Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 447/2014-T
Data da decisão: 2014-11-29  Selo  
Valor do pedido: € 7.535,65
Tema: IS – Verba 28.1 da TGIS – Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

Processo n.º 447/14-T

Requerente: A…

Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira

 

 

O árbitro Ricardo Reigada Pereira, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 1 de setembro de 2014, decide nos termos que se seguem:

 

I.              Relatório

A.               Sumário do processo

 

1.             A…, solteir…, residente na …, contribuinte fiscal n.º … (o “Requerente”) veio, nos termos do artigo 10.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – “RJAT”), apresentar um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral no dia 26 de junho de 2014.

2.             O Requerente pede pronúncia com vista à anulação da liquidação de Imposto do Selo emitida pela Autoridade Tributária a Aduaneira (“AT”) – a “Requerida” – no valor total de €7535,65 (sete mil, quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos). A liquidação tem fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo (“TGIS”), dizendo respeito a um prédio urbano composto de terreno destinado a construção.

3.             O Requerente vem igualmente pedir a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa por si apresentada e notificada ao mesmo a 9 de abril de 2014, no seguimento da liquidação de Imposto do Selo em crise. Para este efeito, o Requerente elenca este segundo pedido como subsidiário face ao primeiro.

4.             Em síntese, o Requerente entende que:

(a)              a verba 28.1 da TGIS é inaplicável ao caso em concreto, uma vez que os terrenos para construção não estão compreendidos no âmbito de incidência na norma;

(b)             a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa por si deduzida é ilegal por violação dos princípios da participação e fundamentação, isto na medida em que foi nessa decisão omitida qualquer referência à constitucionalidade sindicada pelo Requerente na reclamação graciosa (“ex vi” da alegada violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade); e

(c)              a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa por si deduzida é igualmente ilegal por ter omitido qualquer referência à não aplicação do artigo 41.º do Código de Imposto Municipal sobre Imóveis (“CIMI”), argumento suscitado pelo Requerente em sede de direito de audição ao projeto de indeferimento da reclamação graciosa.

5.             A AT respondeu no dia 2 de outubro de 2014 dando conta que o conceito de “prédio com afectação habitacional” deveria compreender, no seu entender, quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, tendo em conta o elemento literal da norma. No entender da AT a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja do Código do Imposto do Selo ou da Constituição da República Portuguesa. Nesses termos, dever-se-ia considerar improcedente a pretensão do Requerente e absolver a AT do pedido.

6.             A AT requereu, em simultâneo com a apresentação da sua resposta, a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, uma vez que não fora suscitada qualquer exceção suscetível de obstar ao conhecimento do mérito da questão controvertida, nem fora solicitado pelo Requerente a produção de qualquer prova adicional.

7.             O Tribunal Arbitral decidiu não atender a esse pedido da AT uma vez que o Requerente não havia junto ao processo o código de acesso a certidão do registo predial do imóvel em apreço, contrariamente ao que afirmava no pedido de constituição de tribunal arbitral e no pedido de pronúncia arbitral. Paralelamente, faltava também a assinatura do mandatário judicial no pedido de constituição de tribunal arbitral e no pedido de pronúncia arbitral, não constando ainda do processo a respetiva procuração forense. Apesar de se tratarem de situações cuja responsabilidade não pode naturalmente ser imputável à AT, a reunião a que alude o artigo 18.º serviu para, a título primacial, suprir tais lacunas nos elementos apresentados pelo Requerente e para, em simultâneo, instar a AT a juntar ao processo o despacho de designação da jurista da Direção de Serviços de Consultadoria Jurídica e de Contencioso que teve intervenção no processo arbitral.

8.             Na reunião em apreço – realizada no dia 22 de outubro de 2014 e sem que a mesma tenha merecido oposição por parte da AT, não obstante não ter estado presente – acordou-se que não seriam produzidas alegações escritas.

 

B.               A pretensão e fundamentação do Requerente

 

9.             No seguimento do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 …, relativo ao ano de 2012, o Requerente decidiu deduzir a respetiva reclamação graciosa do mesmo. Fê-lo a 29 de novembro de 2013.

10.         A reclamação graciosa encerrava dois pedidos, nos termos dos quais:

a) Se deveı[ria] proceder à anulação da nota de liquidação reclamada, em virtude do CIS [Código do Imposto do Selo] não tributar a propriedade dos terrenos para construção, mas de prédios edificados com afetação habitacional;

b) Se deve[ria] proceder à anulação da presente nota de liquidação, por inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade tributária.”

11.         A 20 de janeiro de 2014 a Autoridade Tributária notificaria o Requerente do seu projeto de decisão.

12.         Em face do mesmo, o Requerente decidiu exercer a 29 de janeiro de 2014 o direito de audição prévia nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária. A fundamentação do mesmo assentou em dois pontos distintos. Por um lado, advertia para o facto de que o projeto de decisão apenas versou sobre um dos pedidos da reclamação graciosa, nada dizendo sobre o pedido de anulação da liquidação “ex vi” da alegada inconstitucionalidade decorrente da violação do princípio da igualdade e do princípio da proporcionalidade tributária. Por outro lado, alegava que o coeficiente de afetação constante do artigo n.º 41.º do CIMI – argumento aduzido pela AT – pressupunha a existência de prédios edificados e que tal norma não pode ser utilizada como norma de incidência, para mais quando o CIMI possui uma norma sobre o que se deve entende por prédio.

13.         Não obstante o exercício do direito de audição, a reclamação graciosa viria a ser indeferida a 9 de abril. Tal indeferimento veio dar origem ao pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral. Pedidos que dariam entrada no CAAD no dia 26 de junho de 2014.

 

C.               A fundamentação da Requerida

 

14.         No contexto da pendência da reclamação graciosa, a AT notificaria o Requerente a 20 de janeiro de 2014 do seu projeto de decisão, no qual sustenta que “da leitura da verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto do Selo onde se explicita que estão sujeitos a tributação prédios urbanos com afetação habitacional e com valor igual ou superior a um milhão de euros e contrariamente ao entendido pela reclamante é parecer da Administração Tributária que os prédios que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações (constando tal afectação das respectivas matrizes e cadernetas prediais) estão sujeitos a imposto de Selo e que o facto de na norma de incidência (verba 28.1 da TGIS) se ter positivado o prédio com afectação habitacional em detrimento de prédio habitacional faz apelo ao coeficiente de afectação (art.º 41º do CIMI) que se aplica indistintamente a todos os prédios urbanos e porque consta da matriz predial e da caderneta junta aos autos que o coeficiente de afectação que serviu de base à avaliação é 1 que corresponde nos termos do já citado art.º 41º do CIMI a habitação, propõe-se o INDEFERIMENTO do pedido.” (documento n.º 3-A do pedido de pronúncia arbitral).

15.         Apesar do exercício do direito de audição por parte do Requerente, a reclamação graciosa viria a ser indeferida a 9 de abril. Determinou-se aí que nada teria sido acrescentado pelo Requerente relativamente à alegada necessidade de não aplicar a verba 28.1 da TGIS aos factos em causa. Nessa medida, mantinha a AT tudo o que já havia sido dito. Por sua vez, no que diz respeito à inconstitucionalidade suscitada pelo Requerente veio a AT sustentar que “essa parte não foi apreciada”, acrescentando logo de seguida que “essa alegação não poderia ser acolhida uma vez que não é em processo de reclamação graciosa que pode ser apreciada a inconstitucionalidade de normas legais, sendo que essa apreciação compete aos tribunais ou mais exatamente ao Tribunal Constitucional”.

16.         Em virtude do pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral que o indeferimento da reclamação graciosa despoletou, a AT viria apresentar no dia 2 de outubro de 2014 a respetiva resposta àqueles pedidos.

17.         A fundamentação aduzida pela AT para habilitar o ato de liquidação em crise surge alicerçada, do ponto de vista jurídico, nos artigos 2.º, n.º 1; 6.º, n.º 1 e 45.º, n.º 2, todos do CIMI, aplicáveis “ex vi” do artigo 67.º, n.º 2 do Código do Imposto do Selo. Tal resultaria igualmente, no entender da AT, das regras interpretativas aplicáveis. Em síntese, o conceito de “prédio com afectação habitacional” deveria compreender, no seu entender, “quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma”. Aliás, a AT tenta inclusive extrair efeito útil do facto de o legislador se ter referido não a “prédios destinados a habitação” mas sim, ao invés, a “prédios com afectação habitacional”, expressão diferente e alegadamente mais ampla e cujo propósito consistiria em integrar outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a)do CIMI.

18.         A posição da AT procura também encontrar apoio, por seu turno, no facto de a constituição de um direito potencial à construção ter um imediato impacto no valor do imóvel em causa. Circunstância a que acresce o facto de já muito antes da edificação do prédio ser possível, no seu entender, apurar e determinar a afetação do terreno para construção, tanto por apelo ao Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação como aos Planos Diretores Municipais.

19.         Por fim, considera a AT que a inconstitucionalidade suscitada pelo Requerente não deveria ser atendida na medida em que a previsão da Verba 28.1 da TGIS não consubstanciaria a violação de qualquer preceito constitucional: a norma é geral e abstrata; à mesma subjaz uma diferente valoração de realidades que são essencialmente diferentes e, por isso, não se poderia surpreender aqui qualquer discriminação; e o critério legal é adequado e proporcional uma vez que incide sobre toda a riqueza consubstanciada e manifestada no valor de imóveis cujo valor patrimonial tributário seja superior a € 1.000.000,00.

20.         Em suma, no entender da AT a liquidação em crise consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos, não padecendo de vício de violação de lei, seja do Código do Imposto do Selo ou da Constituição da República Portuguesa. Nesses termos, dever-se-ia considerar improcedente a pretensão do Requerente e absolver a AT do pedido.

 

II.           Saneamento

 

21.         Este Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 1 de setembro de 2014, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD em conformidade com as respetivas formalidades legais e regulamentares.

22.         O Requerente pede, recorde-se, pronúncia do tribunal arbitral no sentido de o mesmo proceder à anulação da liquidação de Imposto do Selo emitida pela AT no valor total de €7535,65 (sete mil, quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos). Ao mesmo tempo, o Requerente vem igualmente pedir a anulação da decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa por si apresentada, no seguimento da liquidação de Imposto do Selo em crise. O Requerente elenca este segundo pedido como subsidiário face ao primeiro. O objeto dos pedidos de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral que surjam no seguimento de uma decisão de indeferimento expresso que mantenha a liquidação que foi objeto de reclamação graciosa não pode deixar de ser, para o efeito, o próprio ato de indeferimento. O objeto do processo arbitral nestes casos é, nesses termos, formal e diretamente, o ato de indeferimento que manteve a liquidação que foi objeto da reclamação.

23.         Em suma, o pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem aqui, necessariamente, por objeto imediato a decisão da reclamação graciosa – i.e. o respetivo indeferimento expresso – e por objeto mediato os vícios imputados ao ato de liquidação que lhe está subjacente. Ambos estão compreendidos, de qualquer das formas, no âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal Arbitral que deve conhecer tanto os aspetos relativos aos vícios próprios do indeferimento da reclamação graciosa, como as ilegalidades imputadas ao ato de liquidação que aquela considerou não existirem. O presente Tribunal terá então necessariamente de decidir de uma de duas formas: a) ou confirma o indeferimento, mantendo o ato tributário de liquidação ou, ao invés, b) anula esse indeferimento, apreciando os vícios imputados ao ato de liquidação, uma vez que o pedido de pronúncia arbitral tem necessariamente de ter por objeto tanto a decisão da reclamação, como os vícios do próprio ato de liquidação.

24.         O Tribunal Arbitral é materialmente competente em face do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 30.º, n.º 1 do RJAT.

25.         Em 22 de Outubro de 2014 foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT.

26.         As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão representadas (artigo 4.º e artigo 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

27.         Não foram identificadas nulidades no processo.

 

III.        Fundamentação

 

A.               Factos provados

 

28.         O Requerente goza do direito de propriedade de um prédio urbano sito …, atual freguesia de …, identificado pelo artigo matricial …, correspondente a um terreno para construção. Trata-se, em concreto, de um prédio urbano composto de terreno destinado a construção com 7200m2, conforme consta da caderneta predial junta ao pedido de pronúncia arbitral como documento n.º 1 (“Imóvel”).

29.         O valor patrimonial tributário do Imóvel ascendia, à data, a €1.507.130,00 (um milhão, quinhentos e sete mil, cento e tinta euros). Valor esse que foi determinado no ano de 2012, conforme o atesta a respetiva caderneta predial.

30.         O Requerente foi notificado a 30 de outubro de 2013 do ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 …, relativo ao ano de 2012, no valor de €7535,65 (sete mil, quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos) – liquidação que consta do documento n.º 6 junto ao pedido de pronúncia arbitral.

31.         No seguimento da mesma, veio o Requerente apresentar a 29 de novembro de 2013 reclamação graciosa da mencionada liquidação.

32.         A 20 de janeiro de 2014 a Autoridade Tributária notificaria o Requerente do seu projeto de decisão.

33.         O Requerente decidiu, em face disso, exercer a 29 de janeiro de 2014 o direito de audição prévia nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

34.         Não obstante o exercício do direito de audição, a reclamação graciosa viria a ser indeferida a 9 de abril.

35.         O indeferimento da reclamação graciosa veio dar origem ao pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral. Pedidos que dariam entrada no CAAD no dia 26 de junho de 2014.

36.         Tais pedidos despoletaram a resposta da ATde 2 de outubro de 2014.

 

B.               Factos não provados

 

37.         Não há factos relevantes para a apreciação do mérito da causa que devam considerar-se não provados.

 

C.               Do Direito

 

38.         A liquidação em apreço tem fundamento na verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (“TGIS”) que, nos termos da lei então em vigor, determinava que incidia Imposto do Selo nas seguintes situações:

28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 - Por prédio com afetação habitacional - 1 %;

39.         A redação em apreço fora introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro de 2012, com início de vigência em 30 de Outubro de 2012.

40.         Por sua vez, de acordo com o artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro de 2012 determinou-se que:

1 –        Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral:

a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efetuada até ao final do mês de novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de dezembro de 2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;

ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 –          Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respetiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efetuar nesse ano.

3 –          A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado,das quantias liquidadas a título de imposto do selo constituiinfração tributária, punida nos termos da lei.”

41.         É nesta alteração legislativa – que passou a fazer incidir Imposto do Selo sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície sobre imóveis – que reside a origem do presente litígio. Em concreto, discute-se se a noção de “prédio com afetação habitacional” é suscetível de incluir no seu âmbito objetivo terrenos para construção. O Requerente considera que não. A AT acha que sim.

42.         A questão foi já amplamente discutida na jurisprudência nacional, inclusive ao nível do Supremo Tribunal Administrativo. A posição sufragada por este tribunal tem sido unânime.

43.         Em síntese, considera a jurisprudência que os terrenos para construção não são subsumíveis no conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”. Ou seja, o recorte da incidência objetiva realizado pelo legislador não poderia, para o efeito, compreender terrenos para construção. O Supremo Tribunal Administrativo dificilmente poderia ter sido mais eloquente nos termos que utilizou para sustentar a respetiva posição:

O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.

Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.” (Acórdão n.º 01870/13 do Supremo Tribunal Administrativo, de 9-4-2014).

44.         Acrescentou-se, depois, nesse mesmo acórdão que:

“(...) não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em
www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédio[s] (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades” (Acórdão n.º 01870/13 do Supremo Tribunal Administrativo, de 9-4-2014).

45.         Quanto ao argumento, apresentado pela AT, de que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deveria ter em conta a afetação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista veio o Supremo Tribunal Administrativo, por seu turno, dizer o seguinte:

“O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

46.         Em face do exposto, não poderia o Supremo Tribunal Administrativo decidir de outra forma que não a seguinte:

“Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

47.         Este entendimento viria ser uniformemente sufragado pelo Supremo Tribunal Administrativo em diversas outras decisões: acórdão n.º 048/14, de 9-4-2014; acórdão n.º 0270/14, de 23-4-2014; acórdão n.º 0271/14, de 23-4-2014; acórdão n.º 0272/14, de 23-4-2014; acórdão n.º 046/14, de 14-5-2014; acórdão n.º 055/14, de 14-5-2014; acórdão n.º 01871/13, de 14-5-2014; acórdão n.º 0274/14, de 14-5-2014; acórdão n.º 0317/14, de 14-5-2014; acórdão n.º 0395/14, de 28-5-2014; acórdão n.º 0425/14, de 28-5-2014; acórdão n.º 0467/14, de 2-7-2014; acórdão n.º 0676/14, de 9-7-2014; acórdão n.º 0503/14, de 10-9-2014;acórdão n.º 0707/14, de 10-9-2014; acórdão n.º 0708/14, de 10-9-2014; acórdão n.º 0740/14, de 10-9-2014; acórdão n.º 0825/14, de 24-9-2014; acórdão n.º 01533/13, de 24-9-2014; acórdão n.º 0739/14, de 24-9-2014; acórdão n.º 0505/14, de 29-9-2014; acórdão n.º 0864/14, de 29-9-2014; acórdão n.º 0530/14, de 5-11-2014.

48.         Idêntica posição foi sufragada na abundante jurisprudência arbitral sobre o tema.

49.         Ora, o Tribunal Arbitral não vê qualquer razão, bem pelo contrário, para não perfilhar o mesmo entendimento que tem vindo a ser adotado na jurisprudência existente sobre o tema. Trata-se, no fundo, da única interpretação coerente ao princípio da legalidade fiscal consagrado na Constituição da República Portuguesa. Princípio que exige que a disciplina essencial de cada imposto – o que inclui, naturalmente, a respetiva incidência objetiva – conste da lei ou decreto-lei autorizado que o cria. No entender do Tribunal Arbitral a Verba 28.1 da TGIS revela-se manifestamente insuscetível de compreender no âmbito da sua previsão normativa os terrenos para construção à luz da redação que se encontrava em vigor à data dos factos. A Lei do Orçamento de Estado para 2014 veio, por seu turno, tornar ainda mais inequívoco esse facto.

 

IV.        Decisão

 

50.         Termos em que, em face do exposto, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação de Imposto do Selo em apreço, com todas as devidas consequências legais.

51.         Fixa-se o valor do processo em € 7535,65 (sete mil, quinhentos e trinta e cinco euros e sessenta e cinco cêntimos), atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto aqui em causa.

52.         Por sua vez, fixa-se o montante das custas em € 612,00 (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 1 do RJAT, do artigo 4.º do Regulamento de Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa a este último.

 

Lisboa, 29 de novembro de 2014

 

 

O Árbitro

 

Ricardo Reigada Pereira