SUMÁRIO:
1. A norma da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro não sofre de inconstitucionalidade orgânica, face à sua natureza regulamentar, mas não inovadora, do disposto no nº. 2 do art.º 22º, do CFI, que, por sua vez, emana da respetiva legislação comunitária aplicável.
2. A aquisição de dois moldes em estado de novo afetos à exploração da Requerente, não respeita os requisitos de elegibilidade para efeitos de RFAI, constantes das disposições legais aplicáveis e acima identificadas, porquanto de tal aquisição não resultou diretamente, nos anos em causa, um reforço da capacidade de produção da unidade fabril da Requerente.
3. A liquidação dos juros compensatórios não sofre de qualquer ilegalidade autónoma, tendo a Autoridade Tributária cumprido todo os requisitos impostos por lei para a sua liquidação.
DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
Em 6 de janeiro de 2025, A..., S.A., titular do número de identificação fiscal ..., com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ...-... ..., veio ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alíneas a) e n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Administrativa e Tributária (RJAT), apresentar Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), pedindo a anulação parcial dos atos de demonstração da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.os 2023..., 2023..., 2023 ... e 2024..., da liquidação de juros compensatórios n.os 2023..., 2023... e 2024 ... e, bem assim, de demonstração de acerto de contas n.os 2023..., 2023..., 2023... e 2024..., relativos, respetivamente, aos exercícios de 2019, 2020, 2021 e 2022, liquidações essas que tiveram por base correções à matéria coletável do IRC no montante de € 377.742,74 (trezentos e setenta e sete mil setecentos e quarenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos), na sequência da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida em 9 de setembro de 2024 pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria.
A Requerente pede ainda o reembolso dos valores dos montantes indevidamente pagos, acrescidos dos correspondentes juros indemnizatórios à taxa legal em vigor.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pelo seu mandatário, Dr. Tiago Soares Cardoso, e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Drª. ... e a Drª. ... .
Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 6.º do RJAT, foram os signatários designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, e aceitaram o cargo, no prazo legalmente estipulado, não se tendo as partes oposto a tal nomeação.
O Tribunal Arbitral foi constituído no dia 17 de março de 2025, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
No dia 29 de abril de 2025, depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua Resposta e juntou o Processo Administrativo (PA), tendo-se defendido por impugnação.
Por Despacho de 1 de setembro o Tribunal proferiu despacho pelo qual dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e dispensou a produção de alegações escritas considerando que a matéria de direito foi claramente exposta e desenvolvida pelas partes no PPA e Resposta.
Em 12 de setembro de 2025 o Tribunal proferiu despacho de prorrogação da prolação da decisão nos termos do 21.º, n.º 2 do RJAT.”
II – POSIÇÃO DA REQUERENTE
A Requerente discorda da correção aos créditos fiscais relacionados com o investimento na aquisição de moldes em estado novo, no valor global de € 377.742,74, e coloca em causa as correções respeitantes ao crédito fiscal do RFAI, que ascendeu ao montante global de € 397.958,67
A Requerente invoca em abono da ilegalidade das liquidações efetuadas, os seguintes argumentos:
i). A inconstitucionalidade orgânica da invocada alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro;
ii). Os investimentos realizados pela Requerente no decurso dos exercícios de 2018 e de 2019 seriam — independentemente da apontada inconstitucionalidade orgânica — plenamente elegíveis para efeitos de aplicação do RFAI nos termos prefigurados pela alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro;
A Requerente defende que: “A aplicabilidade do RFAI reclama, tão-somente, um investimento tendente a aumentar a capacidade produtiva instalada do sujeito passivo de IRC, mesmo que daí não resulte qualquer aumento efetivo da respetiva produção (o qual, como se viu, estará sempre dependente de fatores alheios ao controlo dos sujeitos passivos).”
Por isso, conclui a Requerente que:
“o requisito traçado pela alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, não reclama a comprovação de um efetivo aumento de produção, limitando-se a exigir um nexo de causalidade entre o investimento realizado e o objetivo de incrementar a respetiva capacidade produtiva instalada (em conformidade com os objetivos prosseguidos por este regime de incentivos ao investimento).”
iii). A ilegalidade autónoma da liquidação de juros compensatórios.
III -POSIÇÃO DA REQUERIDA
A Requerida na sua Resposta pugna pela legalidade das liquidações impugnadas, apresentando os seus argumentos relativamente a cada uma das questões invocadas pela Requerente.
A Requerida por sua vez defende que a alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro não é inconstitucional, referindo que a referida Portaria tem natureza meramente regulamentar e não inovatória, limitando-se a concretizar as normas previstas no CFI e no RGIC.
Refere ainda que:
“O RFAI consubstancia um benefício fiscal regulado no CFI que opera por dedução à coleta, enquadrado, nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 2 do CFI, como um regime de auxílio com finalidade regional “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.
E continua o seu raciocínio invocando que “É o próprio direito interno, neste artigo 1.º, n.º 2 do CFI, que convoca (ainda que tal não se afigurasse necessário) os “termos do Regulamento”, tal como o regime anterior, do RFAI 2009, mencionava a correspondente fonte europeia, à data, o Regulamento (CE) n.º 800/2008.”
“… se o RGIC constitui o diploma base e o parâmetro de validade do quadro regulatório dos auxílios estatais conferidos pelos Estados-Membros, impondo-se como fonte legal, de patamar superior, à face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e do princípio do primado do direito da União; o RFAI e a Portaria n.º 297/2015 são instrumentos de execução e de densificação do quadro normativo dos auxílios com finalidade regional contido no RGIC (v. artigo 1.º, n.º 1, alínea b)) e nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.”
Quanto à elegibilidade dos investimentos realizados pela Requerente no decurso dos exercícios de 2018 e de 2019 para efeitos de aplicação do RFAI, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro.
Depois de efetuar uma breve súmula do enquadramento legal, que nacional, quer comunitário, inerente à verificação dos requisitos de elegibilidade dos investimentos efetuados pela Requerente, nos exercícios de 2018 e 2019, no que aos moldes diz respeito, a Requerida defende que:
“a alínea a) do n.º 2 do artigo 22.º do CFI estabelece que se consideram aplicações relevantes, nomeadamente os investimentos, desde que afetos à exploração da empresa, em ativos fixos tangíveis adquiridos em estado novo, com exceção dos indicados nas subalíneas i) a vi) do mesmo normativo, salvo se se enquadrarem em alguma das exceções aí previstas, caso em que também serão elegíveis como aplicações relevantes.
Para delimitação das aquisições elegíveis para o RFAI, há ainda que atender ao n.º 5 do artigo 22.º do CFI, nos termos do qual “considera-se investimento realizado, o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de ativos fixos tangíveis, de ativos intangíveis, e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso”. Em consequência, o SP deverá igualmente demonstrar este incremento.
(...)
Assim, de acordo com a alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro, os benefícios fiscais inerentes ao RFAI, para além de terem que se qualificar como aplicações relevantes nos termos dos n.ºs 2 e 5 do artigo 22.º do CFI, têm que integrar o conceito de “investimento inicial”, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC, considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
Na densificação do conceito de “aplicações relevantes”, o número 2 do artigo 3.º da Portaria 297/2015 exige: “Nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200% o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.".
O n.º 4 do artigo 22.º do CFI exige, para efeitos de benefício dos incentivos fiscais do RFAI, a verificação cumulativa das condições de elegibilidade dele constantes, das quais destacamos as seguintes que indiciam a necessária natureza estratégica que deve revestir o investimento:
. Uma relativa aos investimentos. “c) a manutenção “na empresa e na região durante um período mínimo de três anos a contar da data dos investimentos, no caso de micro, pequenas e médias empresas tal como definidas na Recomendação n.º 2003/361/CE, da Comissão, de 6 de maio de 2003, ou cinco anos nos restantes casos, os bens objeto do investimento ou, quando inferior, durante o respetivo período mínimo de vida útil, determinado nos termos do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro, alterado pelas Leis n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro, e 2/2014, de 16 de janeiro, ou até ao período em que se verifique o respetivo abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização, observadas as regras previstas no artigo 31.º-B do Código do IRC”.
. Outra das condições respeita à exigência da criação de postos de trabalho proporcionados pelo investimento e a respetiva manutenção: “f) Efetuem investimento relevante que proporcione a criação de postos de trabalho e a sua manutenção até ao final do período mínimo de manutenção dos bens objeto de investimento, nos termos da alínea c)”.”
“…e, no que respeita à "diversificação da produção", A... não logrou cumprir com a imposição legal prevista no Art.º 3.º, n.º 2 da Portaria 297/2015, uma vez que para que os investimentos realizados em 2018 e 2019 pudessem ser considerados Aplicações Relevantes tais investimentos teriam que exceder em 200%, pelo menos, o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.”
A Requerida conclui, que os investimentos em causa não são considerados aplicações relevantes, pois deveriam exceder o valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados em 200%, pelo menos, o que não acontece, pelo que os valores referentes à “diversificação de produção” dos períodos de 2018 e 2019 devem ser desconsiderados.
Face à caracterização da atividade avançada pela própria empresa, a Entidade Requerida conclui que da simples aquisição dos moldes não resulta um aumento da capacidade, referindo que a mesma apenas poderia ser alcançada se essa aquisição fosse acompanhada de uma ou mais máquinas que permitisse o aumento do número de linhas de produção, pois e citamos:
“…cada máquina apenas permite operar 12 estações (moldes) ao mesmo tempo, sendo que não é pelo facto de existirem mais Moldes que a A... vai conseguir produzir mais, pois as duas máquinas existentes e as sete linhas de produção são as mesmas, estando limitadas à sua própria capacidade máxima.”
c) Em face deste incumprimento pretendeu, em sede de exercício do direito de audição e no presente pedido arbitral, o “reenquadramento” daquele mesmo investimento em Moldes, como "o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente”;
d) Porém, sem cuidar de provar que se encontram preenchidos todos os requisitos e condições exigíveis para que possa usufruir do RFAI, decorrente de um “investimento inicial”, enquadrável no “aumento de capacidade de um estabelecimento já existente”.
A Requerida entende que não ficou provado pela Requerente, de que forma o investimento realizado poderá ter sido indutor do aumento capacidade de produção instalada.
A Requerida considera que:
“…o investimento realizado pela requerente não poderia proporcionar o aumento de capacidade instalada, porque não visou instalar capacidade de produção adicional, ou seja, não visou equipamentos produtivos que permitissem incrementar a capacidade de produzir mais unidades de produto comparativamente à que decorre dos equipamentos pré-existentes. Na verdade, cremos que os investimentos tiveram por função a substituição de equipamentos pré-existentes; os moldes em causa, cujo investimento foi objeto de exclusão, não têm por objetivo aumentar a capacidade do estabelecimento, antes se trata de equipamento que veio substituir outro equipamento de igual natureza e função.”
A AT entende que “O investimento realizado pela requerente destinou-se, somente, a substituir ou melhorar equipamentos pré-existentes. Mas sem a aquisição de equipamento produtivo adicional (como por exemplo, a aquisição de uma ou mais máquinas que permitissem o aumento do número de linhas de produção), nunca se poderia concluir que aumentou a capacidade de produção instalada, como demonstrado no RIT.”
A AT conclui que “…o investimento realizado pela requerente nos anos de 2018 e 2019 referente aos Moldes em análise, não é elegível para efeito do RFAI.”
A Requerida defende a legalidade autónoma do ato de liquidação de juros compensatórios, e afirma “A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência), cfr. acórdão do STA de 2/2/2022, proferido no processo n.º 0671/18.1BELLE.”
Porque considera improcedente o pedido de anulação das liquidações em causa, a entidade Requerida entende também que deve igualmente improceder o pedido da Requerente com referência aos juros indemnizatórios.
IV - SANEAMENTO
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.
V - MATÉRIA DE FACTO
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos e o processo administrativo.
Ademais, é de salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e Resposta da Requerida) e à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a. Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao design, à produção automatizada e à comercialização de artigos de vidro, nomeadamente, de copos, cálices, canecas e outros artigos de mesa e de decoração (RIT).
B. A Requerente encontra-se certificada pela norma ISO ... («Design, produção e comercialização de vidro de mesa, por processo automática») e coletada, desde 2008, pelo exercício da atividade de Cristalaria (CAE principal 23132) e de Comércio por grosso de louças em cerâmica e em vidro (CAE secundário 46441) (RIT).
C. A unidade fabril da Requerente, localizada na Zona Industrial da ..., tem uma área superior a 18 mil metros quadrados, é composta por 2 fornos de fusão de vidro, com uma capacidade diária de 130 toneladas de vidro fundido (podendo chegar às 160 toneladas), e por sete máquinas rotativas (linhas de produção), cada uma destas com utilização simultânea de 12 ferramentas («moldes») para moldação/produção de artigos de vidro. (matéria não controvertida e que consta do RIT).
D. A Requerente adquiriu em 2018 e 2019, entre outros ativos, moldes em estado novo. (matéria não controvertida e que consta do RIT).
E. Os moldes adquiridos pela Requerente em 2018 e 2019 apresentam características físicas e técnicas (v.g. material e design do molde, acabamento da superfície e tolerâncias dimensionais) diferenciadas e melhoradas, por comparação aos moldes pré-existentes (facto aceite pelas partes).
F. A aquisição de novos moldes não determinou a inutilização, nem abate ou substituição dos moldes pré-existentes. (facto admitido por ambas as partes).
G. A Requerente quantificou os seguintes indicadores:
i). Quantidade de vidro fundido

ii). Quantidade de vidro/gotas cordadas

iii). Eficiência de produção

iv). Quantidade de peças produzidas

(esta quantificação, apesar de não demonstrada, foi aceite pela AT, que apenas questionou as conclusões que delas extraiu a Requerente).
H. O investimento realizado pela Requerente na aquisição dos novos moldes ascendeu ao valor de € 769.703,16, em 2018, e de € 741.267,80, em 2019 (cf. procedimento administrativo).
I. O investimento em novos moldes para produção e comercialização de novas referências ascendeu a € 522.482,23, em 2018, e a € 350.544,99, em 2019 (cf. procedimento administrativo).
J. Com a aquisição de moldes para produção e comercialização de novas referências, a Requerente não diversificou a sua produção (facto declarado pela Requerente e que a AT não pôs em causa).
K. A Requerente considerou, inicialmente, o valor assim investido para efeito de apuramento do benefício fiscal ali previsto tendo tipificado o mesmo como «diversificação de produção», vindo mais tarde a qualificá-lo como investimento relacionado com o «aumento de capacidade de estabelecimento já existente») (cf. doc. 2 - Declaração Modelo 22 do IRC do exercício de 2019).
L. A Requerente inscreveu no Quadro 074, do Anexo D, da declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2019, os seguintes valores (cf. doc. 2):

M. Às dotações dos períodos de 2018 e 2019, correspondem as seguintes aplicações, consideradas pela Requerente como relevantes, para efeitos de RFAI, conforme consta do Anexo D da declaração Modelo 22 de IRC do ano de 2019 (cf. doc. 2).

N. No que se refere ao investimento aplicado na aquisição de moldes em estado novo e correspondentes dotações nos períodos de 2018 e 2019, foram considerados os seguintes valores (cf. doc. 2):

O. Em 27 de abril de 2023, teve início uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, ao abrigo da Ordem de Serviço da Direção de Finanças de Leiria n.º OI2023..., de 27 de janeiro de 2023 (cf. RIT).
P. Em 1 de novembro de 2023, a AT notificou a Requerente do Projeto de Relatório de Inspeção, no âmbito do qual forem propostas correções nos seguintes domínios (cf. RIT):
“i) «Gastos não aceites no período de 2019 / a depreciar»;
ii) «Periodização do lucro tributável»;
iii) «Tributação autónoma de IRC»;
iv) «Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI)»;
v) «Exportação não comprovada / sem documentos alfandegários apropriados».
R. No referido Projeto de Relatório, a proposta de correção respeitante ao crédito fiscal do RFAI ascendeu ao montante global de € 397.958,67, decomposto nos seguintes termos (cf. doc. 1):
“i) € 211.995,67, referente ao crédito fiscal do RFAI apurado no período de tributação de 2018, que, por insuficiência de coleta, transitou e foi deduzido no período de tributação de 2019;
ii) € 185.962,98, relativo ao crédito fiscal do RFAI apurado no período de tributação de 2019, que, por insuficiência de coleta, foi deduzido parcialmente nesse ano, tendo o remanescente sido reportado para os períodos seguintes.”
S. A maior parte do valor da correção ao crédito fiscal do RFAI, no indicado valor de € 397.958,67, diz respeito à dotação correspondente ao investimento na aquisição de moldes em estado novo, no valor de € 377.742,74 (cf. RIT).
T. O fundamento apresentado no Relatório para tal correção resulta do facto de que tal investimento, tipificado pela Requerente como «diversificação de produção» não exceder o valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados em qualquer um dos períodos de tributação em causa, que é de 200% (cf. RIT).
U. Em reunião de regularização voluntária realizada em 18 de outubro de 2023 nas instalações da Direção de Finanças de Leiria, a Requerente aceitou as seguintes propostas de correção (cf. RIT):
i) € 19.569,90, respeitante ao crédito fiscal do RFAI apurado no período de 2018, decorrente de investimentos considerados de substituição e investimentos em instalações sociais;
ii) € 646,03, referente ao crédito fiscal do RFAI apurado no período de 2019, decorrente de investimentos na manutenção de software.
V. Em 5 de dezembro de 2023, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária (RIT) em cujo âmbito a AT manteve a correção aos créditos fiscais relacionados com o investimento na aquisição de moldes em estado novo, no valor global de € 377.742,74 (cf. RIT).
W. Do identificado RIT consta o nomeadamente o seguinte:
“Por n/ e-mail de 2023-03-29 15:03 h A... foi informada quais os elementos relacionados com o RFAI que deveriam disponibilizar (apenas e só após início dos atos externos de inspeção):
"9. Regime Fiscal de Apoio ao Investimento - Quanto às dotações dos períodos de 2018 e 2019, respetivamente, € 833.494,09 e € 363.158,77: (i) Descrição do investimento inicial, indicando designadamente os objetivos, áreas de intervenção e os principais investimentos, bem como o respetivo enquadramento numa das tipologias previstas na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015 (ii) Identificação da data e custo de aquisição de todas as aplicações relevantes, bem como listagem das faturas que titulem a respetiva aquisição, indicando o n.º interno da contabilidade (iii) Cálculo dos benefícios fiscais aplicado às aplicações relevantes (iv) Identificação de outros auxílios de Estado concedidos às mesmas aplicações relevantes, por exemplo Projetos de Investimento (v) Comprovação da criação de postos de trabalho resultante das aplicações relevantes.".
Em 2023-04-17 A... apresentou alguns dos elementos solicitados, a saber:
» Memória descritiva do RFAI 2018 - Anexo 8;
» Memória descritiva do RFAI 2019 - Anexo 9;
» folha de cálculo Excel, com detalhe das condições, tipologia do investimento inicial, resumo do investimento inicial, detalhe do investimento inicial (por documento) e criação de emprego, tudo isto referente ao período de 2019. Não foram enviados elementos referentes ao período de 2018.
Por n/ e-mail de 2023-05-04 12:49 h A... foi solicitada a enviar o ficheiro Excel referente ao RFAI 2018 (análogo ao disponibilizado para o período de 2019, que não envio sido entregue).
Por e-mail de 2023-05-31 10:29 h A... remeteu folha de cálculo Excel, com resumo do investimento inicial e detalhe do investimento inicial (por documento), tudo isto referente ao período de 2018.
Efetuada uma primeira análise destes elementos (de 2018 e 2019) constatou-se que os investimentos subjacentes, classificados pela A..., estão relacionados com o "aumento da capacidade de um estabelecimento já existente" e com a "diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento", nos termos exigidos pelo Art.º 2.º, n.º 2, al. d) da Portaria 297/2015 - Âmbito de aplicação do RFAI.
Apesar da existência de diferentes "Investimentos Iniciais" nos períodos de 2018 e em 2019, A... não quantificou, nem indicou por cada um dos documentos a que tipologia de "Investimentos Iniciais" respeitam, nos termos do Art.º 2.º, n.º 2, al. d) da Portaria 297/2015.
Por inerência, não apresentou ou efetuou a demonstração legalmente exigida, nos termos do Art.º 3.º, n.º 2 da Portaria 297/2015 - Aplicações relevantes (quanto à diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento).
Face às restrições existentes, por notificação eletrónica, entregue na caixa postal eletrónica do ViaCTT em 2023-07-12, A... foi solicitada a entregar:
"6. Quanto aos Registos de Bens de Investimento, vulgo "fichas dos ativos tangíveis e intangíveis", extraídos diretamente do software de gestão dos Ativos (em formato eletrónico): Entregar a informação no formato já disponibilizado (por WeTranfer em 2023-04-17 » #06_Dados Mestres-2019 (fichas).xlsx) mas com adição das seguintes colunas: Depreciações/Amortizações do Período e Depreciações/Amortizações Acumuladas (ficheiros reportados a 2019-12-31, 2018-12-31 e 2017-12-31). …".
"25. RFAI - Relativamente às aplicações relevantes de 2018 e 2019, respetivamente € 3.333.976,34 e € 1.452.635,07, identificar por n.º de documento interno e quantificar, aquelas que respeitam a "diversificação da produção (produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento já existente".".
Mais tarde, sem que os elementos em causa tenham sido integralmente entregues, foram novamente solicitados, conforme n/ e-mail de 2023-09-19 15:23 h:
"6. Quanto aos Registos de Bens de Investimento, remeteram os dados reportados a 2019-12-31. Porém, não enviaram os dados reportados a 2018-12-31 e 2017-12-31, o que solicitamos mais uma vez.".
"25. RFAI - Relativamente às aplicações relevantes de 2018 e 2019, respetivamente € 3.333.976,34 e € 1.452.635,07, identificar por n.º de documento interno e quantificar, aquelas que respeitam a "diversificação da produção (produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento já existente" (Não foram remetidos quaisquer elementos, o que aguardamos).".
Por e-mail de 2023-10-12 07:46 A... remeteu os elementos solicitados.
Com base nestes elementos foram elaborados os seguintes mapas:
» RFAI 2018 (apurado pela A...) - Detalhe das Aplicações Relevantes - Anexo 10;
» RFAI 2019 (apurado pela A...) - Detalhe das Aplicações Relevantes - Anexo 11.
Aqui chegados detalha-se o RFAI de 2018 e de 2019, por tipologia de "Investimento Inicial", de acordo com apuramento efetuado pela A... .

Salienta-se que todas as Aplicações Relevantes (2018 e de 2019) respeitantes à "diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento", doravante apenas "diversificação da produção", correspondem ao item 865 - Moldes, previsto na Tabela I do Decreto-Regulamentar 25/2009 - Regime das Depreciações e Amortizações.
No que respeita à "diversificação da produção", os valores das Aplicações Relevantes nos períodos de 2018 e de 2019 foram de 769.703,16 € e de 741.267,80 €, respetivamente.
Conforme delimita o Art.º 3.º, n.º 2 da Portaria 297/2015 - Aplicações relevantes:
"Nos casos em que o investimento inicial consista na diversificação da atividade de um estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200% o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.".
Ou seja, para que as Aplicações Relevantes nos períodos de 2018 e de 2019 possam ser consideradas em sede de RFAI, estas devem exceder em, pelo menos, 200% o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento (ou seja, respetivamente, 2017 e 2018, quanto às Aplicações Relevantes de 2018 e de 2019).
Na coluna 2 do quadro seguinte resumem-se os valores líquidos contabilísticos dos ativos que são reutilizados (Moldes), registados nos períodos de tributação anteriores ao do início da realização dos investimentos. Constam também as Aplicações Relevantes de 2018 e de 2019.
Os ativos (Moldes) reutilizados estão detalhados nos Anexos 12 e 13, reportados a 2017-12-31 e a 2018-12-31, respetivamente. (Nota: destes anexos foram excluídos os itens dos ativos reutilizados considerados totalmente depreciados em 2017-12-31 e em 2018-12-31)

Da análise do quadro anterior comprova-se que, no que respeita à "diversificação da produção", A...não logrou cumprir com a imposição legal prevista no Art.º 3.º, n.º 2 da Portaria 297/2015, uma vez que para que os investimentos realizados em 2018 e 2019 pudessem ser considerados Aplicações Relevantes tais investimentos teriam que exceder em 200%, pelo menos, o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.
Ora, tendo presente que:
» relativamente ao período de 2018 o investimento apenas representou 49,85% do valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, à data de 2017-12-31;
» relativamente ao período de 2019 o investimento apenas representou 55,21% do valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, à data de 2018-12-31,
os investimentos tipificados como "diversificação da produção" nos períodos de 2018 e de 2019 não são considerados Aplicações Relevantes, pois deveriam exceder o valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados em 200%, pelo menos.
Em consequência, os valores referentes à "diversificação da produção" dos períodos de 2018 e de 2019 devem ser desconsiderados, conforme montantes indicados nas colunas 5 e 6 do quadro anterior.
X. Face ao que antecede, os valores do RFAI a corrigir, nos termos do Art.º 22.º, n.º 2 do CFI e Art.º 3.º, n.º 3 da Portaria 297/2015, são:

Y. A Autoridade Tributária praticou os atos tributários de demonstração de liquidação de IRC n.os 2023..., 2023..., 2023... e 2024..., de liquidação de juros compensatórios n.os 2023..., 2023 ... e 2024 ... e, bem assim, de demonstração de acerto de contas n.os2023..., 2023..., 2023 ... e 2024..., relativos, respetivamente, aos exercícios de 2019, 2020, 2021 e 2022 (Docs. 3 a 10).
Z. A Autoridade Tributária notificou a Requerente das demonstrações das liquidações dos juros compensatórios, das quais constam, designadamente, as disposições legais aplicáveis, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado (Docs. 3 a 10).
AA. Nos dias 22 de janeiro de 2024, 26 de janeiro de 2024, 30 de janeiro de 2024 e 20 de fevereiro de 2024 a Requerente procedeu ao pagamento dos valores apurados nos referidos atos tributários (Docs. 11 a 16).
BB. A Requerente deduziu, em 28 de maio de 2024, Reclamação Graciosa contra a correção aos créditos fiscais relacionados com o investimento na aquisição de moldes em estado novo, no valor global de € 377.742,74 (Doc. 17).
CC. Requerente foi notificada, através de tramitação eletróncia viactt, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa proferida em 9 de setembro de 2024 pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Leiria (Doc. 18).
b) Factos dados como não provados.
Não há factos não provados relevantes para a decisão.
VI - DO DIREITO
A título introdutório entende o presente Tribunal que deve, desde já, referir que se reserva, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) (Vide Acórdão do Pleno da 2.ª Secção do STA, de 07.06.1995, Recurso n.º 5239), artigos 607.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 123.º, 1.ª parte, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicáveis ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), ao direito de apreciar apenas os argumentos formulados pelas partes que entende pertinentes para a apreciação da questão aqui em causa, o que fará depois de ter identificado as partes e o objeto do litígio, ter enunciado as questões decidendas, e, depois de fundamentar a decisão discriminando os factos provados e os não provados, mais, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes e, por fim, apresentando a sua conclusão final e a decisão relativa ao pedido arbitral.
Vejamos,
A). Questões decidendas
1. São as seguintes as questões que importa dirimir no contexto dos presentes autos:
a). A alínea d) do nº. 2 do artigo 2º. da Portaria 297/2015, de 21 de setembro sofre de inconstitucionalidade orgânica, por legislar sobre benefícios fiscais que ultrapassam o âmbito de aplicação do nº. 2 do art.º 22º, do CFI, não tendo tal medida sido aprovada por diploma da Assembleia da República, em violação do princípio da legalidade tributária e da reserva de lei consagrados nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa («CRP»), sendo, por essa razão, inaplicável o requisito adicional aí consagrado?
b). Não sendo posta a causa a aplicação da identificada Portaria, os investimentos realizados pela Requerente no decurso dos exercícios de 2018 e de 2019 com a aquisição de dois moldes são elegíveis para efeitos de aplicação do RFAI, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro?
c). Sofre de alguma ilegalidade autónoma o ato de liquidação de juros compensatórios?
Vamos por partes
B). Pressupostos da Decisão
i). A inconstitucionalidade orgânica alínea d) do nº. 2 do artigo 2º. da Portaria 297/2015, de 21 de 21 de setembro.
Este é o primeiro tema relativamente ao qual a posição das partes diverge, já que será diferente a conclusão a extrair quanto à elegibilidade em sede de RFAI dos investimentos em causa, consoante se entenda como aplicável ou não a identificada Portaria.
Caso se entenda que a mesma não é aplicável ao caso concreto, por força da alegada inconstitucionalidade orgânica, tudo se resumiria, na aplicação da lei aos factos, apenas ao disposto no nº. 2 do artº. 22º. do CFI, diploma que considera como aplicações relevantes os investimentos em ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, desde que afetos à exploração da empresa.
Por outro lado, caso se venha a entender que não há vício de inconstitucionalidade orgânica que possa impedir a aplicação do disposto na Portaria em causa, aos requisitos de elegibilidade acima referidos no CFI teríamos que acrescentar os que constam do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, que veio determinar, à posteriori, que o RFAI apenas seria aplicável aos — aí — denominados investimentos iniciais, estabelecendo que:
«Os benefícios fiscais previstos no artigo 23.º do Código Fiscal do Investimento apenas são aplicáveis relativamente a investimentos iniciais, nos termos da alínea a) do parágrafo 49 do artigo 2.º do RGIC [i.e., do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014], considerando-se como tal os investimentos relacionados com a criação de um novo estabelecimento, o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente, a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente».
Ou seja, nestas circunstâncias, teríamos de estar também perante investimentos iniciais relacionados com:
i). a criação de um novo estabelecimento;
ii). o aumento da capacidade de um estabelecimento já existente;
iii). a diversificação da produção de um estabelecimento no que se refere a produtos não fabricados anteriormente nesse estabelecimento, ou
iv). uma alteração fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente».
Ficaram anteriormente expostos os argumentos defendidos por cada uma das partes relativamente a esta matéria, pelo que importa ao Tribunal decidir.
Sabendo que o RFAI constitui um benefício fiscal regulado pelo CFI, importa atender que o mesmo é considerado como um regime de auxílio com finalidade regional, nomeadamente nos termos do Regulamento (EU) nº. 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno.
Importa também ter em conta o disposto no próprio CFI, que referencia expressamente que esta legislação se enquadra nos termos do regulamento comunitário, aplicado em cada período da sua vigência.
Trata-se, pois, de apurar se o RGIC é diretamente aplicável no caso da análise dos requisitos de elegibilidade dos investimentos em sede de RFAI, nomeadamente por se tratar ou não de um investimento inicial e não só.
Seguindo a Acórdão do CAAD proferido no Proc. nº. 546/2020-T é esta a questão que imporá analisar primeiramente. Assim:
“Interessa começar por apreciar este último argumento, pois, caso se conclua pela aplicabilidade do RGIC ao RFAI, nomeadamente do seu artigo 2.º, parágrafo 49, alínea a), está encontrado o suporte legal da condição relativa ao “investimento inicial”. Este entendimento resulta da conjugação do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição, segundo o qual “[a]s disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União”, com o artigo 288.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), que determina o caráter geral dos regulamentos e a sua obrigatoriedade e aplicabilidade direta em todos os Estados-Membros, ou seja, dispensando a transposição para o direito interno (acompanha-se, neste âmbito, a fundamentação das decisões arbitrais proferidas nos processos n.º 545/2018-T, de 23 de maio de 2019, e n.º 427/2020-T, de 28 de setembro de 2021).”
Para de seguida acrescentar:
“Assim, o RGIC, além do propósito de isentar certos auxílios de Estado da obrigação de notificação, define os princípios e diretrizes que devem servir de enquadramento à ação legislativa dos Estados-Membros nesta área, fazendo parte do respetivo quadro regulatório. Os referidos princípios e diretrizes, ao constarem de regulamento adotado pela Comissão Europeia, são, como atrás referido, obrigatórios em todos os seus elementos e diretamente aplicáveis em todos os Estados-Membros, como expressamente reitera o artigo 59.º do RGIC.”
E continua:
“O RFAI consubstancia um benefício fiscal regulado no CFI que opera por dedução à coleta, enquadrado, nos termos previstos no artigo 1.º, n.º 2 do CFI12, como um regime de auxílio com finalidade regional “nos termos do Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 16 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílio compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado, publicado no Jornal Oficial da União Europeia, n.º L 187, de 26 de junho de 2014 (adiante Regulamento Geral de Isenção por Categoria ou RGIC)”.
E a transcrita Decisão do CAAD vai mais longe ao afirmar que:
“Se porventura restassem dúvidas, o próprio direito interno, neste artigo 1.º, n.º 2 do CFI, convoca (ainda que tal não se afigurasse necessário) os “termos do Regulamento”, tal como o regime anterior, do RFAI 2009, mencionava a correspondente fonte europeia, à data, o Regulamento (CE) n.º 800/2008.
É, pois, no contexto institucional e normativo do RGIC que devem ser interpretados e aplicados o CFI e a Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, como salientam as decisões arbitrais n.ºs 545/2018-T 13 e 427/2020-T supra citadas.”
Para concluir:
“Nestes termos, não procede o argumento da Requerente de inaplicabilidade das condições estabelecidas no RGIC ao RFAI, uma vez que, como acabado de descrever, o primeiro constitui o diploma base e o parâmetro de validade14 do quadro regulatório dos auxílios estatais conferidos pelos Estados-Membros, impondo-se como fonte legal, de patamar superior, à face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 da Constituição e do princípio do primado do direito da União. Desta forma, há que concluir que o RFAI e a Portaria n.º 297/2015 são instrumentos de execução e de densificação do quadro normativo dos auxílios com finalidade regional contido no RGIC (v. artigo 1.º, n.º 1, alínea b)) e nos artigos 107.º a 109.º do TFUE.
Não vislumbra este Tribunal razão par se afastar desta conclusão e da essência da argumentação que a suporta, aliás partilhada por outras decisões do CAAD nesse mesmo sentido, sem que a Requerente tenha logrado apresentar argumentos que a permitam refutar ou jurisprudência em sentido contrário.”
Acrescenta, assim, a mesma Decisão que não se pode defender a dita inconstitucionalidade orgânica por duas ordens de razões:
“A primeira deriva de a Portaria em causa ter natureza meramente regulamentar e não inovatória, limitando-se a concretizar as normas previstas no CFI e no RGIC, i.e., estando a coberto de normas legais habilitantes, no âmbito do exercício de poderes administrativos (não legiferantes - v. também o artigo 112.º da Constituição).”
E a segunda:
“….prende-se com a conceção, expressa na declaração de voto no processo arbitral n.º 545/2018-T, de que a atividade regulamentadora, sendo “mediada pela lei, não é suscetível de entrar em colisão direta com a Constituição e é, antes de inconstitucional, ilegal”.
Conclusão acompanhada por este Acórdão:
“Assim, o vício da Portaria, caso existisse (que não existe), não representaria uma violação das normas constitucionais mencionadas, situando-se num plano inferior, de ilegalidade.
Improcede, por isso, o primeiro argumento invocado pela Requerente.
Resolvida a questão da aplicação dos requisitos constantes da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, com o devido enquadramento e legitimação na legislação comunitária aplicável e devidamente recebida no ordenamento jurídico interno, passamos de seguida à análise da segunda questão identificada.
ii). A elegibilidade dos investimentos realizados pela Requerente no decurso dos exercícios de 2018 e de 2019 para efeitos de aplicação do RFAI nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Portaria 297/2015, de 21 de setembro.
Face ao decido no ponto anterior, a Requerente admite agora que para além do que se encontra previsto no CFI quanto à matéria em causa, também haverá que ter em consideração o disposto na identificada Portaria e o seu devido enquadramento comunitário.
Ou seja, não lhe compete apenas demonstrar, para efeitos da sua elegibilidade em sede de RFAI, que se trata de um investimento num ativo fixo tangível adquirido em estado de novo e afeto à exploração da sua unidade industrial, mas algo mais.
E esse mais, tem a ver com o facto de se tratar de um investimento inicial, e para além de terem de se relacionar com um novo investimento, tem de conduzir a um aumento da capacidade de um investimento existente, a uma diversificação da produção de um estabelecimento para produtos não produzidos anteriormente no estabelecimento, ou ainda a uma mudança fundamental do processo de produção global de um estabelecimento existente.
De referir que a Requerente procedeu inicialmente à tipificação dos investimentos por si efetuados, no que à sua elegibilidade para efeitos do RFAI diz respeito, invocando expressamente que com os mesmos visavam obter uma “diversificação da produção”.
Não vamos abordar a elegibilidade dos investimentos em causa esta luz, porquanto foi a própria requerente que alterou no seu enquadramento, como não contestou a argumentação apresentada, pela autoridade tributária que considerava não estarem reunidos pelo investimento concreto os requisitos necessários para que o mesmo fosse considerado como enquadrado no domínio de uma suposta “diversificação de produção”.
Recordemos, que para tal se exigia à Requerente, no caso de um investimento inicial que consista na diversificação da atividade do estabelecimento existente, as aplicações relevantes devem exceder em, pelo menos, 200%, o valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, tal como registado no período de tributação anterior ao do início da realização do investimento.
Efetivamente, face aos números apurados pela Requerente e constantes do RIT, a AT conclui do seguinte modo:
“Ora, tendo presente que:
» relativamente ao período de 2018 o investimento apenas representou 49,85% do valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, à data de 2017-12-31;
» relativamente ao período de 2019 o investimento apenas representou 55,21% do valor líquido contabilístico dos ativos que são reutilizados, à data de 2018-12-31,
Concluindo:
“os investimentos tipificados como "diversificação da produção" nos períodos de 2018 e de 2019 não são considerados Aplicações Relevantes, pois deveriam exceder o valor líquido contabilístico dos ativos reutilizados em 200%, pelo menos.”.
Situação com a qual a Requerente se conforma, tendo provavelmente tal circunstância estado na origem da derivação da sua argumentação para o domínio da comprovação da elegibilidade dos seus investimentos tentando enquadrar os mesmos no “aumento da capacidade de um investimento existente”.
Se logrou ou não alcançar esse desiderato, é o que o Tribunal vai apurar de seguida.
Para o conseguir, a Requerente teria de provar que se trata de um investimento inicial, e não de um investimento de substituição, e que do mesmo e em função da sua natura resultou um efetivo aumento da capacidade produtiva da sua unidade industrial.
Vejamos, por isso, em que contexto surge a aquisição de dois novos moldes e quais os pressupostos que levaram a Requerente a concretizar a sua compra (não relevamos, como se referiu, o facto de a mesma ter sido norteada, inicialmente, pela necessidade de diversificação da produção, enquadramento posteriormente afastado).
Atentemos nalguns aspetos relevantes assinalados pela Requerente:
a). A Requerente dedica-se à produção automatizada e à comercialização de artigos de vidro, nomeadamente, de copos, cálices, canecas e outros artigos de mesa e de decoração;
b). A unidade fabril da Requerente, é composta por:
i). 2 fornos de fusão de vidro, com uma capacidade diária de 130 toneladas de vidro fundido (podendo chegar às 160 toneladas), e por
ii). sete máquinas rotativas (linhas de produção), cada uma destas com utilização simultânea de 12 ferramentas («moldes») para moldação/produção de artigos de vidro.
c). Cada referência dos artigos de vidro por si fabricados carece de um conjunto específico de moldes;
d). Tendo em vista a sua consolidação e o reforço da sua presença nos diversos mercados de atuação, a Requerente adquiriu em 2018 e 2019 dois moldes em estado de novo:
e). No entender da Requerente, a capacidade instalada da fábrica, antes da aquisição dos novos moldes, não estava a ser totalmente utilizada (em razão do volume e das limitações técnicas dos moldes pré-existente (negrito nosso);
f). Principais objetivos da aquisição dos moldes:
i). obter ganhos de eficiência na respetiva produção e, com isso, incrementar a capacidade global de produção;
ii). aumentar a capacidade produtiva de artigos já existentes;
iii). expandir a produção de novos artigos.
g). Os novos moldes adquiridos têm características físicas e técnicas diferentes por comparação com os pré-existentes, gerando os seguintes impactos:
i). nos níveis de qualidade dos produtos comercializados;
ii). no aumento da eficiência de produção, reduzindo o consumo de vidro, de energia e de tempo de produção;
iii). Ampliação do ciclo de reutilização de moldes, com a consequente redução do seu desgaste;
iv). Aumento da capacidade produtiva da unidade fabril;
A Requerente adquiriu capacidade de produção de 23 novas referências de produtos.
h). A aquisição de novos moldes não determinou a inutilização, nem abate ou substituição dos moldes pré-existentes.
i). Caso se mantivesse a utilização recorrente no processo produtivo dos mesmos moldes existentes (sem a aquisição de novos moldes, para uso alternado no processo produtivo), atendendo a que os mesmos são sujeitos a altos níveis de temperatura, pressão e choque térmico, tal iria acelerar substancialmente a degradação dos moldes existentes, com um impacto direto na qualidade da produção (crescimento no volume de inconformidades) e, por isso, na capacidade instalada.
Tudo para que a Requerente possa concluir que:
“o investimento na aquisição de moldes em estado novo nos anos de 2018 e 2019, amentou, em si mesmo e sem mais, a capacidade produtiva instalada da Requerente.”
Vejamos, agora, como pretendeu a Requerente fazer prova do alegado, dúvidas não restando de que essa aprova a si competia.
Recordemos as diligências feitas pela AT no decurso do procedimento administrativo e da ação de inspeção (Vd. RIT), muitas das vezes sem uma resposta cabal e muito menos pronta, por parte do sujeito passivo, que não permite à Requerente colocar em causa, como pretende, o respeito pala AT do princípio do inquisitório.
Para demonstrar não só o aumento da capacidade produtiva, mas igualmente um “efetivo incremento na produção”, a Requerente levou ao processo diversos indicadores, recolhido entre os anos de 2013 e 2019, os dois últimos referentes à concretização do investimento.
Referia-se que estes indicadores, levado ao processo pela Requerente, não foram postos em causa pela Autoridade Tributária, e constam do probatório, divergindo as partes apenas quanto aos termos da comparação desses indícios face a uma média dos anos anteriores (2013 a 2016) – como pretende a Requerente -, e apenas pelos dados do último exercício anterior à compra dos moldes (2017) -, como defende a Requerida.
São estes os indicadores selecionados pela Requerente:
Quantidade de vidro fundido, quantidade de vidro/gotas cortadas, eficiência de produção, quantidade de peças produzidas.
Acontece que, para um destes indicadores a Requerente extraiu conclusões que apontam no sentido do seu incremento generalizado, tudo em resultado da aquisição dos identificados moldes:
A saber:
i). Quantidade de vidro fundido
Em 2018.
A média alcançada no período compreendido entre 2013 e 2017 foi de 43.407 toneladas, enquanto que a quantidade alcançada foi de 43.929 toneladas, verificando-se, por conseguinte, uma variação + 7,2%;
Em 2019
Foi atingida a meta de 44.070 de toneladas, contra a média de 43.929 toneladas alcançada no período compreendido entre 2018 e 2019, verificando-se, assim, uma variação de + 0,3 nesse ano de 2019.
ii). quantidade de vidro/gotas cortadas
Em 2018
e verifica uma variação de + 8,7% (no período compreendido entre 2013 e 2017 a média alcançada foi de 41.122 toneladas, ao passo que em 2018 foram alcançadas 44.715 toneladas)
Em 2019
A variação foi de + 0,7% em 2019 (enquanto no período compreendido entre 2013 e 2018 foram alcançadas 41.721 toneladas, em 2019 a quantidade atingida foi de 42.009 toneladas).
iii). Eficiência de produção;
Em 2018
Verifica-se uma variação de + 0,7% (a média alcançada no período de 2013 a 2017 foi de 80,3, ao passo que em 2018 foi de 80,8);
2019
Verifica-se uma variação de + 2,4% (ou seja, 80,4 no período de 2013 a 2018, contra 82,3 em 2019).
iv). quantidade de peças produzidas.
Em 2018
Verifica-se um aumento de produção, com uma variação de + 9,8% (101.735.685 de artigos produzidos em 2018, contra a média de 92.697.092 de peças produzidas entre 2013 e 2017)
Em 2019
Verifica-se uma variação de + 5% em 2019 (98.900.930 peças produzidas em 2019, contra 94.203.524 de peças produzidas no período compreendido entre 2013 e 2018).
Por seu turno, a AT, sem pôr em causa os números apresentados, procede a uma diferente análise, já que entende que não se pode colocar em confronto a média dos anos de 2013 a 2016, com a média dos anos em que aos investimentos foram efetuados (2018/2019), mas sim devem ser comparados os dados do ano de 2017 – situação anterior ao investimento com o ano – com os dados de 2019, ano da conclusão dos investimentos, tudo com base no seguinte Quadro:
Para daqui extrair a conclusão de que:
“Não obstante os dados subjacentes aos indicadores escolhidos pela A... não terem sido validados, conclui-se que, quando comparados os indicadores do período anterior ao início do RFAI com os indicadores no termo do RFAI, se verificam diminuições nas (i) Toneladas de vidro fundidas (ii) Toneladas de vidro - gotas cortadas e nas (iv) Quantidades produzidas.
Apenas o indicador (iii) Eficiência de produção apresenta um aumento”
Contudo, a AT entende que este último indicador não pode ser lido isoladamente. E aponta as razões para tal:
“» os outos três indicadores são negativos e indicam claramente que a A... produziu menos 2.339.619 peças;
» haverá que perceber a diversificação da produção, as características das peças produzidas, tudo isto em conjugação com a diminuição de 712 toneladas de vidro fundidas e com a diminuição de 353 toneladas de gotas cortadas.
Acresce que, com exceção dos valores mencionados no Quadro V.1.4-E e no Anexo 18, os valores dos "investimentos iniciais" referentes a "aumento da capacidade" foram fiscalmente aceites, o que implica dizer que a A... aproveitou do benefício fiscal de RFAI com dotações no valor de 621.498,40 € e 177.195,79 €, respetivamente em 2018 e 2019. Pelo que, apesar de os números claramente demonstrarem um não "aumento da capacidade", a parte destes "investimentos iniciais" fiscalmente aceites que respeitam ao "aumento da capacidade"estará também a contribuir para um eventual "aumento da capacidade".”
A Requerida defende a sua posição invocando que não pode ser apenas e exclusivamente da aquisição de novos moldes que a Requerente consegue um “aumento de capacidade” da sua unidade industrial.
E defende que:
“Tal conclusão resulta de restrições inerentes à atividade da A...; em primeiro lugar da capacidade instalada dos dois fornos, depois das sete máquinas (linhas de produção) - pois cada máquina apenas utiliza 12 estações (moldes) de cada vez, sendo que não é pelo facto de adquirir mais moldes, só por si, que consegue o "aumento da capacidade", uma vez que a sua utilização está limitada aos dois fornos e às sete máquinas.”
Importa também atender ao facto de que a Requerente já tinha efetuado outros “investimentos iniciais, aceites fiscalmente, como acima se referiu, e mesmo assim os mesmos estão aquém da capacidade instalada “… pois produziu 44.070 toneladas em 2019 (120,74 toneladas diárias) quando afirma ter capacidade instalada de 130 toneladas diárias (podendo chegar às 160 toneladas diárias).”.
Ou seja, a Requerida vai mais longe e defende que:
“Ora, no caso do investimento em Moldes, é nosso entendimento de que o mesmo só poderá ser classificado como "aumento da capacidade" se a aquisição de Moldes fosse acompanhada da aquisição de uma ou mais máquinas que permitissem o aumento do número de linhas de produção, pois como está bem claro, cada máquina apenas permite operar 12 estações (moldes) ao mesmo tempo, sendo que não é pelo facto de existirem mais Moldes que a A... vai conseguir produzir mais, pois as duas máquinas existentes e as sete linhas de produção são as mesmas, estando limitadas à sua própria capacidade máxima.”
Por outro lado, importa ter em atenção que a Requerente questiona a posição da Requerida, porquanto entende que mesmo que se aceitasse a metodologia indicada par análise dos indicadores constantes do Processo, aceitando as comparações que a AT defende, os valores sempre permitiriam validar um aumento da capacidade produtiva, porquanto a AT não expurgou desses cálculos, os diversos dias de paragem de laboração de um dos fornos (10 dias), quer de uma das linhas (187 dias).
Ora, para além do facto de não constarem do processo provas dessas paragens, a natureza da atividade envolvida, a qualidade dos materiais e a sua utilização intensiva, dado que, por exemplo, os Moldes pré existentes não teriam a qualidade dos posteriormente adquiridos, sempre permitiria concluir que nos anos entre 2013 e 2016, com os quais a Requerente pretende comparar o aumento de produção de 2018/2019, também seria muito provável que outras paragens tivessem ocorrido e desse modo influenciado os números desses anos.
Sendo que qualquer um dos critérios poderia perfeitamente ser aceite para demonstrar o aumento da capacidade produtiva, a prova apresentada pela Requerente não é suficientemente credível para quantificar devidamente esse aumento, e assim confirmar a ilegibilidade do investimento em causa.
Tendemos a acompanhara posição da Requerida, porquanto tal aumento resultaria mais evidente se, conjuntamente com os moldes, o investimento em causa abrangesse outros equipamentos industriais cuja inserção no processo produtivo fossem considerados de maior relevância para se atingirem tais propósitos empresariais, nomeadamente em relação às próprias linhas de produção.
E sempre assim seria, mesmo que se considerasse que estamos perante um investimento novo, e não de substituição.
Razão pela qual, também quanto a esta matéria, improcedem os argumentos apresentados pela Requerente.
iii). A ilegalidade autónoma do ato de liquidação de juros compensatórios.
Como se referiu, a Requerente entende que a liquidação de juros compensatórios padece, de motu próprio, de vícios determinantes da sua ilegalidade, nomeadamente com base na falta de fundamentação, e isto também porque tais juros só serão de liquidar no caso de haver prejuízo para a Fazenda Pública e por facto imputável - a título de culpa, portanto - ao sujeito passivo, conforme jurisprudência que cita.
Para concluir que essa culpa da Requerente no retardamento da correspondente liquidação de IRC teria de ser apreciada ou, pelo menos, objeto de ponderação, por parte da Administração Tributária, no Relatório de Inspeção, o que a Requerente entende a AT não ter feito (negrito nosso).
Dado que a própria Requerente entende que a culpa deveria ser objeto de ponderação, temos que adiantar que tal foi feito pela AT, porquanto nos termos do relatório de inspeção tributária e na demonstração de liquidação: “A AT imputa ao contribuinte o facto de não ter declarado rendimentos nos termos descritos, o que implica que o contribuinte motivou o atraso da liquidação, uma vez que não declarou, no momento próprio todos os rendimentos sujeitos a tributação, sendo que é ainda apontado que o sujeito passivo pretendeu retirar vantagem patrimonial da não liquidação, entrega ou pagamento de imposto, (…), o que significa que pode ser afirmada a culpa dos Recorrentes nos termos descritos, pela singela razão de que existia facto tributário que obrigava aquela à liquidação, visto tratar-se de operações tributáveis nos indicados termos fixados na própria sentença que, nessa parte, não foi posta em crise.” (acórdão do STA de 2/2/2022, proferido no processo n.º 0671/18.1BELLE).”
Por outro lado, quanto à falta de fundamentação da liquidação destes juros importa ponderar que Autoridade Tributária notificou a Requerente das demonstrações das liquidações dos juros compensatórios, as quais evidenciam todos os elementos necessários à sua perceção, designadamente, as disposições legais aplicáveis, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado.
Improcede, por isso, a alegada ilegalidade, por falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, tem igualmente Autoridade Tributária no seu Relatório ponderado a culpa do sujeito passivo, que esteve na base das correções efetuadas à matéria coletável dos exercícios em causa.
Pelo exposto, em síntese decide este Tribunal Arbitral:
a) Improcede o vício da alegada inconstitucionalidade orgânica alínea d) do nº. 2 do artigo 2º. da Portaria 297/2015, de 21 de 21 de setembro, porquanto os requisitos constantes da Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro, têm o devido enquadramento e legitimação na legislação comunitária aplicável e devidamente recebida no ordenamento jurídico interno, sem ferir as normas constitucionais invocadas.
b) Improcede o alegado erro de facto ou de direito relativamente à correção efetuada à matéria coletável do IRC dos exercícios de 2018 e 2019, no montante de € 377.742,74 (trezentos e setenta e sete mil setecentos e quarenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos), porquanto, mesmo que se considerasse que estamos perante um investimento inicial, não fica provada o aumento da capacidade produtiva da unidade industrial da Requerente, apenas e exclusiva e diretamente derivada da aquisição de dois novos moldes.
c) Improcede, também, a alegada ilegalidade, por falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios, porquanto a AT notificou a Requerente das demonstrações dessas liquidações, das quais constam, designadamente, as disposições legais aplicáveis, o valor do imposto sobre que incidem, o período temporal em que são aplicáveis, a taxa e o valor apurado, tendo igualmente a Autoridade Tributária no seu Relatório ponderado a culpa do sujeito passivo, que esteve na base das correções efetuadas à matéria coletável dos exercícios em causa.
VII – DO REEMBOLSO E DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A decisão sobre estes pedidos fica prejudicado, considerando a improcedência total do pedido arbitral.
VIII – DECISÃO
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido e em consequência:
a) Indeferir o pedido de anulação dos atos tributários que consistiram na correção à matéria coletável do IRC do montante de € 377.742,74 (trezentos e setenta e sete mil setecentos e quarenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos), e na anulação parcial da liquidação de IRC dos exercícios de 2018 e 2019;
b) Indeferir o pedido de anulação dos atos de liquidação de juros compensatórios;
c) Indeferir, consequentemente, face à manutenção do ato impugnado, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
d) Condenar a Requerente no pagamento das custas
IX - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 377.742,74 (trezentos e setenta e sete mil setecentos e quarenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos) nos termos artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, porquanto o mesmo corresponde ao valor das correções á matéria coletável do IRC que estão em causa.
X - CUSTAS
Custas a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 6.426,00 (seis mil quatrocentos e vinte e seis euros).
Notifique-se.
Lisboa, 3 de outubro de 2025
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Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro - Presidente)
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(Paulo Mendonça - Adjunto)
(Jorge Carita - Adjunto e Relator)