Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 396/2025-T
Data da decisão: 2025-10-22  IRS  
Valor do pedido: € 11.373,99
Tema: IRS de 2023. Residente não habitual.
Versão em PDF

 

Sumário

I.            A inscrição, no Portal das Finanças, dos “residentes não habituais”, tem natureza declarativa, pelo que não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado como tal. (nº 10 do artigo 16º do CIRS)

II.          O direito a ser tributado como “residente não habitual”, em cada ano, resulta automaticamente e “ope legis” do sujeito passivo ser residente em território português e desde que não tenha sido residente em Portugal nos 5 anos anteriores. (nº 8 do artigo 16º do CIRS)

 

Decisão Arbitral

1. Relatório

 

1.      A..., NF..., residente na Rua ..., ..., ...-... Ponte de Lima, ...,  (doravante identificado como “Requerente”) veio nos termos do disposto no artigo 2º n.º 1 alínea a), 5º n.º 2 alínea a), 6º n.º 1, 10º n.º 1 alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102º n.º 1, alínea b) do CPPT, requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR, com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2025... e da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2023, no valor de €11.373,99.

No final do pedido de pronúncia arbitral (PPA) peticiona “...deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2025..., assim como a subjacente demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2023, no valor de €11.373,99, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral”.

 

2.     É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, doravante identificada por “AT” ou Requerida.

 

3.     O Requerente fundamenta o pedido de pronúncia arbitral (PPA) referindo, em resumo o seguinte:

       i.         Encontra-se registado no cadastro da AT como residente em Portugal, uma vez que nunca alterou o seu domicílio fiscal;

     ii.         Residiu na Suíça desde 1992 até 31-07-2020, onde trabalhou durantes estes anos;

    iii.         Regressou a Portugal e entregou a declaração modelo 3 de IRS relativa aos anos de 2020, 2021 e 2022 indicando ser aqui residente no “continente”;    

    iv.         Em 21-02-2022 apresentou pedido de alteração da sua morada fiscal com efeitos retroativos, para a Suíça, para o período de 01.01-2016 até 06-04-2021 e nesse modelo B indicou como morada na Suíça: ...Verbier, ... Verbier, e como representante fiscal B..., com residência na..., n.º..., ...-... Ponte de Lima;  

     v.          Porém, pretendia a alteração de morada, com efeitos retroativos, para o período de 01-01-2015 a 31-07-2020, em consonância com os documentos que instruíram o pedido de alteração de morada, indicando que foi residente na Suíça, desde 12-09-1992 e até 31-07-2020. 

    vi.          A alteração de morada com eficácia retroactiva, foi indeferida, dessa decisão da qual   foi interposto recurso hierárquico que foi considerado intempestivo e destas decisões apresentou ação administrativa que se encontra a correr termos sob o processo n.º 299/24.7BEBRG, junto da Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga; 

   vii.         Conclui que provou que foi residente na Suíça nos 5 anos anteriores a 31-07-2020, data em que regressou a Portugal e que, no momento em que regressou a Portugal e aqui passou a residir, em 01-08-2020, passou a cumprir o requisito temporal previsto no artigo 16.º, n.º 8 do CIRS - não ter sido residente em Portugal em qualquer dos cinco anos anteriores, pelo que quer beneficiar do regime do residente não habitual.  

  viii.         Nesse sentido, em 04-03-2022, solicitou através do Portal das Finanças a sua inscrição como residente não habitual.  

    ix.         Aquando da entrega do pedido de inscrição como residente não habitual, em 04-03-2022, por impossibilidade técnica do sistema, o Requerente não conseguiu submeter o pedido de inscrição como residente não habitual com início no ano de 2020, ano relativamente ao qual entende que se encontravam já verificados os pressupostos materiais da aplicação do regime do RNH. 

     x.          Através do Ofício com a referência IRNH..., foi notificado do projeto de decisão do pedido de inscrição como residente não habitual, com o de que se tratava de contribuinte registado no sistema de registo de contribuintes da Administração tributária (SGRC) como residente em território português, nos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020, não cumprindo o requisito estipulado no n.º 8 do artigo 16.º do CIRS e alínea b) do ponto 1 da Circular n.º 9/2012, de 3 de agosto.  

    xi.          Em 08-03-2023, foi proferida decisão de indeferimento do pedido de inscrição como residente não habitual e desta decisão apresentou recurso hierárquico que foi indeferido, tendo posteriormente, interposto ação administrativa que se encontra a correr termos sob o processo n.º 347/25.3BEBRG, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.  

   xii.         Entregou, em 27-06-2024, a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2023, na qual incluiu o anexo J, onde declarou rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro, concretamente: €56.238,15, relativos a pensões obtidas da Suíça, mas não conseguiu apresentar a referida declaração com o anexo L, relativo aos residentes não habituais, uma vez que o sistema gerava divergência quando o Requerente tentava incluir aquele anexo.  

  xiii.          Foi notificado da liquidação de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2023, da qual resultou imposto a pagar no montante de €11.373,99, onde não se aplicou aos rendimentos auferidos na Suíça, no ano de 2023, o regime do residente não habitual.  

 xiv.         Não se conformando com esta liquidação, em 30-12-2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa, que lhe foi indeferida em 14.01.2025 porque não reunia os pressupostos para ser tributado como tal. 

  xv.         Após este indeferimento veio apresentar o presente PPA.

 

 xvi.         Invoca a falta de fundamentação da liquidação, referindo que “os documentos notificados ao Requerente tornam-se impercetíveis para um destinatário normal, colocando em causa o direito de defesa do Requerente” concluindo que estão “os atos impugnados inquinados de vício de forma, que legitimam a sua anulação nos termos do artigo 99.º, alínea c) e d) do CPPT”.

 

 xvii.         Invoca ainda o vício de falta do exercício do direito de audição prévia em sede de reclamação graciosa, referindo que a AT dispensou essa audição, mas “impunha-se a obrigação de audição do Requerente antes da decisão de indeferimento da reclamação graciosa” pelo que “verifica-se a violação do artigo 60º n.º 1 alínea b) da LGT”, ou seja, “um vício de forma por preterição de formalidade legal, o que, por sua vez, invalida a decisão final de indeferimento da reclamação graciosa”. 

 

4.     A Requerida respondeu em 22.09.2025, pugnando pela improcedência do PPA, referindo, em resumo, o seguinte:

 

i.                Invoca, em primeiro lugar, a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerentes do regime jurídico-tributário do residente não habitual porque a causa de pedir primordial que suporta tal pedido centra-se na sua suposta condição de RNH.

ii.              Refere que a “causa de pedir primordial subjacente ao articulado apresentado pelo Requerente respeita à sua não inscrição como residente não habitual. Ou seja, sem se apreciar se o Requerente pode ou não estar inscrito como RNH, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre, no essencial, da aplicação deste regime de tributação

iii.             Acrescenta que “sem que essa questão prévia seja decidida a seu favor pelo presente Tribunal, não há como imputar o vício de ilegalidade à liquidação de IRS contestada”. Isto porque “É de facto notório que o Requerente pede, de forma expressa e literal que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado ao abrigo de um regime especial em sede de IRS: o regime fiscal dos residentes não habituais, só que o julgamento dessa questão prévia não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto”.

iv.             Alude às decisões CAAD P 614/2024-T e 1260/2024-T para concluir que ocorre “incompetência absoluta em razão da matéria configura uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto ao pedido respetivo, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT”.

 

v.              Invoca, em segundo lugar, a inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH,pois o “reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos”, sendo que “sobre o enquadramento da impugnação contenciosa da temática sobredita, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.11.15, é modelar, tendo apoiado as suas conclusões na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual e, consequentemente, na discussão em torno da qualificação como ónus ou faculdade, do dito procedimento”.  

vi.             Adianta que “o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação, mas seria, antes, um ato administrativo autónomo” cujo meio de acção é a acção administrativa.

vii.            Conclui que no caso presente a “... inimpugnabilidade do ato com fundamento no suposto estatuto de RNH, são manifestos, neste particular”, pelo que “ ... ocorre a exceção dilatória da inimpugnabilidade do ato de liquidação com o fundamento no suposto estatuto de RNH de que o Requerente se arroga para se conhecer o pedido arbitral apresentado, o que se argui, com as devidas consequências legais, designadamente, a absolvição da instância, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea i) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT”. 

viii.           Termina aludindo à decisão CAAD P 100/2023- T, referindo que “considerando que o Requerente veio dar conhecimento aos presentes autos que interpôs junto do TAF de Braga ações administrativas com vista à impugnação do ato de rejeição de RNH, e, bem assim, do indeferimento do respetivo pedido de alteração retroativa de morada, que correm termos sob os n.ºs 347/25.3BEBRG e 299/24.7BEBRG, respetivamente, deve a presente instância ser suspensa até à prolação das sentenças que decidam as aludidas questões”.

 

ix.             Em impugnação, remete a sua posição para a fundamentação da decisão que foi adoptada em sede de reclamação graciosa. Começa por referir que é de advogar que o Requerente não satisfaz o requisito prévio do nº 8º do artigo 16º do CIRS (artigo 69º da Resposta). E pela razão de que, o Requerente “sustenta que em 2020 teria estabelecido a respetiva residência em Portugal (ainda que a prova documental junta se manifeste em sentido contrario, diga-se)” o que “liminarmente, afasta a possibilidade de conferência dos pressupostos respeitantes à admissão da residência não habitual, para o período de tributação contestado de 2023”, pois que “a inscrição como residente não habitual tem de ser solicitada por via eletrónica, posteriormente à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tornou residente em Portugal (n.º 10 art.º 16.º do CIRS)”.

 

x.              De seguida, a Requerida defende que estamos perante um benefício fiscal, referindo que o “disposto no artigo 16º, nº 10, do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte”, pelo que “o ato de inscrição do Requerente como RNH tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime, encontrando-se dependente da iniciativa dos contribuintes”.

xi.             Por outro lado, “não há qualquer dúvida de que o sentido original dado pelo legislador foi o de conferir à inscrição em sede de RNH um caráter constitutivo, estando aqui encontrado o nosso elemento histórico” o que permite “afirmar que, sem margem para quaisquer dúvidas, o benefício fiscal que advém da atribuição do estatuto de RNH é um benefício cuja atribuição carece da ação do interessado”, acrescendo que o prazo do nº 10 do artigo 16º do CIRS (31 de Março do ano seguinte)  constitui um “limite temporal para a apresentação do pedido, ... cujo incumprimento faz precludir o direito”.

xii.            E conclui “se a atribuição do regime de RNH dependesse apenas e só do preenchimento dos requisitos do n.º 8 do artigo 16.º do CIRS, então o n.º 10 não teria qualquer razão prática de existência”.

xiii.          Acrescenta, com base em jurisprudência que cita: “atento o consagrado na lei, foi fixado um prazo perentório para o exercício do direito, o qual não sendo observado atempadamente determina a caducidade do mesmo, o que aconteceu, também, reitera-se, no caso sub judice”.

 

xiv.          Por último refere que “não há qualquer vício de preterição do dever de audição” uma vez que “na situação dos autos o que se assiste é a intencionalidade manifesta do contribuinte, ora Requerente, de usufruir do beneficio inerente ao reconhecimento do estatuto RNH, mas nos distintos procedimentos despoletados já objeto de apreciação e decisão pelos distintos serviços da AT, ainda sem decisão apenas em sede judicial, todos têm convertido no sentido de não lhe assistir razão; concretamente, assim no não preenchimento dos pressupostos essenciais para o reconhecimento do direito controvertido, tendo sido perfeitamente fundamentado a carência de um elemento essencial à luz do direito vigente e celebrado entre ambos os países, dificilmente sendo atendível a alegação do requerente, de desconhecimento, bem como porque este incumprimento dos pressupostos para o reconhecimento do estatuto, culmina na sua rejeição e não permite a efetivação do beneficio. Nessa conformidade, a alegação de que os seus direitos de defesa por vicio de fundamentação revela alguma falacia e incompreensão, encontrando-se demonstrado pelos distintos procedimentos intentados, exercício do direito de participação aos fundamentos jurídicos e de facto que sempre lhe foram comunicados, que não apenas tem pleno conhecimento e compreensão da matéria controvertida e das questões materiais e jurídico tributárias, que encontraram tradução na liquidação emitida e vigente, como nos meios e processos de defesa do que entende constituir o seu direito, e que é contrária à análise que os serviços tributários têm vindo reiteradamente a proferir”.

 

xv.           Quanto ao pedido de juros indemnizatórios refere que “na situação vertente, foi o Requerente que deu causa à ação ao incumprir as obrigações acessórias a que legalmente estava adstrito: nomeadamente ao peticionar tardiamente a sua inscrição como RNH”, posto que “o Requerente não só contribuiu para o início do problema, como para a sua perpetuação, razão pela qual, também, deve o pedido de juros indemnizatórios, em todo caso, improceder”.  

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 22-04-2025.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário desta decisão, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 02-07-2025.

A AT apresentou resposta em 22.09.2025 e juntou na mesma data o PA, tendo suscitado excepções acima indicadas, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral (PPA). 

Por despacho de 23.09.2025 foi o Requerente convidado a responder às excepções, o que fez por requerimento de 08.10.2025, pugnando pela sua improcedência.

Por despacho de 10.10.2025 foi o Requerente convidado a referir se face à resposta da AT mantinha interesse na prova testemunhal e indicar os factos a que pretende o depoimento além da justificação da relevância dos depoimentos.

Respondeu em 16.10.2025 referindo que “a inquirição das testemunhas é relevante para a decisão da causa na medida em que se pretende fazer prova de que o Requerente não foi residente em Portugal no período de 1992 a 31-07-2020”. 

Por despacho de 16.10.2025 foi considerado que a prova documental apresentada contém os elementos suficientes que permitem concluir que a produção da prova testemunhal requerida seria um acto inútil.  Foi ainda dispensada a reunião de partes do artigo 18º do RJAT e bem assim a apresentação de alegações.

 O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 2.º, e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto 

 

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão:

 

A)    O Requerente residiu na Suíça desde 12.09.1992 e até 31-07-2020, onde foi sujeito passivo de forma ilimitada relativamente aos impostos cantonais, municipais do Valais e ao imposto federal direto nos termos precisos do direito fiscal cantonal, municipal e federal durante os períodos acima indicados, constando na declaração de 16.02.2024 emitida pelo “Canton de Valais” que o Requerente “teve, por conseguinte, o estatuto de residente na Suíça, no Cantão de Valais, no sentido do Art. 4 da Convenção celebrada ente a Confederação Suíça e Portugal com vista a evitar a dupla tributação em matéria de Impostos sobre o fendimento e sobre a fortuna de 26 de setembro de 1974” – conforme artigos 8º e 10º do PPA e Documentos nº 3 e 7 a 10 em anexo ao PPA

B)      O Requerente encontra-se registado no cadastro da AT como residente em Portugal no período acima referido, uma vez que nunca alterou o seu domicílio fiscal – conforme artigo 11º do PPA

C)     Em 24.05.2021 entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 referente aos proveitos auferidos em 2020, indicando ter a sua residência fiscal no “continente”; em 13.08.2022 entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 referente aos proveitos auferidos em 2021 indicando ter a sua residência fiscal no continente; e em 30.06.2023 entregou a declaração de rendimentos Modelo 3 referente aos proveitos auferidos em 2022 indicando ter a sua residência fiscal no continente – conforme artigo 9º do PPA e Documentos 4, 6 e 5 juntos com o PPA;

D)    Em 21-02-2022, tendo em vista corrigir essa situação referida em B), o Requerente apresentou pedido de alteração da sua morada fiscal com efeitos retroativos, para a Suíça, para o período de 01.01-2016 até 06-04-2021, usando o modelo B da AT, onde consta a  morada na Suíça: ..., Verbier, ... Verbier, Suíça, e um representante fiscal B..., com residência na ..., n.º..., ...-... Ponte de Lima, sendo que pretendia a alteração de morada com efeitos retroativos para o período de 01-01-2015 a 31-07-2020, em conformidade com os documentos juntos em sede de pedido de alteração de morada que indicam que  foi residente na Suíça desde 12-09-1992 a 31-07-2020 – conforme artigos 12º a 15º do PPA e Documento nº 11, 3 e 7 a 10 juntos com o PPA

E)     Consta do atestado de residência emitido pela “Commune de VAL DE BAGNES” da Suíça, emitido em 13.04.2022 que o Requerente “partiu em 31.07.2020 para 4990-600 Fachas Portugal – conforme artigos 18º e 25º do PPA e Documento nº 7 em anexo ao PPA (entendendo-se ser lapso o reporte para do Documento nº 2 em anexo ao PPA), porquanto se trata de documento emitido pela entidade de controle de habitantes na Suíça.

F)     Em 04-03-2022, o Requerente solicitou através do Portal das Finanças a sua inscrição como residente não habitual, com efeitos ao ano de 2021, mas por impossibilidade técnica do sistema, o Requerente não conseguiu submeter o pedido de inscrição como residente não habitual com início no ano de 2020, ano relativamente ao qual entende que se encontravam verificados os pressupostos materiais da aplicação do regime do RNH, em virtude da não residência do Requerente no período compreendido entre 2015 e 2019 – conforme artigos 20º a 21º do PPA, Documento nº 13 em anexo ao PPA, uma vez que não foi contestada a alegada impossibilidade técnica do sistema.

G)    O Requerente entregou, em 27-06-2024, a declaração de rendimentos relativa ao ano de 2023, na qual incluiu o anexo J, onde declarou rendimentos da categoria H obtidos no estrangeiro, concretamente: €56.238,15, relativos a pensões obtidas na Suíça, não tendo apresentado o Anexo L, relativo aos residentes não habituais, uma vez que o sistema gerava divergência quando o Requerente tentava incluir aquele anexo - conforme artigo 28º do PPA e Documento nº 16 em anexo ao PPA, uma vez que não foi contestada a alegada divergência do sistema informático.

H)     Pelo que o Requerente foi notificado da liquidação de IRS n.º 2024 ..., relativa ao ano de 2023, da qual resultou imposto a pagar no montante de €11.373,99, na qual a AT não aplicou aos rendimentos auferidos pelo Requerente, no ano de 2023, o regime do residente não habitual - conforme artigo 30º do PPA e Documento 17 em anexo ao PPA.    

I)       Não se conformando com aquela liquidação, em 30-12-2024, o Requerente apresentou reclamação graciosa da referida liquidação e através do Ofício n.º 2025... de 14-01-2025, e foi notificado da decisão do seu indeferimento com data de 12.01.2025 – conforme artigos 32º e 33º do PPA, Documento nº 1 em anexo ao PPA e PA junto pela AT

J)     Consta no ofício referido na alínea anterior a seguinte fundamentação, na parte que interessa ao objecto deste processo:

V. APRECIAÇÃO DA RECLAMAÇÃO

...

2. No caso em concreto, o reclamante apresentou, em 04.03.2022, através do Portal das Finanças um pedido de inscrição como RNH com efeitos ao ano de 2021, que viria a ser INDEFERIDO por despacho de 03.03.2023 ...

...

4.     Entretanto, em 01 .02.2022, tinha apresentado no Serviço de Finanças de Ponte de Lima um pedido de alteração de morada com efeitos retroativos, pretendendo que o seu cadastro fosse alterado no sentido de dele constar que tinha sido residente na Suíça entre 01.01.2016 e 06.04.2021 [fls. 33].

5.     Este pedido viria a ser INDEFERIDO por despacho de 13.03.2023, uma vez que os documentos apresentados não eram suficientes, e que deveria ser apresentado certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais da Suíça nos termos do artigo 40 da CDT celebrada entre Portugal e aquele país.

...

8.     Verifica-se, portanto, que a discussão acerca da possibilidade de o ora reclamante ser considerado RNH a partir de 2021 e por um período de dez anos, AINDA SE ENCONTRA EM CURSO, ... 

9.     Com efeito, sempre a inscrição como RNH a partir de 2021 dependeria de ser alterada a morada com efeitos retroativos a 06.04.2021, como então solicitado.

10.   Salvo o devido respeito por melhor opinião, e sendo certo que a decisão sobre ambas as questões será proferida em sede judicial, cumpre referir que não nos parece que tal seja possível.

...

18. Na data da liquidação de IRS ora contestada, e relativamente ao ano de 2023, o ora residente não constava inscrito como RNH, pelo que a mesma não poderia contemplar qualquer benefício fiscal relativo àquele regime.      

 19. Assim, sendo a presente reclamação graciosa só pode ser INDEFERIDA. 

20.  O reclamante pretende arguir a sua qualidade de RNH em 2023.

21.   Ora, caso tivesse passado a residir em Portugal no ano de 2020 (como vem agora alegar), sempre o pedido de inscrição como residente teria de ser apresentado naquele ano, e o pedido de inscrição como RNH teria de ter ocorrido até março de 2021. Nenhum destes requisitos se verificou atempadamente.

22.   Não acompanhamos o entendimento do reclamante de que o benefício não depende de inscrição como RNH. Ainda que tenha vindo a ser essa a jurisprudência arbitral, não é essa a posição da AT.

23.   O entendimento da AT assenta na letra da lei, que nos parece clara e compreensível, julgando-se que o legislador expressou de forma clara e taxativa a intenção de afastar qualquer outra interpretação que não seja aquela que resulta do elemento literal da norma, isto é, que a inscrição como RNH deve existir, e existem prazos concretamente definidos para o efeito.

24.   Ignorar o disposto no nº 10 do artigo 16º do CIRS, ou seja, tornar desnecessária a inscrição como RNH junto da AT, como pretendem os reclamantes, poderia inclusive interferir com a aplicação de outros regimes previstos no CIRS.

25.   Veja-se por exemplo o regime aplicável aos ex-residentes previsto no artigo 12º-A do CIRS, que refere expressamente no seu no 2 que NÃO PODEM beneficiar deste regime os SP que tenham solicitado a sua inscrição como RNH.

26.  Ora, se como o reclamante pretende agora fazer valer, o registo como RNH não fosse obrigatório, devendo atender-se apenas à verificação dos respetivos requisitos, então, poderiam existir situações em que o mesmo SP reunia os requisitos para beneficiar do regime dos RNH (sem a respetiva inscrição) e, simultaneamente, os requisitos para beneficiar do regime dos ex-residentes (porque não tinha inscrição como RNH).

 27. O que não se nos afigura aceitável.

 28. Com efeito, nos termos do disposto no nº 8 do artigo 16º do CIRS, consideram-se RNH as pessoas singulares que, tendo-se tornado residentes em Portugal de acordo com as regras previstas no nº 1 do artigo, não tenham em qualquer dos cinco anos anteriores sido tributados como tal, em sede de IRS.

 29. A inscrição como RNH tem de ser solicitada por via eletrónica, POSTERIORMENTE à inscrição como residente fiscal ou, em momento ulterior, até 31 de março, inclusive, do ano seguinte aquele em que se tomou residente em Portugal (nº 10 do artigo 16º do CIRS).

30. ou seja, o artigo 16º do CIRS consagra um procedimento de RECONHECIMENTO DA VERIFICAÇÃO, em concreto, DA EXISTÊNCIA DE DOIS DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS necessários para que possa existir a aplicação do benefício fiscal no âmbito deste regime: que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e que a pessoa em causa não foi residente; em território português em qualquer dos cinco anos anteriores. 

 31. Igualmente se afigura necessário que, em todos os anos em que se obtenham rendimentos elegíveis para o regime em causa, o RNH opte expressamente na Modelo 3 pela tributação que pretende e que tem ao seu alcance.

 32. Concluindo, o benefício fiscal só pode concretizar-se, anualmente, DESDE QUE exista facto tributário (obtenção de rendimentos relevantes nesta situação) e que o RNH declare os mesmos e proceda à opção pelo regime de tributação excecional, sendo a liquidação efetuada de acordo com as opções que em cada ano faz, e só no caso de o sujeito passivo ter efetuado o pedido de inscrição como RNH, e se verifiquem os outros dois pressupostos - recorda-se que o regime de RNH  não é, ou pode não ser, o único regime excecional disponível para o contribuinte, e só com a devida inscrição / opção, a AT tem como conhecer a sua pretensão!

33. Ou seja, o regime do RNH é um benefício fiscal sujeito a reconhecimento, tratando-se, portanto, de um direito subjetivo, porquanto o seu gozo se encontra na exclusiva disposição e impulso do sujeito passivo

34. Na situação dos autos, o pedido de inscrição como RNH a partir de 2021 foi apresentado, porém, não se verificaram reunidos os respetivos pressupostos: tinha sido residente nos últimos cinco anos.

35. E, quanto à consideração como RNH a partir de 2020 (solicitação que vem agora, em 31.12.2024, efetuar alegando lapso no pedido de alteração de morada com efeitos retroativos), não foi sequer apresentado qualquer pedido de inscrição.

36. Acresce que a morada do reclamante sempre esteve em Portugal, não tendo sido deferido qualquer pedido de alteração de morada com efeitos retroativos.

 37. A AT defende que o pedido (tempestivo) de inscrição como RNH é obrigatório, e litigar o contrário não tem o mínimo respaldo na lei e não se pode aceitar, sob pena de esvaziar de qualquer efeito útil a letra da norma constante do nº 10 do artigo 16º do CIRS.

...

43. Também quanto ao vício de fundamentação apontado, alegando que os documentos são “impercetíveis para um destinatário normal, colocando em causa o direito de defesa do  Reclamante”, não se compreende a sua invocação, tendo em atenção o conteúdo da petição inicial  de reclamação graciosa, enquadramento legal do pedido e jurisprudência indicada sobre a matéria  a discutir, que bem demonstra que o reclamante percebeu o motivo pelo qual a liquidação não  contemplou os benefícios relativos ao regime dos RNH — que nem sequer logrou invocar na declaração, pois não podia apresentar o competente Anexo L.

 44. Aqui chegados, conclui-se que a pretensão do reclamante não pode ser atendida, não podendo ser-lhe aplicadas, relativamente ao ano de 2023, as regras de tributação previstas para os RNH, uma vez que o mesmo não se encontra inscrito como tal nem preenche os respetivos requisitos para assim ser considerado a partir de 2020 ou 2021.

:45. Conclui-se que a liquidação de IRS de 2023 cumpriu todas as normas legais aplicáveis aos contribuintes que não constam inscritos como RNH (regime não invocado por não ter sido apresentado o anexo L), como é o caso do ora reclamante.

46. Pelo que a presente reclamação graciosa só poderá ser INDEFERIDA

47. No que diz respeito ao princípio da participação dos contribuintes na decisão do procedimento tributário:

 48. Considerando que a AT se limita, na presente informação, a analisar a situação em concreto e a respetiva legislação aplicável, tendo em conta a posição da AT sobre esta matéria;

 49. Considerando que não se antevê como o exercício do direito de audição pelo reclamante poderia vir a alterar o sentido da decisão aqui alcançada, intervenção que se julga seria insuscetível de influenciar a decisão final;

 50. Considerando ainda que o princípio da participação contido no artigo 60º da LGT deve considerar, também, a sua ponderação com os princípios da prossecução do interesse público e da proporcionalidade aplicáveis à AT, nos termos do artigo 55º do CPA, que prescreve que "a Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade;

51. Atentos aqueles princípios, a cujo cumprimento a AT se encontra vinculada, entende-se que audiência prévia pode ser DISPENSADA, nos termos do artigo 124º do CPA, na redação conferida pelo DL no 4/2015, de 7 de janeiro, aplicável ex vi alínea c) do nº 1 do artigo 2º da LGT.” 

K)    Em data não apurada o Requerente procedeu ao pagamento do imposto liquidado no valor de 11 373,99 euros – Conforme artigo 102º do PPA e Documento nº 18 em anexo ao PPA

L)     Em 17.04.2025 o Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral – conforme registo no SGP do CAAD.

 

 

2.1.  Fundamentação da decisão da matéria de facto.  Factos não provados.

 

                  Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o

que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e

discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo

607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em

função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis

das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do

RJAT).

 Foram consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

O Tribunal julga a matéria de facto subordinado ao “direito constituído” (nº 2 do artigo 2º do RJAT) segundo o standard da prova da probabilidade prevalecente.

O Tribunal não acolheu como sendo relevantes as considerações tecidas na fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa nos pontos nºs 38 a 39, porquanto não foi invocada qualquer circunstância relevante que coloque em causa a força probatória do conteúdo dos documentos particulares emitidos no estrangeiro (artigo 365º, 374º e 376º do CC). 

Relativamente à data do regresso a Portugal, tomou-se como verdadeira a menção da data de 31.07.2020, porquanto se trata de documento emitido pela entidade de controle de habitantes na Suíça, o que está em sintonia com o facto de, quanto à declaração de rendimentos Modelo 3 referente aos proveitos auferidos em 2020 e em 2021, o Requerente ter indicando estar residente fiscal no continente. Se tivesse regressado apenas em 17.04.2022 a Portugal, não seria curial que, quanto aos rendimentos de 2020 e 2021 tivesse declarado ser residente em Portugal (princípio da verdade e boa fé das declarações do contribuinte – artigo 75º-1 da LGT). 

Por outro lado, resulta do ponto 40 da fundamentação da decisão que recaiu sobre o indeferimento da reclamação graciosa que o Requerente apresentou na Suíça em 2020 uma declaração de rendimentos (certamente a última) e apresentou em Portugal quanto ao mesmo ano também a declaração de rendimentos, dando a ideia que repartiu os rendimentos declarados na Suíça e em Portugal, em função dos períodos de residência nos respectivos países. É o que se conclui do facto de no anexo J de 2020 constar apenas como rendimento de pensões o montante de 10 675,11 euros e no Anexo J de 2021 constar 42 490,23 euros.

Relativamente ao “lapso” citado nos pontos nºs 14 a 17 da fundamentação do indeferimento da reclamação graciosa, o Tribunal relevou o que consta dos documentos e não o que consta de forma manual no pedido, tratando-se de lapso revelado no respectiva contexto.

Teve-se em conta ainda o que consta no ponto 3 da circular nº 9/2012 da DSIRS que refere “3. Quando existam fundados indícios de falta de veracidade dos elementos constantes da declaração referida no ponto anterior, podem ser solicitados ao sujeito passivo elementos adicionais, nomeadamente documento que ateste a residência no estrangeiro emitido por qualquer entidade oficial de outro Estado ou, ainda, outros documentos idóneos que evidenciem a existência de relações pessoais e económicas estreitas com um outro Estado no período relevante”, daqui resultando que a AT não encontrou, em bom rigor, indícios de falta de veracidade nos documentos que lhe foram facultados pelo Requerente.

Os factos provados basearam-se nos documentos juntos pelas Partes e nos factos articulados que estão em conformidade, de forma expressa ou implícita, com os factos alegados por ambas. Por cada alínea dos factos provados, são indicados os documentos ou artigos das peças processuais que não mereceram dissentimento entre as partes e que foram considerados relevantes.

                  Não há outros factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

 

3.     Matéria de direito

 

3.1 - As disposições legais directamente aqui em causa

 

Artigo 16.º do Código do IRS

Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;

d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.

2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

...

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. 

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

12 - O sujeito passivo que não tenha gozado do direito referido no número anterior em um ou mais anos do período referido no n.º 9 pode retomar o gozo do mesmo em qualquer dos anos remanescentes daquele período, a partir do ano, inclusive, em que volte a ser considerado residente em território português.

 

 

3.2 - O que está em causa neste dissídio

 

Do teor pontos 33. a 37. da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (assinalados na alínea J) dos factos provados) é possível retirar (complementando com o que é referido na Resposta ao PPA) a substância dos fundamentos que suportam a posição da AT, a saber:

A)    Considera a AT que a solicitação de inscrição como RNH tem natureza constitutiva do direito do contribuinte a ser tributado enquanto tal;

B)    Não se considerou a distinção do conceito de domicílio fiscal (artigo 19º da LGT) face ao conceito de residência fiscal (artigo 16º - 1, 2 e 3 do CIRS).

 

3.3 – As excepções 

 

       i.         Invoca a Requerida, em primeiro lugar, a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação do pedido de aplicação ao Requerentes do regime jurídico-tributário do residente não habitual porque a causa de pedir primordial que suporta tal pedido centra-se na sua suposta condição de RNH, de acordo com o previsto nos artigos 88.º, n.º 2 e 89.º, n.º 3, alínea a) do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, alínea c) do RJAT.

Entende a Requerida que “causa de pedir primordial subjacente ao articulado apresentado pelo Requerente respeita à sua não inscrição como residente não habitual. Ou seja, sem se apreciar se o Requerente pode ou não estar inscrito como RNH, não há como avançar para a apreciação para a ilegalidade que se imputa ao ato de liquidação de IRS uma vez que decorre, no essencial, da aplicação deste regime de tributação” e acrescenta que “sem que essa questão prévia seja decidida a seu favor pelo presente Tribunal, não há como imputar o vício de ilegalidade à liquidação de IRS contestada”. Isto porque “É de facto notório que o Requerente pede, de forma expressa e literal que lhe seja reconhecido o direito a ser tributado ao abrigo de um regime especial em sede de IRS: o regime fiscal dos residentes não habituais, só que o julgamento dessa questão prévia não comporta a apreciação da legalidade de nenhum ato concreto de liquidação de imposto”.

Será de notar que, conforme consta do ponto 1 do Relatório, o Requerente textualmente vem pedir a constituição deste tribunal com vista a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2025... que apreciou a legalidade da demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2023, no valor de €11.373,99. E no final do PPA peticiona que “...deve o presente pedido arbitral ser considerado procedente por provado e anulada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2025..., assim como a subjacente demonstração de liquidação de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2023, no valor de €11.373,99, objeto do presente pedido de pronúncia arbitral”.

Não se verificam, pois, a circunstâncias referidas pela AT como fundamento para invocar a excepção.

Do teor do PPA apresentado resulta, sem margem para quaisquer dúvidas e interpretações, que o peticionado pelo Requerentes se reconduz apenas à anulação da liquidação de IRS de 2022 (acto de primeiro grau) e consequentemente, da decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa, com todas as consequências dessas anulações advenientes.

                  Não pode, pois, acolher-se a pretensão suscitada.

 

     ii.         Invoca a Requerida, em segundo lugar, a inimpugnabilidade do ato de liquidação com fundamento no suposto estatuto de RNH, pois o “reconhecimento da condição de RNH, assenta num procedimento prévio e independente da liquidação objetada nos presentes autos”, sendo que “sobre o enquadramento da impugnação contenciosa da temática sobredita, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 718/2017, proferido no Processo nº 723/2016, de 2017.11.15, é modelar, tendo apoiado as suas conclusões na desconstrução da natureza interlocutória do procedimento de reconhecimento da condição de residente não habitual e, consequentemente, na discussão em torno da qualificação como ónus ou faculdade, do dito procedimento”.  Adianta que “o procedimento de reconhecimento da residência fiscal não habitual, não teria uma natureza preparatória/destacável do procedimento de liquidação, mas seria, antes, um ato administrativo autónomo” cujo meio de acção é a acção administrativa.

A este propósito adere este Tribunal ao que foi referido, em processo idêntico, CAAD P 319/2022-T: “a pendência de discussão sobre a inscrição do contribuinte como residente não habitual, independente da fase em que se encontre (administrativa ou judicial), permite a impugnação direta do ato de liquidação de IRS com fundamento na não aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais, inexistindo qualquer incompatibilidade com o Acórdão n.º 718/2017, de 15 de Novembro, do Tribunal Constitucional”.

E refere ainda (com as alterações relativas a este caso): “42. ... independentemente da consideração e qualificação que se pretenda efetuar quanto à natureza de eventual decisão de indeferimento – interlocutória ou autónoma – e às eventuais repercussões ao nível impugnatório daí decorrentes no que ao princípio da tutela jurisdicional efetiva e segurança dizem respeito, certo e seguro é que no caso ora em apreciação, a Requerente não viu...” denegado pelo Tribunal com trânsito e julgado, “... até à data da entrada do PPA no CAAD, o pedido de inscrição por este formulado, logo dessa circunstância factual não se podendo extrair qualquer consequência ao nível de uma hipotética omissão impugnatória, leia-se, da dedução de eventual ação administrativa.”

Não procede, pois, a invocada excepção.

 

    iii.         Invoca ainda a Requerida  a decisão CAAD P 100/2023- T, referindo que “considerando que o Requerente veio dar conhecimento aos presentes autos que interpôs junto do TAF de Braga ações administrativas com vista à impugnação do ato de rejeição de RNH, e, bem assim, do indeferimento do respetivo pedido de alteração retroativa de morada, que correm termos sob os n.ºs 347/25.3BEBRG e 299/24.7BEBRG, respetivamente, deve a presente instância ser suspensa até à prolação das sentenças que decidam as aludidas questões”.

Nota-se que não é elencada qualquer norma de direito processual que permita enquadrar o pedido de suspensão da instância (artigo 269º do CPC) pelo que, pelo já decidido, e por falta de norma processual que o permita, também não é possível acolher esta pretensão. 

 

    iv.         Invoca ainda a Requerida que a “solicitação de inscrição” constante do “disposto no artigo 16º, nº 10, do CIRS, versa sobre um benefício fiscal, dependente de reconhecimento por parte da administração fiscal, por iniciativa do contribuinte”, pelo que “o ato de inscrição do Requerente como RNH tem natureza prejudicial, de modo a beneficiar do correspondente regime, encontrando-se dependente da iniciativa dos contribuintes”.

Quanto à vertente de poder considerar-se causa prejudicial entende-se que se aplica o que já se referiu supra em i. e ii. supra deste ponto 3.3.

Se assim fosse, não vemos como a própria AT, não o refere na CIRCULAR Nº 9/2012 da DSIRS com data de 3 de agosto de 2012. Do seu teor, resulta claramente que em lado algum se dá a entender que tal solicitação de inscrição tenha natureza constitutiva do direito a ser tributado como RNH, aludindo, apenas, à forma de dirimir dúvidas, face ao princípio do inquisitório, quando “fundados indícios de falta de veracidade dos elementos constantes da declaração” se coloquem à AT.

Dessa circular não resulta qualquer indicação de que a aludida solicitação de inscrição para RNH se possa subsumir à tipificação do procedimento de reconhecimento de benefícios fiscais que consta do artigo 65º do CPPT. 

Como já escrevemos no Processo CAAD 894/2023-T, a propósito de um caso idêntico estamos, na leitura deste Tribunal, perante: 

(1) Um benefício fiscal automático de funcionamento directo e imediato por força da própria lei (ope legis) que tutela um interesse extrafiscal superior ao da tributação que impede (nº 1 do artigo 5º do EBF);

(2) Temporário (nº 2 do artigo 14º do EBF);

(3) Irrenunciável (nº 8 do artigo 14º do EBF);

(4) Cujo regime de cessação por não verificação dos pressupostos da lei opera nos termos do nº 6 do artigo 14º do EBF;

(5) Que admite inclusive interpretação extensiva (artigo 10º do EBF).

 

3.4 – Quanto às questões de fundo

 

3.4.1 -     A natureza da solicitação da inscrição como RNH no Portal das Finanças – nº 10 do artigo 16º do CIRS

 

Existe grande convergência nas decisões arbitrais quanto à natureza da inscrição no registo de “residentes não habituais”. Consideram que tem natureza exclusivamente declarativa e não tem efeitos constitutivos do direito a ser tributado nos termos do respetivo regime.

Será oportuno referir que o elemento literal da norma é sempre um elemento muito relevante, por ser delimitador da actividade interpretativa.

Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 

A letra é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”.

Uma interpretação que não se situe já no âmbito do sentido literal possível, já não é interpretação, mas modificação de sentido” (Larenz).

“(...) há-de ser um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente” (Hespanha).

A propósito desta questão, este TAS adere ao que foi escrito na decisão CAAD P 319/2022-T que parcialmente se passa a transcrever (intercalando aspectos específicos deste caso concreto):

71. Atentemos, ... antes de mais, no enquadramento legal de tal regime e desde logo, no preceituado no artigo 16º do CIRS em vigor à data dos factos (2023), nos termos do qual:

8 - Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

9 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos a partir do ano, inclusive, da sua inscrição como residente em território português.

10 - O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via

eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território. (Redação do Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto)

11 - O direito a ser tributado como residente não habitual em cada ano do período referido no n.º 9 depende de o sujeito passivo ser considerado residente em território português, em qualquer momento desse ano.

72. Do cotejo dos n.ºs 8 a 11 do artigo 16º do Código do IRS é possível apreender que os pressupostos para a aplicação deste regime são os seguintes:

- O sujeito passivo se torne fiscalmente residente em Portugal, em conformidade com qualquer dos critérios estabelecidos nºs n.º 1 e 2 do artigo 16º do CIRS;

- O sujeito passivo não tenha sido considerado residente em território nacional em qualquer dos cinco anos anteriores ao ano em que se deva considerar residente nos termos do n.º 1 e 2 da referida norma.

73. Face ao exposto, indelével resulta concluir que o legislador fez depender, para efeitos da aplicação deste benefício fiscal, do preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 16º, n.º 8, do CIRS, e não da inscrição formal como residente não habitual.

74. O teor da norma – n.º 11 do artigo 16º do CIRS – é, a este propósito, lapidar ao fazer depender para a aplicação de tal regime da circunstância factual de o sujeito passivo se ter inscrito (e assim ser considerado) como residente em território português e não da sua inscrição formal enquanto residente não habitual.

75. Destarte, a inscrição formal enquanto residente não habitual não poderá deixar de se ter como uma mera obrigação declarativa, obrigação essa que, quando eventualmente não cumprida no prazo definido no n.º 10 do artigo 16º do CIRS constituirá infração a esse mesmo comando legislativo.

76. Infração essa suscetível de ser punida nos termos do artigo 116º do RGIT, mas ainda assim neutra quanto à suscetibilidade do sujeito passivo poder ou não beneficiar desse mesmo regime, porquanto, como supra exposto, os pressupostos dos quais a lei faz depender a aplicação do regime em causa não compreendem o atempado cumprimento de tal procedimento de inscrição enquanto residente não habitual.

77. Neste sentido, veja-se o decidido no processo arbitral no âmbito do processo n.º 188/2020-T, cujo entendimento acompanhamos, segundo o qual:

“…como por regra ocorre, a interpretação da lei fiscal não pode, nem deve, ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, antes, e mais não seja pela imposição da realização dos princípios da tributação da capacidade contributiva e da justiça material, decorrentes dos artigos 4.º, n.º 1, e 5.º, n.º 2, da LGT, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas.

Sob esta perspectiva, a norma do n.º 10 do artigo 16.º do CIRS, que disciplina a data limite até à qual os sujeitos passivos que reúnam os pressupostos materiais de que depende a tributação de acordo com o regime dos residentes não habituais podem requerer a inscrição como residente não habitual - até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente em território nacional -, deverá entender-se como uma norma essencialmente procedimental, de organização do sistema operacional de tributação, que visa assegurar sua efectividade e o seu normal funcionamento, sendo, especialmente e desde logo de notar que a norma em causa, não tem subjacentes quaisquer finalidades de evitar a fraude ou a evasão fiscal.

E, nem se diga, como faz a AT, que não tendo o Requerente respeitado o prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS para requerer a sua inscrição como residente não habitual, não pode beneficiar desse regime em qualquer um dos dez anos a que teria direito se tivesse apresentado o pedido dentro do prazo.

Tratando-se a obrigação de apresentar o pedido de inscrição como residente não habitual, de uma obrigação meramente declarativa e, portanto, não constitutiva do direito a beneficiar daquele regime, o atraso na entrega de declarações constitui uma contraordenação tributária prevista e punida nos termos do artigo 116.º do RGIT, e não deverá ter como consequência, sem mais, o não enquadramento no regime do residente não habitual.

Do exposto resulta – em suma – que o pedido de inscrição como residente não habitual   não tem efeito constitutivo, mas meramente, declarativo, tudo o que, como adiante se verá, será de relevar na solução jurídica a formular no caso concreto

78. Em idêntico sentido, veja-se a decisão coletiva proferida no processo arbitral tributário junto do CAAD, sob o n.º 777/2020-T, no qual se concluiu:

Para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, a lei não exige o registo. Pelo contrário, o n.º 8 é perfeitamente expresso e inequívoco ao dizer que “Consideram-se residentes não habituais em território português os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos nºs 1 ou 2, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.”

Ou seja, para que o sujeito passivo possa “ser considerado residente não habitual”, basta que se verifiquem dois requisitos, não sendo nenhum deles o registo como residente não habitual.

São esses requisitos:

•Ter-se o sujeito passivo tornado fiscalmente residente num determinado ano;

•Não ter o sujeito passivo sido residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

Afigura-se assim evidente que a letra das disposições relevantes não permite a conclusão de que o registo como residente habitual é requisito para a aplicação do regime.”

79. Em face do enquadramento do regime fiscal em apreço e das decisões a que supra nos reportamos e sobre as quais não antevemos qualquer razão para do sentido das mesmas dissentir, não é possível deixar de concluir que o pedido de inscrição como residente não habitual no respetivo prazo a que se alude no n.º 10 do artigo 16º do CIRS encerra efeito meramente declarativo e não constitutivo do direito a ser tributado em tal regime fiscal”.

 

3.4.2 - “residência fiscal” e “não residência fiscal” vs. “domicílio fiscal”

 

No Processo CAAD nº 36/2022-T a que se adere, escreveu-se:

13. Como salienta Rui Duarte Morais (Sobre o IRS, Almedina, Coimbra, 2006, pp 17 e 18) “são diferentes as noções de residência e domicílio fiscal, ainda que relativamente aos residentes o local do domicílio fiscal coincida com o da sua residência habitual (art. 19.º, n.º 1, al. a) da Lei Geral Tributária). 

Enquanto o conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, a questão do domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais. [A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efectivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração). A nosso ver, o domicílio fiscal não constitui, no plano internacional, qualquer presunção de residência.”]    

A este propósito, afigura-se também pertinente considerar o seguinte posicionamento de Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018 pp 120-121): “(…) o conceito de “não residência fiscal” não se encontra expressamente contemplado no ordenamento jurídico-fiscal português. 

Tal como analisado por José Calejo Guerra [Cf. José Calejo Guerra – A (não) residência fiscal no Código do IRS e seus requisitos: do conceito legal à distorção administrativa, Cadernos de Justiça Tributária, n.º 6, outubro-dezembro 2014, pp. 16-22], também entendemos que o conceito de não residência fiscal resulta a contrario do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal

Este Autor acrescenta, ainda, que a não residência fiscal é, pois, uma definição legal não escrita que se encontra sob a alçada da reserva relativa de lei da Assembleia da República, que resulta do artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP. Nesta medida, é defendido que a administração tributária não pode introduzir, através da sua atuação (ainda que baseada em orientações administrativas), quaisquer exigências que, de algum modo, dificultem ou impeçam que um qualquer sujeito passivo, que não preencha nenhum critério de residência fiscal em Portugal, seja considerado não residente fiscal.      

Na verdade, de acordo com a atual prática administrativa, a administração tributária exige a apresentação de um comprovativo de residência no estrangeiro para proceder à alteração do estatuto de residência fiscal dos sujeitos passivos para não residentes em Portugal, (…). À luz daquele entendimento, que subscrevemos, entendemos que esta prática da administração tributária apenas se poderá reputar de ilegal, por violação do princípio da legalidade tributária, que encontra cobertura legal no artigo 8.º da LGT e cobertura constitucional no já citado artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP.” 

Os citados entendimentos doutrinais encontram acolhimento na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, sendo disso exemplo, entre outros, os seguintes arestos: 

ü  Acórdão do TCAS, de 11.11.2021, proferido no processo n.º 2369/09.7BELRS, assim   sumariado (na parte que aqui importa reter):

“(…) 

II.              Os conceitos de domicílio fiscal (previsto no art. 19.º da LGT) e de residente fiscal para efeitos de IRS não são sinónimos. 

III.             O dever de comunicação, previsto quer no n.º 1 do art. 43.º do CPPT quer no então art. 19.º, n.º 2, da LGT (atual n.º 3), não se trata de formalidade ad substanciam, pelo que a sua preterição não tem necessária e definitivamente impacto em termos de tributação. 

(…) 

V. Não obstante o domicílio fiscal do Impugnante, previsto no art.º 19.º da LGT, contemplar uma morada em Lisboa, esta circunstância distingue-se do conceito de residência fiscal para efeitos de IRS e não consubstancia qualquer presunção inilidível de que a residência fiscal é na morada ali constante.”  

ü  Acórdão do TCAS, de 08.07.2021, proferido no processo n.º 803/05.0BESNT, assim sumariado (na parte que aqui importa reter): 

“(…) 

III.             Saber de alguém é ou não residente em Portugal não está dependente do domicílio fiscal, por este não constituir, no plano internacional, qualquer presunção de residência. 

IV.            O conceito de residência integra a hipótese de normas tributárias substantivas, determinantes da existência e da extensão da obrigação de imposto, enquanto o domicílio fiscal projecta-se em consequências processuais.” 

14 - Noutra ordem de considerações, importa chamar à colação os seguintes ensinamentos de Paula Rosado Pereira (Manual de IRS, Almedina, Coimbra, 2018, pp. 56 a 59): “Temos, portanto, no IRS, uma distinção essencial entre sujeitos passivos residentes e sujeitos passivos não residentes. 

A residência é, a par da fonte do rendimento, um dos elementos de conexão que definem os termos da aplicação da lei fiscal no espaço, quando nos encontramos perante situações com um elemento internacional relevante. 

Reportando-nos ao já aludido artigo 13.º, n.º 1 do CIRS, a tributação em Portugal dos rendimentos obtidos por pessoas singulares que residam em território português reflete o elemento de conexão “residência”, ao passo que a tributação dos não residentes quanto aos rendimentos considerados como obtidos em território português concretiza a aplicação do elemento de conexão “fonte”.    

(…) 

A definição de residência em território português é dada pelo artigo 16.º do CIRS, prevendo-se que sejam residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:  

a)             Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa; 

b)             Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual.  

(…) 

Para além de corresponder, como vimos, a um dos elementos de conexão para a aplicação da lei fiscal no espaço, a residência é também um conceito essencial para determinar o âmbito de sujeição pessoal ao IRS, uma vez que este tende a ser bastante distinto para residentes e não residentes. 

Relativamente aos residentes, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora de território português (artigo 15.º, n.º 1 do CIRS). Os residentes encontram-se, portanto, sujeitos a um princípio da universalidade ou da tributação universal ou ilimitada pelo Estado da residência. Assim, podem ser tributados em Portugal todos os rendimentos obtidos por um residente, independentemente do local onde tais rendimentos sejam obtidos. 

(…) 

Em contrapartida, um não residente – pessoa singular que não preencha nenhum dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do CIRS – encontra-se sujeito a IRS unicamente quanto aos rendimentos obtidos em território português (artigo 15.º, n.º 2 do CIRS). Os não residentes são tributados ao abrigo do elemento de conexão fonte do rendimento. O artigo 18.º elenca os rendimentos que se consideram obtidos em território português e que, como tal, podem ser tributados em sede de IRS mesmo quando auferidos por um não residente.”  

Neste conspecto, afirma Pedro Roma (Residência Fiscal Parcial em IRS, Almedina, Coimbra, 2018 pp. 131-145) o seguinte:   “Assim, tendo em conta estas três normas [artigo 16.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, do Código do IRS], julgamos que se poderá formular este critério de residência fiscal [a permanência por mais de 183 dias num período de 12 meses] do seguinte modo: (i) um sujeito passivo é considerado residente fiscal se, em qualquer período de 12 meses, permanecer mais de 183 dias (que incluam dormida) em Portugal e (ii) será considerado residente fiscal em Portugal desde o primeiro dia de permanência daquele período de 183 dias.

(…) 

(…), a mera disposição de uma habitação não é suficiente para que se possa concluir pelo preenchimento deste critério de residência fiscal em Portugal [critério previsto no artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Código do IRS], pois é necessária a existência de “condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual”.    

Em primeiro lugar, deverá tratar-se de uma residência habitual, o que significa que não basta a existência de um imóvel em Portugal que é ocupado ocasionalmente (e.g. em período de férias ou fins-de-semana) para que o mesmo qualifique para este efeito. 

Por outro lado, veio a nova redação desta norma esclarecer que temos que estar perante uma intenção “atual”, o que significa que o imóvel em questão até pode ter sido adquirido para que no futuro venha a ser utilizado como residência habitual do sujeito passivo – contudo, se no momento em questão o mesmo não estiver a ser ocupado com esse propósito, não poderá ser considerado uma residência habitual para este efeito

Por último, no que respeita às “condições que [fazem] supor” a intenção de manter e ocupar uma habitação, como residência habitual, verificamos que o legislador decidiu não concretizar que condições são essas, deixando-as ao critério do intérprete.      

(…) 

Uma vez que a ocupação da habitação como residência habitual não é objeto de prova   direta, a mesma resulta das condições objetivas e subjetivas que a façam supor. 

(…) Não obstante, (…), uma análise casuística impor-se-á sempre. 

(…) 

Por último, (…) os critérios de residência fiscal previstos nas alíneas a) e b) do artigo 16.º, n.º 1 do Código do IRS são alternativos, (…)”  

Destarte, temos, pois, que o critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num período de 12 meses, no território nacional. Por seu turno, a alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS, exigindo uma ligação física menos qualificada, impõe uma análise casuística que permita, ainda assim, assegurar que existe uma conexão efetiva com o território; esta conexão tem-se por verificada através de um elemento subjetivo mediato, a intenção de ser residente (animus), que deve ser analisado de uma perspetiva objetiva, ou seja, através de elementos imediatos que permitam a reconstrução da vontade do indivíduo a partir dos indícios por si revelados.” 

 

A prova quanto à determinação da não residência fiscal em Portugal em qualquer dos 5 anos anteriores (nº 8 do artigo 16º do CIRS)

 

O Requerente fez prova de que residiu na Suíça “desde 12.09.1992 e até 31-07-2020onde foi sujeito passivo de forma ilimitada relativamente aos impostos cantonais, municipais do Valais e ao imposto federal direto nos termos precisos do direito fiscal cantonal, municipal e federal durante os períodos acima indicados, constando na declaração de 16.02.2024 emitida pelo “Canton de Valais” que o Requerente “teve, por conseguinte, o estatuto de residente na Suíça, no Cantão de Valais, no sentido do Art. 4 da Convenção celebrada ente a Confederação Suíça e Portugal com vista a evitar a dupla tributação em matéria de Impostos sobre o fendimento e sobre a fortuna de 26 de setembro de 1974” – conforme alínea A) dos factos provados.

Verifica-se ainda que no ponto V-6 da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (alínea J) dos factos provados), se alude à falta de certificado de residência fiscal emitido nos termos do artigo 4º da CDT Portugal-Suíça.

Sobre esta questão já se pronunciou, pelo menos, um Tribunal constituído no CAAD, como se retira da decisão adoptada no Processo nº 36/2022-T, a que aqui aderimos. Aí se escreveu “inexiste qualquer norma legal, nomeadamente no Código do IRS, que condicione/limite os meios de prova de que o contribuinte se pode servir para comprovar a sua residência fiscal, designadamente exigindo a apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pelas autoridades fiscais de outro país”. E nesta decisão refere-se ainda “A “ineficácia” da mudança de domicílio – repare-se que se diz “domicílio” e não “residência” – referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário”.

Como acima se referiu, o conceito de “não residência fiscal” não se encontra expressamente contemplado no ordenamento jurídico-fiscal português. Assim, o conceito de não residência fiscal em Portugal resulta a contrário do próprio Código do IRS, uma vez que todos aqueles que não preencherem um dos critérios de residência fiscal previstos no artigo 16.º do Código do IRS deverão ser considerados não residentes fiscais em Portugal.

Assim, estando provada a residência fiscal do Requerente na Suíça desde 12.09.1992 e até 31-07-2020, é óbvio que está demonstrada a sua não residência fiscal em Portugal durante esse período como resulta, à contrário, da alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS que se cinge à presença física (corpus), em Portugal, considerando residentes, de forma automática, os indivíduos que permaneçam mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num período de 12 meses, no território nacional.

Conclui-se que não há qualquer norma legal que limite os meios de prova a que os contribuintes podem lançar mão para provar a sua residência ou não residência fiscal, face aos critérios constantes do artigo 16º do CIRS.

Conclui-se ainda que o Requerente cumpriu o ónus da prova quanto à não residência fiscal em Portugal no período dado como provado.

Desde logo face ao critério previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 16.º do Código do IRS que alude à não presença física (corpus), em Portugal, durante aquele período em que trabalhou na Suíça.

Ou seja, não há qualquer prova ou evidência no sentido de demonstrar que o Requerente tenha permanecido em Portugal mais de 183 dias seguidos ou interpolados, entre 12.09.1992 e até 31-07-2020. Evidenciou-se o oposto.

Não sendo o Requerente, em termos de verdade material, residente em Portugal durante esse período, terá que ser considerado não residente para efeitos do nº 8 do artigo 16º do CIRS

 

A questão do domicílio fiscal

Provou-se na alínea B) da matéria de facto provada que “o Requerente encontra-se registado no cadastro da AT como residente em Portugal no período acima referido, uma vez que nunca alterou o seu domicílio fiscal”.

É notório que o Requerente incumpriu as obrigações fiscais que resultam do prescrito no nº 3º do artigo 19º da LGT e no artigo 43º do CPPT.

Independentemente da aplicação de coimas, o incumprimento da obrigação prescrita no nº 3º do artigo 19º da LGT e no artigo 43º do CPPT, que aludem à “comunicação da alteração do domicílio” (que não se confunde com “residência fiscal”), poderia até ser sanado oficiosamente pela própria AT. O nº 11 do artigo 19º da LGT tem a seguinte redacção: “a administração tributária poderá rectificar oficiosamente o domicílio fiscal dos sujeitos passivos se tal decorrer dos elementos ao seu dispor”. A expressão “rectificar” é sinónima de “corrigir”. 

Se o Requerente comprovou documentalmente ter sido residente na Suíça, desde 12.09.1992 e até 31-07-2020, porque até aí trabalhou e obteve o direito a um rendimento caracterizado como uma pensão e até apresentou declarações de rendimentos em Portugal de 2020, 2021 e 2022 já como residente em Portugal,  terá facultado os indícios claros de que o seu domicílio fiscal, em termos de verdade material, passou a ser em Portugal, pelo menos desde 2020, quando passou a apresentar declarações em Portugal.

Por outro lado, como resulta da decisão CAAD Processo nº 36/2022-T “a ineficácia” da mudança de domicílio referida no artigo 19.º, n.º 4, da LGT não tem, por si só, o alcance de converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, se o mesmo fizer prova em sentido contrário”.

A preterição da formalidade de comunicação prevista no n.º 1 do artigo 43.º do CPPT, e no atual artigo 19.º, n.º 3 da LGT, não deverá por si só converter o contribuinte em residente para efeitos fiscais, na medida em que não configura uma formalidade ad substanciam.

No caso, a não alteração do domicílio fiscal é irrelevante, pois a aplicação dos nºs 8 a 12 do artigo 16º do CIRS, não depende do cumprimento adequado e atempado dessa obrigação fiscal declarativa.

Conclusão

 

Procede, pois, o PPA, uma vez que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa está em desconformidade, nomeadamente, com os nºs 8 a 12 do artigo 16º do CIRS, na leitura acima exposta, pois o Requerente reunia os pressupostos para beneficiar do regime dos RNH em 2023.

 

3.4.3 - Questões de conhecimento prejudicado

 

                  Resultando do exposto a declaração de ilegalidade da liquidação que é objecto do presente processo, por vício que impede a sua renovação, fica prejudicado, por ser inútil (artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do CPC), o conhecimento dos restantes vícios que lhes são imputados pela Requerente.

                   Na verdade, o artigo 124.º do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, do RJAT, ao estabelecer uma ordem de conhecimento de vícios, pressupõe que, julgado procedente um vício que assegura a eficaz tutela dos direitos dos impugnantes, não é necessário conhecer dos restantes, pois, se fosse sempre necessário apreciar todos os vícios imputados ao acto impugnado, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

                   Pelo exposto, não se toma conhecimento dos restantes vícios imputados pela Requerente.

 

3.3.4 - Pedido de reembolso da quantia paga em excesso

 

Provou-se que o Requerente, em data não apurada, procedeu ao pagamento do imposto liquidado no valor de 11 373,99 euros, conforme artigo 102º do PPA e Documento nº 18 em anexo ao PPA

Anulando-se, como se vai anular, a liquidação impugnada, resulta que o Requerente tem direito ao reembolso do montante pago.

 

3.3.5 - Pedido de juros indemnizatórios

 

           No que concerne a juros indemnizatórios, de harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação, vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária». 

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte: 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução. (Aditada pela Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro)

4 - A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 - No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. (Aditado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro)

 

Revertendo o que se referiu para o caso concreto deste processo, será de considerar o que foi provado na alínea B) dos factos provados.

Como é notório, na base de tudo o que ocorreu está o incumprimento pelo Requerente das obrigações fiscais que resultam do prescrito no artigo 19º da LGT e no artigo 43º do CPPT.

Ou seja, o Requerente omitiu o dever de alterar, atempadamente, o seu domicílio fiscal quando se deslocou de Portugal para a Suíça e aí fixou a sua residência fiscal, e depois quando regressou a Portugal.

Por isso, a liquidação de IRS em si mesma não padece de erro imputável aos serviços.

No entanto, o Requerente, posteriormente à notificação da liquidação aqui impugnada veio apresentar reclamação graciosa onde comprovou que reunia as condições para ser tributado como RNH.

Assim, quanto à decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a ilegalidade da decisão aí proferida é imputável à Administração Tributária, que a indeferiu por sua iniciativa.  

Ou seja, na decisão na reclamação graciosa, onde deveria ter sido deferida a pretensão da Requerente, o erro passa a ser imputável a Autoridade Tributária e Aduaneira. 

Esta situação da Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a ação que a reporia deve ser equiparada à ação. 

No caso em apreço, a reclamação graciosa foi indeferida por despacho com data de 12.01.2025, e foi apresentada em 30.12.2024, pelo que poderia ter sido proferida decisão até 02-05-2025, primeiro dia útil subsequente ao termo do prazo de 4 meses previsto no n.º 1 do artigo 57.º da LGT. 

Assim, a partir de 02-05-2025, começam a contar-se juros indemnizatórios, relativamente à quantia paga em excesso. Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, contados até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

                  4. Decisão 

 

Nestes termos, decide este Tribunal Arbitral:

 

A) Julgar procedente o PPA e anular a liquidação de IRS referida na alínea H) dos factos provados e a decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa a que se alude nas alíneas I) e J) dos factos provados;

B) Reconhecer o direito do Requerente a ser reembolsado do valor de IRS que pagou no valor de 11.373,99 de euros.

C) Reconhecer o direito a receber juros indemnizatórios, contados a partir de 02.05.2025, nos termos acima referidos.

 

 

5. Valor do processo

 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 11 373,99.          

 

 

6. Custas

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 918,00 face à Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida, por ter decaído na totalidade (artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 122.º, n.º 2, do CPPT).

       

Lisboa, 22 de Outubro de 2025

 

Tribunal Arbitral Singular

 

 

Augusto Vieira