SUMÁRIO:
No âmbito do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, não podem ser aceites como encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, aqueles que constam de um documento sem indicação do respetivo adquirente e da morada onde foram entregues e/ou colocados.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutora Regina de Almeida Monteiro (árbitra Presidente), Dr. António Franco e Prof. Doutora Raquel Franco (árbitros adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o presente Tribunal Arbitral, constituído em 15 de abril de 2025, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., NIF..., e B..., NIF ... (doravante designados como “Requerentes”), vêm, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), deduziram pedido de pronúncia arbitral para apreciação da legalidade da Liquidação Adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) e de juros compensatórios com o n.º 2024..., e respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2024..., referentes ao ano de 2020, no valor total a pagar de € 167.824,34 (cento e sessenta e sete mil, oitocentos e vinte e quatro euros e trinta e quatro cêntimos).
Muito sucintamente, na ótica dos Requerentes, os atos impugnados estão feridos de ilegalidade por diversos motivos, entre os quais se destacam:
(i) os vícios de omissão de pronúncia e de insuficiente fundamentação, que redundam no incumprimento do princípio da decisão, em violação do disposto nos artigos 56.º e 77.º da LGT e 268.º, n.º 3 da CRP;
(ii) o vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito por terem sido desconsiderados despesas e encargos com o imóvel sito na Rua..., em Lisboa (imóvel alienado), por a AT ter posto em causa que o imóvel alienado constituía efetivamente a habitação própria e permanente dos Requerentes e do seu agregado familiar na data em que foi vendido; por a AT ter considerado que o imóvel objeto de reinvestimento não deveria ser aceite fiscalmente visto que a respetiva data de aquisição ultrapassa os 24 meses anteriores à data de realização de 2020-02-19 (sustentando os Requerentes que o facto que preenche a previsão normativa da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º, para efeitos da exclusão de tributação dos ganhos em sede de IRS, não é a aquisição do artigo U-..., mas sim a ampliação e melhoramento do imóvel sito na Rua ..., em Lisboa); por a AT ter considerado que não tinha sido feito um reinvestimento numa única habitação;
(iii) concretamente quanto à liquidação de juros compensatórios, por não ter existido qualquer comportamento culposo por parte dos Requerentes, logo, a sua liquidação ter sido praticada em violação do disposto no artigo 77.º da LGT e 268.º da CRP;
(iv) os Requerentes incluem ainda no PPA um pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, por terem prestado uma garantia para suspensão da execução fiscal, através da constituição de hipoteca unilateral voluntária sobre bem imóvel, tendo para o efeito celebrado escritura de hipoteca voluntária, no dia 8 de janeiro de 2025, para garantia do bom pagamento da dívida de IRS e juros e tendo incorrido num custo total de € 1 756,01.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, que, já no decurso do processo arbitral, a 05.05.2025, veio juntar um despacho de revogação parcial dos atos impugnados, em concreto o despacho da Subdiretora-Geral do IR de 26-04-2025, através do qual foi revogado parcialmente o ato de liquidação de IRS n.º 2024..., objeto do presente processo.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD, em 07.02.2025, e em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c) do
Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei
n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, foi nessa mesma data notificada a AT.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto do artigo 6.º, n.º 1 e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, aqui signatários, que comunicaram no prazo legalmente estipulado a aceitação dos respetivos encargos.
Em 27.03.2025, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de a recusar, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Desta forma, o Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 15.04.2025, com base no disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, tendo sido subsequentemente notificada a AT para, querendo, apresentar resposta, o que veio a fazer a 21.05.2025. Em síntese, além de impugnar todo o alegado pelos Requerentes relativamente à omissão de pronúncia, à falta de fundamentação do ato tributário e ao não cumprimento do princípio da decisão, a AT clarificou, ainda, que os Requerentes alegam que deve ser aceite o montante de € 224.557,79 a título de despesas e encargos (tal como inscrito na declaração que entregaram), ao invés dos € 202.455,44 apurados pela Autoridade Tributária em sede de procedimento de gestão e análise de divergências, contudo, relativamente à diferença de € 22.102,35, por despacho da SDG de 26-04-2025, ainda foram aceites despesas adicionais, pelo que a diferença entre o montante declarado pelos Requerentes e o montante que agora é aceite pela AT corresponde apenas a € 3.219,93, constando o mesmo de quatro faturas, juntas aos autos como documentos 28, 29, 30 e 31.
Através de despacho datado de 01.09.2025, o Tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de alegações escritas, não tendo as Partes manifestado oposição.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente, nos termos das disposições contidas no artigo 2.º, n.º 1 e artigo 5.º, nºs 1 e 3, ambos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas, de harmonia com os artigos 4.º e 10.º, nº 2, ambos do RJAT.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
Não foram deduzidas excepções que obstem à apreciação do mérito da causa.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III. 1. Matéria de facto
A. Factos provados
Para a decisão da causa submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar os factos relevantes que se julgam provados nos documentos juntos pelas Partes ao presente processo:
A. Os ora Requerentes foram proprietários da Fração Autónoma designada pela letra “O”, destinada a habitação, correspondente ao terceiro andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua ..., n.ºs... a ... e Rua ..., n.ºs ... e..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º..., da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial U-..., da freguesia ... .
B. O referido bem imóvel foi adquirido pelos Requerentes no ano de 2008, em partes iguais (50% para cada um), pelo valor de € 742.500,00 (setecentos e quarenta e dois mil e quinhentos euros)
C. O referido imóvel constituía a residência habitual, própria e permanente, dos Requerentes, quando foi por estes alienado.
D. No ano de 2016, os Requerentes tinham adquirido, pelo preço de € 675.000,00 (seiscentos e setenta e cinco mil euros), o direito de propriedade plena sobre a totalidade do prédio urbano, constituído por dois pisos e quatro apartamentos/divisões com utilização independente, correspondentes ao ... , ..., ... e ..., sito na Rua ..., n.ºs ... a ..., em ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo matricial U-..., da freguesia de ... .
E. No que respeita a este imóvel, no ano de 2017, os Requerentes apresentaram, junto da Câmara Municipal de Lisboa, um pedido de licenciamento para Demolição/Edificação/Construção/Alteração da totalidade do prédio.
F. Esse pedido de licenciamento foi objeto de Despacho de deferimento, datado de 31 de agosto de 2018, tendo sido emitido o respetivo alvará de obra.
G. Em 23 de maio de 2019, os Requerentes celebraram um Contrato de Empreitada com a empresa “C... UNIPESSOAL LDA.” (NIPC...), para a realização de obras no referido artigo U-..., da freguesia de ... .
H. Em 19 de fevereiro de 2020, os Requerentes alienaram o artigo U-..., da freguesia de..., pelo preço de € 1.940.000,00.
I. Da Escritura de compra e venda constava que os ora Requerentes tinham a sua residência fixada no imóvel alienado, ou seja, na Rua ..., n.º..., em Lisboa; e
J. Que se efetuava a cedência gratuita aos mesmos do apartamento vendido, para que se servissem da mesma para uso habitacional com a obrigação de a restituir, a título de comodato, até ao dia 9 de março de 2020.
K. Os Requerentes incorreram nas seguintes despesas e encargos, referentes ao imóvel alienado (sito na Rua ..., n.º...):
· Total de despesas de aquisição: € 51.063,62
· Total de despesas de alienação: € 98.000,00
· Total de encargos com a valorização: € 75.494,17
· Total de despesas e encargos associados à aquisição/alienação: € 224.557,79
L. Os Requerentes utilizaram, parcialmente, o valor de venda (realização) do imóvel da Rua ..., n.º..., para pagamento das obras/melhoramentos que realizaram no imóvel da Rua ..., n.º..., em ... .
M. Após a realização das obras, em 12 de maio de 2022 foi efetuada a entrega da Declaração “Modelo 1” de Imposto Municipal sobre Imóveis (“IMI”), para efeitos de atualização matricial do imóvel de ... junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
N. O imóvel foi afeto à habitação própria e permanente dos Requerentes e do seu agregado familiar, tendo os mesmos comunicado à AT que se encontravam a residir no imóvel (fração única – Moradia, correspondente ao artigo matricial U-...) desde o dia 4 de agosto de 2021.
O. Em 2021, os Requerentes procederam à entrega da Declaração Modelo 3 de IRS referente ao ano de 2020, em que declararam, no Quadro 4 (“Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis [art.º 10.º, n.º 1, al. a), do CIRS]”) do respetivo Anexo G, a alienação do artigo matricial U-... .
P. Os Requerentes declararam ainda, no Campo 5006 do Quadro 5-A do Anexo G, que, quanto ao valor de realização obtido com a alienação do imóvel, pretendiam reinvestir (sem recurso a crédito) na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel.
Q. Os gastos suportados pelos Requerentes com as obras de ampliação e melhoramento do imóvel (sem recurso a crédito), ocorreram nos anos de 2018, 2019, 2020 e 2021.
R. Os Requerentes declararam os montantes reinvestidos da seguinte forma:
· No Campo 5007 (“Valor de realização reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação (sem recurso ao crédito)”) do Quadro 5-A do Anexo G, os montantes referentes aos gastos suportados no ano de 2019;
· No Campo 5008 (“Valor de realização reinvestido no ano da declaração após a data da alienação (sem recurso ao crédito)”) do Quadro 5-A do Anexo G, os montantes referentes aos gastos suportados no ano de 2020
· Quanto aos gastos suportados em 2021, foram os mesmos considerados na Declaração Modelo 3 de IRSreferente ao ano de 2021.
S. Em 2022, a AT notificou os Requerentes de que a Declaração Modelo 3 de IRS que os mesmos tinham entregado para o ano de 2020 fora selecionada para análise de divergências, que, de acordo com a notificação, diziam respeito ao “código D39 “alienação de imóveis não declarada ou necessidade de comprovação dos valores de despesas, valor de alienação, data de aquisição dos imóveis alienados ou afetação à atividade profissional” respeitante ao Quadro 4 do Anexo G e com o código D25 “Reinvestimento em Imóveis” referente aos Quadros 5A e 5A1 do Anexo G da Modelo 3”.
T. Concretamente quanto às despesas e encargos a declarar, a AT considerava então que “Tendo por base os documentos de suporte apresentados (...), os sujeitos passivos apenas comprovam documentalmente as despesas e encargos no valor a declarar de 202.455,44 euros (e não o valor declarado de 224.557,79 euros (...).
U. Quanto à aplicação do quadro jurídico que regula o regime do reinvestimento (no âmbito da tributação das mais-valias imobiliárias em sede de IRS), a AT concluía, então, o seguinte: “Em sede de análise da divergência 25 "reinvestimento em imóveis", atento às disposições conjugadas das alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS e do artigo 19.º, alínea a) do nº 1, da LGT, ao verificar-se que os sujeitos passivos não alienaram efetivamente a sua HPP e, como também, o imóvel objeto de reinvestimento não foi adquirido no prazo de 24 meses anteriores à data de realização, com efeito, o que resulta não haver lugar à aplicação da exclusão de tributação (...)”
V. Em resposta à notificação da AT, os Requerentes apresentaram Audição Prévia em que expuseram, em suma:
· Que efetuaram o reinvestimento parcial do valor de realização obtido com a venda do imóvel sito na Rua..., n.º..., em Lisboa, que constituía sua habitação própria e permanente, na ampliação/modificação de imóvel anteriormente adquirido e sito na Rua..., n.º..., em Lisboa, que, por sua vez, destinaram exclusivamente à sua habitação e do seu agregado familiar após a conclusão das obras;
· Que os custos suportados com as obras de ampliação/melhoramento do referido imóvel (sem recurso a crédito), ocorreram nos anos de 2019, 2020 e ainda 2021 (ano da conclusão da obra);
· Pelo que não lhes poderia ser vedada a intenção de reinvestimento do valor de realização da venda do imóvel sito na Rua ..., n.º..., ..., em Lisboa, deduzido do empréstimo, no pagamento de obras no imóvel sito na Rua ..., n.º ..., nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 5 do artigo 10.º, do Código do IRS.
W. Na Decisão Final do procedimento, a AT decidiu que:
“(...) no que respeita às despesas e encargos propõe-se a correção das mesmas para o valor de 202.455,44€ correspondente à análise dos documentos enviados (...).
Quanto ao reinvestimento verifica-se que o mesmo mantém os factos apurados na Audição prévia a saber:
Nos termos da alínea b) do nº 5 do artº10 do Código do IRS a contrario, em relação ao declarado no Quadro 5A1 do Anexo G, verifica-se que o imóvel objeto de reinvestimento não é aceite fiscalmente visto que a sua data de aquisição ultrapassa os 24 meses anteriores à data de realização 2020-02-19.
Nesta conformidade, e face ao anteriormente exposto, verifica-se que, não se encontram reunidos os requisitos necessários para a aceitação do reinvestimento, ao abrigo das alíneas a) do nº 5 e nº 6 do Artº 10 CIRS.” (negrito e sublinhado nossos; cfr. Doc. 4).
X. Os Requerentes apresentaram o PPA que deu origem ao presente processo em 07.02.2025.
Y. Por despacho de 26.04.2025, da Subdiretora Geral do IRS, emitido no exercício da faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, o ato de liquidação de IRS impugnado foi parcialmente revogado.
Z. Na informação que antecede o ato revogatório, pode ler-se o seguinte:
“Assim, no que se refere ao campo 4001, a diferença de valores é respeitante às despesas e encargos, tendo em conta que o requerente declarou 224.557,79 € e na declaração oficiosa consta o montante de 202.455,44 € (131.180,44 € + 71.275,00 €). Por sua vez, e no que respeita ao quadro 5, na declaração oficiosa foram eliminadas todas as inscrições efetuadas pelo requerente. Isto é, não foram considerados quaisquer valores para efeitos de reinvestimento.”
iii) Relativamente às despesas e encargos incorridos no imóvel alienado, vem o requerente alegar, nos pontos 94 a 107 da petição, que deve ser aceite o montante de 224.557,79 € (tal como inscrito na declaração por si entregue) ao invés dos 202.455,44 € apurados pela Autoridade Tributária em sede de procedimento de gestão e análise de divergências. Estamos perante, pois, uma diferença de 22 102,35 €.
E, segundo alega o requerente, resultará, em primeiro lugar, da não consideração de uma fatura (fatura n.º 44 emitida por D..., Lda), no montante de 18.000,00 €.
Analisado o anexo II do mapa de trabalho da Inspeção (apuramento de despesas e encargos), elaborado no âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências (e junto pelo requerente como Doc. 4), constata-se que do sujeito passivo emitente constam as faturas 27 (identificada erroneamente como fatura 35), 35 e 42.
Com os dados disponíveis, não é possível determinar se a fatura 44 foi apresentada em sede de procedimento de gestão e análise de divergências (e, por lapso, não foi analisada) ou se, por lapso do aqui requerente, não foi apresentada no referido procedimento.
Certo é que, nos presentes autos a mencionada fatura foi apresentada, pelo que cumpre apreciar se obedece aos requisitos para ser aceite a título de despesas e encargos a acrescer ao valor já incluído no campo 4001 do quadro 4 da declaração oficiosa.
E, comparada com as restantes faturas emitidas por aquele sujeito passivo (mencionadas supra), já aceites no procedimento de gestão e análise de divergências, não se observam diferenças consideráveis que obstem à aceitação do montante nela inscrito a título de despesas e encargos.
Como tal, ao valor já considerado anteriormente (202.455,44 €) deve acrescer o montante de 18.000,00 €, o que perfaz o total de 220 455,44 €.
Relativamente às faturas emitidas pela sociedade “E... LDA (cinco faturas no valor global de 3.290,50 € deve referir-se, em primeiro lugar, que o montante constante numa delas (VD 9038/N), mais concretamente, 70,57 € já foi aceite a título de despesas e encargos, como se pode verificar no supracitado anexo II do mapa de trabalho da Inspeção (apuramento de despesas e encargos), elaborado no âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências.
Portanto, estará apenas em causa o montante de 3 219,93 € constante das restantes quatro faturas.
E, quanto a estas, a decisão não poderia ter sido diferente, isto é, não havia condições paraaceitar os montantes constantes das faturas.
Desde logo porque não têm o NIF do aqui requerente.
Além disso, não identificam a morada do imóvel onde foram prestados os serviços.
Não pode vir o requerente alegar “que a AT dispõe de poderes para confirmar a emissão e respetivo valor das faturas” (como faz no ponto 104 da petição) porque a Autoridade Tributária teria a mesma dificuldade que o requerente, face à data das faturas (são de 2008).
Aliás, o requerente apresentou outras (várias) faturas emitidas em 2008 e essas estavam corretamente emitidas. Inclusive a supracitada fatura emitida pelo mesmo sujeito passivo. Acresce que, ainda que fosse possível à Autoridade Tributária confirmar a emissão e valor das faturas (e essa questão nunca foi posta em causa pela Autoridade Tributária), não seria possível saber onde tinham sido efetuadas as prestações de serviços pela sociedade emitente das faturas. Assim sendo, não pode o montante constante nessas faturas (3 219,93 €) acrescer ao valor de despesas e encargos.”
AA. E continua nos seguintes termos:
“Ainda quanto ao primeiro imóvel, foi também colocado em causa a afetação do mesmo a habitação própria e permanente do sujeito passivo, o que o requerente contesta nos pontos 108 a 116 da petição.
(...) o n.º 12 do artigo 13º do Código do IRS, estabelece que o domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário. E, no caso presente, esta norma legal vem fundamentar a pretensão do requerente. Isto porque, consultada a base de dados de gestão e registo dos contribuintes, constata-se que o requerente, na data da alienação do imóvel (2020FEV19) tinha o seu domicílio fiscal na morada do mesmo (rua ... nº..., ...-... Lisboa). Pode, pois, face à presunção constante no n.º 12 do artigo 13º do Código do IRS, afirmar-se que o imóvel era a sua habitação própria e permanente na data da alienação. Esta simples constatação permite considerar que, em abstrato, poderia haver lugar ao reinvestimento do valor de realização (estando cumpridos os restantes requisitos).”
BB. E continua;
“De seguida, veio o requerente nos pontos 117 a 162 da petição alegar que efetuou o reinvestimento na construção/melhoramento do segundo imóvel e não na sua aquisição. Isto porque foi considerado pela Autoridade Tributária (no procedimento de gestão e análise de divergências) que a aquisição desse imóvel ocorreu fora do prazo de vinte e quatro (24) meses anteriores. Efetivamente, consultados os autos, bem como as bases de dados da Autoridade Tributária, verifica-se que o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, foi adquirido em 2016OUT24. E, tendo alienado o imóvel sito na rua ... nº ... em 2020, não restarão dúvidas que o prazo de 24 meses anteriores foi largamente ultrapassado. No entanto, tal com o aqui requerente menciona no exercício do direito de audição no âmbito do procedimento de gestão e análise de divergências, bem como na presente petição, não pretendia o reinvestimento na aquisição do imóvel de ... . Pretende, isso sim, que seja considerado o reinvestimento na construção e/ou melhoramento de imóvel no período de 2018 a 2021.
Relembre-se que a alínea b) do n.º 5 do artigo 10º do Código do IRS, na redação anterior à republicação do Código do IRS pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro não permitia o reinvestimento em construção/melhoramento de imóvel antes da alienação do primeiro imóvel – apenas fazia referência à “aquisição”. Contudo, a redação atual (e que vigorava na data dos factos) não é tão restritiva e permite que o reinvestimento nos 24 meses anteriores seja efetuado na aquisição ou na construção de imóvel. Portanto, desse ponto de vista, o reinvestimento nos 24 meses anteriores à alienação do Informação imóvel é possível, em abstrato, o que vem ao encontro do pretendido pelo aqui requerente. Porém, para verificar, em concreto, essa possibilidade, é necessário analisar a próxima questão levantada pelo requerente (nos pontos 163 a 193 da petição).
Essa questão diz respeito ao imóvel em que o pretendido reinvestimento foi efetuado. Entendeu a Autoridade Tributária, em sede de procedimento de gestão e análise de divergências, que o imóvel de ... era constituído por vários andares e divisões de utilização independente. Consultada a caderneta predial do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, constata-se que a afirmação da Autoridade Tributária está correta. Apesar disso, sempre se dirá que, atualmente, o mencionado artigo matricial já se encontra desativado com o fundamento “ELIMINACAO DO ARTIGO POR RECONSTRUCAO DO PREDIO”. Ou seja, o antigo artigo matricial n.º ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, deu origem ao artigo matricial n.º ... da mesma freguesia. E, consultada a caderneta predial do artigo matricial n.º ... pode verificar-se que se trata de “Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. de Utiliz. Independente”, com afetação a habitação. Assim sendo, a argumentação relativa a esta matéria apresentada pela Autoridade Tributária em sede de procedimento de gestão e análise de divergências não poderá proceder. Acresce que, estando cumpridos os requisitos estabelecidos nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10º do Código do IRS, poderá ser considerado o reinvestimento parcial do valor de realização, tal como pretendido pelo aqui requerente.
vii) Seguidamente, o requerente veio contestar a liquidação de juros compensatórios (pontos 194 a 213 da petição). Quanto aos juros compensatórios, o artigo 35º da Lei Geral Tributária (LGT), estabelece o seguinte: “1 - São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária. 2 - São também devidos juros compensatórios quando o sujeito passivo, por facto a si imputável, tenha recebido reembolso superior ao devido.” Por sua vez, o n.º 6 do mesmo artigo e diploma legal, prescreve que: “Para efeitos do presente artigo, considera-se haver sempre retardamento da liquidação quando as declarações de imposto forem apresentadas fora dos prazos legais.” No caso presente, ficou por demais demonstrado que foi por facto imputável ao aqui requerente que foi retardada a liquidação do imposto. Veja-se a esse propósito que, apesar de ter sido notificado para apresentar declaração de substituição (através do ofício n.º ..., de 2024AGO01, da Direção de Finanças de Lisboa), não procedeu dessa forma. Fica, pois, demonstrado que houve retardamento e que o mesmo é responsabilidade do requerente. Como tal são devidos juros compensatórios. Questão diversa, embora relacionada com a anterior, é saber qual o montante desses juros compensatórios. Ora, face ao exposto supra, apenas o valor que acrescer à liquidação originada pela declaração entregue pelo aqui requerente será sujeito a juros compensatórios. Esse valor a acrescer tem em conta a não aceitação da totalidade das despesas e encargos pretendidos pelo requerente (relembre-se que solicitava 224.557,79 €, foram aceites 202.455,44 € no procedimento de gestão e análise de divergências e agora nos presentes autos mais 18.000,00 €). Portanto, a diferença entre as despesas e encargos inscritos pelo requerente e as que podem ser aceites é de 4.102,35 € (224.557,79 € - 220 455,44 €) e é sobre esse montante que terão de ser calculados os juros compensatórios.”
CC. A revogação parcial dos atos tributários impugnados foi comunicada a este Tribunal, pela Requerida, através de requerimento datado de 05.05.2025.
DD. O respetivo conteúdo foi reiterado na Resposta apresentada pela Requerida a 21.05.2025.
B. Factos não provados
Com relevo para a decisão, não ficou provado, em relação aos documentos juntos ao pedido de pronúncia arbitral como documentos 28, 29, 30 e 31, que os mesmos titulassem despesas relacionadas com a valorização do imóvel sito na Rua ..., n.º ... Esquerdo.
C. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.
III.2 De Direito
III.2.1 Apreciação do direito aplicável in casu
Os presentes autos tiveram início com a apresentação de um pedido de pronúncia arbitral em que os Requerentes pedem a anulação de uma declaração de IRS e respetiva liquidação de juros compensatórios.
Os fundamentos que apresentaram prendem-se, em termos substanciais, com dois aspetos:
(i) A consideração das operações que levaram a cabo como operações de reinvestimento relevantes para efeitos da aplicação do regime de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias geradas com a alienação de uma habitação própria e permanente;
(ii) A consideração das faturas que apresentaram como titulando despesas realizadas no âmbito daquelas operações e que devam ser consideradas relevantes para a diminuição da carga tributária.
No âmbito da discussão administrativa que precedeu o presente processo arbitral, os Requerentes expuseram à AT os argumentos favoráveis à sua posição, maioritariamente relacionados com a descrição das operações que levaram a cabo e a sua subsunção no regime de exclusão de tributação previsto nos números 5 a 9 do artigo 10.º do Código do IRS.
Embora tais argumentos não tenham logrado, no âmbito do processo administrativo, a obtenção de uma decisão favorável à sua posição, já depois de apresentado o PPA, a Requerida aceitou-os em boa parte, tendo revogado parcialmente o ato de liquidação de IRS e o ato de liquidação de juros compensatórios previamente impugnados.
Quanto a essa parte do pedido dos Requerentes, face à revogação parcial dos atos impugnados pelo seu autor, já não cabe a este Tribunal apreciá-los, verificando-se a inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT. A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide é uma causa de extinção da instância, verificando-se quando, “por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio”[1].
A decisão que cabe, ainda, a este tribunal proferir diz respeito, portanto, à parte do pedido que ainda não está satisfeita. No caso, falamos de uma parte das despesas apresentadas pelos Requerentes como despesas a acrescer ao valor de aquisição do imóvel alienado, e que não foram aceites pela AT, tendo sido consideradas como “erros de preenchimento detectados no Quadro 4 do Anexo G (referente à alienação do artigo U-..., sito na Rua ..., n.º..., em Lisboa)” em virtude de as faturas que as titulam não conterem os elementos considerados necessários pela AT para a aferição da ligação entre a despesa realizada e o direito invocado pelos Requerentes.
Cabe, portanto, a este tribunal, aferir se os Requerentes apresentaram provas suficientes para sustentar esse direito ou se, pelo contrário, os argumentos da Requerida são suficientes para pôr em causa o direito que invocaram ao declararem as despesas contidas nas referidas faturas.
Em causa está o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS, em que se prevê o direito dos sujeitos passivos, no âmbito da tributação de mais-valias imobiliárias, “a acrescer ao valor de aquisição do imóvel gerador das mais-valias, os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos, e as despesas necessárias e efetivamente praticadas, inerentes à aquisição e alienação (...)”.
São, pois, pressupostos do direito ali previsto:
- no que toca aos encargos, que (i) sejam relativos à valorização dos bens e (ii) que tenham sido realizados nos últimos 12 anos antes da alienação;
- no que toca à despesas, (i) que fossem necessárias, (ii) que tenham sido efetivamente praticadas e (iii) que sejam inerentes à aquisição e alienação.
Cotejando a jurisprudência que se tem vindo a formar nos nossos tribunais superiores, bem como nos tribunais constituídos no âmbito do CAAD, sobre esta matéria, podemos observar que, de uma forma genérica, se tem discutido a questão da latitude no entendimento do que são encargos com a valorização do bem, no sentido de serem aceitáveis apenas as despesas incorridas com a efetiva valorização do bem, isto é, que permitam aumentar o seu valor, ou também outras, ainda que estritamente necessárias à sua manutenção. Por exemplo, já se entendeu que “[a] al. a) do art. 51º do CIRS não restringe os encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos cinco anos, às valorizações materiais ou físicas daqueles, antes abrangendo também os encargos efectivamente suportados que os valorizem economicamente”[2], e que deve existir “um nexo indissociável entre essas despesas e o aumento do preço do bem, sendo, portanto, de elementar razoabilidade entender-se que essa despesa esteve na origem ou contribuiu para a obtenção do próprio rendimento. Não admitir a dedução de encargos efectivamente suportados que contribuem para a ocorrência do rendimento – neste caso, para a ocorrência do aumento do valor do imóvel que permitiu realizar mais-valia, na sua alienação ― é violar um princípio económico e técnico da tributação do rendimento, o que só razões muito ponderosas poderiam justificar e haveria, por certo, de ser expressamente reflectido no texto legislativo.(...)”[3]. O STA, por outro lado, entendeu ser “de concluir que as reparações levadas a efeito no prédio em causa não se subsumem ao conceito de “encargos com a valorização dos bens” e, por conseguinte, não devem ser adicionadas ao valor de aquisição do imóvel.”[4]
A questão, nos presentes autos, não se prende, contudo, com o conteúdo da despesa, isto é, com os produtos adquiridos e sua ligação à valorização do imóvel em questão, mas sim com a subsunção das mesmas à norma prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS na parte em que se prevê que os encargos sejam “comprovadamente realizados” e, mais genericamente, à necessidade de os Requerentes apresentarem prova dos encargos que alegam.
Concretamente, os Requerentes alegam, no que respeita às faturas em causa, emitidas pela sociedade “E... LDA”, que as despesas em questão são efetivamente referentes a obras realizadas no imóvel alienado, sito na Rua ..., n.º..., em Lisboa; já a AT, põe em causa que assim seja, uma vez que nas referidas faturas não aparece aquela morada nem delas constam qualquer dos NIFs dos Requerentes. Os Requerentes contrapõem que, por serem faturas muito antigas (2008), já não possuem melhores cópias das mesmas, em que estivesse devidamente exibido o cabeçalho da fatura com a identificação do NIF e morada do(s) Requerente(s). Alegam ainda que a AT dispõe de poderes para confirmar a emissão e respetivo valor das faturas. A tais argumentos responde a AT que a própria teria a mesma dificuldade que o requerente, face à data das faturas (são de 2008), que o Requerente apresentou outras (várias) faturas emitidas em 2008 e essas estavam corretamente emitidas, inclusive uma outra fatura emitida pelo mesmo sujeito passivo.
Independentemente da questão do NIF, parece-nos, contudo, que o ponto mais relevante, atendendo à disciplina legal aplicável, é o facto de não constar das referidas faturas o local onde foram colocados os bens delas constantes, globalmente correspondentes a louças e outros materiais sanitários e de casa de banho. Sem essa indicação, ficamos sem saber se os produtos em causa se destinaram efetivamente à valorização do imóvel alienado, ou não, porque não temos qualquer indicação da morada onde foram colocados ou, pelo menos, entregues. Ora, essa era uma prova que cabia aos Requerentes fazerem, de acordo com as regras de aplicação do ónus da prova que constam do n.º 1 do artigo 74.º da LGT, e que, sem a referência em questão na fatura (que foi o documento que juntaram para o efeito) não conseguem fazer de uma forma que seja suscetível de formar a convicção do Tribunal no sentido de lhes reconhecer o direito que alegam.
Considerando, ainda, o disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, do qual decorre que as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua escrita, quando devidamente organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal, se presumem verdadeiros, importa, contudo, dizer que a referida presunção cessa sempre que essas declarações ou os respetivos dados de suporte, apresentem omissões, erros e inexatidões (n.º 2), o que, tendo em conta a insuficiência dos documentos em causa neste caso em análise, nos leva à mesma conclusão a que anteriormente chegamos no sentido de não se provarem os factos que os Requerentes precisariam de provar para fazer valer o direito que alegam.
Assim sendo, assiste razão à AT ao não considerar o montante constante dessas faturas, correspondente a € 3.219,93, como montante a acrescer ao valor de aquisição do imóvel, para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 51.º do CIRS.
III.2.2 Da alegada falta de fundamentação da decisão final do procedimento administrativo
Tendo-se concluído que, relativamente à parte das liquidações impugnadas que não foi revogada pela Requerida, são perfeitamente identificáveis os documentos cuja insuficiência a AT refere, assim como que os Requerentes conseguem identificar a razão fundamental para a insuficiência apontada pela AT – tendo, até, explicitamente reconhecido a falta dos elementos indicados pela mesma (NIF e morada) –, fica prejudicado, por ser inútil (nos termos do disposto nos artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento das questões atinentes à falta de fundamentação alegadas pelos Requerentes no PPA.
III.2.3 Da indemnização por prestação de garantia indevida
Alegam, ainda, os Requerentes, que “caso seja proferida decisão favorável aos Requerentes, no âmbito do presente Processo Arbitral, em consequência, deverão os mesmos ser ressarcidos dos encargos que suportaram com a prestação de garantia para suspensão do processo executivo com o n.º ...2024..., instaurado para cobrança da dívida de IRS e juros, a que respeita o ato de liquidação contestado”.
Alegam que “prestaram garantia para suspensão da execução fiscal, nomeadamente, através da constituição de hipoteca unilateral voluntária sobre bem imóvel, tendo para o efeito celebrado escritura de hipoteca voluntária, no dia 8 de janeiro de 2025, no Cartório Notarial ... e a favor da Autoridade Tributária e Aduaneira, para garantia do bom pagamento da dívida de IRS e juros e tendo incorrido num custo total de € 1.756,01 (mil, setecentos e cinquenta e seis euros e um cêntimos)”.
Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 53.º da LGT, “O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida”.
No presente caso, não se verificam, contudo, os pressupostos do direito invocado: por um lado, interpretando-se a norma literalmente, teria que ter havido vencimento da sua parte no presente processo impugnatório, o que não ocorreu. Mesmo que se pudesse alvitrar a possibilidade de uma interpretação extensiva, abrangendo-se naquela previsão os casos em que é a própria Requerida que revoga o ato impugnado, o que é discutível, ocorre, ainda, que a “garantia bancária ou equivalente” não existe neste caso, pois o que os Requerentes fizeram foi suspender o processo executivo por meio de uma hipoteca, que não configura uma situação equivalente à garantia bancária[5]. Não quer isto dizer que não possa considerar-se verificado um dano, criado pela atuação da Requerida, na esfera dos Requerentes, mas a eventual indemnização do mesmo terá que ser avaliada no âmbito de um processo autónomo e não nesta sede.
IV. DECISÃO
Termos em que se decide:
(i) Declarar a inutilidade superveniente da lide, na parte correspondente à revogação parcial decidida pela AT através do despacho de 26.04.2025, da Subdiretora Geral do IRS;
(ii) Declarar a improcedência do pedido no remanescente dos atos impugnados;
(iii) Declarar a improcedência do pedido de atribuição de uma indemnização por prestação indevida de garantia;
(iv) Condenar a Requerida e a Requerente no pagamento de custas processuais, quanto à primeira na proporção da revogação ocorrida por despacho de 26.04.2025, da Subdiretora Geral do IRS, nos termos do n.º 3 do artigo 536.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), quanto à Requerente no remanescente.
V. VALOR DO PROCESSO
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 167.824,34, que a AT não questionou e que corresponde ao valor da liquidação de imposto a que se pretendia obstar, para efeitos do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
VI. CUSTAS
Custas a cargo da Requerida e da Requerente, na proporção do decaimento. Assim, quanto ao montante total de € 3.672, nos termos do n.º 3 do artigo 536.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), dos artigos 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fica o mesmo a cargo da AT quanto ao parcial de € 3.601,55 e da Requerente quanto ao parcial de € 70,45 (considerando que a AT obteve vencimento quanto ao parcial de € 3.219,93 do valor total do pedido e que os Requerentes obtiveram vencimento quanto ao restante, ou seja, € 164.604,41).
Notifique-se.
Lisboa, 22 de outubro de 2025
A Presidente do Tribunal Arbitral
Regina de Almeida Monteiro
O Árbitro vogal
António Franco
A Árbitra vogal (relatora)
Raquel Franco
[1] Cf. o acórdão do STA de 30 de julho de 2014, proferido no âmbito do processo n.º 0875/14.
[2] Acórdão do STA no processo n.º 0587/11, de 21/03/2012, disponível em www.dgsi.pt.
[4] “cf. Acórdão do STA, processo n.º 0587/11, de 21 de março de 2012.
[5] Cf. o Acórdão do STA de 10.10.2018, processo 0469/14.6BELRS 033/18:
“Sobre o conceito de garantia equivalente a garantia bancária pode ver-se Jorge de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado volume III, 6ª edição 2011, a pag. 242.
Esclarece o mesmo autor a fls. 237 do mesmo III volume “como se vê pela epígrafe e pelo nº 1 deste art.171º, o regime nele previsto aplica-se aos casos de “garantia indevida”, de garantia “indevidamente prestada” e esses são os casos previstos no artº 53º da LGT, em que veio a ser reconhecida razão ao contribuinte total ou parcialmente, na sua impugnação administrativa ou judicial ou oposição à execução fiscal. Com efeito, para além da manifesta correspondência das referidas expressões e das utilizadas naquele art.53º da LGT é nesses casos em que o contribuinte tinha total ou parcialmente razão e prestou garantia para suspender a execução fiscal é que se poderá falar com alguma propriedade, em «prestação indevida» da garantia, por esta prestação só se ter tornada necessária, total ou parcialmente, por ter sido praticado um acto ilegal, um acto indevido, um acto que não deveria ter sido praticado à face da lei”, sendo o montante da indemnização apurado em função do vencimento obtido, nos termos do n.° 1 do art. 53.° da LGT.
Ora, dando atenção ao probatório, supra destacado, somos levados a concordar que tendo a garantia sido prestada através de hipoteca não se verifica o primeiro requisito a que se refere o preceito por nós citado o qual se refere apenas a “garantia bancária ou equivalente”, tendo vindo a entender-se que cabe nesta equivalência o seguro caução (este é também uma forma de garantia que implica para o interessado o suporte de uma despesa que vai aumento constantemente em função do período de tempo durante o qual é prestado/mantido).
Assim sendo não se inclui na previsão legal de indemnização por prestação de garantia indevida o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (ver, por exemplo, a constituição de penhor ou hipoteca legal), o que resulta segundo os doutrinadores da ocorrência “de uma maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efetivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais” (Lei Geral Tributária, anotada, página 254, Lima Guerreiro. Em idêntico sentido, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, 2015, página 555, José Maria Fernandes Pires e Outros e Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª edição, 2011, III volume, página 241, Jorge Lopes de Sousa).
Apesar do que fica dito, acresce referir que, como se destacou, num caso similar analisado neste STA no rec. nº 0528/12 de 24/10/2012:
(…) No caso dos autos está em causa uma hipoteca voluntária que em princípio só terá custos emolumentares, de constituição e registo. Não pode dizer-se que estejamos perante uma garantia equivalente à garantia bancária.
É no entanto certo que o recorrido pode ter outros danos para além dos prejuízos decorrentes do pagamento de emolumentos. Temos de admitir a possibilidade de o pedido indemnizatório ser efectuado em processo autónomo onde se possam averiguar com mais acuidade os danos que o interessado possa ter sofrido. Assim, cremos que o artº 171º do CPPT não pode ser interpretado no sentido de excluir a possibilidade do pedido de indemnização ser feito num processo autónomo aliás à semelhança do que estipula o artº 53º nº 3 da LGT para a garantia bancária e seguro caução ao dispor: “a indemnização referida no nº 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.”
Neste sentido refere António Lima Guerreiro (Lei Geral Tributária, p. 245) que “o presente preceito compreende apenas o prejuízo sofrido pela prestação de garantia bancária ou equivalente (seguro-caução).
Não abrange o prejuízo sofrido pela prestação de outro tipo de garantia (…) o que resulta da muito maior dificuldade em se configurar então a existência de um prejuízo efectivo sofrido pelo executado nesse tipo de circunstâncias, o que não significa que tal não possa ocorrer, devendo, então, o ressarcimento do lesado fazer-se pelos meios indemnizatórios gerais.”.
Aqui chegados temos de concluir que a prestação de hipoteca legal para suspender a execução confere o direito a indemnização ao revertido que a prestou na sequência de exigência indevida da Administração Fiscal. Não podia ser de outra forma por atenção desde logo ao disposto no artº 22º da CRP.
Mas não o poderá fazer sem a especificação dos concretos prejuízos (o que não foi feito no caso dos autos).
Também não podia, ser requerida a fixação da indemnização ao abrigo da norma quantificadora do artº 53º nº 3 da LGT pois esta é inaplicável ao caso dos autos, como vimos.”