Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 158/2025-T
Data da decisão: 2025-10-20  IRS  
Valor do pedido: € 834.391,14
Tema: IRS – mais-valias na liquidação de sociedade não residente – incidência e taxa aplicável
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SUMÁRIO

As mais-valias resultantes da liquidação de sociedade, ainda que residente em país constante da lista da Portaria n.º 150/2004, são sujeitas a IRS pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea b), n.º 3), do Código do IRS, devendo aplicar-se a taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, e não a taxa de 35%.  

 

DECISÃO ARBITRAL

Os árbitros Fernando Araújo (presidente), Jorge Belchior de Campos Laires e Ana Pinto Moraes, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:

 

 

I.              RELATÓRIO

 

 

1.          A... (“Requerente”), residente na ..., n.º ..., ..., ...-... Montijo, contribuinte fiscal n.º..., veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra a Liquidação adicional de Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2024..., relativa ao ano de 2020, no valor de € 834.391,14, com data limite de pagamento em 20/11/2024.

2.          É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

3.          O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 17/02/2025, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.

4.          Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros signatários em 08/04/2025, sem oposição das partes.

5.          O Tribunal Arbitral foi constituído em 30/04/2025. 

6.          Em 06/05/2025 a Requerida foi notificada para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT.

7.          Em 01/06/2025 a Requerida apresentou a resposta e juntou aos autos o Processo Administrativo.

8.          Em 13/06/2025 o tribunal proferiu o seguinte Despacho:

Notifique-se o Requerente para, no prazo de dez dias: 1) dizer se mantém interesse na produção da prova testemunhal, dada a oposição da Autoridade Tributária, e dado o estabelecido no art. 393.º do Código Civil, que não admite prova testemunhal quando se exija prova documental; 2) em caso afirmativo, dizer se mantém o número de testemunhas arroladas no seu pedido de pronúncia; 3) indicar os pontos de facto sobre que deve incidir a inquirição de cada testemunha; 4) confirmar que as testemunhas prestarão o seu depoimento presencialmente nas instalações do CAAD.

Cumpre, desde já, esclarecer que só por razões ponderosas e excepcionalíssimas se admitirá o recurso a uma medida tão singular e inconveniente como seria a da prestação de depoimentos testemunhais fora das instalações do CAAD.

Com efeito, a presença das testemunhas nas instalações do CAAD é imprescindível para, entre outras finalidades, se proceder à sua identificação, se garantir que as testemunhas não ouvem o depoimento umas das outras, e se assegurar que as testemunhas têm perto de si todo o processo, para poderem ser confrontadas com algum documento, se isso vier a revelar-se necessário.

Para todos os efeitos, os funcionários do CAAD asseguram, presencialmente, nas instalações do CAAD, a veracidade e genuinidade dos depoimentos prestados – aplicando-se analogicamente o estabelecido no art. 119º, 4 do CPPT (“As testemunhas (…) são ouvidas por teleconferência gravada a partir do tribunal tributário da área da sua residência, devendo ser identificadas perante funcionário judicial do tribunal onde o depoimento é prestado”) e no art. 502º do CPC, norma na qual se estabelece que o depoimento da testemunha deve ser prestado em “edifício público” (nº 3), que a testemunha se identifica “perante o funcionário judicial do tribunal ou do juízo ou perante o funcionário do serviço público onde o depoimento é prestado” (nº 4).

Excluindo-se, assim, qualquer depoimento prestado num outro qualquer lugar.

Só uma circunstância excepcionalíssima permitiria a derrogação destes princípios de salvaguarda da idoneidade da prova testemunhal, uma derrogação só admissível por ponderação com valores que eventualmente sobrelevassem àqueles.

9.          Em 26/06/2025 o Requerente respondeu o seguinte:

O Requerente havia oferecido a prova testemunhal para prova da questão de fundo principal, servindo as testemunhas arroladas a fazer prova dos factos articulados na petição (artigos 50.º, 98.º, 100.º) que a B... Ltd foi sociedade comercial e não um trust. Face à posição expressa pela Requerida no respectivo articulado, de que por mero lapso foi indicado o artigo 10.º/4/g) do Código do IRS, e de que confluem as partes quanto à ausência de um trust (pese embora nada diga sobre o cumulativo aparente “lapso” do artigo 72.º/18/ alínea c), do Código do IRS, em fundamento da taxa especial de tributação autónoma aplicada na linha 17 da liquidação adicional), resta concluir que as partes estão de acordo em considerar provado o alegado quanto a esses pontos de facto.

A segunda testemunha do rol, do E..., serviria também a fazer prova dos factos articulados na petição (artigos 41.º a 44.º) sobre entradas efectivas para a B... Ltd.

Quanto a esses pontos, para os mesmos factos foi junta prova documental (Documento 8, complementado pelos Documentos 9 e 10), documentos não impugnados na sua veracidade ou genuinidade, nem os impugnando a Requerida como hábeis no seu conteúdo a fazerem prova dos factos a que se destinam. Assim, será o oferecimento de prova testemunhal eventualmente dispensável pelo Tribunal, segundo o seu melhor juízo, caso julgue suficientes para o julgamento da causa os elementos probatórios documentais carreados para os autos, dado o estabelecido no artigo 393.º, n.º 2, do Código Civil, ao que o Requerente não se opõe.

Informa ainda que não tem forma de persuadir a testemunha residente no estrangeiro a deslocar-se voluntariamente a Portugal, tendo deixado de ter contacto com a mesma desde que no final de 2019 se mudou para Portugal, pelo que no caso de ainda assim ser julgada necessária a inquirição, terá que ser “através de equipamento tecnológico que permita a comunicação, por meio visual e sonoro, em tempo real”, nos termos do artigo 502º, n.º 5, do CPC, relativo a testemunha residente no estrangeiro.

10.      Em 16/09/2025 o Tribunal proferiu o seguinte Despacho: “(…) dado que as questões que subsistem são essencialmente de direito e que se considerou prescindível a prova testemunhal apresentada, dispensa-se a reunião do art. 18º do RJAT, podendo as partes apresentar alegações escritas, o Requerente no prazo de 10 dias contados da notificação do presente despacho, e a Requerida no prazo de 10 dias contado da notificação das alegações do Requerente, ou da falta de apresentação das mesmas (…)”.

 

II.                  SANEAMENTO

 

1.         O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.

2.         O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, uma vez que foi apresentado no prazo previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT 

3.         As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

4.         Não se verificam nulidades. As partes não suscitaram exceções.

 

III.         MATÉRIA DE FACTO

 

a)    Factos provados

 

1.         O Requerente é residente fiscal em Portugal desde 19/09/2019 e tem estatuto de residente não habitual (facto alegado pelo Requerente e confirmado pela AT no Relatório de Inspeção Tributário – “RIT”)).

2.         O Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao exercício fiscal de 2020 (facto alegado pelo Requerente e confirmado no RIT).

3.         O Requerente inscreveu na sua declaração, no anexo J, rendimentos de capitais perfazendo o montante de €109.902,63 e rendimentos de mais-valias obtidos no estrangeiro no valor de €10.712,94 (cf. RIT).

4.         Nessa sequência, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2021... (cf. documento n.º 2 junto com o PPA).

5.         A Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Setúbal notificou o Requerente, no âmbito de procedimento de inspeção sob as Ordens de Serviço n.º OI2023... e OI2023..., para no prazo de 10 dias justificar os valores inscritos no Anexo J daquela declaração, quer no tocante aos rendimentos de capitais auferidos (categoria E), quer quanto aos incrementos patrimoniais e mais-valias (categoria G). 

6.     Adicionalmente, com base em informações recebidas das autoridades fiscais do Luxemburgo, foi ainda o Requerente notificado para comprovar a origem da variação positiva (de € 2.159,45 para € 2.014.917,86), ocorrida ao longo de 2020, do saldo da conta bancária titulada pelo Requerente junto do C..., S.A. (cf. RIT).

7.         Em janeiro de 2020 a totalidade dos ativos detidos pela entidade B... Ltd (“B...”) junto do D... Ltd, no montante de USD$ 2.423.219,30 (sendo a maioria obrigações de empresas), foi transferida para a conta bancária n.º ... titulada pelo Requerente junto do C..., S.A. (cf. RIT).

8.         Em resposta à notificação, disse o Requerente que o valor por si recebido na referida conta resultou da transferência, ocorrida em 10/01/2020, de uma carteira de títulos anteriormente mantida por si junto do D..., da qual já era beneficiário antes de mudar a sua residência para Portugal (cf. RIT).

9.         No RIT a AT considerou que “o acréscimo de património de A..., no montante total de €2.167.098,88, não encontra justificação nos rendimentos das categorias E e G declarados no Anexo J da Modelo 3 de IRS do ano 2020, uma vez que a data de obtenção desses rendimentos foi posterior àquela em que se verificou o acréscimo patrimonial (vide Anexos 2 e 5). De igual forma, não conseguiu A..., através dos elementos e esclarecimentos apresentados, justificar a que titulo foi recebida aquela importância. Por esse motivo, verificando-se estarem cumpridos os pressupostos para a realização da avaliação indireta da matéria tributável, propõe-se que, em sede de IRS, a matéria coletável seja apurada com recurso a aplicação de métodos indiretos para o período de 2020, ao abrigo do disposto no art.° 87.°, n. 1, alinea f), conjugado com n.° 3 do art.° 89.°-A, ambos da LGT, bem como do art.° 39.° do CIRS”.

10.     Todavia, após o exercício do direito de audição por parte do Requerente, em que alegou tratar-se de valores recebidos em resultado de liquidação da sociedade B..., a AT alterou a correção projetada no RIT, concluindo que: “Assim, em cumprimento com as regras definidas no art.° 10.°, n.º 4, alínea g) do CIRS, o ganho obtido pelo sujeito passivo em 2020 corresponde à diferença entre o valor atribuído ao sócio em resultado da partilha (€2.167.098,88) e o montante entregue por este aquando da constituição da sociedade (€53.115, respeitante ao gasto das 50 000 ações adquiridas em 2017/02/14 ao valor nominal de US$1.00, aplicando a taxa de câmbio desse dia de 1,0623 USD/EUR), assim calculado: Ganho (Mais-valia) = Valor de Realização - Valor de Aquisição = €2.167.098,88 - €53.115,00 = €2.113.983,88 (…) Este rendimento da categoria G, acrescendo às restantes mais-valias declaradas pelo sujeito passivo para o período de 2020, será objeto de tributação em sede de IRS à taxa especial de 35%, de acordo com o art.° 72.º, nº. 18, alínea c) do CIRS, em virtude de respeitar a ganho previsto no art.° 10.º, n.° 1, da alínea b), n.º 3 do mesmo diploma, relativo a sociedade domiciliada em pais (lhas Virgens Britânicas) sujeito a regime fiscal claramente mais favorável, conforme elencado na Portaria n.º 150/2004, na redação em vigor à data dos factos”.

11.     Na sequência, o Requerente foi notificado da liquidação adicional de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2020, no valor de € 834.391,14, com data limite de pagamento de 20/11/2024 (cf. documento n.º 3 junto com o PPA).

12.     O Requerente procedeu ao pagamento da liquidação de imposto em apreço (cf. documento n.º 4 junto com o PPA).

13.     A sociedade B..., sediada nas Ilhas Virgens Britânicas, foi constituída em 14/02/2017, sendo o Requerente o seu único sócio, que detinha as 50.000 ações da firma, as quais foram emitidas com o valor nominal de US$1,00 (cf. RIT).

14.     A entidade referida tem a natureza de uma sociedade comercial e não de um “trust” ou qualquer outra estrutura fiduciária (facto não controvertido).

15.     Na sequência de pedido formulado pelo Requerente em 12/12/2019, foi promovido o

encerramento e dissolução da B..., o qual foi executado por agente liquidador nomeado para o efeito. No âmbito desse encerramento e dissolução, a totalidade do produto da liquidação da B... foi atribuída ao Requerente, na qualidade de sócio único da sociedade, sendo o mesmo constituído pelos ativos financeiros já referidos no ponto 7. Assim, em janeiro de 2020 estes ativos foram transferidos da conta bancária n.º..., titulada pela B... junto do D... Ltd, para a conta bancária n.º..., titulada pelo Requerente junto do C..., S.A., no que constituiu um valor total transferido de € 2.167.098,88 (cf. RIT).

16.     Em 24/01/2020, inexistindo ativos ou passivos a liquidar, foi registada a dissolução da

B…  (cf. RIT).

17.     O Requerente inscreveu os seguintes valores no Anexo J da sua declaração de IRS de 2019 (documento n.º 5 junto com o PPA):  

 

 

 

b)    Factos não provados 

 

1.         Não ficou provada a alegação do Requerente de que quando constituiu a sociedade B... contribuiu com um portfolio de ativos financeiros para o respetivo capital. Concretamente, alega que constituiu a sociedade em 2017, realizando entradas em numerário e em espécie no montante global de USD$ 1.963.642,00.

2.         Nesse sentido, tendo-se suscitado dúvidas ao tribunal quanto à prova, foi proferido em 3 de Julho de 2025 o seguinte Despacho: “Notifique-se o Requerente para, no prazo de 10 dias, juntar aos autos documentação de prova relativa à alegada contribuição em espécie de obrigações para o capital próprio da B... Ltd, nomeadamente o extracto bancário, ou qualquer outro documento que evidencie a transferência das obrigações do património do Requerente para a titularidade daquela sociedade”.

3.         Na resposta, em requerimento de 18 de Junho de 2025, o Requerente disse que a contribuição para o capital se prova com o balanço da B... junto com o PPA e com a evidência de efetiva transferência bancária refletida no extrato bancário como “inflow” de securities a 16/08/2017 e “inflow” de numerário a 23/08/2017. No entanto, o documento em causa não atesta qualquer transferência da conta do Requerente para a conta da sociedade.

4.         Na resposta, o Requerente prossegue dizendo que se “trata de património acumulado e antigo do Requerente que se formou muito antes da própria incorporação societária da B... Ltd em 2017, conforme se comprova pelo detalhe do portefólio de obrigações, na esfera do Requerente, em 27/05/2011”.

5.         O Requerente juntou, na resposta, um documento com o alegado portefólio, mas, conforme bem argumentou a Requerida em sede de contraditório, trata-se de uma folha sem qualquer referência ou identificação do emitente do extrato, nomeadamente da entidade registadora/custodiante dos títulos.

6.         Por outro lado, embora as demonstrações financeiras juntas como documento n.º 8 refiram um valor de “Equity” de 1,963,642.00 (desconhece-se a moeda, por falta de indicação), não têm qualquer validação oficial, apenas indicam no rodapé “Financial statements prepared by ... of South Miami, Florida”.

7.         Diga-se, ainda, que, em 2024, data em que o Requerente exerceu o seu direito de audição, a existência dessa entrada de capital em espécie não foi alegada pelo Requerente, além de que o Requerente declarava estar (em 2024) “a encetar esforços para obter as demonstrações financeiras de 2019 e 2020 da sociedade B... LTD”, o que em nada abona para a fiabilidade da informação financeira que veio a ser apresentada posteriormente.

8.         Todos esses fatores contribuíram para a dúvida do tribunal quanto ao facto alegado. Dada a sua relevância para o cálculo da mais-valia tributável, na medida em que parte do resultado da liquidação seria para satisfazer a entrada de capital, diminuindo consideravelmente a mais-valia, considerou o tribunal que a prova teria de ser feita com um documento que formalizasse a entrada de capital em espécie, documento esse que o Requerente não logrou juntar, nem sequer apresentando qualquer documento bancário que demonstrasse a saída dos ativos do património do Requerente para o património da sociedade.

9.         Considerando as dúvidas do tribunal quanto à fiabilidade das demonstrações financeiras da sociedade. B..., também não se considerou provado que o volume de rendimentos totais anuais da sociedade nunca excedeu os € 2.000.000.

 

IV.         MATÉRIA DE DIREITO 

 

A)   Posição do Requerente

Com base principalmente em transcrições do PPA, resume-se a posição do Requerente, dividindo por linha de argumentação utilizada.

i)              Desconsideração por parte da AT da entrada de capital em espécie

 

1.          O Requerente alega que AT se limitou a subtrair o valor nominal do capital social ao montante de títulos e dinheiro recebidos em 2020 na esfera patrimonial do Requerente, sem apurar o montante que efetivamente podia ser qualificado de rendimento de mais-valia. 

2.          Não averiguou que parte do montante correspondia a devolução de entrada de capital e se efetivamente havia um ganho diferencial, ou quiçá até uma menos-valia. Conforme se verifica também pelas demonstrações financeiras, aquando da dissolução da sociedade, o produto da liquidação consistiu na atribuição dos ativos financeiros e reservas / lucros não distribuídos da sociedade.

                                                                                   

 

ii)             Desconsideração por parte da AT da imputação de lucros feita em 2019

 

3.          Alega também que, ao montante de realização, sempre teria de ser deduzido o montante já imputado e tributado no ano anterior - rendimentos de capitais totalizando € 203.453,50 (julga-se que o valor correto é € 203.452,50, conforme a factualidade apurada e indicada no ponto 17 dos factos dados como provados)  – na liquidação de IRS de 2019, sob pena de manifesta duplicação de coleta.

4.          Segundo o Requerente a liquidação violou o disposto no artigo 66.º, n.ºs 8 e 11, do Código do IRC, aplicável ex vi do artigo 20.º, n.º 3, do Código do IRS. O artigo 20.º, n.º 3, do Código do IRS dita que constituem rendimentos dos sujeitos passivos residentes os lucros ou rendimentos obtidos por entidades não residentes sujeitas a um regime claramente mais favorável.

5.          De acordo com o disposto no n.º 11 do artigo 66.º do Código do IRC, ex vi artigo 20.º, n.º 3, do Código do IRS, em caso de transmissão onerosa de partes sociais de uma entidade não residente a que tenha sido aplicada a imputação de rendimento mencionada são dedutíveis ao valor de realização os valores que o sujeito passivo prove terem sido imputados para efeitos de determinação do lucro tributável de períodos de tributação anteriores.

 

iii)           Errónea aplicação por parte da AT da norma de incidência e da taxa de 35%

 

6.          Alega ainda que a incorporação da sociedade e posterior dissolução, liquidação e partilha societária nada tem que ver com a instituição de um “trust” ou revogação pelo “settlor”, nunca sendo de aplicar a taxa agravada de 35%. 

7.          De acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, sendo o resultado da partilha positivo, este é tributado à taxa especial de 28%.

 

iv)           Não aplicação por parte da AT da isenção de 50% das mais-valias (micro e pequenas empresas)

 

8.          Invoca ainda que a mais-valia deve ser tributada em apenas metade do seu valor, de acordo com o n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, porque a sociedade B... Ltd nunca teve trabalhadores, sempre foi detida em exclusivo pelo sujeito passivo (não admitida em bolsa), e o seu volume de rendimentos totais anuais nunca excedeu € 2.000.000, reunindo as condições de micro empresa. 

 

v)             Preterição de formalidade legal por parte da AT no procedimento inspetivo 

 

9.          A título subsidiário, sem conceder, o Requerente alega que, após o exercício da audição prévia, a AT procedeu à requalificação factual, sem conferir o direito de audição prévia ao contribuinte. O novo fundamento para a correção não foi submetido à consideração do sujeito passivo, com ofensa do direito de participação.

10.      Nas situações em que, após o exercício do direito de audição, sejam invocados novos fundamentos ou formuladas novas conclusões, distintos daqueles em que o direito de audição prévia inicialmente se sustentou, impõe-se conceder novo direito de participação na formação da decisão.

 

B)   Posição da Requerida

Com base principalmente em transcrições do RIT e da Resposta, resume-se a posição do Requerente, tendo por referência a sistematização feita no ponto anterior.

i)              Desconsideração por parte da AT da entrada de capital em espécie

 

11.      A Requerida alega que, se o Requerente contribuiu com ativos (como as obrigações) para o capital social da empresa, o valor dessas contribuições não deve ser considerado como o custo de aquisição das ações, mas sim como a base de cálculo para o apuramento de uma possível mais-valia ou menos-valia no futuro.

12.      Assim, sendo o caso de liquidação da sociedade, tal como ocorreria se estivéssemos perante a venda das ações, o custo de aquisição será o valor nominal das ações, e não o valor dos ativos da sociedade.

13.      Com efeito, tal como referido pelo Requerente, após o encerramento da liquidação, os sócios podem proceder à partilha do acervo patrimonial da sociedade, incluindo a partilha de direitos e de bens em espécie, sendo a partilha destinada a compensar as entradas pela realização de capital, e o restante, se existir, sendo repartido pela

respetiva participação social de cada sócio.

14.      Ora, nos termos do artigo 81.º do CIRC, constitui rendimento tributável, o valor que for atribuído aos sócios em resultado da partilha, abatido do custo de aquisição das correspondentes partes sociais.

15.      Deste modo, da conjugação desse dispositivo com o artigo 10.º, n.º 1, alínea b), n.º 3 e n.º 4, alínea a) do CIRS o ganho obtido pelo sujeito passivo em 2020 corresponde à diferença entre o valor atribuído ao sócio em resultado da partilha (€ 2.167.098,88) e o montante entregue por este aquando da constituição da sociedade (€53.115, respeitante ao gasto das 50 000 ações adquiridas em 14/02/2017).

 

ii)             Desconsideração por parte da AT da imputação de lucros feita em 2019

 

16.      Segundo a Requerida, o rendimento declarado em 2019 consistiu em rendimentos de capitais efetivamente auferidos pela sociedade não residente (B...) e voluntariamente declarados como recebidos pelo Requerente — não se tratando, pois, de rendimentos "imputados" ao abrigo do artigo 20.º, n.º 3 do CIRS.

17.      Em 2020, o que foi objeto de tributação foi um evento patrimonial diverso, qual seja a incorporação no património pessoal do Requerente de ativos detidos por uma entidade terceira em decorrência da liquidação da mesma, cuja avaliação integra o valor dos ativos financeiros e do numerário transferido.

18.      Trata-se, portanto, de um facto tributário distinto, não havendo repetição de tributação sobre o mesmo facto jurídico.

19.      O artigo 66.º, n.º 11 do CIRC — aplicável ex vi artigo 20.º, n.º 3 do CIRS — prevê a possibilidade de dedução ao valor de realização, em caso de transmissão onerosa de partes sociais de entidade não residente sujeita à imputação de rendimentos, dos valores comprovadamente imputados e tributados em períodos anteriores.

20.      Contudo, essa norma não é aplicável ao caso em apreço, uma vez que além de não estamos perante uma transmissão onerosa de partes sociais, o Requerente não demonstrou que os valores tenham sido objeto de efetiva imputação ao abrigo da lei, mas sim declarados como rendimentos efetivamente auferidos.

 

iii)           Errónea aplicação por parte da AT da norma de incidência e da taxa de 35%

 

21.      Da leitura do RIT, do qual decorreu a liquidação adicional de IRS ora controvertida, resta bastante claro que o facto tributário identificado pela Requerida que deu azo às correções realizadas corresponde a uma mais-valia verificada em função da partilha resultante da liquidação da sociedade B..., nos termos do artigo 81.º do CIRC.

22.      Não há dúvidas de que o cálculo de apuração da mais-valia ora tributada, obedeceu estritamente ao preceituado na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS c/c artigo 81.º do CIRC, embora, por mero lapso, tenha sido indicado no RIT a alínea g) daquele dispositivo ao invés da alínea a).

23.      A sociedade liquidada (B...) era domiciliada, para efeitos fiscais, nas Ilhas Virgens Britânicas, território sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada pela Portaria 345-A/2016, de 30 de dezembro.

24.      Nesse sentido, a mais-valia decorrente da liquidação dessa sociedade deve ser tributada mediante a aplicação da taxa liberatória agravada, como determinado no n.º 18 do artigo 72.º do CIRS (anteriormente era o n.º 17).

25.      Assim, resta claro que, apesar de qualquer eventual lapso cometido pela Requerida ao citar a legislação aplicável à liquidação em causa, a metodologia utilizada pela mesma e todo o racional subjacente ao ato vai de encontro ao expresso pelo Requerente em sede de direito de audição, sendo o rendimento em causa qualificado como uma mais-valia resultante da partilha decorrente da liquidação da  B... e tributado como tal, não tendo sido o mesmo qualificado/tratado como “trust”.

 

iv)           Não aplicação por parte da AT da isenção de 50% das mais-valias (micro e pequenas empresas)

 

26.      Segundo a Requerida, a finalidade prosseguida pela norma de isenção em causa consiste em apoiar as pequenas e médias empresas nacionais. Assim, tendo presente o contexto e a finalidade prosseguida pela referida norma, afigura-se claro que este benefício se destinou a apoiar as PMEs nacionais, não sendo possível outra interpretação que não a de que este benefício se circunscreve às PMEs com sede em Portugal, não se aplicando às PMEs com sede no estrangeiro.

27.      O facto de a AT circunscrever o n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS às PMEs com sede em Portugal, não constitui uma violação do direito comunitário, pois esta faz parte de um conjunto de medidas destinadas a apoiar as PMEs nacionais, que se encontra em consonância com as medidas apresentadas pelas instâncias europeias com o intuito de promover e apoiar as PMEs.

28.      E, finalizando, facto que não é de somenos, a Requerente alega, sem sequer ensaiar provar, estarmos perante uma empresa que pudesse, em hipótese que apenas por dever de patrocínio se concede, ser qualificada como PME nos termos e para os efeitos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.

 

v)             Preterição de formalidade legal por parte da AT no procedimento inspetivo 

 

29.      A Requerida rebate esta alegação lembrando que as correções ora debatidas foram realizadas em consonância com o que o próprio Requerente reconhece, em sede de direito de audição, como sendo o enquadramento correto para a situação em causa, tanto é que desde aquele momento já tinha até se prontificado a apresentar a declaração Modelo 3 de substituição por forma a concretizar as correções em apreço.

30.      Dessa forma, não se verificou qualquer preterição de formalidades legais.

 

C)   Apreciação

Cumpre apreciar a posição das partes e o pedido formulado, tendo igualmente por referência a sistematização feita nos pontos anteriores quanto às posições do Requerente e da Requerida.

i)              Desconsideração por parte da AT da entrada de capital em espécie

 

31.      Estando as partes de acordo de que os proventos recebidos pelo Requerente o foram por virtude da liquidação da sociedade B..., a tributação encontra-se prevista no artigo 10.º, n.º1, b), 3), conforme abaixo:

 

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

(…)

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

(…)

3) O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC;

 

32.      Por sua vez, o artigo 81.º, n.º 1, do CIRC, estabelece o seguinte: 

1 — É englobado para efeitos de tributação dos sócios, no período de tributação em que for posto à sua disposição, o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do valor de aquisição das correspondentes partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio.

 

33.      Retira-se daqui que, conforme alega o Requerente, o valor da entrada em espécie para o capital social deveria ser abatido ao valor da partilha em resultado da liquidação.

34.      Refira-se igualmente que, mesmo que a entrada em causa não constituísse uma entrada para o capital social, mas uma entrada para outra rubrica do capital próprio com uma natureza similar ao que no direito português constituem as prestações acessórias ou suplementares, ainda assim esse valor teria de ser abatido para o cálculo da mais-valia, na medida em que não se trataria de um rendimento do Requerente, mas sim o reembolso da respetiva entrada.

35.      Sucede, porém, que não ficou provada nos autos a realização dessa entrada em espécie, pelo que não procede este argumento desenvolvido pelo Requerente.  

 

ii)             Desconsideração por parte da AT da imputação de lucros feita em 2019

 

36.      O artigo 20.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS (na redação à data dos factos) estabelecia que:

 

3 - Constitui rendimento dos sujeitos passivos de IRS residentes em território português os lucros ou rendimentos obtidos por entidades não residentes em território português e aí submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável, no caso em que, nos termos e condições do artigo 66.º do Código do IRC, os mesmos detenham, direta ou indiretamente, mesmo que através de mandatário, fiduciário ou interposta pessoa, pelo menos, 25 % ou 10 % das partes de capital, dos direitos de voto ou dos direitos sobre os rendimentos ou os elementos patrimoniais dessas entidades, consoante os casos, aplicando-se para o efeito, com as necessárias adaptações, o regime aí estabelecido.

4 - Para efeitos do disposto no número anterior, as respetivas importâncias integram-se como rendimento líquido na categoria B, nos casos em que as partes de capital ou os direitos estejam afetos a uma atividade empresarial ou profissional, ou na categoria E, nos restantes casos.

 

37.      Por sua vez, o artigo 66.º do CIRC, para cujo regime a referida norma remete, dispunha o seguinte (transcreve-se apenas as disposições com interesse para o caso concreto:

1 - Os lucros ou rendimentos obtidos por entidades não residentes em território português e submetidos a um regime fiscal claramente mais favorável são imputados aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português que detenham, directa ou indirectamente, mesmo que através de mandatário, fiduciário ou interposta pessoa, pelo menos 25% das partes de capital, dos direitos de voto ou dos direitos sobre os rendimentos ou os elementos patrimoniais dessas entidades. 

2 - (Revogado.)

3 - A imputação a que se refere o n.º 1 é feita na base tributável relativa ao período de tributação do sujeito passivo que integrar o termo do período de tributação da entidade, pelo montante do lucro ou rendimentos por esta obtidos, consoante o caso, determinados nos termos deste Código, e de acordo com a proporção do capital, ou dos direitos sobre os rendimentos ou os elementos patrimoniais detidos, direta ou indiretamente, mesmo que através de mandatário, fiduciário ou interposta pessoa, por esse sujeito passivo. 

(…)

6 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que uma entidade está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando:

a) O território da mesma constar da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças; ou

(…)

8 - Quando ao sujeito passivo residente sejam distribuídos lucros ou rendimentos provenientes de uma entidade não residente a que tenha sido aplicável o disposto no n.º 1, são deduzidos na base tributável relativa ao período de tributação em que esses rendimentos sejam obtidos, até à sua concorrência, os valores que o sujeito passivo prove que já foram imputados para efeitos de determinação do lucro tributável de períodos de tributação anteriores, sem prejuízo de aplicação nesse período de tributação do crédito de imposto por dupla tributação internacional a que houver lugar, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º e do artigo 91.º.

9 - A dedução que se refere na parte final do número anterior é feita até à concorrência do montante de IRC apurado no período de tributação de imputação dos lucros ou rendimentos, após as deduções mencionadas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 90.º. 

10 - (Revogado.) 

11 - Em caso de transmissão onerosa de partes sociais de uma entidade não residente a que tenha sido aplicável o disposto no n.º 1 são dedutíveis ao valor de realização os valores que o sujeito passivo prove terem sido imputados para efeitos de determinação do lucro tributável de períodos de tributação anteriores, na parte em que os mesmos não tenham sido ainda considerados nos termos do n.º 8. (Redação da Lei n.º 32/2019, de 3 de maio)

 

38.      Assim, prevê esta norma que o lucro gerado por uma sociedade sujeita a regime fiscal privilegiado deve ser, independentemente da distribuição, imputado ao respetivo sócio. Embora a norma se refira a “lucros ou rendimentos”, tratando-se de uma sociedade comercial, como é o caso, o que deve imputar-se é o “lucro” gerado pela sociedade. 

39.      Verificando-se a imputação (e tributação) do lucro em determinado exercício, justifica-se a salvaguarda feita pelos n.ºs 8 e 11 do transcrito artigo 66.º do CIRC, ou seja, respetivamente, (i) os lucros imputados anteriormente devem ser abatidos à base tributável no caso de distribuição de dividendos posterior ou (ii) deve proceder-se a esse abatimento, neste caso ao valor de realização, no cálculo de mais-valia na transmissão onerosa da participação.

40.      É o preceito do n.º 11 que o Requerente pretende aplicar, na medida em que argumenta ter procedido à imputação de rendimentos gerados pela sociedade em 2019. Ora, pela argumentação expendida pelo Requerente, não há relação entre o lucro alegadamente apurado pela sociedade em 2019 e a inclusão dos rendimentos de capitais no valor de € 203.452,50 (conforme a factualidade apurada e indicada no ponto 17 dos factos dados como provados).

41.      Na verdade, o próprio Requerente afirma de que se tratou dos rendimentos gerados pelas obrigações e não do lucro apurado pela sociedade. Nessa medida, não se tratou de imputação de lucros da sociedade B..., não obstante, pelo que se percebeu da explicação do Requerente, fossem rendimentos gerados na sociedade B..., uma vez que era esta, e não o Requerente, a titular das obrigações.

42.      Dessa forma, não tendo havido imputação de lucros em 2019, não poderia a AT ter aplicado o referido n.º 11. É verdade que, em substância, a inclusão daquele rendimento pode originar uma dupla tributação do rendimento na esfera do Requerente, mas essa circunstância deveria ser resolvida por via da retificação do valor declarado em 2019 e não pela aplicação, enviesada, da citada disposição do n.º 11 do artigo 66.º do CIRC.

43.      Nessa medida, improcede igualmente esta alegação do Requerente.   

 

iii)           Errónea aplicação por parte da AT da norma de incidência e da taxa de 35%

 

44.      Considerando a fundamentação apresentada no RIT, temos o seguinte:

 

a)    A norma de incidência utilizada pela AT na liquidação adicional foi o artigo 10.°, n.º 4, alínea g) do CIRS;

b)    O rendimento apurado de acordo com a regra anterior (categoria G) foi objeto de tributação em sede de IRS à taxa especial de 35%, de acordo com o artigo 72.º, nº. 18, alínea c) do CIRS, em virtude de respeitar a ganho previsto no artigo 10.º, n.° 1, da alínea b), n.º 3 do mesmo diploma, relativo a sociedade domiciliada em país sujeito a regime fiscal claramente mais favorável.

 

45.      Ora, a primeira norma referida pela AT (artigo 10.°, n.º 4, alínea g)) dispõe que:

 

4- O ganho sujeito a IRS é constituído:

g) Para efeitos da parte final do n.º 3) da alínea b) do n.º 1, considera-se como valor de aquisição o montante dos ativos entregues pelo sujeito passivo aquando da constituição da estrutura fiduciária e como valor de realização o resultado da liquidação, revogação ou extinção da mesma, abatido dos valores imputados objeto de tributação nos termos do n.º 3 do artigo 20.º que não tenham sido distribuídos anteriormente.

 

46.      A outra norma referida pela AT (artigo 10.º, n.° 1, da alínea b), n.º 3) dispõe que:

1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

b) Alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários, incluindo:

3) O valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC;

 

47.      A norma por fim aludida pela AT (artigo 72.º, nº. 18, alínea c), que se refere, na verdade, ao n.º 17) dispõe que:

 

17 - São tributados autonomamente à taxa de 35 %: (Anterior n.º 16, redação da Lei n.º 2/2020, de 31 de março)

(…)

b) O saldo positivo entre as mais-valias e menos-valias, resultante das operações previstas nos n.ºs 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, quando respeitem a valores mobiliários cujo emitente seja entidade não residente sem estabelecimento estável em território português, que seja domiciliada em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças;

c) Os ganhos previstos no n.º 3) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º relativos a estruturas fiduciárias domiciliadas em país, território ou região sujeitos a um regime fiscal claramente mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

48.      A Requerida argumenta que a referência à alínea g) do n.º 4 do artigo 10.º (norma aplicável a “trusts”) se tratou de um mero lapso de escrita, uma vez que resulta evidente que o cálculo de apuração da mais-valia obedeceu estritamente ao preceituado na alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS, conjugado com o artigo 81.º do CIRC.

49.      Porém, tal argumentação não está em consonância com a taxa aplicada de 35%, uma vez que a taxa aplicada no RIT reforça a errada aplicação da referida norma de incidência. 

50.      Vejamos: conforme resulta da última disposição que se transcreveu, a taxa de 35% é aplicada (i) no caso de partilha de valores provenientes de “trusts” (o artigo 72.º, nº. 18, alínea c), que foi invocado no RIT) ou (ii) nas operações previstas nos n.ºs 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º.

51.      Ora, os casos previstos nos n.ºs 4) e 5) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, respeitam a mais valias em obrigações ou unidades de participação em fundos de investimento, portanto sem qualquer aplicação para o caso concreto.

52.      Assim, a norma que a AT diz ter pretendido aplicar não pode ser outra que não o n.º 3) da alínea b) do n.º 1 do artigo 10, ou seja: “o valor atribuído em resultado da partilha, bem como em resultado da liquidação, revogação ou extinção de estruturas fiduciárias aos sujeitos passivos que as constituíram, nos termos dos artigos 81.º e 82.º do Código do IRC”.

53.      Só que a taxa de 35% não se encontra prevista para esta situação, que é, como as partes estão de acordo, a situação do Requerente, ou seja, a liquidação de uma sociedade comercial e não de um “trust”.

54.      Assim, as mais-valias resultantes da liquidação da sociedade B... são sujeitas a IRS pelo artigo 10.º, n.º 1, alínea b), n.º 3), do Código do IRS, devendo aplicar-se a taxa de 28% prevista no artigo 72.º, n.º 1, alínea c), do mesmo código, e não a taxa de 35%.  

55.      Desta forma, no RIT verifica-se uma errada aplicação da norma de incidência, bem como da taxa de 35% (que deveria ser 28%), pelo procede o argumento do Requerente, devendo a liquidação ser anulada.

56.      Fica assim prejudicada a análise das restantes ilegalidades levantadas pelo Requerente, ou seja, a não aplicação por parte da AT da isenção de 50% das mais-valias (micro e pequenas empresas), bem como a alegação da preterição de formalidades legais, por ausência de notificação para audição prévia.

Juros indemnizatórios

57.      Juntamente com o pedido de reembolso, o Requerente peticiona igualmente o pagamento de juros indemnizatórios.

58.      Efetivamente, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

59.      No caso concreto a liquidação resultante do RIT encontra-se ferida de ilegalidade, quer no que respeita à incidência, quer no que respeita à taxa aplicada, sendo esse erro imputável aos serviços da AT, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde o pagamento indevido até ao reembolso integral ao Requerente.

 

 

V.            DECISÃO

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, este Tribunal Arbitral decide o seguinte:

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, anulando o ato tributário sindicado;

b)    Condenar a Requerida ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios;

c)     Condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

VI.         VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 834.391,14.

VII.       CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 11.934,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida em razão do decaimento.

Notifique-se.

 

CAAD, 20 de outubro de 2025     

 

Os árbitros,

 

Fernando Araújo  

(Presidente)

 

Jorge Belchior de Campos Laires

 

Ana Pinto Moraes