbitral, à anulação administrativa dos actos tributários impugnados.

O citado artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, sob a epígrafe “Efeitos do pedido de constituição do tribunal arbitral”, dispõe o seguinte:

Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º

O prazo previsto a alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º a que essa disposição se refere é o que respeita à comunicação às partes da constituição do tribunal arbitral, o que permite concluir que esse é um prazo procedimental, inserido no procedimento de constituição do tribunal, e que decorre ainda antes de ter início o processo arbitral (cfr. artigo 15.º).

Tal não significa, no entanto, que à Administração esteja vedado a anulação administrativa do acto impugnado já na pendência do processo arbitral.

A Autoridade Tributária, enquanto entidade administrativa, encontra-se subordinada às disposições do Código de Procedimento Administrativo (artigo 2.º, n.º 1), e, por outro lado, como resulta do disposto no artigo 29.º do RJAT, são de aplicação subsidiária ao processo arbitral tributário, de acordo com a natureza do caso omisso, entre outras, as normas sobre o processo nos tribunais administrativos.

O artigo 168.º do CPA, que define os condicionalismos aplicáveis à anulação administrativa, no seu n.º 3, estabelece que “quando o ato tenha sido objecto de impugnação jurisdicional, a anulação administrativa só pode ter lugar até ao encerramento da discussão”. Deve entender-se como encerramento da discussão, em correspondência com o estabelecido no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do CPC, o momento em que as partes produzam alegações orais ou o termo do prazo para alegações escritas ou o termo da fase dos articulados quando as partes tenham dispensado as alegações finais e o estado do processo permita sem necessidade de mais indagações a apreciação do pedido.

Haverá de concluir-se, por conseguinte, que o CPA alargou os poderes de disposição da Administração na pendência do processo, permitindo, na linha do que já vinha sugerido pela doutrina, que a anulação administrativa, quando o acto tenha sido objecto de impugnação jurisdicional possa ter lugar até ao encerramento da discussão, e não apenas até à resposta, como estava previsto no artigo 141.º, n.º 1, do CPA de 1991.

Seja como for, nada obsta a que a Administração, ao abrigo do citado artigo 168.º, n.º 3, possa anular o acto tributário impugnado na pendência do processo, desde que dentro do limite temporal definido nessa disposição, e essa faculdade nada tem a ver com o regime específico a que se refere o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, que confere a possibilidade de a Administração anular o acto impugnado ainda no âmbito do procedimento de constituição do tribunal arbitral.

Dito isto, não pode deixar de reconhecer-se que a anulação administrativa é tempestiva, visto que a Autoridade Tributária praticou o acto anulatório ainda dentro prazo para a apresentação da resposta, havendo de atribuir-se à anulação, nesse condicionalismo, os correspondentes efeitos de direito.”

 

30.       Ante o exposto, inexistindo razões que justifiquem o afastamento do entendimento vindo de citar, mácula legal alguma deve ser assacada quanto ao direito da AT em proceder à revogação parcial nos termos que o efectuou e no tempo em que veio a ser operada, sendo que o presente Tribunal Arbitral não poderá ignorar este facto, dada a sua relevância para a boa decisão da presente causa.

 

31.       Este entendimento não obsta, porém, que a revogação operada pela Requerida o foi apenas de forma parcial e mantém-se o âmbito da dissonância demonstrada pela Requerente, o que inviabiliza que se esteja perante uma situação sequer de inutilidade superveniente parcial da lide.

 

32.       Não apenas porquanto a questão objecto de revogação parcial administrativa – a imputada ilegalidade no cálculo do valor de aquisição das UPs – continua a merecer inconformismo por parte da Requerente ...

 

33.       … mas igualmente porquanto, ante as causas de pedir e consequentes pedidos formulados pela Requerente, não se mostram os mesmos satisfeitos pela Requerida, dado remanescerem, alegadamente, ilegalidades que continuarão a afectar o acto tributário de liquidação, o qual se mantém na ordem jurídica tributária (ainda que com alterações decorrentes da decisão administrativa de revogação parcial supra identificada).

 

34.       Questão distinta seria a de a Requerente vir, ante a revogação parcial promovida pela AT, a conformar-se com o acto tributário arbitralmente impugnado, no segmento objecto de tal decisão administrativa e/ou na parte não afectada pela revogação operada e a assim desistir quanto ao pedido formulado, o que não sucede no caso dos autos.

 

35.       Não tendo ocorrido essa mesma desistência quanto à parte não revogada e nem sequer quanto à questão objecto de revogação parcial – dado a Requerente continuar a pugnar pela sua apreciação – não poderá deixar de se conhecer e apreciar esta e bem assim das demais questões erigidas pela Requerente no seu PPA, não objecto da revogação parcial levada a efeito. 

 

36.       Destarte e em suma, improcede a excepção dilatória de inutilidade superveniente parcial da lide, prevista no artigo 277.º, alínea e) do CPC, invocada pela Requerida, podendo o Tribunal conhecer o PPA.

 

§2 -   Do abuso de direito de acção da Requerente quanto à inexistência do facto tributário

 

37.       Em sede de Resposta, veio a Requerida invocar uma outra excepção, a de a Requerente agir em abuso de direito, nos termos do artigo 334.º, do CC, o que constituiria uma excepção peremptória nos termos do artigo 493.º, do CPC. 

 

38.       Segundo a Requerida, foi a própria Requerente quem deu azo a que pudesse invocar o vício consubstanciado na “inexistência do facto tributário”, numa tentativa abusiva de anular um acto de liquidação resultante da sua própria omissão, enquanto responsável pela declaração de rendimentos do imposto e por se encontrar vinculada ao princípio da colaboração, ao qual, deliberada e estrategicamente, infringiu (designadamente por não exercer o seu direito de audição prévia quando foi notificada para o efeito).

 

39.       Contraditou a Requerente sustentando o seguinte:

a.          Por um lado, o vício de inexistência de facto tributário resultante da errónea qualificação efectuada pela AT e à tributação de uma realidade inexistente – o resgate ou alienação de UPs – ao invés da tributação da atribuição da quota-parte no saldo de liquidação de um fundo). Tal qualificação incorrecta é decorrente da violação pela Requerida do princípio do inquisitório e do dever de investigação da verdade material;

b.          Por outro, a invocação de abuso de direito constitui uma tentativa da AT em transferir para a Requerente a sua própria inércia e precipitação procedimental, em resultado de estar pressionada pelo prazo de caducidade. Acrescentou ainda que a tese da Requerida é violadora de direitos constitucionais e representa uma sanção pelo facto de a Requerente não ter exercido o seu direito de audição prévia.

 

Vejamos,

 

40.       Nos termos do artigo 60.º, da LGT, no qual é consagrado o princípio da participação, prevê-se que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas: a) direito de audição antes da liquidação (...)”.

 

41.       O normativo imediatamente precedente – artigo 59.º, da LGT – estabelece o princípio da colaboração, dispondo que:

“1 - Os órgãos da administração tributária e os contribuintes estão sujeitos a um dever de colaboração recíproco. (...)

4 - A colaboração dos contribuintes com a administração tributária compreende o cumprimento das obrigações acessórias previstas na lei e a prestação dos esclarecimentos que esta lhes solicitar sobre a sua situação tributária, bem como sobre as relações económicas que mantenham com terceiros.”

 

42.       Ante o teor destes preceitos vindos de enunciar, não podemos deixar de dissentir do entendimento defendido pela Requerida de que a Requerente violou o dever de colaboração que tinha perante si.

 

43.       Na verdade, a Requerente não foi receptora de qualquer pedido de esclarecimento ou informação que lhe tenha sido remetido pela Requerida, atinente a quaisquer factos com relevo tributário que possam estar subjacentes aos actos tributários de liquidação ora postos em crise. 

 

44.       O que decorre dos autos é que a Requerida se limitou a notificar a Requerente para efeitos de exercício do direito de audição prévia relativamente à intenção daquela em proceder à correcção da matéria colectável, em sede de IRS, referente ao ano de 2019.

 

45.       Descendo à dinâmica em que desenrolaram os factos aqui em apreciação no domínio do procedimento tributário, não se reputa de contra legem ou sequer de ilegítima a opção exercida pela Requerente de não tomar parte activa na tomada de decisão projectada pela Requerida, não podendo tal silêncio no âmbito procedimental em causa relevar contra tal direito legalmente consagrado.

 

46.       O direito de audição prévia traduz-se numa prerrogativa conferida ao contribuinte de participar na formação da decisão administrativa, cabendo-lhe a liberdade de optar pelo seu exercício ou não, sem que dessa escolha possa resultar qualquer consequência desfavorável. 

 

47.       Com efeito, o exercício desse direito não se converte num dever jurídico, nem a sua não utilização pode gerar ónus, presunções desfavoráveis ou limitações de defesa, sob pena de se desvirtuarem as garantias fundamentais do sujeito passivo, designadamente a que decorre do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).

 

48.       A figura do abuso de direito prevista no artigo 344.º, do CC, pressupõe que estejamos perante um exercício ilegítimo de um direito, sendo certo que, como vimos sustentando, no caso dos autos, a Requerente se limitou a, legitimamente, optar pelo não exercício do direito que a lei lhe confere de audição prévia, sem que de tal silêncio possa decorrer um ónus que contra o contribuinte possa ser imputado.

 

49.       Nada no comportamento da Requerente permite concluir pela existência de tal comportamento ilegítimo, não obstante se poder cogitar, no plano das hipóteses, que a Requerente possa ter tomado tal opção pelo silêncio, ciente que tal não exercício serviria melhor os seus interesses, o que, como se referiu supra, não se afigura de todo ilegítimo.

 

50.       De resto, a própria Requerida reconhece, na sua resposta, que o “exercício do direito de audição não constitui um ónus, mas sim uma faculdade”. 

 

51.       Também não se vislumbra que a Requerida ao, posteriormente, vir a apresentar uma RG (na qual suscitou, nomeadamente, a questão da inexistência de facto tributário) e (em face da presunção de indeferimento tácito da mesma) um PPA esteja a adoptar um conjunto de comportamentos que se possam subsumir no âmbito do instituto do abuso de direito, nos termos em que o mesmo se encontra legalmente previsto.

 

52.       Aliás, a própria Requerida reconhece que “todos os comportamentos da Requerente – ou a ausência deles – são comportamentos lícitos e mais do que protegidos pelo nosso ordenamento jurídico”, sendo que a realização de um “processo de intenções” ou a valoração subjectiva das acções ou omissões comportamentais da Requerente promovida pela Requerida não passam de alegações não consubstanciadas ou fundamentadas.

 

53.       Assim será de concluir pela inexistência do abuso de direito imputada à Requerente arguida pela Requerida, nos termos do disposto no artigo 334.º, do CC, julgando-se improcedente a excepção peremptória prevista no artigo 493.º, do CPC, invocada pela Requerida, podendo o Tribunal conhecer o PPA.

 

54.       O Tribunal Arbitral colectivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT. 

 

55.       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e dos artigos 1.º a 3.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. 

 

IV.      MATÉRIA DE FACTO

 

§1 – Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

56.       Ao Tribunal Arbitral incumbe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não existindo um dever de pronúncia quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

57.       Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objecto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

58.       Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente da prova documental junta aos autos pelo Requerente e do PA junto aos autos pela Requerida, que foram apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos e tendo presente a ausência da sua contestação especificada pelas partes, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

§2 – Factos Provados

 

59.       Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

a.          A Requerente era titular, pelo menos, desde 30.06.2015, de 3.625 UPs no FII;

b.          Por referência à data de 30.06.2015, o valor de cada uma das UPs do FII era de € 1.017,3639;

c.          O FII veio a ser objecto de liquidação, sendo que, cada UP tinha, em 04.07.2019, um valor de € 2.366,5188;

d.          À data da liquidação do FII, comunicada a 05.07.2019, existiam 14.500 UPs em circulação;

e.          Em resultado da liquidação do FII, a Requerente recebeu, em 05.07.2019, na sua conta bancária, o produto da liquidação das UPs, no montante de € 8.578.630,61;

f.           O E...– enquanto banco depositário – não procedeu à retenção na fonte sobre o valor auferido pela Requerente em resultado da liquidação do FII;

g.          O gestor de fundos do Departamento de Gestão de Fundos do E... informou a Requerente, através do seguinte e-mail datado de 05.07.2019, da necessidade de esta “declarar a mais-valia”, aquando da entrega da declaração de IRS:

 

...

 

B...

 

 

 

 

 

 

 

 

E...

 

 

h.          O Departamento de Activos Estratégicos do E... informou a Requerente, através do seguinte e-mail datado de 16.07.2019, do valor das UPs à data de 30.06.2015 e de 04.07.2019 (UPs de liquidação):

 

 

 

 

B...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

B...

 

 

i.           A Requerente entregou a declaração de rendimentos Modelo 3, referente ao ano de 2019, à qual foi atribuído o número de identificação ...-2019-...-...;

j.           A Requerente, nessa declaração de rendimentos, não declarou o montante de € 8.578.630,61, auferido em resultado da liquidação do FII;

k.          No âmbito de procedimento de análise à declaração Modelo 3 de IRS de 2019 apresentada pela Requerente, a Requerida a notificou a Requerente, através de carta registada com o identificador postal RH...PT, nos seguintes termos:

 

 

A...

 

 

 

 

 

 

 

E...

 

 

B...

 

 

 

 

 

 

 

l.           A Requerente não exerceu o seu direito de audição prévia, nos termos constantes da sobredita notificação;

m.        Por decisão assinada, datada de 02.11.2023, da Directora de Finanças de Lisboa – D..., em substituição, a Requerida confirmou a promoção da correcção da liquidação de IRS do ano de 2019, assente na seguinte fundamentação:

 

 

 

 

 

 

 

 

D...

 

 

 

 

 

B...

 

 

 

A...

 

 

n.          Esta decisão de alteração da matéria colectável foi formalmente emitida pela Requerida por escrito, contendo a identificação da entidade emissora, a data de emissão, o funcionário subscritor e respectivo cargo exercido, o número do procedimento, o sentido e respectiva fundamentação, identificando o autor do acto e contendo a sua assinatura e a menção de que foi assinado electronicamente no sistema informático da Autoridade Tributária, mediante autenticação pessoal por senha;

o.          Do teor de tal decisão final do procedimento, veio a Requerente a ser notificada através de notificação assinada pela Directora de Finanças Adjunta, por delegação –D...– através do ofício n.º ..., de 03.11.2023, remetido através de carta com aviso de recepção com o identificador postal RH...PT:

 

 

 

 

 

 

A...

 

 

 

 

 

p.          Esta notificação da decisão de alteração da matéria colectável contém: 

a)          identificação do órgão emissor (a Requerida, através da sua Direcção de Finanças de Lisboa) e do seu autor (“A Directora de Finanças Adjunta”); 

b)         a menção da qualidade (“Por delegação”); 

c)          a explicitação do sentido decisório (correcção da matéria colectável em sede de IRS referente ao ano de 2019 e consequências procedimentais, incluindo prazos e meios de reacção); e 

d)         a respectiva data da decisão; 

q.          Esse ofício foi recepcionado por “C...”, em 06.11.2023;

r.           Posteriormente, a Requerida emitiu o Documento de Correcção Único (“DCU”), na qual fez constar do quadro 11A do Anexo G dessa declaração a seguinte informação:

 

 

 

s.           A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRS de 2019 com o n.º 2023..., de 06.12.2023, com um valor a pagar de € 2.494.185,24;

t.           A Requerente foi notificada da liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., no montante total de € 288.346,78: 

 

 

 

 

 

 

 

 

u.          A Requerente foi notificada da demonstração de acerto de contas, na qual foi apurado um valor a pagar por aquela de € 2.497.587,11, com data-limite de pagamento em 17.01.2024;

v.          Através de carta registada com o identificador postal RL...PT, datado de 15.05.2024, a Requerente apresentou RG daqueles actos de liquidação;

w.         A Requerida não proferiu decisão no âmbito do procedimento de RG, no prazo de quatro meses após a respectiva apresentação;

x.          Tendo a Requerente presumido o indeferimento tácito da RG, apresentou o PPA, em 15.12.2025;

y.          Por despacho datado de 28.03.2025, Requerida procedeu à revogação parcial do acto de liquidação de IRS impugnado, atribuindo às UPs o valor de aquisição correspondente a € 1.017,3639, bem como reconhecendo que o ano de 2015 como sendo o ano de aquisição dessas UPs.

 

§3 – Factos não provados 

 

60.       Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa, não se deram como provados os seguintes factos:

a.          A DCU constante do PA instrutor acompanhou o projecto de correcções ou a decisão final da alteração da matéria colectável;

b.          A Requerente encontra-se a pagar o IRS e os juros compensatórios liquidados pela Requerida em prestações mensais.

 

V.        MATÉRIA DE DIREITO

 

61.       Considerada a matéria controvertida no presente processo arbitral tributário, e as posições apresentadas pelas partes, entende-se que foi sujeita à apreciação deste Tribunal Arbitral a análise das seguintes questões: 

a.          Nulidade da decisão de alteração da matéria colectável, por preterição de formalidades essenciais;

b.          Nulidade da notificação da decisão de alteração da matéria colectável;

c.          Incompetência para a prática do acto de alteração da matéria colectável;

d.          Caducidade do direito do Estado à liquidação;

e.          Erro insanável na fundamentação do acto tributário impugnado;

f.           Inexistência de facto tributário;

g.          Erro na determinação da matéria colectável: 

i.           por violação dos princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e da capacidade contributiva, por desconsideração do valor de aquisição das UPs;

ii.          por erro na determinação da data da aquisição das UPs;

iii.        por erro no valor de aquisição das UPs;

h.          Da obrigação de retenção na fonte; e

i.           Erro de cálculo na liquidação impugnada.

62.       Determina o artigo 124.º, n.º 1, do CPPT, que, na sentença, o tribunal apreciará, em primeiro lugar, os vícios que conduzem à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado; já no seu n.º 2, prevê-se que a ordem a observar na análise das questões formuladas será aquela que foi estabelecida pela Requerente no seu PPA.

 

§1 - Da nulidade da decisão de alteração da matéria colectável, por preterição de formalidades essenciais

 

63.       A Requerente alega que a decisão de alteração da matéria colectável da autoria da Requerida é nula, por não conter uma assinatura digital qualificada, o que, no seu entender, consubstancia a falta de forma legal, nos termos dos artigos 151.º, n.º 1, alínea g), e 161.º, n.º 2, alínea g), ambos do CPA.

 

64.       Todavia, tal argumentação é carecida de fundamento.

 

Senão vejamos, 

 

65.       Regem os artigos 151.º e 161.º, ambos do CPA, o seguinte:

Artigo 151.º

Menções obrigatórias

1 - Sem prejuízo de outras referências especialmente exigidas por lei, devem constar do ato:

a) A indicação da autoridade que o pratica e a menção da delegação ou subdelegação de poderes, quando exista;

b) A identificação adequada do destinatário ou destinatários;

c) A enunciação dos factos ou atos que lhe deram origem, quando relevantes;

d) A fundamentação, quando exigível;

e) O conteúdo ou o sentido da decisão e o respetivo objeto;

f) A data em que é praticado;

g) A assinatura do autor do ato ou do presidente do órgão colegial que o emana.

2 - As menções exigidas no número anterior devem ser enunciadas de forma clara, de modo a poderem determinar-se de forma inequívoca o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo.

Artigo 161.º

Atos nulos

1 - São nulos os atos para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade.

2 - São, designadamente, nulos:

a) Os atos viciados de usurpação de poder;

b) Os atos estranhos às atribuições dos ministérios, ou das pessoas coletivas referidas no artigo 2.º, em que o seu autor se integre;

c) Os atos cujo objeto ou conteúdo seja impossível, ininteligível ou constitua ou seja determinado pela prática de um crime;

d) Os atos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental;

e) Os atos praticados com desvio de poder para fins de interesse privado;

f) Os atos praticados sob coação física ou sob coação moral;

g) Os atos que careçam em absoluto de forma legal;

h) As deliberações de órgãos colegiais tomadas tumultuosamente ou com inobservância do quorum ou da maioria legalmente exigidos;

i) Os atos que ofendam os casos julgados;

j) Os atos certificativos de factos inverídicos ou inexistentes;

k) Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei;

l) Os atos praticados, salvo em estado de necessidade, com preterição total do procedimento legalmente exigido.”.

 

66.       Da leitura do artigo 151.º, do CPA, acima citado, resultam tipificadas as menções que devem constar de um acto administrativo em ordem a garantir a sua origem, inteligibilidade e imputação.

 

67.       Como decorre da alínea g) do n.º 1 daquele artigo acima citado, tal, naturalmente, não poderá deixar de passar pela assinatura desse mesmo acto administrativo.

 

68.       Regressando à factualidade em que repousa a questão em apreciação, temos por incontroverso que a decisão de alteração da matéria colectável foi formalmente emitida pela Requerida por escrito, contendo a identificação da entidade emissora, a data de emissão, o funcionário subscritor e respectivo cargo exercido, o número do procedimento, o sentido e respectiva fundamentação, identificando o autor do acto e contendo a sua assinatura (e a menção de que foi assinado electronicamente no sistema informático da Autoridade Tributária, mediante autenticação pessoal por senha).

 

69.       Nesse sentido, apreende-se de tal acto, de forma expressa e clara, a manifestação de vontade administrativa da Requerida que dele emana.

 

70.       De onde, não se vislumbra como concluir no sentido de que a decisão em apreço possa não conter a menção obrigatória a que alude a alínea g) do n.º 1 do artigo 151.º do CPA, porquanto a mesma se encontra efectivamente assinada através de assinatura electrónica (mediante autenticação com senha pessoal).

 

71.       Por conseguinte, entendemos que o acto cumpre com todas as menções legalmente exigidas nos termos do supra versado comando jurídico, sendo identificável o seu autor e constando do acto a respectiva assinatura electrónica aposta por este.

 

72.       Tal forma de assinatura satisfaz os requisitos funcionais de identificação e imputabilidade exigidos pelo ordenamento jurídico, assegurando a autenticidade e integridade do acto administrativo.

 

73.       Este entendimento não é posto em causa pelo facto de tal assinatura não corresponder a uma assinatura electrónica “qualificada”, nos termos do Regulamento (UE) n.º 910/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Julho de 2014 (“Regulamento eIDAS”), o qual regula a identificação electrónica e aos serviços de confiança para as transacções electrónicas no mercado interno e que revogou a Directiva 1999/93/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Dezembro de 1999.

 

74.       Nos termos do artigo 288.º, segundo parágrafo, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, os regulamentos têm alcance geral, são obrigatórios em todos os seus elementos e directamente aplicáveis nos Estados-Membros, tendo os tribunais e autoridades administrativas nacionais, por conseguinte, o dever de lhes dar execução imediata, afastando a aplicação de disposições internas contrárias, sem necessidade de revogação prévia.

 

75.       Isto significa que os regulamentos da União Europeia produzem efeitos imediatos na ordem jurídica interna, sem necessidade de transposição legislativa ou acto de execução por cada um dos Estados-Membros, integrando-se automaticamente no ordenamento jurídico de cada Estado e vinculando tanto as autoridades públicas como os particulares.

 

76.       Como tal, os regulamentos da União Europeia possuem eficácia imediata, obrigatória e prevalente, sendo aplicáveis ipso iure aos casos concretos e impondo-se a todas as instâncias nacionais como direito directamente operativo e de aplicação uniforme em todo o território da União.

 

77.       Nos termos da alínea 10) do artigo 3.º do Regulamento eIDAS, define-se por “Assinatura eletrónica” como correspondendo a “os dados em formato eletrónico que se ligam ou estão logicamente associados a outros dados em formato eletrónico e que sejam utilizados pelo signatário para assinar”, pelo que dúvidas não subsistem quanto à subsunção da assinatura electrónica aposta no documento ora em análise. 

 

78.       Prescrevendo o n.º 1 do artigo 25.º deste diploma, que: “Não podem ser negados efeitos legais nem admissibilidade enquanto prova em processo judicial a uma assinatura eletrónica pelo simples facto de se apresentar em formato eletrónico ou de não cumprir os requisitos exigidos para as assinaturas eletrónicas qualificadas.”.

 

79.       Deste preceito resulta de forma inequívoca que as “assinaturas electrónicas”, ainda que não “qualificadas”, gozam de presunção de validade e eficácia jurídica, desde que assegurem a identificação do signatário e a ligação lógica com o documento subscrito. 

 

80.       O direito da União Europeia proíbe assim e de forma expressa, que a validade ou a eficácia de uma “assinatura electrónica” seja recusada apenas porque esta não é qualificada.

 

81.       Em conformidade, a assinatura aposta no despacho em apreço cumpre os critérios de autenticidade e imputação exigidos pelo Regulamento eIDAS: identifica o autor (D...), associa inequivocamente a sua vontade ao conteúdo do acto e foi realizada através de mecanismo de autenticação pessoal protegido, apto a garantir a integridade e a rastreabilidade da subscrição.

 

82.       A circunstância de não se poder aferir externamente o nível técnico de certificação da assinatura não afecta a validade jurídica daquele despacho, dado que o Regulamento eIDAS assegura a equivalência funcional e probatória de todas as assinaturas electrónicas, qualificadas ou não.

 

83.       A utilização de assinatura electrónica autenticada por senha pessoal no sistema interno da AT cumpre a finalidade de identificação e imputação do acto, sendo juridicamente suficiente para a sua validade, nos termos conjugados do artigo 151.º, alínea g), do CPA, e dos artigos 3.º e 25.º do Regulamento eIDAS.

 

84.       A qualificação técnica da assinatura electrónica (simples, avançada ou qualificada) não afecta a existência do acto nem a sua cognoscibilidade jurídica; a lei não exige que o contribuinte demonstre ou verifique a certificação digital para que o acto seja válido.

 

85.       Regressando à invocação de nulidade esgrimida pela Requerente, ao abrigo do artigo 161.º, n.º 2, alínea g), do CPA, importa reter que tal previsão apenas se aplica a situações em que o acto administrativo carece em absoluto de forma legal.

 

86.       Isto é, quando inexista qualquer manifestação formal, juridicamente reconhecível, da vontade administrativa — por exemplo, quando um acto que deva revestir forma escrita é praticado oralmente, ou quando não contém qualquer assinatura, menção ou elemento que permita identificar o seu autor.

 

87.       Nesses casos, o acto não chega sequer a constituir-se validamente no plano jurídico, por ausência total de exteriorização da vontade do órgão competente.

 

88.       Diversamente, quando o acto é reduzido a escrito, contém a assinatura electrónica do autor, identifica o órgão de origem e é notificado ao interessado, não se verifica ausência total de forma, mas, na pior das hipóteses, uma mera irregularidade no modo de assinatura.

 

89.       Tal hipotético cenário situação enquadrar-se-ia, quanto muito, no regime da anulabilidade previsto no artigo 163.º, do CPA, e não já no âmbito da nulidade, já que a formalidade essencial — a expressão escrita da decisão, do seu autor e a imputabilidade desta a determinado órgão da administração pública — se encontra plenamente observada.

 

90.       Assim, em face de tudo o acima exposto a invocação de nulidade ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA pugnada pela Requerente não pode proceder, porquanto inexiste qualquer omissão absoluta de forma legal.

 

91.       Em conclusão, a decisão de alteração da matéria colectável não carece em absoluto de forma legal, encontrando-se formalmente completa e juridicamente válida, constituindo a assinatura electrónica aposta naquele documento, ainda que não qualificada, meio de autenticação legalmente admitido e conforme ao Regulamento eIDAS, o qual prevalece sobre qualquer norma interna em sentido contrário.

 

92.       Por conseguinte, atenta a fundamentação exposta, a nulidade invocada pela Requerente é destituída de qualquer fundamento e a decisão de alteração da matéria colectável posta em causa por aquela mostra-se conforme ao disposto no Regulamento eIDAS e no CPA e deve manter-se na ordem jurídica como acto plenamente válido e eficaz.

 

§3 – Da nulidade da notificação da decisão de alteração da matéria colectável

 

93.       A Requerente invoca ainda a existência de nulidade da notificação da decisão de alteração da matéria colectável por da mesma não constar: “A identificação do autor do suposto acto de delegação de competências;”, nem “O local e a data em que terá sido publicado o correspondente despacho de subdelegação de competências.” (cfr. ponto 123 do PPA).

 

94.       Analisemos se assiste razão à Requerente ao arguir este vício.

 

95.       O n.º 12 do artigo 39.º do CPPT tipifica os vícios que tornam nulo o acto de notificação; nos seguintes moldes: “O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.”

 

96.       Assim, decorre do versado preceito a cominação da notificação enquanto nula quando se verifique a falta de indicação do autor do acto notificado e, havendo delegação ou subdelegação, a falta de menção da qualidade em que decide (delegado/subdelegado), bem como do sentido e da data da decisão. 

 

97.       A norma não exige – nem expressa, nem tacitamente – que a notificação identifique o autor do acto de delegação ou de subdelegação, nem que indique o local ou a data da publicação do despacho de delegação ou de subdelegação. 

 

98.       Estes últimos referidos elementos pertencem exclusivamente à esfera de cognoscibilidade externa da competência (publicidade em jornal oficial – Diário da República), não integrando, pelo exposto, o conteúdo obrigatório da notificação decorrente de tal preceito.

 

99.       Descendo ao caso que ora nos atém, a notificação da decisão de alteração da matéria colectável junta aos autos contém: 

a.          identificação do órgão emissor (a Requerida, através da sua Direcção de Finanças de Lisboa) e do seu autor (“A Directora de Finanças Adjunta”); 

b.          a menção da qualidade (“Por delegação”); 

c.          a explicitação do sentido decisório (correcção da matéria colectável em sede de IRS referente ao ano de 2019 e consequências procedimentais, incluindo prazos e meios de reacção); e 

d.          a respectiva data da decisão. 

 

100.    Neste conspecto, encontram-se integralmente preenchidos os requisitos legais do artigo 39.º, do CPPT, não se verificando qualquer das omissões tipificadas susceptíveis de gerar a nulidade da notificação daquela decisão.

 

101.    A orientação do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”), plasmada no acórdão de 25.09.2019, no processo n.º 0163/14.8BESNT, é coincidente com esta leitura do preceito supracitado, na medida em que a mesma assinala o seguinte: 

De harmonia com o disposto no artigo 39º, nº 12 do CPPT o acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto, e no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.

Ora, como emana de forma clara da sua letra, o normativo do nº 12 do artº 39º do CPPT apenas exige a indicação do autor do acto, da data em que o acto foi praticado e do seu sentido decisório, bem como a indicação da qualidade em que o autor do acto decidiu, caso o tenha feito no uso de competência delegada ou subdelegada.

No caso vertente resulta do probatório (ponto 7) que é o seguinte o teor da notificação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico: “Fica Vª Exª por este meio notificado(a) que o Recurso Hierárquico supra referido mereceu despacho da Senhora Directora de Serviços do IRC, em 2013/02/15, no uso de competências Subdelegadas negando provimento, conforme fundamentação que se junta.”

Assim, como bem se assinala na decisão recorrida, a notificação em causa cumpre todos os requisitos fixados no nº 12 do artº 39º do CPPT, dado que identifica o seu autor (o seu cargo) e a qualidade em que decidiu (por subdelegação de competências), a data da decisão (15.02.2013) e o sentido decisório (indeferimento).

Não padece, pois de nulidade, nos termos previstos no nº 12 do artº 39º do CPPT, pelo que improcede este fundamento do recurso.”

 

102.    Concluiu assim o STA, em síntese, que o n.º 12 do artigo 39.º do CPPT “apenas” exige a indicação do autor do acto, da qualidade delegada/subdelegada, da data e do sentido da decisão; e ainda que, a ausência, no teor da notificação, da identificação dos autores do(s) acto(s) de delegação, bem como da data e local da respectiva publicação de tal delegação, não integram o leque de causas de nulidade da notificação – concluindo que, constando aqueles quatro referidos elementos, a notificação não padece de nulidade.

 

103.    Aplicando a versada moldura legal e o respectivo entendimento que dela efectua o STA torna-se inexorável concluir que a notificação da decisão de alteração da matéria colectável contém aqueles quatro elementos, cumprindo integralmente os requisitos legais. 

 

104.    Destarte, reunidos que se encontram estes quatro elementos, não se verifica qualquer das omissões taxativamente previstas enquanto geradoras de nulidade da notificação, nos termos do n.º 12 do artigo 39.º do CPPT.

 

105.    Nesse sentido, a objecção da Requerente acima descrita — de que faltariam, na notificação, “a identificação do autor do suposto acto de delegação” e “o local e a data da publicação do despacho de subdelegação” — extravasa a letra e a ratio do artigo 39.º, do CPPT. 

 

106.    Em suma, o legislador não pretendeu converter a notificação num exaustivo repositório da cadeia de poderes delegados, antes exigindo sim que o destinatário saiba quem decidiu, em que qualidade, quando decidiu, o que foi/em que sentido foi decidido, para poder ponderar sobre a sua conformação ou não com o acto e, neste último caso, estar em condições de, tempestivamente, utilizar os meios de reacção legalmente consagrados para o efeito, sendo esta solução legislativa o ponto de equilíbrio normativo entre a tutela dos direitos do contribuinte e a funcionalidade procedimental do sujeito activo da relação jurídico-tributária.

 

107.    Pelo exposto, padecendo de fundamento legal a tese de nulidade propugnada pela Requerente – a qual não encontra sequer suporte na jurisprudência do STA aplicável – é de concluir que a notificação da decisão de alteração da matéria colectável não enferma de vício gerador de nulidade, não podendo dar-se provimento a este argumento apresentado por aquela. 

 

§3 – Incompetência para a prática do acto de alteração da matéria colectável

 

108.    Entende a Requerente que a funcionária da AT –D...– era incompetente para a prática da decisão de alteração da matéria colectável da Requerente, porquanto no despacho de 02.11.2023 se limita a referir “por substituição”, sendo que, no dia seguinte, no ofício pelo qual se deu conhecimento do versado acto decisório apenas menciona “Por Delegação”.

 

109.    Segundo a Requerente, inexistirão elementos – facto e norma habilitadora – que permitam descortinar quais as competências e a coberto de quê foi tal acto praticado.

 

110.    Vejamos se assiste razão à Requerente em relação a este vício.

 

111.    A decisão de alteração da matéria colectável em que assenta a liquidação de IRS relativa ao exercício de 2019 em apreço nestes autos, foi praticada pela Requerida, no seio da Direcção de Finanças de Lisboa, pela Divisão de Liquidação dos Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa, sendo o despacho proferido pela respectiva Directora de Finanças de Lisboa, em regime de substituição, em 02.11.2023, a qual sufragou o parecer do Chefe da Divisão de Liquidação e da precedente informação prestada pelo técnico responsável, também ele identificado.

 

112.    Ora, no tocante à menção “em substituição” a mesma crê-se auto-explicativa, mas, em todo o caso, cumpre referir que a mesma se consubstancia na faculdade de um órgão competente em poder designar um titular de cargo público dirigente, a título excepcional e transitório, para garantir a continuidade do funcionamento do respectivo organismo ou serviço público, num período em que ocorra a vacatura do cargo e em que, por força da lei, não possa ser nomeado um novo titular.

 

113.    Tal possibilidade dimana do disposto no n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 2/2004, de 15 de Janeiro (“Lei 2/2004”), através do qual se autoriza a designação de titulares de cargos dirigentes em regime de substituição no caso de ocorrer uma “vacatura de cargo”.

 

114.    A ratio de tal figura e solução jurídico-administrativa justifica-se na medida em que evita a paralisação da administração pública e que, desta forma, possa ficar refém de designações sujeitas a momento incerto, devido a vicissitudes legais ou factuais que bloqueiem, durante um determinado período temporal, a nomeação de pessoal que assegure o exercício regular de cargos de direcção. 

 

115.    Ora, qualquer “cidadão médio”, colocado na posição da Requerente, enquanto destinatário de um despacho como aquele que foi proferido pela Requerida, em concreto, no seio da Direcção de Finanças de Lisboa, no contexto daquele procedimento tributário, pode razoavelmente compreender que “em substituição” significa o exercício de poderes (próprios ou delegados) por parte de quem, temporariamente, substitui o titular dessa competência.

 

116.    E tal circunstância de o autor do acto estar em regime de substituição no exercício de tal cargo, em nada colide com a circunstância de o acto em questão ter sido praticado no exercício de uma competência originária ou de uma competência derivada (delegada ou subdelegada), pelo que inexiste qualquer contradição ou incoerência nas menções a que alude a Requerente nesta matéria.

 

117.    Pela sua subsunção ao caso ora em apreço, impõe-se aqui citar parcialmente o acordado pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 20.03.2025, no processo n.º 1307/11.7BESNT, o qual, de resto, se apoia em jurisprudência do STA (decorrente de aresto datado de 06.07.2016, no âmbito do processo n.º 01162/15), o qual, pese embora apelando ao então artigo 123.º, do CPA, corresponde actualmente, com similar teor, ao artigo 151.º de tal compêndio legal:

“No despacho de reversão que foi proferido, foi feita menção “em substituição”, que no entender do tribunal recorrido é insuficiente porquanto deveria constar ainda os requisitos para a sua intervenção e competência (por falta, ausência ou impedimento do titular do cargo), conducente à ilegalidade do despacho de reversão.

Sobre situação idêntica à dos presentes autos, destacamos o entendimento vertido no Acórdão do STA de 06/07/2016 – proc. 01162/15 no qual se afirma claramente o seguinte: “O art.º 123.º do Código de Procedimento Administrativo indica como menção obrigatória que devem constar do acto administrativo – a menção da substituição. Esta, como referido no artigo 41.º do Código de Procedimento Administrativo ocorre em casos de ausência, falta ou impedimento do titular do cargo, não estabelecendo a lei obrigatoriedade da sua menção, pese embora a doutrina administrativa considere que, à semelhança do que ocorre com a delegação de poderes, nos termos do disposto no art. 38.º e 123.º do Código de Procedimento Administrativo deva a mesma ser mencionada no acto.

A figura jurídica da substituição do exercício de funções visa conceder efectividade ao princípio geral do exercício da actividade administrativa da continuidade dos serviços públicos, segundo o qual a continuidade dos serviços públicos deve ser assegurada em todas as circunstâncias, evitando rupturas decorrentes de incidências ocasionais ou acidentais (v. g., falta, ausência ou impedimento do titular de um cargo), visto que para realização dos interesses públicos que lhe cabe prosseguir, a actividade administrativa é por natureza contínua e ininterrupta.

Neste caso foi mencionado a intervenção do funcionário em substituição de outro. Mas foi omitido o concreto motivo determinativo dessa substituição. Nos termos da lei, da ausência dessa indicação não resulta qualquer afectação da validade do acto administrativo por se não tratar de elemento essencial deste, mas uma mera irregularidade formal relevante apenas na medida em que possa ter perturbado o exercício dos direitos de defesa do destinatário do acto dando porventura lugar à utilização de meios de reacção não idóneos, coisa que aqui não ocorre, ou sequer foi alegada. A lei, em preceito algum impõe a necessidade de indicar a causa que faz operar a substituição.

A sentença recorrida procedeu a um incorrecto paralelo entre uma situação em que se não fez constar do acto administrativo em matéria tributária a razão concreta que determinou o funcionamento da substituição e aquela que seria decorrente da prática de um acto por entidade incompetente para o praticar, pelo que se revoga tal decisão que enferma de manifesto erro de direito”.

In casu, do despacho de reversão consta a menção “em substituição”, obrigatória para o caso de intervenção de um funcionário em substituição de outro, mas não foi indicado o concreto motivo dessa substituição. Ora como resulta do entendimento jurisprudencial acima transcrito “nos termos da lei, da ausência dessa indicação não resulta qualquer afectação da validade do acto administrativo por se não tratar de elemento essencial deste, mas uma mera irregularidade formal (…). A lei, em preceito algum impõe a necessidade de indicar a causa que faz operar a substituição.”.

Em face do exposto, julgamos ser de conceder provimento ao recurso na medida que o despacho de reversão, bastando-se com a mera indicação “em substituição”, não padece da ilegalidade que o tribunal a quo considerou verificada, revogando-se nesta parte a sentença recorrida.

 

118.    Ante o que se vem alinhando e por inexistirem razões para divergir da jurisprudência ora citada, é a menção à Directora de Finanças de Lisboa “em substituição”, aposta no despacho de 02.11.2023, uma fórmula administrativa típica e legalmente idónea para identificar o modo de exercício transitório das funções dirigentes, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, da Lei 2/2004 (regime da substituição em vacatura, ausência ou impedimento).

 

119.    Como tal, a mera menção “em substituição” cumpre a sua função sinalagmática: tornar cognoscível ao destinatário que o acto foi praticado pelo dirigente que, naquele período, exerce provisoriamente as funções do órgão.

 

120.    Aqui chegados e perante a mediana clareza do teor do despacho no que tange quer ao titular do órgão – Director de Finanças de Lisboa – que tomou a decisão e os termos – transitórios – em que á época se encontrava a exercer tal competência, não pode deixar de improceder a incompetência invocada pela Requerente.

 

§4 - Da caducidade do direito à liquidação decorrente da ineficácia

 

121.    A Requerente invoca, na senda do vício anteriormente apreciado (nulidade da notificação da decisão da alteração da matéria colectável), que tal alteração seria ineficaz, pelo que os actos de liquidação ora postos em crise seriam igualmente ineficazes.

 

122.    Complementando esse raciocínio, a Requerente defende que, nesta data, já decorreu o prazo de caducidade do direito de liquidar impostos.

 

123.    Ou seja, a caducidade do direito à liquidação que a Requerente deduz assenta inteiramente num pressuposto ou condição antecedente – a alegada nulidade (ou ineficácia, como também refere) da notificação da decisão de alteração da matéria colectável – e não como um vício autónomo ancorado numa alegada notificação extemporânea das próprias liquidações objecto da RG e do presente PPA.

 

124.    Sucede, porém, que esse pressuposto não se verifica.

 

125.    Como já se deixou supra demonstrado, a notificação da decisão de alteração da matéria colectável não é nula (nem ineficaz) à luz do artigo 39.º, do CPPT, porquanto contém os elementos legalmente exigidos — identificação do autor do acto, menção da qualidade quando o acto é praticado em delegação ou subdelegação, bem como o sentido e a data da decisão — e cumpre a função de dar conhecimento efectivo ao contribuinte, em cumprimento dos termos do artigo 36.º, do CPPT. 

 

126.    Inexistindo qualquer ineficácia ou nulidade da notificação da decisão de alteração à matéria colectável em apreço, sucumbe o pressuposto do qual a Requerente fez depender a invocação da caducidade do direito à liquidação, e soçobra automaticamente a cadeia conclusiva que de tal nulidade ou ineficácia dependia.

 

127.    Como flui do próprio teor do PPA, a Requerente, neste particular, revela um entendimento implícito: sem a ineficácia ou nulidade da notificação da decisão de alteração da matéria colectável, não se verifica a caducidade do direito à liquidação. 

 

128.    Em rigor, em momento algum a Requerente articula factos, interpretação ou mera conclusão jurídica na qual sustente, de modo autónomo face ao vício apontado à precedente notificação, que os actos tributários de liquidação de IRS e juros compensatórios objecto destes autos, possam ter sido notificados fora de prazo estabelecido no artigo 45.º, da LGT.

 

129.    Ante o exposto, não se demonstrando que as liquidações ora postas em crise tenham sido notificadas para além do prazo quadrienal previsto no artigo 45.º, da LGT, de onde, sem que o pressuposto da ineficácia ou nulidade da notificação precedente se verifique, deve julgar-se por totalmente improcedente o vício de caducidade do direito à liquidação arguido pela Requerente.

 

§5-    Do erro insanável na fundamentação do acto tributário

 

130.    Aduz igualmente a Requerente que existe uma insanável contradição entre os vários termos empregues na fundamentação dos actos tributários impugnados.

 

131.    Para tal, refere que a Requerida tanto recorre ao termo “resgate” de UPs (o qual corresponde ao código “G41” da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS), como utiliza o termo “alienação” de UPs (o qual corresponde ao código “G40” da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS), sendo que a Portaria n.º 47/2023, de 15 de Fevereiro (“Portaria 47/2023”) obriga a que se faça uma distinção entre esses termos.

 

132.    Ora, de facto, aquando da elaboração da DCU, a Requerida utilizou o código G40 e não código G41.

 

133.    O legislador, através da Portaria 47/2023, pela qual aprovou os modelos de impressos para cumprimento das obrigações declarativas previstas no n.º 1 do artigo 57.º do Código do IRS e respectivas instruções de preenchimento a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2020, para efeitos de sistematização das figuras do “resgate” e da “liquidação”, estabeleceu códigos descritivos distintos, cujos descritivos se citam: 

CÓDIGO DESCRITIVO

G40

Alienação de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, a que seja aplicável o regime previsto na alínea e) do n.º 1 e no n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, aditado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor a partir de 1 de julho de 2015)

G41

Resgate e liquidação de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, a que seja aplicável o regime previsto na alínea b) do n.º 1 e no n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, aditado pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (em vigor a partir de 1 de julho de 2015

 

134.    Não obstante tal ocorrência, certo é que a mesma é absolutamente exógena à fundamentação da decisão de alteração à matéria colectável em apreço. 

 

Senão vejamos,

 

135.    No que respeita ao dever de fundamentação, resulta do disposto no artigo 268.º, da CRP, que os actos administrativos carecem de fundamentação expressa e acessível que permita aos seus destinatários conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.

 

136.    Tal dever é concretizado, no Direito Tributário, pelo n.º 1 do artigo 77.º da LGT, o qual prevê que “[a] decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”.

 

137.    Conforme vêm entendendo de forma uniforme a respeito deste instituto os tribunais superiores e em particular, o STA, nomeadamente no acórdão proferido em 02.02.2022, no processo n.º 03014/11.1BEPRT, tem expresso o seguinte: “No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.

 

138.    Do cotejo do normativo e da interpretação que dimana dos tribunais superiores é seguro concluir que a função e finalidade da fundamentação de qualquer decisão em matéria tributária, é a de dar a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, e nessa base poder formar um juízo de conformação ou não quanto ao sentido da decisão. 

 

139.    Tal pressupõe que a fundamentação relevante integre aqueles que foram os elementos externalizados junto do contribuinte, aquando da notificação da decisão em causa.

 

140.    Acresce que a Requerente demonstrou, ainda no âmbito do procedimento tributário – em sede de RG – e agora nos presentes autos – conhecer e compreender perfeitamente o iter cognoscitivo subjacente à tomada de decisão da Requerida. 

 

141.    Veja-se que a Requerente em momento algum fez uso – ou pelo menos tal não foi alegado ou demonstrado – do mecanismo previsto no artigo 37.º, do CPPT, nos termos do qual poderia requerer à Requerida que lhe remetesse a fundamentação legalmente exigida de forma a completar os requisitos legais de fundamentação eventualmente omitidos.

 

142.    Assim sendo, mesmo que eventualmente existissem vícios quanto à fundamentação dos actos de liquidação contestados, os mesmos sempre se considerariam sanados, já que a função subjacente ao dever de fundamentação foi integralmente cumprida. 

 

143.    Isto na medida em que a Requerente, colocada na posição do destinatário médio, conseguiu compreender as razões de facto e de direito nas quais a AT baseou a sua decisão, tendo assim tido a possibilidade de se conformar com o teor do acto ou de o contestar, conforme veio a suceder. 

 

144.    Aliás, a circunstância de a Requerente, no âmbito da apresentação da sua RG, juntar documentos associados ao valor do FII e à sua subsequente liquidação, demonstram que aquela tinha – já naquela ocasião – um perfeito conhecimento da motivação que tinha presidido à emissão dos actos de liquidação por si contestados.

 

145.    Neste preciso sentido referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 3.ª edição, Vislis, 2003, pp. 381-382, que “deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu alcance.”.

 

146.    Por outro lado, ainda neste conspecto, atenta a factualidade dada como provada nestes autos, não é possível integrar a DCU, no leque do acervo de informação integrante da fundamentação da decisão de alteração à matéria colectável que antecedeu os actos de liquidação ora postos em crise.

 

147.    Tal DCU tem uma natureza e função de mero instrumento de natureza interna e instrumental, utilizado pelos serviços da Requerida para efeitos de migração dos dados que fluem de determinada decisão para o sistema informático, em ordem a gerar a subsequente liquidação de imposto.

 

148.    Em face da sua finalidade e função, a DCU não pode ou não deve (em circunstâncias normais), por definição, ser anterior ou sequer contemporânea da decisão de alteração à matéria colectável que está na base da liquidação de imposto – constituindo antes uma etapa subsequente e meramente técnico-operativa, tendo em vista o apuro quantitativo a ser espelhado pelo consequente acto tributário de liquidação. 

 

149.    Deve ainda realçar-se, a este propósito, que de tal deficiente digitação quanto ao código introduzido na DCU não resultou qualquer repercussão quantitativa ao nível do resultado apurado em sede de liquidação, por força do idêntico regime de tributação que decorre da quantificação ao abrigo de qualquer um dos dois códigos supra identificados.   

 

150.    Nesta conformidade, sendo a fundamentação a posteriori inadmissível e não resultando da prova carreada para estes autos que o teor da DCU tenha sido comunicado à Requerente enquanto elemento integrante da decisão de alteração à matéria colectável, forçoso é concluir que tal formulário não pode integrar o acervo de razões determinantes dos termos em que assentou aquela decisão administrativa tomada pela Requerida. 

 

151.    A fundamentação relevante é apenas aquela que foi externalizada e levada ao conhecimento da Requerente, de forma a permitir-lhe compreender o sentido da decisão e eventualmente contra ela reagir (como, de resto, veio a fazer). 

 

152.    Destarte, ficando prejudicada qualquer alegação de erro ou contradição insanável da fundamentação com base no conteúdo do DCU – que não fez parte e não é contemporâneo da fundamentação da decisão de alteração à matéria colectável – pelo que não pode o teor desse formulário ser convocado para integrar a fundamentação daquela decisão notificada à Requerente.

 

153.    Conclui-se que a fundamentação do acto de liquidação contestado cumpre com os requisitos exigidos nos termos dos artigos 268.º, da CRP, e 77.º, da LGT, motivo pelo qual se julga improcedente este vício invocado pela Requerente.

 

§6 -   Da inexistência de facto tributário

 

154.    Invoca a Requerente a inexistência do facto tributário, na medida em que, durante o procedimento de análise à declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS do ano de 2019, a Requerida se referiu, quer no projecto de correcções, quer na decisão final, que a Requerente havia auferido rendimentos derivados do “resgate” de UPs.

 

155.    Como tal, para a Requerente, a AT tributou uma realidade que não existia – resgate de UPs – e não tributou a realidade existente – a quota-parte na partilha do saldo de liquidação do FII….

 

156.    … sendo que o resgate e a liquidação são conceitos distintos e não confundíveis.

 

Vejamos,

 

157.    Da análise à fundamentação do acto de liquidação impugnado, a qual inclui, necessariamente, o projecto de correcções e respectiva decisão final de alteração da matéria colectável, decorre com mediana clareza que a AT não tributou uma realidade inexistente, mas sim o rendimento decorrente da extinção das UPs de que a Requerente era titular, em resultado da liquidação do FII, operação esta, expressamente abrangida pela norma de incidência do artigo 10.º, n.º 1, alínea b), subalínea 5), do Código do IRS.

 

158.    Veja-se, de resto, que o próprio quadro 11-A do Anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 (na qual a Requerida veio a concretizar a correcção inicialmente proposta à matéria colectável da Requerente) tem por título “Fundos de investimento e imobiliário e sociedades de investimento imobiliário      Alienação e resgate/liquidação de Ups e de participações sociais”.

 

159.    De resto, da leitura do normativo do Código do IRS acima mencionado, resulta a sujeição a tributação, em sede de categoria G – mais-valias, “os ganhos obtidos que resultem do resgate de unidades de participação em fundos de investimento e da liquidação destes fundos”.

 

160.    Isto é, o legislador, ao reunir no mesmo segmento do normativo a figura do “resgate” e da “liquidação”, pretendeu agregar, dentro de um universo de tão diversas e distintas realidades sujeitas a tributação em sede de mais-valias, ambas aquelas figuras para efeitos fiscais.

 

161.    Reconhece, assim, o legislador, implicitamente, que ambas aportam características essencialmente convergentes, as quais passam pela extinção do valor mobiliário – leia-se a UP – opção legislativa essa que não pode deixar de merecer uma leitura quanto ao pensamento do legislador aquando da elaboração do teor do normativo em causa.

 

162.    Do ponto de vista mobiliário, tanto o “resgate” como a “liquidação” implicam a extinção das UPs correspondentes, determinando o desaparecimento do título representativo de um determinado fundo de investimento, como resulta da análise sistemática ao regime que regula os Organismos de Investimento Colectivo (“OICs”), previsto no Decreto-Lei n.º 27/2023, 28 de Abril (“DL 27/2023”), e posteriores alterações legislativas.

 

163.    Conforme decorre de forma expressa dos prospectos e regulamentos de gestão dos fundos, o “resgate” constitui o mecanismo próprio dos OICs abertos, através do qual o participante recebe o valor correspondente à sua posição num OIC.

 

164.    Tal implica, no plano técnico e de registo, o cancelamento ou eliminação das UPs resgatadas, traduzindo-se na consequente redução do número de UPs em circulação e, quando aplicável, na diminuição do capital do OIC, sendo o valor das UPs a resgatar determinado nos termos do regulamento de gestão do OIC.

 

165.    Já no caso da “liquidação” de um OIC, este traduz-se no processo através do qual o património autónomo do mesmo é integralmente realizado — isto é, os seus activos são alienados, as obrigações pagas e o remanescente distribuído pelos participantes — conduzindo à sua extinção e ao cancelamento das UPs.

 

166.    Trata-se, pois, de um mecanismo de resgate global e automático, que ocorre quando o OIC cessa a sua actividade, seja por decisão da entidade gestora, seja por motivos legais, estatutários ou do supervisor.

 

167.    Ora, ao nível da valorização das UPs destas duas figuras, nos termos do n.º 5 do artigo 14.º do DL 27/2023, prevê-se que “O valor das unidades de participação determina-se dividindo o valor líquido global do organismo de investimento coletivo pelo número de unidades de participação emitidas.”.

 

168.    Sendo que, por sua vez, o “valor global líquido” do OIC resulta do “montante correspondente ao valor total dos ativos menos o valor dos passivos”, como decorre do estipulado do n.º 2 do artigo 20.º do DL 27/2023.

 

169.    Atento o vindo de expor, tanto no “resgate”, como na “liquidação” de um OIC, o mecanismo de valorização das UPs obedece à mesma lógica económico-jurídica, centrada no “valor líquido global” (“VLG”) do OIC, determinado pela diferença entre o valor de mercado dos activos e o montante dos passivos, sendo assim que o valor unitário da UP resulta da divisão do VLG pelo número de UPs em circulação, de acordo com as regras previstas no regulamento de gestão e no Regulamento da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários n.º 3/2020.

 

170.    Deste modo, embora a “liquidação” de um OIC assuma um carácter global e o “resgate” das UPs num OIC uma natureza individual, ambas as figuras partilham, no essencial, elementos comuns: a valorização assente no VLG e a consequente extinção das UPs objecto de cada uma dessas figuras, o que, objectivamente, não sucede no caso da respectiva transmissão.

 

171.    Do exposto decorre que o “resgate” e a “liquidação” constituem assim, manifestações de um mesmo princípio: o da realização do investimento através da extinção das UPs com uma valorização sustentada no VLG, o que justifica a opção legislativa de enquadramento conjunto e agregado de ambas as figuras na subalínea 5) da alínea b) do artigo 10.º do Código do IRS.

 

172.    Nesta mesma linha de entendimento, de forma coerente, o legislador, através da Portaria n.º 321/2018, de 13 de Dezembro (“Portaria 321/2018”) através da qual aprovou a declaração Modelo 13 e as respectivas instruções de preenchimento, reitera esta noção de convergência entre ambas as realidades, ao fazer prever em tais instruções, no campo 13 e no que releva para estes autos, os seguintes códigos:

08 – Alienação/resgate/reembolso de outros valores mobiliários (aplicável até 2011)

10 – Alienação de outros valores mobiliários

11 – Resgate/reembolso de outros valores mobiliários

 

173.    Pese embora a diferenciada nomenclatura utilizada – “reembolso” – não pode deixar de, quanto mais não fosse por exclusão das demais hipóteses citadas, de concluir que a figura da “liquidação” de OICs, não poderá deixar de se subsumir em tal versada nomenclatura, até porque, como supra se deixou exposto, a realidade mobiliária das operações que – quer a figura do “resgate”, quer a figura da “liquidação” encerram – se afasta da qualquer matriz de transmissão ou alienação. 

 

174.    Ou seja, o próprio sistema de reporte fiscal da Requerida — e não apenas a norma de incidência — trata ambas as operações de modo conjunto e indistinto.

 

175.    Fica assim bem patente que, não obstante conceptualmente com certeza diferenciadas, ambas as realidades – “resgate” e “liquidação” – são tratadas (de acordo com o pensamento revelado pelo legislador) unitariamente na dimensão fiscal que entendeu relevante — a extinção da posição do investidor no OIC — assegurando uniformidade de qualificação e de regime para realidades que (embora diferenciadas nos seus mecanismos) produzem o mesmo efeito económico-jurídico relevante (desaparecimento do valor mobiliário e realização de mais ou menos-valia). 

 

176.    A inserção sistemática destas figuras de forma aglutinada, como se deixou evidenciado (modelos declarativos e respectivos códigos), patenteia uma convergência legislativa e uma interpretação integradora: “resgate” e “liquidação” são tratadas conjuntamente porque exprimem uma similar realidade tributária essencial e só isso permite justificar a reiterada aglutinação de ambas as figuras nos textos normativos.

 

177.    Pelo que, é sem surpresa que o legislador, no âmbito do n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF (na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de Janeiro ou “DL 7/2015”) confirma este alinhamento, ao prever identicamente para ambas as figuras, uma mesma e específica regra de tributação, devendo ser considerados como rendimentos de bens imóveis.

 

178.    Ora, retomando o caso que ora nos atém, resulta demonstrado que a Requerida fundou a liquidação adicional nos elementos transmitidos pelo banco depositário, por via da declaração Modelo 13, aprovada pela Portaria 321/2018. 

 

179.    Não podendo a AT, perante tal elemento declarativo, deixar de presumir, por verdadeiro, o respectivo teor de tal declaração de reporte tributário, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, segundo o qual: “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei (…)”.

 

180.    Ora, no âmbito do procedimento que levou à correcção, a AT caracterizou a operação objecto de correcção, quer utilizando a nomenclatura “resgate”, quer a expressão “resgate/liquidação”, o que, pese embora, poder eventualmente resultar menos esclarecida, não deixa de se respaldar na sistemática legal decorrente da opção legislativa densificada ao nível da declaração Modelo 13, onde ambas as figuras se encontram agregadas, tal como sucede nas disposições do Código de IRS vindas de enunciar. 

 

181.    Tal entendimento encontra eco na jurisprudência, por exemplo, na arbitral, como resulta, por todos, na decisão arbitral datada de 18.05.2023, no processo n.º 773/2020-T, onde se afirma:

Estando-se, no nosso caso, diferentemente, não em sede de transmissão onerosa de participações e sim, sempre, em sede de ‘resgate – liquidação’.”

 

182.    Face ao enquadramento vindo de enunciar, quer ao nível da regulação dos OICs, quer ao nível do enquadramento tributário que o legislador optou por efectuar no Código do IRS e no EBF e do cotejo dos elementos documentais em que se baseou a decisão de alteração da matéria colectável, não se acompanha a conclusão segundo a qual se está perante a “inexistência do facto tributário”, por errada qualificação do mesmo por parte da AT.

 

183.    Assim mesmo, as nomenclaturas de que a Requerida fez uso no âmbito do procedimento tributário obtêm respaldo, independentemente da maior ou menor bondade da opção legislativa, na convergência legal e sistemática, ao nível tributário, conferida pelo legislador às figuras em causa, tendo a decisão final daquele procedimento vindo apenas confirmar o teor do proposto em sede de projecto de correcções, onde foi dada a conhecer à Requerente a existência de rendimentos prevenientes de “resgate/liquidação”, cuja sujeição a tributação havia sido omitida. 

 

184.    Por fim, e como bem aponta a Requerente no PPA, no caso dos OICs fechados – como o é o FII – não é, por princípio, aplicável a figura do “resgate”, o que aliado ao pleno conhecimento que demonstrou ter através das comunicações, datadas de 2019, que recebeu do E..., objectivamente concorrem para a conclusão de que esta não podia, com os elementos decisórios disponibilizados, ignorar a concreta operação que estava em causa no âmbito de tal procedimento tributário.   

 

185.    Ora, toda esta factualidade objectiva, quando, para mais, ancorada numa opção legislativa, não permite concluir que tenha a Requerida incorrido em erro sobre a qualificação do facto tributário, na medida em que expressamente à realidade efectivamente apurada se refere, pelo que, não pode obter provimento a alegada inexistência de facto tributário aduzida pela Requerente.  

 

§7 -   Erro na determinação da matéria tributável

 

186.    Adicionalmente, pugna a Requerente pela ilegalidade da liquidação por se verificarem três erros na determinação da matéria colectável, a saber:

a.          Violação dos princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e da capacidade contributiva, por desconsideração do valor de aquisição das UPs;

b.          Erro na determinação da data da aquisição das UPs;

c.          Erro no valor de aquisição das UPs;

 

187.    Enuncia ainda que o custo de aquisição das UPs deve ser apurado nos termos da 2.ª parte do n.º 9 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 23 de Fevereiro (“DL 7/2015”), ou seja, pelo valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redacção dada ao artigo 22.º do EBF, ou seja, a 1 de Julho de 2015 ou, se superior, através do valor de aquisição das mesmas, corrigido pelo factor de correcção monetária, no caso, de 1,04.

 

188.    Como tal, não poderia deixar de se atender, por superior, a este último critério e assim fixar o valor de aquisição de cada UP em € 1.040,00, ao invés dos € 1.017,3639 entretanto propugnados pela Requerida.

 

Vejamos,

 

189.    Em primeiro lugar e quanto à arguida violação, pela Requerida, dos princípios da descoberta da verdade material, do inquisitório e da capacidade contributiva, não se crê que assista razão à Requerente nesta matéria.

 

190.    Segundo o artigo 58.º, da LGT, a Requerida “deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido”.

 

191.    Ora, ao abrigo desse dever, a Requerida trouxe para o procedimento as “informações disponíveis” e as provas que tinha em seu poder – e em que veio a assentar a sua decisão de promover a correcção da matéria colectável da Requerente – considerando, designadamente, a declaração de rendimentos Modelo 3 de 2019 originariamente submetida por esta e a informação proveniente do E... (enquanto banco depositário) constante da declaração Modelo 13 por este igualmente submetida. 

 

192.    Acresce que, como assinalam Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, in “Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Lisboa Encontro da Escrita, 2012, p. 488, [e]ste dever imposto à administração tributária de averiguar a verdade material não dispensa os interessados particulares da obrigação de colaborarem na produção de provas, como se prevê no art. 59.º da LGT.

 

193.    Pelo que, ainda que não houvesse – pelas razões acima aduzidas – qualquer obrigação da Requerente em, querendo, exercer o seu direito de audição prévia e, nomeadamente por essa via, carrear para o procedimento tributário as provas que assim considerasse relevantes para efeitos de alcançar a verdade material relevante no caso concreto, não se afigura igualmente compaginável a arguição de que a Requerida não levou a cabo as diligências que lhe eram possíveis realizar para averiguar a verdade material e, por essa via, fazer reflectir, em devido tempo, a capacidade contributiva revelada pela Requerente.

 

194.    Como expressava Joaquim Freitas da Rocha, in Lições de Procedimento e Processo Tributário”, 8.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2021, p. 142, “o dever de agir da Administração tem como correspetivo, na esfera jurídica do contribuinte, um interesse legalmente protegido à boa atuação da administração e à correta aplicação das normas”.

 

195.    Aliás, sempre se dirá que a circunstância de a Requerida, já no decorrer do presente processo arbitral, e perante as informações entretanto reveladas pela Requerente no que tange ao custo e à data de aquisição das UPs, ter manifestado na sua resposta (e no despacho de revogação parcial do acto de liquidação entretanto junto aos autos), a sua concordância quanto à veracidade de tais informações será, pelo menos, um indício de que aquela terá os princípios acima mencionados em devida consideração, mesmo quando esses elementos sejam desfavoráveis à sua actividade de arrecadação de receita fiscal.

 

196.    Acrescente-se, igualmente, a este propósito que não se subscreve o entendimento perfilhado pela Requerente de que a Requerida não poderia alicerçar-se em documentos provindos de uma “mera sociedade comercial de direito privado” para extrair informações relevantes no âmbito do cumprimento do seu dever do inquisitório e da descoberta da verdade material.

 

197.    Dir-se-á, de resto, que é incompreensível que a Requerente aponte à Requerida o incumprimento dos princípios do inquisitório e da descoberta da verdade material, mas, afinal, manifeste a sua insatisfação pelo facto de a Requerida utilizar – no âmbito das suas competências e diligências de apuramento dessa verdade – informações que se revelam contrárias aos seus interesses.

 

198.    Ainda a este respeito e como se deixou referido aquando da análise da questão alusiva à “inexistência do facto tributário”, a AT baseou-se em elementos oficiais, leia-se na declaração Modelo 13 remetida pelo E... (enquanto banco depositário), cujo teor se presume verdadeiro nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT.

 

199.    Acresce que não foi a Requerente capaz demonstrar que aquela presunção de veracidade de que goza aquela declaração Modelo 13 deveria efectivamente ser posta em causa.

 

200.    Antes pelo contrário.

 

201.    Tendo presente o teor daquela declaração Modelo 13 e conjugando-a com o teor dos e-mails remetidos à Requerente pelo E..., é difícil questionar a credibilidade da informação de uma entidade com amplo conhecimento sobre os termos em que ocorreram as operações de aquisição das UPs e de liquidação do FII em apreciação.

 

202.    Dir-se-á, de resto, que tendo presente o exposto no artigo 65.º, do Código do IRS, essa declaração Modelo 13 remetida pelo E... constitui um dos elementos de que a Requerida dispunha para, oficiosamente, efectuar a correcção proposta (e assim decidida), em face do erro (sob a forma de omissão) constante da própria declaração de rendimentos da Requerente…

 

203.    …erro esse com relevância para a liquidação do imposto, em conformidade e por respeito ao princípio da capacidade contributiva por esta revelada. 

 

204.    Como tal, é absolutamente carecida de fundamento a argumentação da Requerente quanto à falta de força probatória daquela declaração fiscal, bem como carece de justificação a arguição que aquela fez de que a Requerida não cumpriu com o disposto no artigo 74.º, n.º 1, da LGT, quanto ao seu ónus em provar o facto constitutivo do seu direito a tributar.

 

205.    Em segundo lugar, e centrando-se agora a questão em torno do erros associados à data e ao valor de aquisição das UPs, comece-se por assinalar que, conforme resulta da matéria de facto considerada como provada nestes autos, a ora Requerente auferiu o montante de € 8.578.630,61, correspondente à quota-parte que lhe foi atribuída (considerando as UPs de que era titular) em resultado da liquidação do FII de que era subscritora.

 

206.    Ora, para efeitos do apuramento da mais-valia tributável, dispõe o Código do IRS, através da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º que “o ganho sujeito a IRS é constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, líquidos da parte qualificada como rendimento de capitais, sendo caso disso, nas situações previstas nas alíneas a), b), c), i), j) e k) do n.º 1, sem prejuízo do disposto no n.º 19”.

 

207.    Do exposto, resulta necessário aferir, para efeitos de tal cálculo, os valores a que se refere a norma vindo de enunciar – valores de aquisição e de realização das UPs – sendo que Requerente e Requerida não dissentem quanto ao valor de realização.

 

208.    Ambas as partes divergem, somente, quanto ao montante atribuído a título de valor de aquisição das UPs, divergência essa que subsiste mesmo após a revogação parcial do acto mediatamente impugnado por parte da Requerida.

 

209.    Assim e quanto à aferição do valor de aquisição, importa trazer à colação a alteração conferida pelo DL 7/2015, designadamente através do seu artigo 2.º, através do qual o legislador aprovou nova redacção ao artigo 22.º, do EBF, nos termos seguintes: 

“Artigo 22.º

Organismos de Investimento Coletivo

1 - São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário e sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

2 - O lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC referidos no número anterior corresponde ao resultado líquido do exercício, apurado de acordo com as normas contabilísticas legalmente aplicáveis às entidades referidas no número anterior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável, não são considerados os rendimentos referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, exceto quando tais rendimentos provenham de entidades com residência ou domicílio em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada em portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças, os gastos ligados àqueles rendimentos ou previstos no artigo 23.º-A do Código do IRC, bem como os rendimentos, incluindo os descontos, e gastos relativos a comissões de gestão e outras comissões que revertam para as entidades referidas no n.º 1.

4 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação nos termos do disposto nos números anteriores são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores, aplicando-se o disposto no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRC.

5 - Sobre a matéria coletável correspondente ao lucro tributável deduzido dos prejuízos fiscais, tal como apurado nos termos dos números anteriores, aplica-se a taxa geral prevista no n.º 1 do artigo 87.º do Código do IRC.

6 - As entidades referidas no n.º 1 estão isentas de derrama municipal e derrama estadual.

7 - Às fusões, cisões ou subscrições em espécie entre as entidades referidas no n.º 1, incluindo as que não sejam dotadas de personalidade jurídica, é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 73.º, 74.º, 76.º e 78.º do Código do IRC, sendo aplicável às subscrições em espécie o regime das entradas de ativos previsto no n.º 3 do artigo 73.º do referido Código.

8 - As taxas de tributação autónoma previstas no artigo 88.º do Código do IRC têm aplicação, com as necessárias adaptações, no presente regime.

9 - O IRC incidente sobre os rendimentos das entidades a que se aplique o presente regime é devido por cada período de tributação, o qual coincide com o ano civil, podendo no entanto ser inferior a um ano civil:

a) No ano do início da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre a data em que se inicia a atividade e o fim do ano civil;

b) No ano da cessação da atividade, em que é constituído pelo período decorrido entre o início do ano civil e a data da cessação da atividade.

10 - Não existe obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos referidos no n.º 1.

11 - A liquidação de IRC é efetuada através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 89.º, no n.º 1 do artigo 90.º, no artigo 99.º e nos artigos 101.º a 103.º do referido Código.

12 - O pagamento do imposto deve ser efetuado até ao último dia do prazo fixado para o envio da declaração de rendimentos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 109.º a 113.º e 116.º do Código do IRC.

13 - As entidades referidas no n.º 1 estão ainda sujeitas, com as necessárias adaptações, às obrigações previstas nos artigos 117.º a 123.º, 125.º e 128.º a 130.º do Código do IRC.

14 - O disposto no n.º 7 aplica-se às operações aí mencionadas que envolvam entidades com sede, direção efetiva ou domicílio em território português, noutro Estado membro da União Europeia ou, ainda, no Espaço Económico Europeu, neste último caso desde que exista obrigação de cooperação administrativa no domínio do intercâmbio de informações e da assistência à cobrança equivalente à estabelecida na União Europeia.

15 - As entidades gestoras de sociedades ou fundos referidos no n.º 1 são solidariamente responsáveis pelas dívidas de imposto das sociedades ou fundos cuja gestão lhes caiba.

16 - No caso de entidades referidas no n.º 1 divididas em compartimentos patrimoniais autónomos, as regras previstas no presente artigo são aplicáveis, com as necessárias adaptações, a cada um dos referidos compartimentos, sendo-lhes ainda aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 14/2013, de 28 de janeiro.”

 

210.    E bem assim, por via do artigo 3.º do referido diploma, ao aditamento ao EBF, do artigo 22.º-A, com o seguinte teor:

Artigo 22.º-A

 

Rendimentos pagos por organismos de investimento coletivo aos seus participantes

 

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3, os rendimentos de unidades de participação ou participações sociais em entidades a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, são tributados em IRS ou IRC, nos seguintes termos:

a) No caso de rendimentos distribuídos a titulares residentes em território português, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte:

i) À taxa prevista no n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, quando os titulares sejam sujeitos passivos de IRS, tendo a retenção na fonte caráter definitivo quando os rendimentos sejam obtidos fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola;

ii) À taxa prevista no n.º 4 do artigo 94.º do Código do IRC, quando os titulares sejam sujeitos passivos deste imposto, tendo a retenção na fonte a natureza de imposto por conta, exceto quando o titular beneficie de isenção de IRC que exclua os rendimentos de capitais, caso em que tem caráter definitivo;

b) No caso de rendimentos decorrentes do resgate de unidades de participação auferidos por sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, ou que sejam imputáveis a um estabelecimento estável situado neste território, por retenção na fonte a título definitivo à taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS;

c) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e de participações sociais em sociedades de investimento imobiliário de que sejam titulares sujeitos passivos não residentes, que não possuam um estabelecimento estável em território português ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, por retenção na fonte a título definitivo à taxa de 10 %, quando se trate de rendimentos distribuídos ou decorrentes de operações de resgate de unidades de participação ou autonomamente à taxa de 10 %, nas restantes situações;

d) No caso de rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento mobiliário ou de participações sociais em sociedades de investimento mobiliário a que se aplique o regime previsto no artigo anterior, incluindo as mais-valias que resultem do respetivo resgate ou liquidação, cujos titulares sejam não residentes em território português sem estabelecimento estável aí situado ao qual estes rendimentos sejam imputáveis, os mesmos estão isentos de IRS ou de IRC;

e) Nos restantes casos, nos termos previstos no Código do IRS ou no Código do IRC.

2 - O disposto na subalínea i) da alínea a) e na alínea b) do número anterior não prejudica a opção pelo englobamento quando os rendimentos sejam obtidos por sujeitos passivos de IRS fora do âmbito de uma atividade comercial, industrial ou agrícola, caso em que o imposto retido tem a natureza de imposto por conta, nos termos do artigo 78.º do Código do IRS.

3 - O disposto nas alíneas c) e d) do n.º 1 não é aplicável, sendo os rendimentos tributados nos termos das alíneas a), b) ou e) do mesmo número, quando:

a) Os titulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças;

b) Os titulares sejam entidades não residentes que sejam detidas, direta ou indiretamente, em mais de 25 % por entidades ou pessoas singulares residentes em território nacional.

4 - Nas situações referidas nas alíneas c) e d) do n.º 1, os titulares dos rendimentos devem fazer prova da qualidade de não residente em território português perante a entidade que se encontra obrigada a efetuar a retenção na fonte, até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, devendo observar-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 15.º, 16.º e 18.º do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro.

5 - Quando não seja efetuada a prova prevista no número anterior, o substituto tributário fica obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das alíneas a) ou b) do n.º 1.

6 - Os titulares dos rendimentos que verifiquem as condições referidas na alínea c) e d) do n.º 1, quando não tenha sido efetuada a prova nos prazos e nas condições estabelecidas, podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, que seja:

a) Certificado pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência; ou

b) Acompanhado de documento emitido pelas autoridades competentes do respetivo Estado de residência, que ateste a sua residência para efeitos fiscais no período em causa e a sujeição a imposto sobre o rendimento nesse Estado.

7 - O formulário previsto no número anterior deve, quando necessário, ser acompanhado de outros elementos que permitam aferir da legitimidade do reembolso.

8 - O reembolso do excesso do imposto retido na fonte deve ser efetuado no prazo de um ano contado da data da apresentação do pedido e dos elementos que constituem a prova da verificação dos pressupostos de que depende a concessão do benefício acrescendo, em caso de incumprimento desse prazo, à quantia a reembolsar, juros indemnizatórios calculados a taxa idêntica à aplicável aos juros compensatórios a favor do Estado.

9 - Para efeitos da contagem do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.

10 - No caso de rendimentos decorrentes de unidades de participação adquiridas em mercado secundário, o adquirente deve comunicar à entidade registadora ou depositária, ou, na ausência destas, à entidade responsável pela gestão ou ao organismo de investimento coletivo sob a forma societária, a data e o valor de aquisição.

11 - Em caso de incumprimento da obrigação prevista no número anterior, a retenção na fonte sobre os rendimentos decorrentes de resgate das unidades de participação é efetuada sobre o montante bruto do resgate.

12 - As entidades responsáveis pela gestão do fundo ou sociedade, ou os próprios quando autogeridos, são responsáveis pelo cumprimento das obrigações declarativas que, nos termos dos artigos 119.º e 125.º do Código do IRS, impendem sobre as entidades registadoras ou depositárias de unidades de participação e de participações sociais, sempre que não existam estas últimas entidades.

13 - Para efeitos da aplicação deste regime, os rendimentos de unidades de participação em fundos de investimento imobiliário e as participações sociais em sociedades de investimento imobiliário, incluindo as mais-valias que resultem da respetiva transmissão onerosa, resgate ou liquidação, são considerados rendimentos de bens imóveis.»

 

211.    Por fim e no que releva para a dilucidação desta questão, nos termos do artigo 7.º do citado diploma, veio o legislador a consagrar o seguinte regime transitório:

“Artigo 7.º

Regime transitório

1 - As regras previstas no artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, são aplicáveis aos rendimentos obtidos após 1 de julho de 2015.

2 - O período de tributação previsto no n.º 9 do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, pode, ainda, ser inferior a um ano civil no ano em que o presente diploma produza efeitos, caso em que se considera o período decorrido entre a data de produção de efeitos e o fim do ano civil.

3 - As entidades previstas no n.º 1 do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, que se encontrem em atividade aquando da produção de efeitos do presente diploma devem, com referência ao dia anterior a essa data, proceder ao apuramento do imposto que se mostre devido nos termos da redação do artigo 22.º do EBF, em vigor até à data da produção de efeitos do presente diploma, o qual deve ser entregue no prazo de 120 dias a contar desta data.

4 – Na data de início da produção de efeitos do artigo 22.º do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, existindo rendimentos adiantados ainda não reconhecidos em resultados, cujo imposto já tenha sido entregue até àquela data, e, bem assim, rendimentos ainda não recebidos, mas já reconhecidos em resultados, cujo imposto ainda não tenha sido entregue, o saldo líquido de imposto refletido nas respetivas rubricas de ativo e passivo deve:

a) Quando credor, ser entregue ao Estado no prazo de 120 dias a contar da data de início da produção de efeitos da alteração ao artigo 22.º do EBF prevista no presente decreto-lei;

b) Quando devedor, ser solicitado o seu reembolso no prazo referido na alínea anterior, mediante requerimento dirigido ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente acompanhado por todos os elementos necessários.

5 - Ao saldo líquido, credor ou devedor, apurado nos termos do número anterior, deve ainda ser deduzido ou adicionado, respetivamente, o imposto reembolsado nos termos do n.º 4 do artigo 22.º do EBF que não tenha sido compensado nos termos do n.º 8 desse mesmo artigo, ambos na redação em vigor até à data de início da produção de efeitos do presente decreto-lei.

6 - Para efeitos do apuramento do lucro tributável dos períodos de tributação que se iniciem em ou após a data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei ao artigo 22.º do EBF, deve considerar-se o seguinte:

a) As mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação de imóveis adquiridos na vigência da redação do artigo 22.º do EBF em vigor até à data de início da produção de efeitos da alteração introduzida pelo presente decreto-lei, são tributadas, nos termos dessa redação, na proporção correspondente ao período de detenção daqueles ativos até àquela data, sendo a parte remanescente tributada nos termos da redação do artigo 22.º do EBF dada pelo presente diploma, devendo o respetivo imposto ser entregue através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC correspondente ao período de tributação em que aqueles ativos sejam alienados;

b) As mais-valias e menos-valias relativas aos elementos patrimoniais não abrangidos pela alínea anterior, adquiridos na vigência da redação do artigo 22.º do EBF em vigor até à data de início da produção de efeitos da alteração introduzida pelo presente decreto-lei são apuradas e tributadas nos termos dessa redação, considerando-se como valor de realização o seu valor de mercado naquela data, devendo o respetivo imposto ser entregue através da declaração de rendimentos a que se refere o artigo 120.º do Código do IRC correspondente ao período de tributação em que aqueles ativos sejam resgatados, reembolsados, amortizados, liquidados ou transmitidos, sendo a diferença entre o valor da contraprestação obtida e aquele valor de mercado tributada nos termos da redação do artigo 22.º do EBF dada pelo presente diploma.

7 - Verificando-se, após a data de início da produção de efeitos da alteração ao artigo 22.º do EBF dada pelo presente decreto-lei, a aquisição, a subscrição e, bem assim, outras operações relativas a valores mobiliários e outros instrumentos financeiros abrangidos pela alínea b) do número anterior, consideram-se reembolsados, amortizados, liquidados ou transmitidos, em primeiro lugar, os valores mobiliários e outros instrumentos financeiros detidos à data de início da produção de efeitos da redação do artigo 22.º do EBF dada pelo presente diploma.

8 - Os organismos de investimento coletivo de duração determinada, quando esta não ultrapasse o último dia do ano de início de produção de efeitos da redação do artigo 22.º do EBF dada pelo presente decreto-lei, podem optar pela aplicação do previsto na redação anterior daquele artigo até ao encerramento da respetiva liquidação.

9 - A tributação dos rendimentos das unidades de participação ou das ações auferidos pelos participantes ou acionistas dos organismos de investimento coletivo, nos termos do novo artigo 22.º-A do EBF, na redação dada pelo presente decreto-lei, incide apenas sobre a parte dos rendimentos gerados a partir da data de início de produção de efeitos deste diploma, considerando-se, para efeitos de determinação de mais-valias ou menos-valias resultantes da transmissão onerosa das unidades de participação ou das participações sociais, como valor de aquisição o valor de mercado à data de início da produção de efeitos da redação dada ao artigo 22.º do EBF pelo presente decreto-lei ou, se superior, o valor de aquisição das mesmas.

10 - Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se distribuídos ou resgatados aos participantes, em primeiro lugar e até à sua concorrência, os rendimentos gerados até à data de início da produção de efeitos da redação dada pelo presente decreto-lei e que, até essa data, não tenham sido distribuídos ou resgatados, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos n.os 2 a 5, 7, 10 e 14 do artigo 22.º, na redação anterior.

11 - As sociedades gestoras dos organismos de investimento coletivo ou as sociedades de investimento, quando autogeridas, constituídos em data anterior à de produção de efeitos da redação do artigo 22.º do EBF, dada pelo presente decreto-lei, são obrigadas a comunicar a cada participante, quando procedam ao pagamento de rendimentos abrangidos pelo número anterior, o montante do rendimento que se encontra abrangido pelo disposto nesse número, o montante de imposto que lhe corresponda e, bem assim, o montante da dedução prevista no artigo 40.º-A do Código do IRS correspondente a esse rendimento.”.

 

212.    Ora, atento o teor do n.º 9 supracitado, importa aqui ter presente que o artigo 9.º do DL 7/2015 define a produção de efeitos de tal diploma, prescrevendo que “O presente decreto-lei produz os seus efeitos a partir de 1 de julho de 2015.”.

 

213.    Ante a enunciação das normas legais em que se enquadra a questão do apuramento das mais-valias tributáveis, no concreto segmento atinente ao apuramento do valor de aquisição das UPs, resulta que o legislador consagrou a aplicabilidade de um de dois critérios, em conformidade com aquele que apresente um valor superior.

 

214.    Isto é, mandando aplicar, consoante aquele que for mais elevado, o valor de aquisição das UPs ou o valor de mercado das mesmas à data de 1 de Julho de 2015, data em que entrou em vigor o diploma legal em causa.

 

215.    Atenta a circunstância de a aquisição das UPs ter ocorrido pelo valor unitário de € 1.000,00 e o facto de o valor de mercado de cada UP detida, à data de 1 de Julho de 2015, ser de € 1.017,3639, o valor de aquisição de cada UP a utilizar não poderá deixar de ser o mais elevado dos dois referido critérios.

 

216.    Tal significa, no caso presente, aplicar o decorrente do valor de mercado à data da entrada em vigor do DL 7/2015, que se vem analisando.

 

217.    Nesse sentido, subscreve-se o entendimento professado pela Requerente quando, em sede do PPA, apontava um erro na determinação da matéria colectável cometido pela Requerida, expressando que “o apuramento do saldo das mais-valias tributáveis deveria e deverá ter, necessariamente, em consideração o concreto e real valor de aquisição das unidades de participação, no caso, € 1.017,3639 por unidade”. 

 

218.    Porém, num outro segmento do seu PPA, entende a Requerente que, afinal, ao valor de aquisição de cada uma das UPs de que foi titular deverá ser aplicado o coeficiente de desvalorização da moeda de 1,04 por si indicado.

 

219.    Ora, não pode este Tribunal Arbitral concordar com este segmento do entendimento professado pela Requerente.

 

220.    Tendo presente o regime transitório previsto no n.º 9 do artigo 7.º do DL n.º 7/2015 acima citado, não pode deixar de ser entendido como uma norma especial face à norma geral decorrente do n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF, razão pela qual, à falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do CC), o que encontra justificação no facto de que, conforme referia Oliveira Ascensão, in “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 13.ª Edição, Almedina, 2006, pp. 528, “o regime geral não incluir a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial”.

 

221.    Resultando de forma expressa da lei especial os critérios de aferição do valor de aquisição das UPs a ser tidos em conta para efeitos de sujeição a mais-valias, não pode o critério de quantitativo superior – valor de mercado à data de 01.07.2015 – decorrente da aplicação do n.º 9 do artigo 7.º do DL n.º 7/2015, enquanto lei especial ser afastado, para dar lugar a um valor de aquisição que tivesse em consideração o critério decorrente da lei geral, no caso da correcção monetária prevista no n.º 1 do artigo 50.º do Código do IRS. 

 

222.    Deste modo, para efeitos de fixação do valor de aquisição das UPs de que a Requerente foi titular, não se aplica a correcção monetária prevista naquela norma do Código do IRS.

 

223.    Assim, tendo a Requerida, no cálculo da mais-valia, atendido ao ano de 2015 como ano de aquisição e ao valor de mercado das UPs à data de 1 de Julho de 2015 – como decorre da decisão de revogação parcial – por ser superior ao custo efectivo de aquisição, procedeu em estrita conformidade com o regime legal aplicável ao facto tributário em apreciação nestes autos.

 

224.    Em suma, há que considerar como parcialmente procedente o vício arguido pela Requerente no que tange ao erro na determinação da matéria colectável, na medida em que os actos de liquidação impugnados consideraram erradamente uma data e um custo de aquisição das UPs que não correspondem à realidade.

 

225.    De resto, o despacho de revogação parcial entretanto promovido pela Requerida reflecte, precisamente, o reconhecimento desse erro.

 

226.    Sem prejuízo do ora exposto, sempre há que acrescentar que não merece censura a concreta fórmula adoptada pela Requerida naquele despacho de revogação parcial, na medida em que aquela aplicou correctamente o quadro normativo vigente (ao abrigo do regime transitório em vigor), inexistindo assim fundamento que permita conferir provimento ao argumento enunciado pela Requerente quanto a uma eventual omissão de actualização do valor de aquisição por via da aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda. 

 

§8 -   Da obrigação de retenção na fonte

 

227.    A Requerida enuncia ainda que – considerando-se os rendimentos em causa nestes autos como sendo provenientes do resgate de UPs – então os mesmos estariam sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, à taxa prevista no n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, tendo presente na subalínea i) da alínea a) do n.º 1 do artigo 22.º- A do EBF, aplicável aos casos dos sujeitos passivos de IRS residentes em território português fora do âmbito de uma actividade comercial, industrial ou agrícola.

 

228.    Daí que, na eventualidade de se considerarem rendimentos provenientes do resgate de UPs, os actos de liquidação impugnados seriam ilegais, uma vez que definem erradamente como sujeito passivo a Requerente, quando o sujeito passivo e obrigado principal seria a entidade depositária do FII, obrigada a proceder à retenção na fonte. 

 

229.    Ora, conforme decorre de tudo o acima exposto, dúvidas não restam que os actos de liquidação impugnados visaram tributar os rendimentos auferidos pela Requerente decorrentes da liquidação do FII, pelo que o caso concreto em análise não se subsume nas normas acima indicadas mencionadas pela Requerente no seu PPA.

 

230.    Estando em causa rendimentos que resultam da liquidação de um OIC, então aplicar-se à regra acima citada constante do n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF a qual qualifica tais rendimentos como rendimentos bens imóveis, mais concretamente, como mais-valias imobiliárias.

 

231.    Qualificação de rendimento essa que afasta, naturalmente (dada a natureza própria de um rendimento com as características de uma mais-valia), uma hipotética tributação sob a forma de retenção na fonte a título definitivo.

 

232.    Pelo que há que considerar improcedente o vício arguido pela Requerente em relação a esta matéria.

 

§9 - Do erro sobre o cálculo da liquidação

 

233.    Por fim, não se conforma igualmente a Requerente com a fórmula de cálculo da mais-valia, apontando a existência de um erro de cálculo, na medida em que a AT não considerou a correcção monetária (de 1,04) sobre o valor de aquisição das UPs.

 

234.    Sustenta ainda a Requerente que deveria a AT ter aplicado o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS e, pese embora através de exposição meramente quantitativa, se imporia à Requerente a aplicação de uma taxa de 28% sobre os rendimentos por si auferidos.

 

Vejamos, 

 

235.    Uma vez que a data de aquisição das UPs com relevância para efeitos tributários não é presentemente um facto controvertido (estando consolidado com o despacho de revogação parcial do acto tributário), poder-se-ia colocar a questão de saber se, em face daquela data e da data em que ocorreu a liquidação do FII, deveria o valor de aquisição daquelas UPs ser objecto de correcção monetária.

 

236.    Ora, essa questão encontra-se já dilucidada na análise supra realizada quanto ao valor de aquisição das UPs tido por relevante para efeitos fiscais, em face do disposto no n.º 9 do artigo 7.º do DL 7/2015, razão pela qual – remetendo-se para o supra exposto em relação a esta matéria – sempre há de considerar-se improcedente a argumentação apresentada pela Requerente.

 

237.    Remanesce assim e apenas, a coberto de tal erro de cálculo pela Requerente invocado, a aplicação cumulativa do artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, e da eventual aplicação da taxa de 28% (prevista no artigo 72.º, n.º 1, do Código do IRS) incidente sobre a mais-valia tributável.

 

238.    A este respeito, acompanha-se a Requerente quando aduz que, sobre as mais-valias obtidas com génese na liquidação de um OIC, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS.

 

239.    Tal sucede por força do disposto no n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF acima citado.

 

240.    Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na redacção vigente à data da liquidação do FII, dispunha que: “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é: 

a) Integralmente considerado nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, quando os imóveis tenham beneficiado de apoio não reembolsável concedido pelo Estado ou outras entidades públicas, quando o valor total do apoio concedido para aquisição ou para realização de obras seja de valor superior a 30 % do valor patrimonial tributário do imóvel para efeitos de IMI e estes sejam vendidos antes de decorridos 10 anos sobre a data da sua aquisição, da assinatura da declaração comprovativa da receção da obra ou do pagamento da última despesa relativa ao apoio não reembolsável que, nos termos legais ou regulamentares, não estejam sujeitos a ónus ou regimes especiais que limitem ou condicionem a respetiva alienação; 

b) Apenas considerado em 50 % do seu valor, nos restantes casos”.

 

241.    Assim, atento o disposto no normativo ora citado, confere o legislador o direito ao titular dos rendimentos – como os aqui decorrentes da liquidação do FII – de apenas ser tributado sobre uma importância correspondente a 50% do saldo entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano.

 

242.    Descendo ao teor da liquidação e bem assim ao teor da DCU e os respectivos rendimentos aí elencados, resulta que a AT se limitou a perfilhar a regra de englobamento – nos termos do disposto no artigo 22.º, do Código do IRS – e a aplicar o regime de apuramento das mais-valias decorrentes da alínea b) do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, sujeitando a tributação apenas 50% do saldo das mais-valias apuradas pela Requerente.

 

243.    Nesse sentido, a este respeito, basta para tal conclusão somar os rendimentos de categoria A e a importância correspondente a 50% da mais-valia apurada pela Requerida para verificar que é esse o montante constante do rendimento global objecto da liquidação, o que conduz à improcedência do argumento aduzido pela Requerente.

 

244.    Mas entende, ainda assim, a Requerente, que a AT deveria ter aplicado sobre o saldo (considerado apenas em 50%) das mais-valias por si apuradas a taxa especial – 28% – a que se refere o artigo 72.º, do Código do IRS.

 

245.    Como oportunamente se referiu supra, o legislador através do n.º 13 do artigo 22.º-A do EBF determina que os rendimentos resultantes da liquidação (bem como os de resgate) de OIC imobiliário sejam qualificados como mais-valias imobiliárias.

 

246.    Esta qualificação determina a aplicação das regras de tributação próprias das mais-valias imobiliárias, as quais não são passíveis de tributação à taxa especial, nos termos do artigo 72.º, do Código do IRS, por carência de base normativa que habilite uma eventual opção do sujeito passivo por tal tributação à taxa especial.

 

247.    Como tal, o saldo das mais-valias apuradas pela Requerente – considerado apenas em 50% do referido montante, dado o disposto no artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do Código do IRS – é objecto de englobamento obrigatório, nos termos do artigo 22.º, do Código do IRS, e fica sujeito a tributação às respectivas taxas progressivas constantes do artigo 68.º, do Código do IRS.

 

248.    Ante o exposto, improcede também este invocado vício aduzido pela Requerente.

 

§10 - Dos juros indemnizatórios e da restituição do valor indevidamente pago

 

249.    No pedido de pronúncia arbitral peticionou ainda a Requerente a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios e na restituição do valor indevidamente pago.

 

250.    A Requerente não obteve provimento relativamente a parte significativa dos vícios invocados, tendo, no entanto, na pendência destes autos, a AT revogado parcialmente a liquidação mediatamente impugnada, em função da verificação de erro na determinação da matéria tributável que aquela havia invocado e esta veio a confirmar.

 

251.    Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o pedido formulado pela Requerente, no que tange à declaração de ilegalidade parcial dos actos tributários de liquidação de IRS e de juros compensatórios, incidentes sobre o ano de 2019, e consequentemente da ilegalidade parcial também da decisão de indeferimento tácito da RG apresentada pela Requerente contra aqueles actos.

 

252.    De acordo com o preceituado no artigo 100.º, da LGT (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT), “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”. 

 

253.    É actualmente pacífico que os tribunais arbitrais abarcam nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, até porque o processo arbitral foi desenhado como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. 

 

254.    Por sua vez, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do teor do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT, que estabelece que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.  

 

255.    Igualmente o artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.  

 

256.    No caso em apreço, a AT procedeu à revogação parcial dos actos tributários de liquidação de IRS e de juros compensatórios postos em crise – ao alterar o valor de aquisição por cada UP de que a Requerente foi titular de € 0,00 para € 1.017,3639 e ao reconhecer a data de aquisição dessas UPs – legitimando assim aquela a ilegalidade parcial daquelas liquidações, por erro sobre os pressupostos de facto.

 

257.    Tal vício – o único em relação ao qual foi dado parcial provimento às pretensões da Requerente – não poderá deixar de ser imputável à AT, por a ele ter dado causa. 

 

258.    É, pois, manifesto, que na sequência da ilegalidade parcial dos actos de liquidação (reflectida, de resto, na revogação parcial desses actos), há lugar ao reembolso do imposto pago ilegalmente (na parte correspondente à correcção que foi considerada ilegal e assim foi reconhecida pela AT), por força dos já mencionados artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, e 100.º, da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

 

259.    Ao montante de imposto a reembolsar pela Requerida à Requerente acrescerão os respectivos juros indemnizatórios sobre tal montante indevidamente liquidado.

 

260.    Apesar de a Requerente arguir que se encontra a pagar o imposto liquidado pela Requerida, assim como os correspondentes juros compensatórios, seguindo um plano prestações mensais, a verdade é que nenhuma prova foi apresentada nos presentes autos por parte daquela que ateste esse pagamento voluntário da liquidação de IRS, em regime prestacional.

 

261.    Nesse sentido, fica presente prejudicada uma potencial condenação da Requerida ao reembolso do montante de imposto indevidamente liquidado e pago e ao pagamento dos versados juros indemnizatórios, sem prejuízo de tal prova vir a ser feita em sede de execução de julgados.

 

VI.      DECISÃO

 

262.    Termos em que se decide:

a)          Julgar improcedentes as excepções de inutilidade superveniente da lide e de abuso de direito da acção arguidas pela Requerida;

b)          Julgar parcialmente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar a ilegalidade e a anulação parcial dos actos de liquidação de IRS n.º 2023..., e de liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., referentes ao ano de 2019, e bem assim da decisão de indeferimento tácito da RG, nos termos e com a configuração decorrentes da revogação parcial que teve lugar na constância destes autos;

c)          Condenar a Requerida a, em conformidade com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, a praticar os actos consequentes à condenação do pedido anterior;

d)          Condenar Requerente e Requerida no pagamento das custas do processo, na proporção do respectivo decaimento.

 

VII.    VALOR DO PROCESSO

 

263.    Atendendo ao disposto no artigo 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 2.497.587,11.

 

VIII. CUSTAS

 

264.    Nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, as custas são no valor de € 32.130,00, a suportar, na proporção do respectivo decaimento pela Requerente em 56,77%, e pela Requerida em 43,23%, conforme o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, do citado Regulamento. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 24 de Outubro de 2025

 

 

A Árbitra Presidente,

 

 

Carla Castelo Trindade

 

O Árbitro Adjunto,

 

Ana Chacim

 

O Árbitro Adjunto,

 

Luís Sequeira