SUMÁRIO:
I – Não está regularmente representado o Fundo Requerente que não demonstra a identidade da sua entidade gestora.
II – Não estando regularmente representado o Requerente, deve a Requerida ser absolvida da instância arbitral.
Os Árbitros Victor Calvete (Presidente), Maria Alexandra Mesquita e Nuno Pombo, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral Coletivo, decidem o seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A..., Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português..., com sede em..., ... Düsseldorf, Alemanha (“Requerente” ou “Fundo”), veio, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL com vista à apreciação da legalidade, em termos imediatos, do indeferimento de pedido de revisão oficiosa que pugnava pela ilegalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, por si indevidamente suportados, a título definitivo, incidentes sobre dividendos de fonte portuguesa, que constituem, assim, o objeto mediato dos presentes autos arbitrais.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Autoridade Tributária” ou “AT").
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) e automaticamente notificado à AT no dia 17.12.2024.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.° e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.°, ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 05.02.2025, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral encontra-se, desde 25.02.2025, regularmente constituído e é materialmente competente (pelo menos no que respeita aos atos tributários dos anos de 2022 e 2023, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, ambos do RJAT.
O n.º 1 do artigo 3.º do RJAT dispõe que “a cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes actos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”. No caso em apreço, mostram-se preenchidos os requisitos legais para que seja admitida a presente cumulação de pedidos – abrangendo a presente impugnação as retenções na fonte de IRC referentes aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 efetuadas na esfera do Requerente – uma vez que é inequívoca a identidade de tributos, sendo certo que o presente pedido tem por base para todos os períodos de tributação a desconformidade da legislação nacional em que assentam os atos tributários sindicados com o direito comunitário, em particular com os princípios da não discriminação e da liberdade de circulação de capitais
Notificada para o efeito, a Requerida, apresentou a sua resposta a 24.03.2025.
Por despacho arbitral de 31.03.2025 foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e marcado prazo para a resposta às exceções suscitadas pela AT, tendo a Requerente respondido por requerimento de 02.05.2025.
A 30.05.2025, foi proferido o seguinte despacho arbitral:
“Tendo em conta:
1. Que, como se admite logo no primeiro artigo do Pedido de Pronúncia Arbitral (PPA), o A... é um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituído sob a forma contratual e não societária.
2. Que tal corresponde a uma das possibilidades que o artigo 1.º da Directiva 2009/65/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009 admite:
“3. Os organismos a que se refere o n.º 2 podem, por força da respectiva lei nacional, assumir a forma contratual (fundos comuns de investimento geridos por uma sociedade gestora) ou de trust(unit trust) ou a forma estatutária (sociedade de investimento).”.
3. Que no Considerando 6 da Directiva 2009/65/CE se escreve o seguinte:
“Caso uma disposição da presente directiva preveja que um OICVM [Organismo de Investimento Colectivo em Valores Mobiliários] pratique um determinado acto, essa obrigação deverá ser entendida como aplicando-se à sociedade gestora se o OICVM tiver sido constituído como fundo comum por uma sociedade gestora e se esse fundo não tiver personalidade jurídica e não puder, consequentemente, agir por sua própria iniciativa.”,
e que essa previsão tem expressão no n.º 3 do artigo 6.º do nosso Regime da Gestão de Ativos:
“3 - Salvo se outro sentido resultar da disposição em causa, quando no presente regime sejam constituídos deveres ou imputadas atuações a:
a) Organismo de investimento coletivo, deve entender-se como sujeito do dever ou objeto de imputação a sociedade gestora (…)”.
4. Que, em Portugal, o artigo 3.º do Regime da Gestão de Ativos, anexo ao Decreto-Lei n.º 27/2023, de 28 de Abril, determina que
“Os organismos de investimento coletivo, consoante tenham ou não personalidade jurídica, assumem a forma:
a) Societária, de sociedade de investimento coletivo; ou
b) Contratual, de fundo de investimento.”.
5. Que, ainda que o A... tenha personalidade tributária na ordem jurídica nacional, resulta do regime jurídico europeu e nacional (e, eventualmente, também do alemão) que o exercício de quaisquer direitos que os OICVM possam ter, bem como o cumprimento dos seus deveres, cabe às respectivas sociedades gestoras.
6. Que, certamente por isso, a procuração junta aos autos foi emitida por dois procuradores autorizados a representar uma outra entidade (B...);
7. Que, porém, no pedido de revisão oficiosa apresentado pelo A..., não se fez qualquer referência à sua entidade gestora, nem esta teve qualquer intervenção no processo;
8. Que no pedido de pronúncia arbitral o A... não faz qualquer referência à sua entidade gestora, nem esta teve qualquer intervenção no processo;
Devem Requerente e Requerida pronunciar-se, no prazo de 15 dias, sobre a questão da legitimidade e regularidade do presente PPA.
Por requerimento de 23.06.2025, a AT entendeu ser procedente a exceção dilatória de falta de personalidade do Requerente ou, caso assim não se entenda, que procede a exceção de falta de constituição de advogado ou de representante legal por parte do autor e falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação arbitral, uma vez que os alegados representantes do Requerente que constam da procuração emitida a favor dos seus mandatários em Portugal, tinham poderes de representação da entidade “...” (cf. “Deed No. 0580/2024”, constante da Procuração junta com o PPA) e não da própria Requerente, que gera falta, insuficiência ou irregularidade do mandato, podendo a falta da sua regularização ter como consequência ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário.
Por seu turno, o Requerente, por requerimento de 24.06.2025, pronunciou-se sobre a questão da regularidade, referindo que o fundo, sendo desprovido de personalidade jurídica, é sempre representado pela sua entidade gestora, que o vincula perante terceiros, alegando que as duas pessoas que outorgaram a procuração a favor dos seus mandatários vinculam a respetiva sociedade gestora, estando, portanto, o Requerente regularmente representado em juízo. No que respeita à legitimidade, referiu que os conceitos específicos aplicáveis ao contencioso tributário, relevantes para a verificação dos pressupostos processuais, são os conceitos de personalidade judiciária tributária e a capacidade judiciária tributária, não sendo relevante para este efeito aferir se o fundo tem ou não personalidade jurídica (conceito com claro pendor jus-civilista, com relevância para outras matérias). Ora, é entendimento generalizado que um organismo de investimento coletivo tem personalidade e capacidade judiciárias.
Por despacho de 18.08.2025 foi prorrogado, por 2 meses, o prazo para a prolação da decisão.
II. DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
II.1 Posição do Requerente
O Requerente fundamenta o seu pedido nos seguintes termos:
a) O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
b) O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país.
c) O Requerente detém investimentos financeiros em Portugal, consubstanciados na detenção de participações sociais em sociedades residentes, para efeitos fiscais, em Portugal.
d) Nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

e) Nos referidos anos, o Requerente, na qualidade de acionista das ditas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos sujeitos a tributação em Portugal, por se tratar do Estado da fonte de obtenção dos mesmos.
f) Nos anos em causa, o Requerente recebeu dividendos e suportou em Portugal IRC por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:


g) Conforme resulta do quadro mencionado no ponto acima, o Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 a quantia total de imposto de EUR 74.801,73, a qual constitui objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
h) O Requerente entende que Portugal ao sujeitar, à data dos factos tributários em análise, a retenção na fonte em IRC os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal aos OIC estabelecidos em Estados Membros da União Europeia, simultaneamente isentando de tributação a distribuição de dividendos a OIC estabelecidos e domiciliados em Portugal viola, de forma frontal, o artigo 63.º do Tratado para o Funcionamento da União Europeia (doravante “TFUE”).
i) Assim, no dia 09.05.2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, solicitando a anulação dos mesmos por vício de ilegalidade, por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal.
j) Todavia, no passado dia 16.09.2024, o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, fundada no entendimento de que “(…) não cabe à AT, invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável” e na convicção de que “embora o requerente seja residente fiscal na Alemanha, não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.”
k) No que diz respeito ao regime interno de tributação dos dividendos, sempre que os mesmos são pagos por uma entidade residente a um sujeito passivo residente em Portugal, tais rendimentos estão sujeitos a retenção na fonte por conta do imposto devido a final a uma taxa de 25% (cfr. artigos 94.º, n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b) e 94.º, n.º 4, todos do CIRC).
l) O artigo 22.º, n.º 1, do EBF prevê que “São tributados em IRC, nos termos previstos neste artigo, os fundos de investimento mobiliário, fundos de investimento imobiliário, sociedades de investimento mobiliário, sociedades de investimento imobiliário que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.
m) Por força do disposto no n.º 3 do referido preceito legal, os OIC constituídos de acordo com a legislação nacional estavam, à data dos factos tributários, isentos de IRC sobre dividendos obtidos.
n) Nos casos de distribuição de dividendos por parte de sociedades residentes em Portugal a OIC não constituídos ao abrigo da lei portuguesa, os rendimentos obtidos em Portugal estão sujeitos a retenção na fonte liberatória a uma taxa de 25%, tal como preceituado nos artigos 94.º n.º 1 alínea c), 94.º n.º 3 alínea b), 94.º n.º 4 e 87.º n.º 4 também do CIRC, não beneficiando do regime previsto no artigo 22.º do EBF, ao passo que nos casos de dividendos distribuídos a OIC constituídos ao abrigo da lei portuguesa, tais rendimentos estão isentos de imposto, ao abrigo do regime previsto (à data dos factos e ainda atualmente) no artigo 22.º do EBF.
o) Existe, pois, uma diferença de tratamento conferida pela legislação fiscal portuguesa, entre os OIC residentes e os OIC não residentes, na tributação de dividendos de fonte portuguesa e um tratamento desfavorável por um Estado Membro dos dividendos pagos a entidades não residentes face ao tratamento favorável reservado aos dividendos pagos às entidades aí residentes é inequivocamente suscetível de dissuadir as entidades não residentes de realizarem investimentos nesse Estado Membro, constituindo uma restrição à livre circulação de capitais proibida, em princípio, pelo artigo 63.º do TFUE.
p) “[A] necessidade de preservar a coerência do regime fiscal nacional não pode, por conseguinte, ser invocada para justificar a restrição à livre circulação de capitais induzida pela legislação nacional em causa no processo principal”, que é em tudo idêntico ao caso dos presentes autos arbitrais (cfr. AllianzGI-Fonds AEVN, C-545/19, parágrafo 81).
q) É entendimento pacífico e unânime que o Direito da UE prevalece sobre o direito ordinário nacional, encontrando o primado do Direito da UE respaldo na CRP, nomeadamente no artigo 8.º, n.º 4.
r) O dever de anulação dos atos tributários ora sindicados decorre diretamente do reconhecimento expresso por parte do TJUE do carácter ilegal do regime fiscal em vigor até à presente data.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
INIMPUGNABILIDADE DOS ATOS TRIBUTÁRIOS DE RETENÇÃO NA FONTE (RENDIMENTOS DE 2020 E 2021)
a) Entende a Requerida verificar-se a exceção de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte (relativamente aos rendimentos de 2020 e 2021), por ser intempestivo o pedido de constituição do tribunal arbitral/caducidade do direito de ação relativamente aos atos tributários de retenção na fonte dos dividendos auferidos em 2020 e 2021.
b) O regime do artigo 98.º, n.º 7 do Código do IRC é especial em relação ao consagrado nos artigos 132.º da LGT e 137.º do Código do IRC, previsto para a generalidade de retenções na fonte.
c) O legislador criou um sistema especifico de reembolso de retenções na fonte com dois anos de prazo, já a pensar exatamente no facto de que iria ser dirigido a não residentes.
d) O prazo de quatro anos a favor do contribuinte por erro imputável aos serviços visou repor uma situação de igualdade entre a administração e os contribuintes, apenas para os casos em que o prazo de reclamação era de apenas 4 meses, atualmente 120 dias.
e) Atendendo ao termo do prazo de entrega do imposto retido pelas guias dos períodos identificadas nos autos sempre se dirá que o prazo previsto no n.º 1 do art.º 78.º da LGT para o pedido por iniciativa do requerente já se encontrava ultrapassado, em relação às guias submetidas nos períodos de 2020 e 2021, na medida em que, tratando-se do (i) substituído tributário, (ii) tendo a retenção na fonte sido efetuada a título definitivo e, (iii) tendo invocado retenção indevida de imposto, é de aplicar o disposto no n.º 3 do art.º 137.º do CIRC (norma especial face ao art.º 132.º n.ºs 3 e 4 do CPPT).
INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
a) Nos termos do disposto no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112/2011, de 22 de Março, a AT vinculou-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida, referidas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, “com excepção de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.”.
b) Como bem refere Jorge Lopes de Sousa, “a competência dos Tribunais Arbitrais compreende a apreciação de pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, retenção na fonte e pagamento por conta de tributos cuja administração seja cometida à AT, desde que tenham sido precedidos de recursos à via administrativa prévia necessária, prevista nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código do Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)”.
c) Relativamente ao pedido de revisão oficiosa, constata-se que o Requerente – na qualidade de substituído tributário, pede que o Tribunal Arbitral aprecie, pela primeira vez, as retenções na fonte efetuadas pelo substituto tributário sem que tenha desencadeado procedimento de reclamação graciosa nos termos do artigo 132.º do CPPT, tendo em conta que o pedido de revisão foi intempestivo, uma vez que deixou precludir o prazo de 2 anos aí previsto.
d) Ora, não tendo o pedido de anulação das retenções na fonte dos referidos anos sido precedido, em prazo, de reclamação graciosa necessária, o Tribunal Arbitral carece de competência para apreciar a (i)legalidade das mesmas, ainda que o Requerente tenha apresentado um pedido de revisão oficiosa no prazo de 4 anos.
e) Tal situação impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT.
f) Ainda que assim não seja entendido, mantém-se a impossibilidade, por incompetência material, do Tribunal Arbitral para o conhecimento in casu, da (i)legalidade das retenções na fonte uma vez que elas não foram efetuadas pela AT, nem a AT relativamente à sua alegada ilegalidade alguma vez se pronunciou.
g) De resto, compulsado o pedido de revisão oficiosa apresentado, não se retira do mesmo que o Requerente tenha invocado erro de direito imputável à AT, ou que, tendo-o invocado, o comprove invocando, designadamente, que as retenções na fonte se deveram a orientações ou instruções da AT. Pelo contrário. O que se retira do pedido apresentado é que as retenções na fonte terão sido feitas conformes à lei e que o cumprimento desta importa, no entender do Requerente, uma restrição discriminatória ao princípio da livre circulação de capitais, contrária ao artigo 63.º do TFUE.
h) O ónus da prova dos factos constitutivos de direitos cabe a quem os invocar. Assim, revogado que foi o n.º 2 do artigo 78.º da LGT, que estabelecia a presunção de que se considerava “imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação”, e dispondo a lei nova para o futuro (cf. artigo 12.º do Código Civil), o pedido de revisão oficiosa com fundamento em “erro imputável aos serviços”, incluído no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, passou a exigir, também no caso de autoliquidação, ao contribuinte a prova da imputabilidade aos serviços do erro que invoca.
i) Nos termos do artigo 78.º da LGT, são diferentes os prazos e os fundamentos da revisão do ato tributário, consoante esta seja efetuada pelo sujeito passivo ou pela AT.
j) No que aos prazos respeita, no caso de revisão dos atos tributários ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, o pedido terá que ser apresentado no prazo da reclamação administrativa, sendo de quatro anos quando a iniciativa cabe à AT, servindo apenas para os casos de erro imputável aos serviços.
k) Sempre que o contribuinte opte pelo pedido de revisão, não tem quatro anos para o fazer, mas o prazo da reclamação graciosa E quando, como é manifestamente o caso dos autos, não tenha havido erro imputável aos serviços na liquidação, preclude, com o decurso do prazo de reclamação, o direito de o contribuinte obter a seu favor a revisão do ato de liquidação.
l) A decisão proferida em sede de procedimento de revisão pode, ou não, comportar a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
m) A forma processual de reação contra o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa pode ser a impugnação judicial ou a ação administrativa especial, consoante a decisão comporte, ou não, a apreciação da legalidade do ato de liquidação.
n) O Tribunal Arbitral vai ter que analisar os pressupostos de aplicação do mecanismo da revisão oficiosa, uma vez que in casu, inexiste, não prova o Requerente, a existência de qualquer erro de direito, imputável à AT que justificasse a revisão da liquidação, ou seja, o Tribunal vai ter de decidir se o Requerente estava ainda em tempo de apresentar o pedido de revisão oficiosa, tendo em conta a existência de erro imputável aos Serviços.
o) O Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se o indeferimento do pedido de revisão oficiosa violou, ou não, o artigo 78.º da LGT e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de revisão foram, ou não, bem aplicados pela AT.
POR IMPUGNAÇÃO
a) Sendo o Requerente um OIC e um sujeito passivo não residente para efeitos fiscais em Portugal, sem qualquer estabelecimento estável em território português, deverá o peticionado ser julgado improcedente.
b) Recorrendo ao Acórdão Schumacker (processo C-279/03), o direito internacional admite que, em matéria de impostos diretos, as relações entre residentes e não residentes não são comparáveis, pois apresentam diferenças objetivas do ponto de vista do rendimento, da capacidade contributiva e da situação familiar ou pessoal, sendo certo que a discriminação só acontece quando estamos perante a aplicação de regras diferentes a situações comparáveis ou de uma mesma regra a situações distintas.
c) O TJUE tem entendido que o facto de determinado Estado-membro não conceder a não residentes certos benefícios fiscais que concede a residentes, apenas pode ser discriminativo, na medida em que residentes e não residentes não se encontram numa situação comparável.
d) No caso em apreço, as alegadas diferenças de tratamento encontram-se plenamente justificadas dentro da sistematização e coerência do sistema fiscal português.
e) O TFUE refere expressamente que «a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE]».
f) O Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, veio proceder à reforma do regime de tributação dos OIC, ficando estes sujeitos passivos de IRC excluídos na determinação do seu lucro tributável dos rendimentos de capitais, prediais e mais valias, referidos nos artigos 5.º, 8.º e 10.º do Código do IRS, conforme prevê o n.º 3 do artigo 22.º do EBF a que acresce a isenção das derramas municipal e estadual, conforme n.º 6 da mencionada norma legal. Contudo, foi criada uma taxa em sede de Imposto do Selo incidente sobre o ativo global líquido dos OIC. Está também prevista a tributação autónoma à taxa de 23%, nos termos do n.º 11 do artigo 88.º, do Código do IRC e do n.º 8 do artigo 22.º do EBF, dos dividendos pagos a OIC com sede em Portugal, quando as partes sociais a que respeitam os lucros não tenham permanecido na titularidade do mesmo sujeito passivo, de modo ininterrupto, durante o ano anterior à data da sua colocação à disposição e não venham a ser mantidas durante o tempo necessário para completar esse período.
g) Esta reforma na tributação veio apenas a incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF, dela ficando excluídos os OIC constituídos e que operem ao abrigo de uma legislação estrangeira.
h) Por isso, no presente caso, não parece estarmos em presença de situações objetivamente comparáveis, porquanto a tributação dos dividendos opera segundo modalidades diferentes e nada indica que a carga fiscal que onera os dividendos auferidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º, do EBF, possa ser mais reduzida do que a que recai sobre os dividendos auferidos em Portugal pelo Requerente.
i) E ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Requerente não possa vir a ser recuperado pelos investidores.
j) O artigo 63.º do TFUE visa assegurar a liberalização da circulação de capitais dentro do mercado interno europeu e entre este e países terceiros, portanto, proíbe qualquer restrição ou discriminação que resulte do tratamento fiscal diferenciado concedido pelas disposições da lei nacional a entidades de Estados-membros ou de países terceiros que crie condições financeiras mais desfavoráveis a estes últimos e seja suscetível de os dissuadir de investir em Portugal.
k) No entanto, para se avaliar se o tratamento fiscal aplicado aos dividendos obtidos em Portugal é menos vantajoso do que o tratamento fiscal atribuído aos dividendos obtidos pelos OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF e se tal diferenciação é suscetível de afetar o investimento em ações emitidas por sociedades residentes, teria de ser colocado em confronto o imposto retido na fonte, com carácter definitivo, à taxa de 15%, e os impostos – IRC e Imposto do Selo - que incidem sobre os segundos, e que, em conjunto, podem, em certos casos, exceder 23% do valor bruto dos dividendos.
l) Além do mais, o imposto retido à Requerente poderá eventualmente dar lugar a um crédito de imposto por dupla tributação internacional tanto na esfera da Requerente, bem como na esfera dos investidores.
m) Sucede que o Requerente não esclareceu nem provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera do Requerente ou dos investidores.
n) A análise da comparabilidade entre a carga fiscal a que se encontra sujeita a Requerente relativamente aos dividendos pagos por uma sociedade residente em território português e a carga fiscal que pode incidir sobre os OIC abrangidos pelo artigo 22.º do EBF exige que sejam tidas em consideração todas as formas de tributação que podem ser aplicadas aos dividendos e às correspondentes ações.
o) Inexistindo qualquer ilegalidade sobre os atos impugnados, não há, lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.
III. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.
A Requerida tem personalidade e capacidade judiciárias, tem legitimidade e está devidamente representada (videartigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). Contudo, relativamente ao Requerente, foram suscitadas exceções dilatórias referentes à sua personalidade tributária e judiciária e à regularidade da sua representação.
Foram igualmente suscitas as exceções de inimpugnabilidade dos atos tributários de retenção na fonte referentes aos rendimentos de 2020 e 2021 e de incompetência material do tribunal arbitral.
As exceções dilatórias são suscetíveis de obstar ao conhecimento do mérito da parte da causa e determinar a absolvição parcial da instância. Essas exceções serão apreciadas após a matéria de facto razão por que a apreciação da matéria de direito terá de começar por aí.
Admite-se a cumulação de pedidos, face ao disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, sempre que, como é o caso, “a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
O processo não enferma de nulidades.
IV. FUNDAMENTAÇÃO
IV.1. Matéria de facto
Factos dados como provados
Considera-se provada a seguinte matéria de facto:
a) O Requerente é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC”), com residência fiscal na Alemanha, constituída sob a forma contratual e não societária.
b) O Requerente é um sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e sem qualquer estabelecimento estável no país (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
c) Nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:

(documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral)
d) Em 2020, o Requerente auferiu dividendos de fonte portuguesa, no montante total de € 56.349,82, tendo sofrido uma retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 25%, a qual ascendeu ao montante total de € 14.087,45, (documento n.º 2, pág.1, junto aos autos com o PPA).
e) Em 2021, o Requerente auferiu dividendos de fonte portuguesa, no montante de € 40.517,69, tendo sofrido uma retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 35%, a qual foi de € 14.181,19, (documento n.º 2, pág. 3, junto aos autos com o PPA).
f) Em 2022, o Requerente auferiu dividendos de fonte portuguesa, no montante total de € 36.377,89, tendo sofrido uma retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 35%, a qual ascendeu ao montante total de € 12.732,27, (documento n.º 2, págs.3 a 5, junto aos autos com o PPA).
g) Em 2023, o Requerente auferiu dividendos de fonte portuguesa, no montante total de € 96.573,76, tendo sofrido uma retenção na fonte, com caráter definitivo, à taxa de 35%, a qual ascendeu ao montante total de € 33.800,82, (documento n.º 2, págs. 6 a 8, junto aos autos com o PPA).
h) O Requerente suportou, em Portugal, nos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 a quantia total de imposto de EUR 74.801,73 (documento n.º 2, junto aos autos com o PPA).
i) O Requerente, não se conformando com os atos tributários de retenção na fonte que recaíram sobre os rendimentos por si auferidos em 2020, 2021, 2022 e 2023, apresentou, a 09.05.2024, pedido de revisão oficiosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC (documento n.º 3, junto aos autos com o PPA).
j) Por despacho de 11.09.2024, foi indeferido o pedido de revisão oficiosa (documento n.º 4, junto aos autos com o PPA).
Factos dados como não provados
Não ficou provado que a H... mbH seja a sociedade gestora do Requerente. Não existem quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido dados como não provados.
Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção ficou formada com base nas posições assumidas pelas Partes nas peças processuais apresentadas e nos documentos juntos aos autos.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor, cfr. n.º 1 do artigo 596.º e n.ºs 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi das alíneas a) e e) do n.º do artigo 29.º do RJAT e consignar se a considera provada ou não provada, cfr. n.º 2 do artigo 123.º do CPPT.
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC.
Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
IV. 2. Matéria de Direito
IV. 2.A. Quanto à exceção da ausência de personalidade tributária e judiciária do Requerente e da irregularidade da sua representação
Por despacho de 30.05.2025, o Tribunal Arbitral fez notar que “ainda que o A... tenha personalidade tributária na ordem jurídica nacional, resulta do regime jurídico europeu e nacional (e, eventualmente, também do alemão) que o exercício de quaisquer direitos que os OICVM possam ter, bem como o cumprimento dos seus deveres, cabe às respectivas sociedades gestoras” e “que, certamente por isso, a procuração junta aos autos foi emitida por dois procuradores autorizados a representar uma outra entidade (B...)”. Mais notou o Tribunal Arbitral que “no pedido de revisão oficiosa apresentado pelo A..., não se fez qualquer referência à sua entidade gestora, nem esta teve qualquer intervenção no processo” e “que no pedido de pronúncia arbitral o A... não faz qualquer referência à sua entidade gestora, nem esta teve qualquer intervenção no processo”.
Assim, o Tribunal Arbitral convidou Requerente e Requerida a pronunciarem-se “sobre a questão da legitimidade e regularidade do presente PPA”.
Como foi visto, a AT entendeu ser procedente a exceção dilatória de falta de personalidade [tributária] do Requerente.
Pelas razões aduzidas pelo Requerente, não lhe assiste razão. Na verdade, os conceitos específicos aplicáveis ao contencioso tributário, relevantes para a verificação dos pressupostos processuais são os conceitos de personalidade judiciária tributária e de capacidade judiciária tributária, não sendo relevante para este efeito aferir se o fundo tem ou não personalidade jurídica. É certo que o Requerente, sendo um OIC de base contratual, não dispõe de personalidade jurídica, sendo um mero acervo patrimonial.
Contudo, para aferir da legitimidade e regularidade do presente pedido de pronúncia arbitral, importa aferir da personalidade judiciária tributária e da capacidade judiciária tributária do Requerente.
Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, do CPPT, “[a] personalidade judiciária tributária resulta da personalidade tributária”. A personalidade tributária, por sua vez, consiste, nos termos do artigo 15.º da LGT, na “suscetibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias”. Por força do disposto no artigo 16.º, n.º 2, da LGT, “tem capacidade tributária quem tiver personalidade tributária”. Bem lembra o Requerente a autoridade de JORGE LOPES DE SOUSA, que ensina “têm também personalidade tributária entidades sem personalidade jurídica, como resulta do art. 2.º, n.ºs 1, alíneas b) e c), e 2, do CIRC, que contém uma fórmula ampla com potencialidade para abranger qualquer entidade que seja titular de rendimentos”[1].
Assim, é inquestionável que (i) o fundo/Requerente pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias (artigo 15.º da LGT), (ii) é titular de direitos e obrigações tributárias, (iii) possui personalidade judiciária tributária (artigo 3.º do CPPT) e, assim, (iv) é suscetível de ser parte em processos judiciais tributários.
Assunto diverso é o que respeita à regularidade da representação do Fundo, para a qual o Tribunal Arbitral chamou a atenção. Ora, como se viu, a representação, também judiciária, do Fundo é cometida à sua sociedade gestora. Portanto, o Requerente, nos presentes autos arbitrais carece de ser representado pela sociedade gestora. Entende o Requerente que é exatamente isso que sucede. Alega para corroborar essa posição que as duas pessoas que outorgaram a procuração a favor dos seus mandatários vinculam a respetiva sociedade gestora, estando, portanto, o Requerente regularmente representado em juízo.
Ora, salvo o devido respeito, o Requerente não demonstra o que alega. Na verdade, nem no pedido de revisão oficiosa nem nos pedidos de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia é referida a sociedade gestora do Fundo. O Requerente vem dizer, depois de convidado a pronunciar-se sobre esta questão, que a procuração a favor dos seus mandatários é assinada em nome da H... mbH, que é a entidade gestora do fundo Requerente. Mas não basta alegar que a entidade denominada H... mbH é a entidade gestora do Requerente. Como é evidente, haverá documentação que possa provar a identidade das entidades gestoras de quaisquer fundos de investimento. Não será o fundo Requerente exceção a esta regra. O que se esperava é que o Fundo, tendo sido suscitada a questão da regularidade da sua representação, oferecesse demonstração cabal de que estava, nos presentes autos arbitrais, regularmente representada. Sucede que não o fez. E caber-lhe-ia o ónus de demonstrar a regularidade da sua representação.
Ora, não fazendo o pedido de pronúncia arbitral originário (antes da correção realizada pelo Requerente) qualquer alusão à entidade gestora e não estando, mesmo depois da dita correção, feita prova de que a alegada entidade gestora o é efetivamente, demonstração que não se afigura difícil, forçoso é reconhecer que o fundo Requerente não está regularmente representado. E, sendo assim, não pode senão ser absolvida a Requerida da presente instância arbitral, com as devidas consequências.
Fica assim prejudicada a apreciação das demais exceções suscitadas e do mérito da pretensão do Requerente.
V. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção dilatória de irregularidade de representação do fundo Requerente e, em consequência:
a) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância arbitral; e
b) Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 74.801,73, nos termos do disposto no artigo 32.º do CPTA e no artigo 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VII. CUSTAS
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2.448,00, a suportar integralmente pelo Requerente.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de outubro de 2025
Os Árbitros,
(Victor Calvete – Presidente) – com a declaração de que preferiria ter dado preferência à constatação da inverificação dos requisitos prévios ao PPA, como decidido, vg, no Proc. 1342/2024-T.
(Maria Alexandra Mesquita - Vogal)
(Nuno Pombo – Vogal e relator)
[1] Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Volume I, Áreas Editora, 6.ª Edição, 2011, pág. 73