Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 136/2025-T
Data da decisão: 2025-10-15  IRS  
Valor do pedido: € 61.006,40
Tema: IRS. Permuta de partes sociais e regime de neutralidade fiscal.
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SUMÁRIO

I – A permuta de partes sociais é essencialmente uma troca não-monetária, assente na presunção de que os contraentes conseguem assegurar algum equilíbrio (onerosidade) das suas prestações e contraprestações, dispensando o mecanismo dos preços.

II – A neutralidade fiscal dessa permuta é um diferimento da tributação das mais-valias resultantes da troca não-monetária, que resulta de se procurar não onerar essa troca com exigências de quantificação imediata, em eventual detrimento da eficiência organizacional das empresas e da sua reestruturação.

III – Quando uma operação qualificada como “permuta” explicita montantes e contrapartidas monetárias vultuosas, como forma de assegurar a correspectividade das posições contratuais, e o equilíbrio (onerosidade) das suas prestações e contraprestações, não somente se desvirtua a sua natureza de troca não-monetária, como se viola a exigência legal de manutenção da valorização das partes sociais objecto da operação, para efeito, entre outros, de manutenção da base de cálculo das mais-valias, para o momento em que finde o diferimento da sua tributação.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

1.     Os contribuintes A..., NIF ... e B..., NIF ..., casados, doravante “os Requerentes” (ou “Sujeito Passivo A”, ou “SP A”, e “Sujeito Passivo B” ou “SP B”, respectivamente), apresentaram, no dia 6 de Fevereiro de 2025, um pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos dos artigos 2º, 1, a), e 10º, 1 e 2 do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com as alterações por último introduzidas pela Lei nº 7/2021, de 26 de Fevereiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante “RJAT”), do art. 99.º do CPPT e dos arts. 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

2.     Os Requerentes pediram a pronúncia arbitral sobre a ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS n.º 2024..., peticionando o reembolso do montante de imposto indevido, no montante total de €61.006,40, acrescido de juros indemnizatórios.

3.     O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT.

4.     O Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação.

5.     As partes não se opuseram, para efeitos dos termos conjugados dos arts. 11º, 1, b) e c), e 8º do RJAT, e arts. 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD.

6.     O Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 22 de Abril de 2025; foi-o regularmente, e é materialmente competente.

7.     Por Despacho de 22 de Abril de 2025, foi a AT notificada para, nos termos do art. 17º do RJAT, apresentar resposta.

8.     A AT apresentou a sua Resposta em 28 de Maio de 2025, juntando o Processo Administrativo.

9.     Por Despacho de 9 de Junho de 2025, foi dispensada a realização da reunião prevista no art. 18º do RJAT, tendo sido as partes notificadas para apresentarem alegações escritas.

10.  Os Requerentes apresentaram alegações em 17 de Junho de 2025.

11.  A Requerida apresentou alegações em 9 de Julho de 2025.

12.  As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, e têm legitimidade.

13.  A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e os Requerentes juntaram procuração, encontrando-se assim as Partes devidamente representadas.

14.  O processo não enferma de nulidades.

 

II – Matéria de Facto

 

II. A. Factos provados

 

Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1.     Os Requerentes apresentaram em 24/4/2021 a declaração de autoliquidação de IRS (Modelo 3), referente ao ano de 2020, com opção pela tributação conjunta dos rendimentos.

2.     Em 4/9/2024 os Requerentes foram notificados do início do procedimento inspectivo, em cumprimento da ordem de serviço OI2024... .

3.     O procedimento inspectivo foi motivado pela “Proposta de inspeção PI2024... – Controlo de mais-valias – decorrente da deteção de indícios de omissão declarativa de rendimentos sujeitos a IRS, categoria G – Mais Valias”.

4.     Identificou-se que o Sujeito Passivo A tinha transmitido, no ano de 2020, uma quota no valor nominal de €24.200,00, representativa de 48,4% do capital social da sociedade comercial com a firma C..., Lda., NIF..., (abreviadamente C...).

5.     O adquirente desta quota foi a sociedade comercial com a firma D... SGPS Lda., NIF ..., (abreviadamente D... SGPS).

6.     Os SIT concluíram que:

a transmissão ocorreu pela aquisição pela sociedade … D... SGPS da quota de 48,4%, que o SP A detinha na sociedade C..., entregando como contrapartida ao SP A uma participação no seu capital social. O SP A recebe uma quota com o valor nominal de € 14.520,00, mediante uma operação de aumento de capital por entrada em espécieconforme Acta nº 28, referente à assembleia geral da D... SGPS, de 30/06/2020 (Anexo 1), rectificada pela Acta nº 29, da assembleia geral de 30/07/2020 (Anexo 2)

7.     Essa transmissão ocorreu no contexto mais amplo de uma “operação de aumento de capital por entrada em espécie”, através da qual a sociedade D... SGPS adquiriu duas quotas, no valor nominal de €24.200,00 cada uma, correspondentes a 96,8 % do capital social da sociedade C...: uma quota de €24.200.00 do Sujeito Passivo A, e outra quota de €24.200,00 do sócio E..., NIF ... .

8.     Nessa operação, a título de preço pela aquisição da maioria do capital social (96,8%), foram entregues, aos dois sócios alienantes, duas quotas representativas do capital social da sociedade adquirente, no valor de €14.520,00 cada uma, provenientes do aumento de capital social por entrada em espécie no valor nominal de €29.040,00.

9.     Tal foi deliberado nas actas n.os 28 e 29 da AG da sociedade D... SGPS, e ficou consignado na certidão de registo comercial da sociedade D... SGPS:

AP. 16/20200722 18:54:05 UTC - AUMENTO DO CAPITAL (ONLINE) 

Montante do aumento: 29.040,00 Euros

Modalidade e forma de subscrição: realizado em espécie através da emissão de duas quotas …

Capital após o aumento: 34.040,00 Euros

Artigo(s) alterado(s): artigo 4º

10.  Lê-se na acta n.º 28, da reunião de 30/6/2020 da Assembleia Geral da D... SGPS:

Entrando no ponto único da ordem de trabalhos, após análise do relatório que se anexa à presente acta (Anexo l), emitido pelo Revisor Oficial de Contas, independente, foi deliberado, por unamidade dos sócios, realizar um aumento de capital no valor de €29.040,00 através da emissão de duas novas quotas no valor nominal de €14.520,00 cada uma, com um ágio no valor de €786.408,50, por contrapartida da entrada em espécie de duas quotas, com o valor nominal de €24.200,00 cada uma, no total de €48,400,00 de valor nominial, representativas de 96,8% do capital social da sociedade com a firma C..., Lda., pessoa coletiva nº ..., com sede na Rua ..., ..., em Évora. A relação de troca foi determinada com base nos capitais próprios das duas sociedades, constantes dos respetivos balanços à data de 31 de Dezembro de 2019, os quais se anexam à presente ata (Anexos 2 e 3), à qual é deduzido o valor de €346.283,20, correspondente a dívidas que os sócios E... e A... tinham para com a sociedade C..., Lda., e que foram transferidas para a sociedade adquirente, que as assumme a partir do momento em que for concluído o registo, na conservatória do registo comercial, do aumento de capital agora deliberado, sendo o valor de avaliação das quotas de €469,165,33 (€14.520,00 + €14.520,00 + €786.408,50 – €346.283,20)

11.  Os Requerentes julgaram que se aplicaria a esta operação o regime de neutralidade fiscal das permutas de partes de capital (art. 10.º, 10 CIRS), por estarem preenchidos os requisitos dos arts. 73.º, 5 e 77.º, 2 do CIRC.

12.  Mas os SIT entenderam não se estar perante uma permuta de partes de capital, tratando-se antes de uma transmissão onerosa de partes sociais, sujeita a tributação de mais-valias, na medida em que o Sujeito Passivo A ficou a deter uma participação na D... SGPS, em contrapartida da transferência da titularidade da quota da C..., da sua esfera jurídica para a esfera jurídica da D... SGPS.

13.  Foi assim calculado um valor de realização de €407.724,25 (a parte – metade – que coube ao Sujeito Passivo A, do total de €815.448,50, o qual corresponde ao valor nominal das novas quotas da SGPS, de €29.040,00, acrescido do ágio de €786.408,50.

14.  Por seu lado, o valor de aquisição foi calculado como o valor nominal de € 24.200,00 (48,4% do capital social daC...), resultante da entrada para a sua constituição (€ 2.400,00 em Janeiro de 2013) e de dois aumentos de capital em numerário (€ 16.800,00 em Novembro de 2013 e € 5.000,00 em Dezembro de 2019).

15.  Os Requerentes foram notificados em 25/11/2024 para exercerem o direito de audição relativamente ao projecto de RIT, direito que não exerceram.

16.  O RIT foi concluído em 12/12/2024.

17.  Os Requerentes foram notificados da liquidação adicional de IRS n.º 2024... .

18.  Os Requerentes pagaram em 21 de Janeiro de 2025 o imposto ora impugnado.

19.  No dia 6 de Fevereiro de 2025 os Requerentes apresentaram no CAAD o Pedido de Pronúncia Arbitral que deu origem ao presente processo.

 

II. B. Matéria de facto não-provada

 

Com relevância para a questão a decidir, ficou por provar que as novas participações na D... SGPS tenham continuado a ser valorizadas, para efeitos fiscais, pelo valor das antigas participações na C... .

 

II. C. Fundamentação da matéria de facto

 

1.     Os factos elencados supra foram dados como provados, ou não-provados, com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, e nos documentos juntos ao PPA.

2.     Cabe ao Tribunal Arbitral seleccionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cfr. art. 123º, 2, do CPPT e arts. 596º, 1 e 607º, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi art. 29º, 1, a) e e) do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. arts. 13.º do CPPT, 99º da LGT, 90º do CPTA e arts. 5º, 2 e 411.º do CPC).

3.     Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cfr. art. 16º, e) do RJAT, e art. 607º, 4, do CPC, aplicável ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

4.     Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cfr. art. 607º, 5 do CPC, ex vi art. 29º, 1, e) do RJAT).

5.     Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

III. Sobre o Mérito da Causa

 

III. A. Posição dos Requerentes 

 

1.     Os Requerentes começam por abordar o quadro normativo aplicável (à época dos factos) aos requisitos para a aplicação da neutralidade fiscal à permuta de partes sociais: o art. 10.º, 10 do CIRS e os arts. 73.º, 5 e 77.º do CIRC.

2.     Lembram que a permuta de partes sociais não tem correspondência com qualquer figura tipificada no Código das Sociedades Comerciais (CSC), mas que doutrinariamente se tem entendido que a figura corresponde a uma entrada em espécie (art. 28.º do CSC), e consiste numa troca de partes sociais que permite a uma sociedade (adquirente) obter, ou reforçar, uma participação no capital social de outra sociedade (adquirida) que lhe confira, ou reforce, a maioria dos direitos de voto desta sociedade – recebendo os sócios da sociedade adquirida, em contrapartida desta troca, partes sociais da sociedade adquirente, através da qual continuam a deter a sociedade adquirida (convertendo assim uma participação directa numa participação indirecta).

3.     Lembram também que, nos termos do art. 73.º, 5, do CIRC, para que uma permuta de partes sociais possa beneficiar do regime de neutralidade fiscal é necessário que configure uma operação pela qual a sociedade adquirente obtém uma participação no capital social de outra sociedade (adquirida), que lhe confira a maioria dos direitos de voto desta última, ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação maioritária, adquire nova participação na sociedade adquirida, mediante a atribuição aos sócios desta, em troca dos seus títulos, de partes representativas do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal dos títulos entregues em troca.

4.     Os Requerente sustentam que tais critérios se encontram preenchidos:

·       Na data em que ocorreu a permuta (30/6/2020), o capital social da sociedade adquirida era de €50.000,00; 

·       Na mesma data, no âmbito da operação de aumento de capital por entrada em espécie, foram transmitidas duas quotas, cada uma no valor nominal de €24.200,00, representativas de 96,8% do capital social da sociedade adquirida; 

·       Em contrapartida, os sócios da sociedade adquirida receberam quotas representativas do capital social da sociedade adquirente, provenientes do aumento de capital social por entrada em espécie no valor nominal de €29.040,00; 

·       Esta operação de permuta de partes sociais, realizada através de um aumento de capital por entrada em espécie, permitiu à sociedade adquirente (D... SGPS) passar a deter a maioria dos direitos de voto da dita sociedade adquirida ( C...).

·       Na mesma data, não só a sociedade adquirente e a sociedade adquirida eram residentes em território português, como também os sócios da sociedade adquirida eram pessoas singulares residentes nos Estados membros da União Europeia ou em terceiros Estados (especificamente, residentes em território nacional). 

5.     Lembram os Requerentes também que, nos termos do art. 10.º, n.º 10 do CIRS, a neutralidade fiscal nas operações de permuta de partes sociais depende da circunstância de os sócios da sociedade adquirida continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais da adquirente, que lhes tenham sido atribuídas em resultado da permuta, pelo valor das antigas partes sociais da adquirida – sem prejuízo da tributação relativa às importâncias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas.

6.     Tratando-se de transposição, para a ordem jurídica nacional, da Directiva do Conselho 90/434/CEE, no art. 8.º desta Directiva esclarece-se em que consiste essa “valorização”: “Por «valor fiscal» entende-se o valor que serviria de base para o eventual cálculo de um ganho ou de uma perda a considerar para efeitos de determinação da matéria colectável de um imposto sobre o rendimento, os lucros ou as mais-valias do sócio da sociedade”.

7.     E sustentam os Requerentes que o Doc. n.º 4, anexo ao PPA, demonstra que as partes sociais da D... SGPS continuam a estar valorizadas, para efeitos fiscais, pelos sócios da sociedade adquirida, pelo valor das partes sociais dessa adquirida, C... .

8.     Reconhecem que, em concreto, as duas quotas da sociedade adquirida,  C..., que foram transferidas para a sociedade adquirente, D... SGPS, tinham o valor nominal total de €48.400,00 (€24.200,00 cada uma), mas foram avaliadas por um total de €469.165,30.

9.     E que, em contrapartida, foram emitidas pela sociedade adquirente duas quotas de valor nominal total de €29.040,00 (€14.520,00 cada uma), no âmbito da operação de aumento de capital por entrada em espécie, com um prémio de emissão no valor de €440.125,30.

10.  Sustentando que a lei não exigia, como requisito para aplicação do regime de neutralidade fiscal, a absoluta igualdade entre o valor nominal das partes de capital da sociedade adquirente a entregar aos sócios da sociedade adquirida por contrapartida da permuta, e o valor pelo qual, para efeitos fiscais, se encontravam valorizadas as partes de capital da sociedade adquirida; e menos ainda qualquer equivalência entre aqueles valores e os valores de mercado daquelas partes sociais.

11.  O que, no entender dos Requerentes, autoriza ainda a aplicação do regime de neutralidade fiscal nas situações em que a entrada em espécie preveja um prémio de emissão.

12.  Concluindo os Requerentes que a aplicação do regime de neutralidade fiscal não fica prejudicada pela circunstância de, no caso em apreço, o valor fiscal das quotas entregues pelos sócios da C... não coincidir com o valor nominal das quotas da D... SGPS recebidas em troca pelos sócios, e de este valor nominal das quotas recebidas também não coincidir com o valor de mercado pelo qual foram avaliadas as quotas da sociedade adquirida, C... (em resultado de o aumento de capital da sociedade adquirente ter sido realizado com prémio de emissão).

13.  Os Requerentes sublinham que o regime de neutralidade fiscal afasta a tributação que, de outro modo, seria aplicável no momento da permuta, o momento da transmissão das partes sociais representativas do capital da sociedade adquirida. Na verdade, um mero diferimento da tributação, porque será tributado o ganho que, para os sócios, advenha da futura alienação das participações na D... SGPS que adquiriram no momento da permuta (considerando-se o valor fiscal da participação que cada um dos sócios detinha na C... como o valor de aquisição relevante, para efeitos de cômputo do eventual ganho a realizar).

14.  Assim, na interpretação dos Requerentes, a transmissão, por eles, da quota representativa do capital social da C..., no valor nominal de €24.200,00, para a sociedade D... SGPS, em resultado de permuta, realizada no âmbito de uma operação de aumento de capital por entrada em espécie, não dá lugar a qualquer tributação na sua esfera de sócio, por ser aplicável o regime de neutralidade fiscal, consagrado no art. 10º, 10, do CRS, gerando um diferimento de tributação para momento futuro em que seja alienada a participação na D... SGPS.

15.  O que tornaria errónea a qualificação dos factos tributários em que assentou a liquidação ora impugnada, devendo ser anulada nos termos do art. 99.º, a) do CPPT.

16.  Referindo-se à fundamentação apresentada no RIT, os Requerentes começam por assinalar que a situação fáctica a que se reporta o parecer técnico n.º 25941, de 27/01/2021, do departamento de consultoria da ordem dos Contabilistas Certificados é distinta daquela que é objecto dos presentes autos, convocando, por isso, um diferente enquadramento tributário: pois naquela não está em causa uma operação de aumento de capital, por entrada em espécie de partes de capital, que confira à empresa adquirente a maioria dos direitos de voto da empresa adquirida – e, portanto, aquele caso não preencheria os requisitos de que depende a aplicação do art. 10.º, 10 do CIRS, aplicando-se-lhe, pelo contrário, o regime geral de tributação.

17.  Em contrapartida, assinalam os Requerentes o perfeito paralelo com a situação (Processo n.º 4131/2017) que suscitou a Informação Vinculativa n.º 4137/2017, na qual a AT subscreveu um entendimento relativo à neutralidade fiscal que é similar àquele que, no presente caso, é defendido pelos Requerentes (o mesmo sucedendo com a Informação Vinculativa proferida no âmbito do processo n.º 24764).

18.  E defendem-se da afirmação, que consta do RIT, de que teria ocorrido incumprimento, por parte deles, de obrigações declarativas – porque, que, na situação ora em apreço, a quota alienada não foi adquirida no âmbito de operações abrangidas por regimes de neutralidade fiscal, e, por esse motivo, os Requerentes não estavam, à data dos factos, obrigados ao cumprimento de qualquer obrigação declarativa (sendo que só posteriormente, com a Portaria n.º 303/2021, de 17 de Dezembro, passou a prever-se a obrigatoriedade de os sujeitos passivos de IRS declararem as operações de transferência de partes sociais abrangidas pelo regime de neutralidade fiscal.

19.  Finalmente, porque pagaram pontualmente o imposto ora impugnado, os Requerentes reclamam juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º da LGT, e ainda dos arts. 35.º, 10 da LGT e 61.º, 5 do CPPT, e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

20.  Em alegações, os Requerentes retomam os argumentos já expendidos no seu pedido de pronúncia.

21.  E debruçam-se sobre a fundamentação da Resposta da AT, começando pelo argumento de não houve permuta por não ter ocorrido bilateralidade traduzida pela entrega, como contrapartida do que foi prestado, de um bem ou direito preexistentes – ao que os Requerentes contrapõem que a correspectividade não subentende simultaneidade, podendo ocorrer diferimento da contrapartida sem quebra da bilateralidade. Sublinhando que, no caso concreto, ocorre uma permuta de dois bens já existentes à data da ocorrência do negócio.

22.  Quanto ao argumento da AT – de que, na operação em causa, ocorreu uma compensação pecuniária que ultrapassa largamente o limite de 10% do valor das participações sociais entregues, violando os limites do art. 73.º, 5 do CIRC (ex vi art. 10.º, 10 do CIRS), e afastando, por isso, a neutralidade fiscal –, os Requerentes sustentam que se trata de fundamentação superveniente, inexistente no RIT, que transgride o princípio de que a fundamentação dos actos de liquidação deve ser contemporânea dos actos e não pode ser substituída por fundamentação sucessiva, ou “a posteriori”.

23.  No entanto, acrescenta que o argumento da AT só seria válido se os sócios tivessem recebido uma qualquer quantia em dinheiro, o que não sucedeu – além de que a assunção de dívidas dos sócios pela D... SGPS não está relacionada com a relação de troca estabelecida na operação de permuta de parte sociais consignada na acta da assembleia geral que deliberou a operação. E que, mesmo que tivesse ocorrido a alegada entrega de uma quantia em dinheiro, isso determinaria apenas uma redução do regime da neutralidade fiscal, e não o seu afastamento.

24.  Quanto à argumentação da AT, de que teria ocorrido o não cumprimento da obrigação declarativa prevista no art. 57.º do CIRS, insistem os Requerentes que antes da Portaria n.º 303/2021 não havia qualquer obrigação fiscal declarativa que tivesse sido incumprida por eles.

 

III. B. Posição da Requerida

 

25.  Na sua resposta, a Requerida sustenta que a operação em apreço não assume a natureza de permuta, antes consubstancia uma entrada em espécie para realização de capital social, nos termos do art. 28.º do CSC.

26.  Isto porque uma permuta exige uma relação contratual bilateral e sinalagmática, em que duas partes trocam, entre si, bens ou direitos de forma simultânea e recíproca (art. 939.º do Código Civil), quando, no caso vertente, a D... SGPS não entregou aos Requerentes um bem ou direito anteriormente detido, mas emitiu novas quotas representativas do aumento de capital – o que teria descaracterizado a bilateralidade típica da permuta.

27.  Logo, tratar-se-ia de uma simples transmissão onerosa de participações sociais, sujeita ao regime geral de tributação de mais-valias, previsto nos arts. 10.º, 1, a) e 43.º do CIRS, a afastar a hipótese de neutralidade fiscal e a justificar a liquidação adicional impugnada.

28.  A Requerida lembra que a não-tributação de mais-valias resultantes de permuta de partes de capital, quando inserida numa operação de reestruturação empresarial, foi prevista como facilitador de reestruturações societárias, permitindo substituir uma participação por outra, sem tributação imediata das mais-valias latentes.

29.  Mas para isso é preciso que as partes troquem entre si bens ou direitos – o que, no entender da Requerida, não sucede na realização de capital em espécie, operação na qual o sócio entrega bens (no caso, participações sociais) à sociedadecomo forma de subscrever capital — não havendo reciprocidade bilateral direta, nem simultaneidade da troca no mesmo plano contratual, visto que o objectivo é unicamente a transferência de um bem ou direito para a esfera jurídica de uma sociedade como contrapartida pela atribuição de partes do seu capital (art. 28.º do CSC).

30.  Dada a ausência de reciprocidade, a realização em espécie é tratada como uma alienação onerosa de partes de capital por parte do sócio, sujeita a tributação de mais-valias.

31.  Ora, segundo a Requerida o que aconteceu, no caso em apreço, é que os Requerentes transmitiram uma quota na sociedade C... para a sociedade D... SGPS, tendo esta emitido, a título de contrapartida, quotas representativas do seu próprio capital, subscritas no âmbito de um aumento de capital por entrada em espécie.

32.  Tratou-se de uma alienação de participações sociais a título oneroso, sendo a contrapartida o montante atribuído ao sócio no capital social da empresa, sendo que os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários constituem rendimentos de mais-valias, nos termos do art. 9.º, 1, a) e 10.º, 1, b) do CIRS.

33.  É como transmissão onerosa de partes sociais que se configura a entrada em espécie com acções de determinadas sociedades para realização do capital social de outras sociedades, uma vez que a sua titularidade se transfere da esfera jurídica do sócio para a esfera jurídica da nova sociedade, passando o sócio a deter, em contrapartida, uma participação nessa – sendo o ganho obtido no momento da transmissão constituído pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, conforme o art. 10.º, a), 3 e 4, do CIRC.

34.  O valor de realização será o valor da contraprestação, nos termos do art. 44.º, 1, f) do CIRS, ou, no caso de troca, o valor atribuído no contrato aos bens ou direitos recebidos (ou o valor de mercado, quando aquele não exista ou este for superior), acrescidos ou diminuídos da importância em dinheiro a receber ou a pagar. Mais especificamente, nestes casos de entradas em espécie para realização de capital social, a determinação dos valores de realização das participações sociais dependerá do valor que vier a ser atribuído na constituição da nova sociedade, tendo em consideração o disposto no art. 28.º do CSC.

35.  Serão rendimentos de mais-valias, nos termos dos arts. 9.º, 1, a) e 10.º, 1, b) do CIRS, os ganhos obtidos que resultem da alienação onerosa de partes sociais e de outros valores mobiliários – pelo que, na sua declaração de rendimentos de IRS de 2020, os Requerentes deveriam ter manifestado a existência de tais rendimentos em sede de categoria G – mais valias, nos termos e para os efeitos dos arts. 22.º, 3, a) e 72.º, 1, c) do CIRS, calculadas pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição dessas participações sociais, líquida da parte qualificada como rendimento de capitais, se existir.

36.  Aplicando estes princípios ao caso concreto, a Requerida lembra que as duas novas quotas da D... SGPS têm um valor global de €29.040,00, com um ágio (ou prémio de emissão) no valor de €786.408,50 – correspondendo este “ágio” à diferença entre o valor da entrada realizada por um sócio e o valor nominal da quota subscrita por esse sócio, como contrapartida por essa entrada (sendo o ágio uma revalorização da participação, corrigindo o seu valor nominal, ou de emissão, quando tal valor nominal esteja aquém do valor de mercado, ou valor real).

37.  Somando as parcelas, o valor das quotas da C..., transmitidas pelos dois sócios à VD...  SGPS, ascendem ao montante global de €815.448,50, composto pelo valor nominal das novas quotas da SGPS (€29.040,00) e pelo ágio (€786.408,50).

38.  Cabendo aos Requerentes um valor de realização que é precisamente metade daquele montante global, ou seja, €407.724,25.

39.  A Requerida insiste que é esse o valor de realização, e não um outro que posteriormente resultou do facto de a SGPS assumir as dívidas dos sócios, reduzindo o valor das quotas – o que, sublinha a Requerida, terá obviamente impacto na valoração final do ágio no capital social da SGPS, mas não no valor real das quotas aquando da sua transmissão.

40.  É esse o valor constante das actas, e é um valor apurado pela própria entidade, pelo que é aquele que a Requerida aceita – até nos termos do art. 52.º do CIRS –, não obstante poder ser calculado um valor ligeiramente superior, bastando notar, a esse respeito, que as duas quotas transmitidas pelos sócios corresponderam apenas a 96,8% do capital social da empresa.

41.  Por força do disposto no art. 43º, 3 do CIRS, esse valor é considerado, para efeitos fiscais, por 50% do seu valor, visto a C... ser uma micro ou pequena empresa, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.

42.  Lembra a Requerida uma passagem da Acta n.º 28:

Entrando no ponto único da ordem de trabalhos, após análise do relatório que se anexa à presente acta (Anexo l), emitido pelo Revisor Oficial de Contas, independente, foi deliberado, por unamidade dos sócios, realizar um aumento de capital no valor de €29.040,00 através da emissão de duas novas quotas no valor nominal de €14.520,00 cada uma, com um ágio no valor de €786.408,50, por contrapartida da entrada em espécie de duas quotas, com o valor nominal de €24.200,00 cada uma, no total de €48,400,00 de valor nominial, representativas de 96,8% do capital social da sociedade com a firma C..., Lda., pessoa coletiva nº..., com sede na Rua ..., ..., em Évora. A relação de troca foi determinada com base nos capitais próprios das duas sociedades, constantes dos respetivos balanços à data de 31 de Dezembro de 2019, os quais se anexam à presente ata (Anexos 2 e 3), à qual é deduzido o valor de €346.283,20, correspondente a dívidas que os sócios E... e A... tinham para com a sociedade C..., Lda., e que foram transferidas para a sociedade adquirente, que as assumme a partir do momento em que for concluído o registo, na conservatória do registo comercial, do aumento de capital agora deliberado, sendo o valor de avaliação das quotas de €469,165,33 (€14.520,00 + €14.520,00 + €786.408,50 – €346.283,20)

43.  A Requerida sublinha que o ágio é deduzido do valor de € 346.283,20 correspondente à divida dos dois sócios para com a C..., dívida essa transferida para a D... SGPS, e que foi assumida por esta última aquando da conclusão do registo do aumento de capital.

44.  Daqui retira a Requerida a conclusão de que na operação, para lá do valor dos títulos, esteve em causa uma quantia em dinheiro de € 346.283,20 – um valor muito superior a € 4.840,00, que corresponde a 10% do valor nominal dos títulos da C..., e que é o limite estabelecido pelo art. 73.º, 5 do CIRC. O que é suficiente para afastar a aplicação do regime de neutralidade fiscal.

45.  Ou seja, a transferência de dívida sempre descaracterizaria a operação como uma permuta de partes sociais para efeitos de aplicação do regime de neutralidade fiscal prevista no art. 77º, 1 do CIRC, deixando transparecer o erro de interpretação dos Requerentes.

46.  A Requerida lembra que o regime de neutralidade é subordinado a condições cumulativas e restritas:

·      Consista numa permuta de partes sociais, em sentido jurídico-estrito;

·      Respeite o limite de 10% de contrapartida monetária previsto no artigo 73.º, 5, do CIRC;

·      Assegure a manutenção do valor fiscal das participações transferidas;

·      Não envolva atribuição de montantes compensatórios (ágio, dívida assumida, etc.) que descaracterizem a operação.

47.  Ora, no caso em apreço, assinala a Requerida que:

·      Ocorre uma atribuição de quota por aumento de capital, e não por troca directa com a sociedade cessionária – retirando à operação a sua natureza de permuta;

·      Existe uma compensação pecuniária substancial, de €346.283,20, pela assunção de dívida, ultrapassando largamente o limite de 10% do valor das participações sociais entregues, afastando, por si só, a neutralidade fiscal (cfr. art. 73.º, 5 do CIRC, aplicável ex vi art. 10.º, 10 do CIRS).

48.  Podendo concluir-se que tal operação não preenche os requisitos cumulativos legalmente exigidos, sendo, por isso, incompatível com a aplicação do regime de neutralidade fiscal.

49.  Teriam, assim, os Requerentes faltado a deveres declarativos, como os que resultam do art. 57.º do CIRS, nos termos dos deveres gerais consagrados nos arts. 59.º e 64.º da LGT.

50.  De tudo, retirando a Requerida a conclusão de que a liquidação adicional de IRS n.º 2024 ... é de manter na ordem jurídica, seguindo-se a absolvição do pedido.

51.  Em alegações, a Requerida limita-se a manter a sua defesa por impugnação, reiterando o que dissera na sua resposta.

 

IV. Fundamentação da decisão

 

IV.A. O mérito da causa.

 

A questão jurídico-tributária que o Tribunal é chamado a apreciar espraia-se pela consideração dos seguintes tópicos:

1.     O ponto prévio da fundamentação sucessiva

2.     O ponto prévio da alegada omissão declarativa

3.     A questão da adequação da operação em causa ao quadro legal do regime de neutralidade fiscal das permutas de partes sociais.

 

IV.A.1. Ponto prévio da fundamentação sucessiva

 

Relativamente ao argumento da Requerida de que ocorreu uma violação do limite dos 10% previsto no art. 73.º, 5 do CIRC, e que isso seria decisivo, por si só, para afastar o regime do art. 10.º, 10 do CIRS e do art. 77.º, 1 do CIRC, cremos que os Requerentes contra-argumentam validamente que tal fundamentação não é contemporânea da liquidação ora impugnada, e que, portanto, não deve ser aceite.

Quanto à fundamentação sucessiva, dita “a posteriori”, ou seja, a fundamentação não-contemporânea dos actos impugnados e aditada supervenientemente, ou quanto à possibilidade de suprimento, pelo Tribunal, de lacunas da fundamentação contemporânea (via materialmente equivalente à primeira), é dominante, na jurisprudência, o entendimento de que ela não é admissível – nem sequer quanto a fundamentos que, existindo objectivamente no momento da prática dos actos impugnados, não constem da motivação expressa desses actos –; isto com o argumento básico de que, numa impugnação judicial ou arbitral em contencioso de mera legalidade (como aquele que está previsto nos arts. 99.º e seguintes do CPPT), o tribunal está cingido à formulação de um juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constem dessa fundamentação, quer estas sejam por ele escolhidas, quer sejam superveniente invocadas por uma parte no litígio (Acórdãos do STA de 26/3/2014, Proc. n.º 01674/13, de 23/4/2014, Proc. n.º 01690/13, de 22/3/2018, Proc. n.º 0208/17, de 11/12/2019, Proc. n.º 0859/04.2 BEPRT, ou de 28/10/2020, Proc. n.º 02887/13.8BEPRT).

Trata-se de um afloramento de uma exigência mais geral, de “lealdade” nos procedimentos e processos judiciais, de “due process of law”, a requerer que haja uma fundamentação completa, independente do mérito substantivo dos actos impugnados – mérito que não pode presumir-se que seja “evidente” ou “claro” a ponto de prescindir dessa fundamentação completa –, e que deverá preceder, como etapa instrutória, o próprio acto fundamentado.

E é pela mesma razão, a aditar ao princípio da separação de poderes, que não cabe a um tribunal suprir lacunas de fundamentação, ou decidir com base em fundamentação diferente daquela que tenha sustentado os actos a impugnar: o que, pela adição de novos fundamentos, materialmente equivaleria a uma invasão do núcleo essencial da função administrativa-tributária (Acórdãos do STA de 1/6/2011, Proc. n.º 058/11, e de 31/1/2018, Proc. n.º 1157/17). Ressalvadas, evidentemente, as consequências do conhecimento e da actuação oficiosos que legalmente estejam cometidos ao Tribunal.

Por um outro prisma, o contencioso de mera legalidade deve apreciar o acto impugnado tal como ele ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, ainda quando eles pudessem ter conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o do acto praticado – porque só assim se preservam e respeitam os direitos de defesa ínsitos no princípio constitucional da tutela judicial efectiva (arts. 20.º, 1 e 268.º, 4 da CRP), pois, se a AT tivesse invocado outros fundamentos nos actos e decisões impugnados, a fundamentação do pedido de pronúncia arbitral poderia ser diferente (ou, antes dele, poderiam ser outros os meios de defesa administrativos e contenciosos), tal como poderiam ser outras as provas trazidas ao processo.

 

IV.A.2. Ponto prévio da alegada omissão declarativa

 

Quanto à alegada omissão declarativa, para efeitos de tributação em sede de Categoria G (mais-valias), ela afigura-se infundada, seja porque a situação em apreço é anterior à Portaria n.º 303/2021, de 17 de Dezembro, que estabeleceu especificamente tais deveres declarativos relativamente a operações de transferência de partes sociais abrangidas pelo regime de neutralidade fiscal; seja porque, mesmo que assim não fosse, a entrega da correspondente declaração, nomeadamente em cumprimento do art. 57.º do CIRS, sempre consistiria numa obrigação acessória, não se traduzindo em nenhum requisito substantivo para aplicação do regime da neutralidade fiscal – não bastando tal falta para extinguir ou precludir, por si só, a aplicação do regime da neutralidade fiscal; tal como, inversamente, o seu cumprimento não bastaria para a aplicação de tal regime, sempre que estivessem objectivamente ausentes os correspondentes pressupostos legais.

 

IV.A.3. Adequação da operação em causa ao quadro legal do regime de neutralidade fiscal das permutas de partes sociais

 

IV.A.3.1. A neutralidade fiscal nas operações de reestruturação empresarial

 

O regime de neutralidade fiscal aplica-se a operações de reestruturação empresarial entendidas como um conjunto de acções dirigidas a transformar a estrutura produtiva das empresas, modificando a forma de participação dos factores de produção no processo de obtenção de lucros, abrangendo diversas modalidades.

O objectivo central do regime de neutralidade fiscal é o de contrabalançar os ganhos resultantes da reorganização empresarial, nomeadamente através do mecanismo do diferimento (suspensão temporária) da tributação, em vista a não dificultar a realização de operações economicamente vantajosas mediante uma organização eficiente dos meios de produção das empresas; mas apenas opera em relação aos ganhos que sejam considerados elegíveis no contexto das operações expressamente definidas no CIRC.

Para o efeito, admite-se a neutralização do imposto sobre o rendimento para que este não constitua um entrave à organização eficiente dos meios de produção das empresas, reconhecendo-se, no plano fiscal, que a eficiência organizacional das empresas é um valor extrafiscal superior aos interesses creditícios do Estado, e ao princípio da justa repartição dos encargos fiscais.

A nível europeu, o regime de neutralidade fiscal foi instituído pela “Directiva Fusões” (2009/133/CE), depois transposta para o direito nacional com o seu mecanismo de diferimento, adiamento ou reporte da tributação das mais-valias, implicando, no caso da permuta de partes sociais, que o sócio da sociedade adquirida tem que atribuir às partes sociais recebidas o valor que as partes sociais permutadas tinham antes da permuta (art. 8.º, 1, 4 e 6 da Directiva), de modo a assegurar a tributação do ganho resultante da alienação ulterior das partes sociais recebidas, do mesmo modo, com o mesmo valor, que o ganho resultante da alienação das partes sociais detidas antes da permuta, evitando qualquer erosão da base fiscal, ou qualquer diferimento evasivo (acórdãos do TJUE de 22/3/2018, Procs. apensos C-327/16 e C-421/16, Marc Jacob, §§ 48 a 55, 63 e 66; de 8/3/2017, Proc. C-14/16, Euro Park Service, § 67; e de 19/12/2012, Proc. C-207/11, § 28).

Desenvolvendo os princípios da “Directiva Fusões” (2009/133/CE), o acórdão do TJUE de 18/9/2019 (Procs. apensos C-662/18 e C-672/18, AQ, §§ 38, 39 e 42) conclui que:

nos termos do artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 2009/133, em caso de fusão ou permuta de ações, a atribuição de títulos representativos do capital social da sociedade beneficiária ou adquirente a um sócio da sociedade contribuidora ou adquirida, em troca de títulos representativos do capital social desta última, não deve, por si mesma, implicar qualquer tributação sobre o rendimento, os lucros ou as mais‑valias do referido sócio”;

Mas que:

“não obstante, o n.º 6 do artigo 8.º dessa diretiva prevê que a aplicação do n.º 1 do referido artigo não impede que os Estados‑Membros tributem o ganho resultante da alienação ulterior dos títulos recebidos do mesmo modo que o ganho resultante da alienação dos títulos existentes antes da aquisição”;

Daí inferindo que:

uma medida que consiste em apurar a mais‑valia resultante da operação de permuta de títulos e a diferir o facto gerador do imposto que incide sobre essa mais‑valia até ao ano durante o qual se verifica o evento que faz cessar o diferimento dessa tributação constitui unicamente uma «técnica» que, simultaneamente, permite salvaguardar a competência fiscal dos Estados‑Membros e, por conseguinte, os seus interesses financeiros, em conformidade com o artigo 8.º, n.º 6, da Diretiva 2009/133, e respeita o princípio da neutralidade fiscal estabelecido pelo artigo 8.º, n.º 1, dessa diretiva, porquanto leva a que a operação de permuta de títulos não dê lugar, por si mesma, a qualquer tributação da referida mais‑valia”. 

No entanto, nem todas as operações economicamente vantajosas do ponto de vista organizacional podem beneficiar do regime de neutralidade, já que este regime se aplica apenas àquelas operações em que, mantendo-se o controlo da empresa reorganizada nas mãos dos seus proprietários, não ocorra um desinvestimento ou uma desagregação da própria empresa[1].

Por isso a lei reclama razões económicas válidas de reestruturação ou reorganização para diferir as liquidações adicionais de imposto, e expressamente faz acompanhar esse regime de uma salvaguarda contra práticas abusivas (art. 73.º, 10 do CIRC), como o seriam a busca predominante de vantagens fiscais, ou a obtenção de resultados que divirjam das razões para o estabelecimento do regime da neutralidade fiscal, como, por exemplo, ostensivas perdas de eficiência organizacional.

A previsão de tal cláusula antiabuso pelo legislador português prendeu-se fundamentalmente com o facto de ter de se acautelar a tributação que, em circunstâncias normais, seria devida, uma vez que, por força da aplicação do regime de neutralidade fiscal, se suspende, até à posterior transmissão dos elementos patrimoniais objecto da operação de reestruturação, a tributação, não podendo tal diferimento de tributação converter-se numa falta total ou parcial do imposto que seria devido, caso o regime de neutralidade fiscal não fosse aplicado. Visa-se contrariar a situação típica de evasão fiscal associada à reestruturação empresarial

quando na operação (apesar do cumprimento dos requisitos formais) não se mantenha, na realidade, a atividade da sociedade, do investimento do sócio ou, sobretudo quando não exista uma real e verdadeira reestruturação empresarial”, o que implica o “diferimento excessivo da tributação – um abuso de diferimento[2].

 

IV.A.3.2. A permuta. A permuta de partes sociais. Condições para a neutralidade fiscal da permuta de partes sociais

 

O contrato de permuta é um contrato atípico, inominado, livremente celebrável (art. 405.º do Código Civil), que, por ter como característica a onerosidade, encontra a sua regulação de referência no regime do contrato de compra e venda (art. 939.º do Código Civil) – significando isso, mais precisamente, que no seu seio deve encontrar-se uma correspectividade sinalagmática (as prestações a que estão adstritas as duas partes são contrapartida uma da outra), sob pena de não poder verificar-se um mínimo de equilíbrio económico entre as vinculações das partes, o requisito básico para que possa considerar-se existir onerosidade – e não gratuitidade.

A permuta suscita o problema das trocas directas, ou não-monetárias: a bilateralidade de ganhos e onerações dentro da relação de permuta dispensa a intermediação do preço, e corresponderá a uma espécie de “contracção” de duas vendas recíprocas[3], das quais foi dispensada a explicitação do preço porque precisamente se presume que ambas as partes colocaram dentro de uma mesma “faixa de tolerância” o valor económico da contraprestação à sua própria conduta – sendo que qualquer desequilíbrio para fora dessa “faixa de tolerância” determinará a explicitação de uma contraprestação monetária, a compensar o referido desequilíbrio e a recompor a onerosidade inicial.

Ou seja, a permuta stricto sensu pode ser complementada por uma troca monetária que marginalmente compense a quebra de identidade de valor (de identidade de valor bilateralmente “presumida”, ou “tolerada”) em que assentava a possibilidade de genuína permuta, de genuína troca não-monetária.

Só que, nesse caso, o complemento monetário tem de ter um limite, uma fronteira – para lá da qual ingressamos numa troca predominantemente monetária, que deixa de poder considerar-se, em rigor, como uma permuta; podendo continuar a evidenciar uma racionalidade económica, uma eficiência na promoção, ou até maximização, de vantagens económicas – mas deixando de poder considerar-se uma permuta.

Ora a figura da permuta é configurada, pelo nosso sistema fiscal, e dada a sua índole peculiar, como susceptível de assegurar uma continuidade de valorização das partes de capital transaccionadas em operações de transformação e reestruturação de sociedades – sendo, portanto, que a figura deixará de ser invocável, para efeitos de regimes especiais de tributação, se porventura se apurar que não foram respeitados os pressupostos legais, os mesmos pressupostos assentes na referida aptidão da permuta para assegurar, pelo equilíbrio interno da onerosidade através de sinalagma, a equivalência das transacções, em termos de comparação da situação anterior com a situação posterior à permuta – tornando-se imperativo, para que se identifique uma permuta verdadeira e própria, que com a operação se respeite a continuidade de valorização, para efeitos fiscais, das partes de capital recebidas pelo mesmo valor das antigas.

A não ser assim, deixa de poder aplicar-se o benefício do regime especial da neutralidade fiscal, impedindo-se que a mais-valia gerada em resultado da operação de permuta “imperfeita”, ou “imprópria” se converta num diferimento de tributação, essencialmente porque, na ausência dos pressupostos específicos enumerados na lei, se verificaria o já referido “diferimento excessivo da tributação”, o “abuso de diferimento”.

A definição legal relevante para o caso em apreço é a que consta do art. 73.º, 5 do CIRC:

Considera-se permuta de partes sociais a operação pela qual uma sociedade (sociedade adquirente) adquire uma participação no capital social de outra (sociedade adquirida), que tem por efeito conferir-lhe a maioria dos direitos de voto desta última, ou pela qual uma sociedade, já detentora de tal participação maioritária, adquire nova participação na sociedade adquirida, mediante a atribuição aos sócios desta, em troca dos seus títulos, de partes representativas do capital social da primeira sociedade e, eventualmente, de uma quantia em dinheiro não superior a 10% do valor nominal ou, na falta de valor nominal, do valor contabilístico equivalente ao nominal dos títulos entregues em troca.” (sublinhado nosso)

Resulta deste artigo que a troca directa é da essência do conceito de “permuta”, no qual se presume que ambas as partes na troca colocaram dentro de uma mesma “faixa de tolerância” o valor económico da contraprestação à sua própria conduta, e apenas admitiram um desequilíbrio para fora dessa “faixa de tolerância”, a determinar uma contraprestação monetária, no limite máximo de 10% do valor nominal dos títulos trocados – o limite que a lei determina para que seja ainda admissível a aplicação do regime especial da neutralidade fiscal, isto é, do diferimento legítimo da tributação; porque, subentende-se, para lá desse contrabalanço monetário, se ingressa nos domínios das trocas predominantemente monetárias, desfazendo-se a presunção de equilíbrio das permutas verdadeiras e próprias, stricto sensu.

E é por essa mesma razão que o quadro legal aplicável ressalva expressamente que a invocação da figura da permuta não afasta a tributação, pelo regime geral, das importâncias em dinheiro que tenham tido lugar aquando da operação a que se atribuiu tal designação: “sem prejuízo da tributação relativa às importâncias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas”, ressalva a parte final do art. 10.º, 10 do CIRS; e “O disposto no n.º 1 não obsta à tributação dos sócios relativamente às quantias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas nos termos do n.º 5 do artigo 73.º”, estabelece o art. 77.º, 3 do CIRC. (sublinhados nossos)

Tais ressalvas confirmam, para lá de qualquer margem de dúvida, que o estabelecimento de quaisquer montantes ou contrapartidas monetárias para lá do limite dos 10% do valor nominal dos títulos transmitidos numa operação basta para retirar a essa operação o carácter de “permuta stricto sensu”, de “troca não-monetária”, à qual fica reservado o regime especial do art. 10.º, 10 do CIRS, o regime de diferimento de tributação das mais-valias.

Note-se que o quadro legal aplicável estabelece uma segunda salvaguarda, ao exigir a verificação do resultado da permuta na esfera dos sócios, isto é, ao reservar-se uma avaliação da operação de acordo com a tal noção de “faixa de tolerância” que se presumirá que preside à correspectividade das posições contratuais dos sócios, num contexto predominantemente não-monetário – salvaguardando, do mesmo passo, a preservação de um valor que se tornará crucial na futura tributação de mais-valias dos sócios, caso venha a ocorrer efectivamente o diferimento da tributação (e daí as exigências probatórias do art. 78.º, 5 e 6 do CIRC, ex vi art. 10.º, 13, b) do CIRS).

E é por isso que o art. 10.º, 10 do CIRS (“Mais-valias”) estabelece que, em resultado da operação designada por “permuta”, uma verdadeira permuta só terá existido, para efeitos fiscais, se a valorização das partes sociais objecto dessa operação se tiver mantido inalterada:

No caso de se verificar uma permuta de partes sociais nas condições mencionadas no n.º 5 do artigo 73.º e n.º 2 do artigo 77.º do Código do IRC, a atribuição, em resultado dessa permuta, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente aos sócios da sociedade adquirida não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor das antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código, sem prejuízo da tributação relativa às importâncias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas.” (sublinhado nosso)

Exigência que é reforçada pelo art. 77.º do CIRC (“Regime especial aplicável à permuta de partes sociais”), que explicitamente requer que não exista, no resultado da troca não-monetária, qualquer interferência no valor dos títulos transmitidos ou substituídos – até para evitar que a “black box” de uma troca não-monetária se tornasse num ponto de partida para algum movimento evasivo, com o concomitante “abuso de diferimento”:

1 — A atribuição, em resultado de uma permuta de partes sociais, tal como esta operação é definida no artigo 73.º, dos títulos representativos do capital social da sociedade adquirente, aos sócios da sociedade adquirida, não dá lugar a qualquer tributação destes últimos se os mesmos continuarem a valorizar, para efeitos fiscais, as novas partes sociais pelo valor atribuído às antigas, determinado de acordo com o estabelecido neste Código.

2 — O disposto no número anterior apenas é aplicável desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes condições:

a) A sociedade adquirente e a sociedade adquirida sejam residentes em território português ou noutro Estado membro da União Europeia e preencham as condições estabelecidas na Diretiva n.º 2009/133/CE, do Conselho, de 19 de outubro;

b) Os sócios da sociedade adquirida sejam pessoas ou entidades residentes nos Estados membros da União Europeia ou em terceiros Estados, quando os títulos recebidos sejam representativos do capital social de uma entidade residente em território português.

3 — O disposto no n.º 1 não obsta à tributação dos sócios relativamente às quantias em dinheiro que lhes sejam eventualmente atribuídas nos termos do n.º 5 do artigo 73.º” (sublinhado nosso)

Devendo ainda notar-se que, na permuta de partes sociais, ao contrário das restantes operações de reestruturação, a neutralidade fiscal deve operar somente ao nível dos sócios, pelo que o preenchimento dos requisitos deverá ser averiguado sócio a sócio, importando a tributação das mais-valias decorrentes da transmissão das participações sociais dos sócios que optem por não valorizar, para efeitos fiscais, as novas participações sociais recebidas pelo valor das antigas.

Vimos já, ao tratar da “Directiva Fusões”, que se trata, por outras palavras, de assegurar a tributação do ganho resultante da alienação ulterior das partes sociais recebidas, do mesmo modo, com o mesmo valor, que o ganho resultante da alienação das partes sociais detidas antes da permuta, evitando qualquer erosão da base fiscal, ou qualquer diferimento evasivo, através dessa permuta.

No que ficou provado quanto à operação em análise, não só o valor nominal dos títulos trocados não se manteve, pois passou de €48.400,00 ( = €24.200,00 + €24.200,00) para €29.040,00 ( = €14.520,00 + €14.520,00), como ainda interferiram na operação o valor do ágio (€786.408,50) e a dedução, a este, de um valor de €346.283,20 correspondente a dívidas dos sócios em relação à C...– valores monetários que extravasam amplamente a “faixa de tolerância” que se presume que preside à correspectividade das posições contratuais num contexto predominantemente não-monetário, como seria o de uma permuta verdadeira e própria – uma permuta que corresponda à definição legal do art. 73.º, 5 do CIRC.

Aqui, na operação em apraço, lançou-se mão de montantes compensatórios que largamente extravasaram do núcleo de uma genuína permuta, e de uma “faixa de tolerância” em torno desse núcleo. Pelo que, para se deduzir a dívida, as mais-valias latentes, que justificariam o diferimento da tributação, tornaram-se mais valias patentes, e líquidas.

E não se diga que o cálculo do ágio, e a subsequente avaliação do montante em dívida assumido pela D... SGPS, são aspectos acidentais da operação, ou posteriores a ela – porque o contrário resulta expressamente da Acta n.º 28 da reunião de 30/6/2020 da Assembleia Geral da D... SGPS, que identifica tais valores como constitutivos da “relação de troca” do todo da operação, esclarecendo que o valor em dívida “é deduzido”, e que remata com uma avaliação das quotas da D... SGPS, resultante do aumento de capital deliberado nessa Assembleia Geral, que expressamente corresponde ao somatório de todos esses valores monetários:

A relação de troca foi determinada com base nos capitais próprios das duas sociedades, constantes dos respetivos balanços à data de 31 de Dezembro de 2019, os quais se anexam à presente ata (Anexos 2 e 3), à qual é deduzido o valor de €346.283,20, correspondente a dívidas que os sócios E... e A... tinham para com a sociedade C..., Lda., e que foram transferidas para a sociedade adquirente, que as assumme a partir do momento em que for concluído o registo, na conservatória do registo comercial, do aumento de capital agora deliberado, sendo o valor de avaliação das quotas de €469,165,33 (€14.520,00 + €14.520,00 + €786.408,50 – €346.283,20)” (sublinhados nossos)

Não podendo considerar-se que ocorreu uma permuta susceptível de beneficiar do regime especial de neutralidade fiscal, há que concluir que ocorreu uma transmissão onerosa de partes sociais, tributável em IRS como rendimento de mais-valias dos sócios envolvidos na operação (art. 10.º, 1, b) do CIRS).

Foi com base neste entendimento que se chegou às conclusões no RIT, e se procedeu à liquidação adicional de IRS n.º 2024...; a qual, não assentando numa qualquer errónea qualificação de factos tributários, não é ilegal.

 

IV.B. Questões prejudicadas.

 

Foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil, como especificamente a matéria relativa a juros indemnizatórios – art. 608.º do CPC, ex vi art. 29º, 1, c) e e) do RJAT.

 

V. Decisão 

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em: 

 

a)     Julgar improcedente o pedido, mantendo na ordem jurídica a liquidação adicional de IRS n.º 2024...;

b)    Absolver do pedido a Requerida;

c)     Condenar os Requerentes no pagamento das custas do processo.

 

VI. Valor do processo

 

Fixa-se o valor do processo em € 61.006,40 (sessenta e um mil, seis euros e quarenta cêntimos), nos termos do disposto no art.º 97.º-A do CPPT, aplicável ex vi art.º 29.º, 1, a), do RJAT e art.º 3.º, 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VII. Custas

 

Custas no montante de € 2.448,00 (dois mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), a cargo dos Requerentes (cfr. Tabela I, do RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4, do RJAT).

 

Lisboa, 15 de Outubro de 2025

 

Os Árbitros

 

 

 

Fernando Araújo

 

 

António Cipriano da Silva

 

 

 

Marisa Almeida Araújo

 



[1] António Rocha Mendes (2016), IRC e as Reorganizações Empresariais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 191 e 211-214.

[2] Tomás Tavares (2011), IRC e Contabilidade: Da Realização ao Justo Valor, Coimbra, Almedina, 366-367.

[3] Sérgio Manuel da Costa Machado (2021), Do Contrato de Permuta, Coimbra, Almedina, 91-92.