Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1364/2024-T
Data da decisão: 2025-10-10  IMT  
Valor do pedido: € 997.675,80
Tema: IMT. Isenção na aquisição de prédios para revenda. Liquidações sucessivas de imposto. Autoridade de caso julgado
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Sumário

1.       A autoridade do caso julgado, diversamente da exceção de caso julgado, não depende da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

2.       Tendo anteriormente sido apresentado um pedido de pronúncia arbitral da qual resultou a declaração de ilegalidade de um ato de liquidação de imposto, a respetiva anulação e a restituição ao sujeito passivo do imposto indevidamente pago por este, e não havendo factos novos que pudessem justificar a emissão de um novo ato de liquidação do mesmo imposto incidente sobre o mesmo sujeito passivo e o mesmo facto gerador, há lugar a caso julgado na vertente de autoridade do caso julgado, apesar da não verificação daquela tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.

3.       Um ato de liquidação de imposto que ofenda um caso julgado é nulo.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Carla Castelo Trindade (árbitro presidente), Manuel Lopes da Silva Faustino que também usa Manuel Faustino (árbitro vogal) e Pedro Guerra Alves (árbitro vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante “CAAD”) para formarem o tribunal arbitral coletivo, constituído em 25 de fevereiro de 2025, acordam no seguinte:

 

I.        RELATÓRIO

1.          A..., S.A.,(doravante “Requerente”), titular do número de identificação de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentou, em 17.12.2024, um pedido de pronúncia arbitral, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, a alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e a alínea a) do n.º 1 e o n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante “IMT”), constante do documento identificado pelo n.º ... (n.º de registo da declaração: 2024/...), com data de 13 de dezembro de 2024, no montante de EUR 886.617,80, e correspondentes juros compensatórios no montante de EUR 111.058,00, num total de EUR 997.675,80.

2.          No pedido de pronúncia arbitral (doravante “PPA”), a Requerente optou por não designar árbitro.

3.          Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro presidente e os árbitros vogais, os quais comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

4.          Em 05.02.2025, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, por aplicação conjugada da alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.

5.          Em conformidade com o estatuído na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação que lhe foi introduzida pelo artigo 228.º, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 25.02.2025 para apreciar e decidir o objeto do processo.

6.          Em 25.02.2025, foi proferido despacho arbitral a notificar a Requerida para contestar no prazo de 30 dias e, querendo, solicitar prova adicional, devendo, no mesmo prazo, juntar o Processo administrativo (doravante “PA”).

7.          Em 06.03.2025, veio a Requerente, invocando facto superveniente – a citação para o processo de execução – apresentar, em aditamento ao PPA, um pedido de condenação da Requerida no pagamento de indemnização por prestação de garantia.

8.          Em 06.03.2025, o Tribunal proferiu despacho a notificar a Requerida para exercer, querendo, o contraditório relativamente ao pedido adicional efetuado pela Requerente.

9.          Em 31.03.2025, a Requerida apresentou Resposta, juntando igualmente o PA, defendendo-se por impugnação, refutando os vícios imputados pela Requerente à liquidação de IMT impugnada.

10.       Em 01.04.2025, o Tribunal proferiu despacho arbitral a dispensar a reunião prevista no artigo 18.º, do RJAT, e a conceder às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas, facultativas, por prazo simultâneo de 15 (quinze) dias.

11.       Em 03.04.2025, a Requerente apresentou requerimento a requerer “a notificação da Requerida para informar se a liquidação de IMT e juros compensatórios com o n.º 2024..., de 31 de janeiro de 2025, ora junta como Doc. n.º 1, efetivamente substitui a liquidação impugnada, que entretanto foi objeto de anulação na parte relativa aos juros compensatórios nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, ou, se assim não for, qual o ato de liquidação que substitui aquele que foi visado e cuja anulação foi peticionada no PPA” (com negrito no próprio texto).

12.       Em 05.05.2025, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da cooperação e boa-fé processual, bem como da descoberta da verdade material e considerando que: i. A Requerida revogou parcialmente o acto de liquidação de IMT impugnado; II. A Requerente apresentou requerimento a manifestar pleno interesse no prosseguimento dos autos; III. A Requerida terá vindo – segundo o alegado pela Requerente, em requerimento apresentado em 3 de Março [Abril]  de 2025 – a emitir “série de liquidações que culminou na liquidação n.º 2024.., de 31 de janeiro de 2025, da qual resulta um valor a pagar até 13 de dezembro de 2024 – mesma data da liquidação impugnada – de EUR 897.597,31, sendo EUR 886.617,80 relativos a IMT – mesmo valor da liquidação impugnada – e o remanescente de EUR 10.979,51, supõe-se, a título de juros compensatórios”; notifica-se a Requerida, para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar sobre o teor daquele requerimento, nomeadamente sobre se os actos de liquidação de IMT acima aludidos vieram ou não substituir o acto de liquidação de IMT que é objecto dos presentes autos”.

13.       Em 05.05.2025, a Requerente apresentou alegações, remetendo para o PPA. A Requerida não apresentou alegações.

14.       Em 20.05.2025, a Requerida respondeu ao Despacho do Tribunal de 05.05.2025.

15.       Em 21.05.2025, o Tribunal proferiu o seguinte despacho: “Uma vez que o requerimento apresentado pela Requerida em 20 de Maio de 2025 não responde, de forma cabal, ao teor do despacho proferido por este tribunal arbitral em 5 de Maio de 2025, notifica-se a Requerida para esclarecer, no prazo de 5 (cinco) dias, se os actos de liquidação de IMT que culminaram na liquidação n.º 2024..., de 31 de Janeiro de 2025, vieram ou não substituir o acto de liquidação de IMT que é objecto dos presentes autos”.

16.       Em 22.05.2025, a Requerente veio dizer, com interesse para os autos, designadamente o seguinte: “Quer isto dizer que, ressalvada a componente dos juros compensatórios, que foi reduzida de EUR 111.058,00 para EUR 10.979,51 em virtude da anulação parcial determinada pela Exma. Senhora Subdiretora-Geral da Área de Gestão dos Impostos sobre o Património por despacho de 20 de janeiro de 2025, o ato de liquidação de IMT cuja declaração de ilegalidade e anulação foram peticionadas pela Requerente no articulado inicial permanece intacto. O IMT liquidado pela Requerida no montante de EUR 886.617,80 é, pelas razões de facto e de direito que foram expostas no pedido de pronúncia arbitral, ilegal e deve ser anulado.E acrescentou: Assim, no pressuposto, confirmado pela Requerida, que o ato de liquidação de IMT no montante de EUR 886.617,80 constante do documento com o n.º ... (n.º de registo da declaração: 2024/...) e data de 13 de dezembro de 2024 subsiste na ordem jurídica, deve, a final, ser anulado, incluindo os juros compensatórios no valor de EUR 10.979,51.

17.       Em 04.07.2025 foi, pelo Tribunal, proferido despacho a determinar "a prorrogação do prazo de arbitragem por dois meses, contados a partir daquela data, nos termos e para os efeitos do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, designando-se desde já o dia 25 de Outubro de 2025 como data-limite para a prolação da decisão".

II.       POSIÇÃO DAS PARTES

§1    Síntese da posição da Requerente

18.       Fundamentando o seu pedido, a Requerente alegou, em síntese, o seguinte:

A)                   Pretende a declaração de ilegalidade e a anulação do ato de liquidação de IMT, no montante de EUR 886.617,80, e correspondentes juros compensatórios no valor de EUR 111.058,00, num total de EUR 997.675,80;

B)                   Em 30 de novembro de 2018, adquiriu, por escritura pública, ao Fundo de Pensões B..., o prédio urbano sito na ..., n.ºs..., ..., ... e ..., freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... e então inscrito na matriz sob o artigo... da respetiva freguesia (doravante “Imóvel”); 

C)                  Ficou expresso na escritura pública de compra e venda que o Imóvel se destinava a revenda, pelo que beneficiou da isenção de IMT que, por tal destino, lhe era devida legalmente;

D)                  Em 21 de agosto de 2019, foi emitido pelo Departamento de Apoio à Gestão Urbanística – Divisão de Saneamento Liminar e Apoio ao Licenciamento da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa (doravante “CML”) o alvará de obras de ampliação com demolição (parcial) n.º .../CD-CML/2019 a executar no Imóvel;

E)                    Com fundamento de que o Imóvel adquirido não tinha sido integralmente revendido no prazo legal de 3 anos, a Requerida notificou-a, em 22 de abril de 2022, do ato de liquidação de IMT n.º ... respeitante àquela aquisição, no valor de EUR 858.964,93, sendo EUR 848.458,00 relativos a IMT e EUR 10.506,93, a juros compensatórios (doravante “Primeira Liquidação de IMT”), que a Requerente pagou;

F)                    Tendo a Primeira Liquidação de IMT sido paga, apresentou reclamação graciosa, em 28 de junho de 2022, contra essa liquidação, na qual solicitou, a final, a sua anulação parcial e o reembolso do montante de imposto indevidamente pago;

G)                  Nessa reclamação graciosa, invocou que a Primeira Liquidação de IMT não poderia ter sido efetuada pela totalidade do preço por si pago, mas somente sobre o valor de aquisição correspondente às 6 frações autónomas – identificadas pelas letras C, D, G, M, O e P – que permaneciam por revender, no termo do prazo legal de 3 anos;

H)                  Sobre a reclamação graciosa foi proferido despacho de indeferimento pela Requerida com o fundamento de que “verificando-se que, na data da 1.ª liquidação de IMT, a respetiva aquisição usufruiu da isenção para revenda, prevista no art.º 7.º do CIMT, e tendo o imóvel sofrido obras estruturais profundas, foi dado ao mesmo destino diferente, pelo que, a isenção fica sem efeito”;

I)                      Desta decisão foi interposto recurso hierárquico, o qual foi igualmente objeto de indeferimento pela Requerida com a mesma fundamentação;

J)                      No dia 19 de dezembro de 2023, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral tributário e pronúncia arbitral em matéria tributária com vista à anulação da Primeira Liquidação de IMT, bem como das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que recaíram sobre aquele ato de liquidação;

K)                   Esse pedido de pronúncia arbitral deu origem ao processo tramitado no CAAD sob o n.º 1012/2023-T;

L)                    Na sequência de despacho datado de 1 de fevereiro de 2024, foi determinada a anulação, pela Requerida, da Primeira Liquidação de IMT, nos termos previstos no artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT, e a emissão de outro ato de liquidação de IMT em substituição;

M)                 Em 13 de março de 2024, já com o tribunal arbitral formalmente constituído no processo n.º 1012/2023-T, foi-lhe emitida, pela AT, a segunda liquidação de IMT com o n.º..., no valor total de EUR 897.500,12, sendo EUR 886.617,80 respeitantes a imposto e EUR 10.882,32 a juros compensatórios (doravante “Segunda Liquidação de IMT”), a qual foi paga na mesma data;

N)                  Por decisão arbitral datada de 28 de maio de 2024, o tribunal arbitral tributário, no processo n.º 1012/2023-T (doravante “Decisão Arbitral 1012/2023-T”) decidiu, por unanimidade, (a) declarar extinta a instância por inutilidade relativamente à Primeira Liquidação de IMT, (b) anular, por violação do disposto no artigo 13.º, n.º 3, do RJAT, a Segunda Liquidação de IMT e (c) condenar a AT na restituição à Requerente do montante por esta indevidamente pago em resultado da Segunda Liquidação de IMT, acrescido de juros indemnizatórios;

O)                  Na sequência do trânsito em julgado da Decisão Arbitral 1012/2023-T e em cumprimento da mesma, foi notificada, pela Requerida, do despacho de deferimento do procedimento de revisão oficiosa n.º ...2024...;

P)                   Poucos dias após, foi notificada pela Requerida, para se pronunciar, querendo, sobre a proposta de liquidação de IMT e juros compensatórios com fundamento em que a perda do direito à isenção tinha ocorrido por via das obras estruturais efetuadas no Imóvel, as quais visaram dar-lhe destino diferente do da revenda;

Q)                  Posteriormente, foi notificada, pela Requerida, da terceira liquidação de IMT com o n.º 9161970, datada de 13.12.2024, no valor total de EUR 997.675,80, sendo EUR 886.617,80 respeitantes a IMT e EUR 111.058,00 a juros compensatórios, que constitui o objeto do presente PPA (doravante “Terceira Liquidação de IMT”); 

R)                   Inconformada com a Terceira Liquidação de IMT, deduziu o presente PPA, invocando, relativamente à sua ilegalidade, como fundamentos de direito, o impedimento legal à emissão daquela liquidação e consequente Ilegalidade do ato, por inexistência de factos novos, e a não aplicação do disposto no n.º 10.º do artigo 11.º do Código do IMT;

S)                   Dispõe o artigo 13.º do RJAT, nos seus n.ºs 1 e 2: “1 – Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º. 2 – Quando o ato tributário objeto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último ato se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse”;

T)                    Complementa o n.º 3 do artigo 13.º do RJAT que, “[f]indo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos”;

U)                  Verificando-se a anulação integral do ato impugnado ao qual não se segue um novo ato regulador da situação jurídica, os respetivos efeitos são eliminados da ordem jurídica com efeitos retroativos;

V)                   Pelo que se verifica, na expressão do tribunal arbitral empregue na decisão do processo n.º 116/2021-T, de 13 de julho de 2021, uma “impossibilidade superveniente da lide (…) Deixou de existir razão para a subsistência do litígio, pois, ainda que em momento superveniente, foi gerado consenso suportado na convergência das partes quanto ao regime legal aplicável”;

W)                É na segurança jurídica do contribuinte que o regime do artigo 13.º, n.ºs 1 a 3, do RJAT que, como escreve Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, 2016, p. 340, encontra a sua razão de ser ao estipular “que a Administração Tributária tem uma só oportunidade para definir a situação jurídico-tributária do contribuinte. Esta oportunidade, concretizada na data em que emite o ato tributário, é reforçada por aquele que se denominou de «direito ao arrependimento» e que deve ser exercido no prazo de 30 dias (…) Após este período o ato tributário cristaliza-se na ordem jurídica, não sendo alterável por iniciativa da Administração Tributária a menos que ocorram factos novos”;

X)                   Existindo factos novos, o que não é o caso, o ato substitutivo pode ser emitido para além do prazo definido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, havendo, então, lugar à modificação subjetiva da instância e à notificação do tribunal arbitral pelo dirigente máximo do serviço da AT da emissão do novo ato para que o processo possa prosseguir nesses termos, observando-se, quando aplicável, o disposto no artigo 64.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante “CPTA”);

Y)                   Não existindo factos novos e em sentido inverso, “[s]e a substituição do ato ocorrer depois do decurso do prazo referido no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT e não se basear em factos novos, o ato de substituição será ilegal, pois, findo aquele prazo, «a Administração Tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos». A ilegalidade do ato de substituição pode ser declarada no próprio processo arbitral, pois configura uma questão prévia em relação à do prosseguimento do processo, que cabe ao Tribunal Arbitral decidir” - cfr. Jorge Lopes de Sousa, em Nuno de Villa-Lobos, Tânia Carvalhais Pereira (Coord.), Guia da Arbitragem Tributária, 3.ª ed. rev., Almedina, 2017, p. 174.;

Z)                    Foi precisamente por a Segunda Liquidação de IMT, que substituiu a Primeira Liquidação de IMT, ter sido emitida pela AT fora do prazo do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT e sem que existissem quaisquer factos novos, seja do ponto de vista da superveniência objetiva ou subjetiva, que o tribunal arbitral, na Decisão Arbitral 1012/2023-T, determinou a respetiva anulação;

AA)             Esta é também uma exigência do respeito pelo caso julgado;

BB)             Conforme refere o tribunal arbitral na decisão proferida em 12 de dezembro de 2019, no processo n.º 320/2019-T, “[a] eficácia objetiva do caso julgado já não se delimita, sem mais, pela questão da validade ou invalidade de um ato, determinando, de forma imodificável, o seu afastamento da ordem jurídica ou a sua confirmação. O juízo que o tribunal faz sobre os pressupostos de que depende o exercício do poder consubstanciado no ato ou sobre a ocorrência de factos impeditivos ou extintivos que obstem a esse exercício, também estão ao alcance do caso julgado, atenta a configuração do objeto do processo. Cfr. Ac. do STA de 27.06.2018, proc. n.º 27/06/2018”;

CC)           A Terceira Liquidação de IMT, ora impugnada, foi emitida pela AT relativamente ao mesmo sujeito passivo (a Requerente), ao mesmo imposto (o IMT), e ao mesmo facto gerador (a putativa caducidade da isenção de IMT a que se refere o artigo 7.º do Código do IMT de que beneficiou a aquisição do Imóvel);

DD)           A Terceira Liquidação de IMT é uma cópia fiel, inclusive no que toca ao valor do imposto, da Segunda Liquidação de IMT que foi anulada pela Decisão Arbitral 1012/2023-T por violar o disposto no artigo 13.º, n.º 3, do RJAT e que, ainda mais tarde, foi corrigida, para menos, quanto ao montante dos juros compensatórios que a AT considerou devidos;

EE)              Isto sem que se tenha verificado qualquer facto novo suscetível de excecionar a preclusão do direito de a AT emitir uma nova – a Terceira Liquidação de IMT – resultante do artigo 24.º, n.º 4, do RJAT;

FF)               Como bem decidiu o tribunal arbitral tributário na Decisão Arbitral 1012/2023-T, a realização de “obras estruturais” no Imóvel que, no entender da AT, terá operado a caducidade da isenção de IMT na compra para a revenda “era conhecida pela AT aquando da primeira liquidação, como resulta da decisão da reclamação graciosa a ela relativa; tal factualidade não terá sido escolhida como fundamento desta liquidação certamente por ter sido considerado mais simples invocar a não revenda da totalidade do prédio dentro do prazo legal”;

GG)           Se o artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, confere à AT uma única oportunidade para definir a situação jurídico-tributária do contribuinte no prazo procedimental de trinta dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, procedendo à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada e praticando, se for o caso, o ato tributário substitutivo, com o aproveitamento do processo arbitral espoletado por aquele pedido para apreciar a legalidade do ato original, entretanto modificado, ou do ato que o substitui, pouco ou nenhum sentido faria autorizar a AT a emitir a posteriori um novo ato quando não atuou de todo ou, pelo menos, de forma atempada naquele hiato temporal de trinta dias úteis para fazer valer a sua posição;

HH)           Estar-se-ia, perante a inexistência de factos novos, como é o caso, a fechar a porta à emissão de uma liquidação modificativa ou substitutiva da original para além do prazo de trinta dias úteis a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral – liquidação esta que, a ser emitida, seria ilegal – mas, ao mesmo tempo, a abrir a janela à prática ulterior de um ato deste tipo cuja apreciação no próprio processo arbitral já não seria possível em virtude do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT.

II)                   É que não se trata, simplesmente de renovar um ato, isto é, substituí-lo por outro de idêntico conteúdo, mas expurgado da ilegalidade cometida pelo anterior e que motivou a anulação – a chamada “substituição ou renovação sanatória” – mas sim de emitir sucessivos atos de liquidação que se anulam e substituem uns aos outros com fundamentos legais diversos e eternizam o estado de indefinição da situação jurídico-tributária do contribuinte;

JJ)                  No caso concreto, na Segunda Liquidação de IMT – idêntica à Terceira Liquidação de IMT em termos de fundamentação legal e montante do IMT – a AT abandonou o argumento subjacente à Primeira Liquidação de IMT, que se prendia com a ausência de revenda da totalidade das frações autónomas no prazo de três anos então estipulado por lei para evitar a caducidade da isenção, e enveredou por uma suposta caducidade da isenção de IMT provocada pela alteração do destino em virtude da realização de “obras estruturais” no Imóvel que o tribunal arbitral, na Decisão Arbitral 1012/2023-T, não apreciou por existir a questão prévia da violação do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT.

KK)             Uma apreciação nos próprios autos que decerto teria ocorrido se a Segunda Liquidação de IMT, substitutiva da Primeira Liquidação de IMT e que a Terceira Liquidação de IMT reproduz, tivesse sido emitida de forma atempada pela AT, o que não sucedeu e poderia, inclusive, nunca vir a suceder se a esta última liquidação, que incorpora esse mesmo argumento, não fosse impugnada pela Requerente pelos meios legais; 

LL)               Acresce que in casu não há necessidade de emitir uma nova liquidação em resultado ou em execução do decidido pelo tribunal arbitral, por exemplo, ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alíneas a), b) e d), do RJAT, os quais estabelecem que, com o trânsito em julgado, a AT fica obrigada, alternativa ou cumulativamente, a “[p]raticar o ato tributário legalmente devido em substituição do ato objeto da decisão arbitral”, a “[r]estabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, e/ou a  “[l]iquidar as prestações tributárias em conformidade com a decisão arbitral ou abster-se de as liquidar”.

MM)         A Decisão Arbitral 1012/2023-T limitou-se a anular a Segunda Liquidação de IMT por ter sido emitida para além do prazo estipulado pelo artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, sem definir uma nova regulamentação tributária da situação, o que se afigurava desnecessário;

NN)           A Primeira Liquidação de IMT, que esteve na origem da Decisão Arbitral 1012/2023-T, foi anulada por iniciativa da própria AT e substituída pela Segunda Liquidação de IMT, que viria a ser igualmente anulada por aquela decisão arbitral transitada em julgado;

OO)           O que quer dizer que o ato tributário objeto da pretensão arbitral que deu origem à Decisão Arbitral 1012/2023-T ou o objeto desta já não existe,

PP)             Assim como não existe, hoje, o ato tributário que substituiu o ato objeto da pretensão arbitral naqueles mesmos autos;

QQ)           Logo, não há qualquer possibilidade de repetição de causa por absoluta ausência de identidade do objeto, isto é, do ato tributário impugnado;

RR)             Desaparecendo, por efeito da anulação administrativa, o ato de liquidação original que motivou a primeira causa (a Primeira Liquidação de IMT), bem como aquele que o substituiu (a Segunda Liquidação de IMT) pela Decisão Arbitral 1012/2023-T anulatória transitada em julgado, não há sequer coincidência de pedidos;

SS)             Tão-pouco se pode admitir, sem que existam quaisquer factos novos, que a ausência de pronúncia arbitral quanto ao mérito ou à questão de fundo na Decisão Arbitral 1012/2023-T permita contornar a proibição de emissão de uma nova liquidação imposta à AT pelo artigo 24.º, n.º 4, do RJAT;

TT)               Não está em causa um ato praticado pela AT em cumprimento dos deveres que para ela resultam da Decisão Arbitral 1012/2023-T, nem a renovação de um ato julgado ilegal e anulado, por exemplo, por vício de forma, extirpado dessa ilegalidade mas com idêntico conteúdo e sentido do anterior;

UU)            Do que se trata é de uma liquidação (a Segunda Liquidação de IMT) que tinha obrigatoriamente de ser emitida dentro da baliza temporal definida pelo artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, mas não foi;

VV)             Tendo a AT, por causas que só a ela podem ser atribuídas, prescindido da única oportunidade de que para definir a situação jurídico-tributária da Requerente no que concerne ao IMT teoricamente devido pela aquisição do Imóvel com os argumentos jurídicos que entendeu serem os mais ajustados, não pode fazê-lo a posteriori, após o trânsito em julgado da Decisão Arbitral 1012/2023-T;

WW)       Muito menos quando está assente que nenhum facto novo se verificou – superveniência objetiva – ou chegou à esfera de conhecimento da AT – superveniência subjetiva;

XX)             O único argumento que a AT utiliza para emitir a Terceira Liquidação de IMT aqui impugnada já era do seu conhecimento aquando da prática da Primeira Liquidação de IMT, como bem sublinhou o tribunal arbitral tributário na Decisão Arbitral 1012/2023-T transitada em julgado;

YY)              Impõe-se, em face de todo o exposto, concluir pela ilegalidade da Terceira Liquidação de IMT impugnada por violação das disposições conjugadas constantes dos artigos 13.º, n.º 3, e 24.º, n.º 4, do RJAT, vício conducente à sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo (doravante “CPA”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT;

ZZ)              Caso se admita que a emissão pela AT da Terceira Liquidação de IMT impugnada não estava legalmente vedada, deverá concluir-se que aquela está ferida de ilegalidade em função dos concretos fundamentos esgrimidos pela Requerida para a sua prática; 

AAA)       De acordo com o artigo 11.º, n.º 5, do Código do IMT, na redação anterior à que lhe foi atribuída pelo artigo 14.º da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, em vigor a partir de 7 de outubro de 2023, ou seja, em data posterior à da putativa caducidade da isenção (28 de outubro de 2021), “[a] aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda”;

BBB)       O disposto no n.º 10 do artigo 11.º do Código do IMT, aditado pela referida Lei n.º 56/2023, segundo o qual, “[p]ara efeitos do disposto no n.º 5, considera-se destino diferente a conclusão de obras, de edificação ou de melhoramento, ou outras alterações que possam determinar variação do seu valor patrimonial tributário”, é inaplicável ao caso sub judice uma que, em conformidade com o artigo 55.º daquele diploma, não se encontrava sequer em vigor à data da putativa caducidade da isenção que está no cerne da liquidação adicional aqui impugnada;

CCC)    As alterações – mínimas – provocadas pela reabilitação e modernização do Imóvel estão muito longe de consubstanciarem uma “metamorfose ou alteração substancial do bem que foi adquirido para revenda” – expressão utilizada pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (doravante “STA”) no acórdão uniformizador de jurisprudência no processo n.º 01626/13, de 17 de setembro de 2014 – com a virtualidade de fazer caducar a isenção do artigo 7.º, do Código do IMT, na redação anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.º 56/2023.

DDD)    A própria AT tem publicitado que “não pode ser relevante, negativamente, a venda de frações autónomas por banda dos revendedores de prédios ou a sua constituição em propriedade horizontal, que não dá lugar à existência de um prédio diverso do anterior, submetendo-o apenas a um regime jurídico diferente, ou seja, o prédio não deixa, pois, de ser um só e o mesmo, apenas estando dividido em andares, constituindo frações autónomas e no que tange aos restantes imóveis, atendendo ao princípio dado como assente, que a transformação de lotes em propriedade horizontal não constitui destino diferente (vide Ac. do Supremo Tribunal Administrativo n.º 706/11 de 31/01/2012). Como, aliás, acontece com a aquisição de prédios rústicos adquiridos para revenda e posterior loteamento com venda por lotes. Neste sentido na al. b), do n.º 2 do Ofício-circular D- 2/91, de 17-06, já se considerava que para efeitos de caducidade da isenção, uma operação de loteamento de prédios rústicos adquiridos para revenda, não implicava a afetação a destino diferente do da revenda. Um outro exemplo de alteração meramente jurídica sem caducidade do benefício fiscal é a passagem a propriedade horizontal (PH) de um prédio em propriedade total (PT): "A Administração Fiscal tem entendido que nos casos em que um prédio adquirido com isenção de IMT ao abrigo do artigo 7.º do CIMT e que posteriormente à sua aquisição seja submetido ao regime de propriedade horizontal não implica, só por si, a caducidade do benefício previsto naquele preceito" (cf. IVE 634, sancionado por despacho de 04.06.2010, proferido pela Subdiretora-Geral do Património)”;

EEE)        Também na jurisprudência dos tribunais superiores se sufraga o entendimento de que um imóvel não tem que ser revendido no estado em que se encontrava quando beneficiou da isenção - v.g., Tribunal Central Administrativo Sul, no Acórdão n.º 06117/12, de 19 de março de 2015;

FFF)         Cumpre trazer à colação a decisão arbitral proferida em 26 de agosto de 2019 no âmbito do processo n.º 627/2018-T, no qual a ora Requerente figurava como parte, entretanto transitada em julgado, em que o tribunal ponderou que “[é]certo que a hipótese adiantada pelo acórdão do STA [n.º 01626/13], se refere a prédios adquiridos já com obras em curso, o que, como se viu, não foi o que aconteceu no presente caso. Mas menos certo não é que o mesmo acórdão, ao formular o exemplo ora em causa, coloca a tónica não no volume das obras realizadas após a aquisição do imóvel, mas na disparidade entre o resultado daquelas e o que constava na licença de construção em vigor à data da aquisição. Por outro lado, e tendo em conta a matéria de facto apurada, crê-se que, quer de um ponto de vista material, quer de um ponto de visto económico, a intervenção operada não se apura que tenha sido de tal molde que se deva dizer que o essencial da operação comercial da Requerente tenha sido de natureza transformadora, ou seja, que a atividade comercial executada tenha sido, na sua essência, uma atividade de transformação do bem adquirido. Assim, sob um ponto de vista material, verifica-se que o prédio adquirido manteve, grosso modo, a sua área de implantação (que aumentou cerca de 12,9%), e, não obstante da área bruta privativa ter aumentado em 48,27%, o certo é que ao imóvel apenas foi acrescentado um piso (passando de cave, r/c, 1.º andar e sótão, para r/c, 1.º, 2.º e 3.º andares), circunstância que indicia que deverá ter sido mantida a traça e a volumetria geral, como é normal e da experiência comum que seja imposto ao nível dos licenciamentos administrativos, quando estão em causa intervenções sobre imóveis já antigos. Por outro lado, e sob um ponto de visto económico, verifica-se que da intervenção operada pela Requerente, face aos dados disponíveis (…) decorreu um aumento do valor patrimonial do imóvel em cerca de 37,15%. Este incremento, apesar de assumir já um relevo considerável (…) não é desproporcional ou incompatível com intervenções de índole essencialmente restauradora (e não transformadora) de imóveis. Efetivamente, será conforme à realidade normal das coisas, que de uma intervenção que recupere para o estado de "novo" um imóvel com mais de 50 anos, ainda que mantendo o essencial das suas características, contribua para um valorização na ordem da verificada, sobretudo se tal intervenção for associada, como acontece no caso, à implementação de propriedade horizontal, sendo ainda certo que, conforme é taxativa a jurisprudência na matéria, tal operação jurídica será irrelevante para a aferição da ocorrência de um "destino diferente"”;

GGG)    A mesma orientação deve ser adotada em relação às intervenções efetuadas sobre o Imóvel, as quais visaram a respetiva modernização após décadas de utilização como edifício de escritórios e conformação com as especificações legais e regulamentares, para além de dotar o mesmo das condições indispensáveis à sua utilização para fim habitacional;

HHH)    Tais obras, em vez de transformarem o Imóvel numa realidade física completamente diversa daquela que existia no momento da sua aquisição, de tal forma que foi descaracterizada e deu lugar a uma nova realidade, tiveram em vista, na linguagem utilizada pelo tribunal arbitral no acórdão proferido no processo n.º 152/2019-T e transitado em julgado, “preparar o mesmo bem adquirido, de modo a maximizar o seu valor aquando da sua revenda”;

III)                Era e sempre foi esta, a revenda, a finalidade que presidiu à aquisição do Imóvel em 2018;

JJJ)              Inexistiram, portanto, intervenções sobre a estrutura do Imóvel capazes de configurarem uma alteração do destino para os efeitos do n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, na redação em vigor à data da aquisição;

KKK)       E mesmo que se admitisse que o IMT é devido, os juros compensatórios nunca poderão ser superiores a EUR 10.882,32.

§2    Síntese da posição da Requerida

19.       Por seu turno, a Requerida estriba-se, igualmente em síntese, no seguinte:

A)                   A isenção cuja caducidade originou a liquidação que vem impugnada, caducou por no Imóvel terem ocorrido obras das quais resultaram alteração da sua estrutura e das suas divisões internas;

B)                   O ato impugnado não padece de qualquer dos vícios que a Requerente lhe imputa nem de nenhuns outros, tendo o mesmo sido praticado de acordo com as disposições legais e constitucionais em vigor;

C)                  Não obstante a sucessão de liquidações que se verificou, não merece qualquer reparo a Terceira Liquidação de IMT, dado que a mesma resulta do escrupuloso cumprimento do quadro legal aplicável, ao contrário do alegado pela Requerente;

D)                  A Requerente alega, em suma, que a regra contida no n.º 3 do artigo 13.º do RJAT deve ser conciliada com a do artigo 24.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, donde se retira que após o decurso do prazo de 30 dias, previsto no n.º 1 do mesmo artigo, não poderá doravante ser praticado um novo ato para o mesmo facto tributário, quer no âmbito do processo em curso no tribunal, quer num qualquer momento posterior, nomeadamente após findo esse processo, estando assim o “novo” ato ferido de ilegalidade não só por essa intempestividade, como ainda por já ter havido caso julgado sobre a liquidação do facto tributário em causa;

E)                    Nos termos do n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, existe a possibilidade de alteração ou substituição da liquidação impugnada após apresentação de um pedido de constituição de tribunal arbitral, porém, tal possibilidade apenas pode acontecer dentro do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, ou seja, antes da constituição do tribunal arbitral, estando, assim, o requerente em tempo de alterar o seu pedido de pronuncia arbitral, adequando-o à nova liquidação;

F)                    Findo o prazo previsto de 30 dias, a AT fica impossibilitada de praticar, dentro daquele processo arbitral, novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos. (cf. disposto do nº 3 do art. 13º do RJAT);

G)                  Ora, a alegada intempestividade do “novo” ato tributário, ao abrigo do n.º 3 do artigo 13.º do RJAT, emitido após o encerramento do processo que correu os seus termos no tribunal arbitral, não deverá proceder, uma vez que a mesma apenas produz efeitos dentro daquele processo, não fora dele;

H)                  Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º do RJAT “Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.”;

I)                      O referido preceito legal afasta a perda de direitos substantivos por força de decisões arbitrais que se abstêm de conhecer do mérito e fazem caso julgado meramente formal, em linha com o previsto no artigo 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante “CPC”) e no artigo 87.º, n.º 8, do CPTA, aplicáveis subsidiariamente ao processo arbitral tributário por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT, renovando os direitos de impugnação administrativa e contenciosa relativamente aos “atos objeto da pretensão arbitral deduzida”;

J)                      Resulta assim da lei, de forma clara, a possibilidade de se apresentar nova pronúncia arbitral “dos atos objeto” da primeira pretensão arbitral sempre que esta não conheça do mérito do pedido;

K)                   Do lado contrário, temos a absolvição do pedido sempre que o juiz, pronunciando-se sobre o mérito da questão, julga (im)procedente a pretensão do autor ou de alguma exceção perentória (artigo 595.º, n.º 1, al. b), do CPC);

L)                    Transitada em julgado a absolvição do pedido, fica o autor impedido de nos termos legais, propor uma outra ação sobre o mesmo objeto;

M)                 In casu, o tribunal arbitral não conheceu, na Decisão Arbitral 1012/2023-T, do mérito do pedido, nem julgou qualquer exceção perentória, pelo que não se verifica a alegada exceção do caso julgado;

N)                  Ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alíneas a), b) e d), do RJAT, o qual estabelece que com o trânsito em julgado a AT fica obrigada a emitir uma nova liquidação em resultado ou em execução do decidido pelo tribunal arbitral;

O)                  De acordo com o disposto no artigo 100.º, da Lei Geral Tributária (doravante “LGT”), a obrigação da AT executar o julgado, surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial;

P)                   Esta obrigação está consagrada na Constituição da República Portuguesa (doravante “CRP”), no seu artigo 205.º, n.º 2, onde se refere que “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”, sendo que o nº 3 do mesmo dispositivo legal estipula que “a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução”;

Q)                  Admitir-se uma atuação diferente ao quadro legal que vem a expor-se, configuraria ao que se considera uma atuação por parte da AT em violação do princípio da legalidade, ao qual está subordinada, nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP;

R)                   A Requerente alega ainda que, na Segunda Liquidação de IMT – idêntica à Terceira Liquidação de IMT em termos de fundamentação legal e montante de IMT - a AT abandonou o argumento  subjacente à Primeira Liquidação de IMT, que se prendia com a ausência de revenda da totalidade das frações autónomas no prazo de três anos então estipulado por lei para evitar a caducidade da isenção, e enveredou por uma suposta caducidade da isenção de IMT provocada pela alteração do destino em virtude da realização de “obras estruturais” no Imóvel;

S)                   Acontece que, ao contrário do que a Requerente invoca, quer o argumento de que o Imóvel adquirido não foi revendido dentro do prazo de três anos, quer o argumento de que foi dado destino diferente em virtude da realização de “obras estruturais” constavam da fundamentação da Primeira Liquidação de IMT;

T)                    Basta atentar ao teor da notificação remetida em sede de audição prévia, para se perceber que a mesma é congruente com a correção efetuada e se mostra suficientemente clara e percetível a qualquer administrado, normalmente diligente, que com ela se confronte, porquanto, a partir dela, lhe é possível conhecer os motivos determinantes da decisão;

U)                  No âmbito do ofício que procedeu à notificação da audição prévia à liquidação constou a seguinte fundamentação, em tudo idêntica à que acompanhou o ofício de notificação do ato de liquidação propriamente dito: “O prédio em questão, encontrava-se inicialmente inscrito na matriz predial como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, tendo sofrido obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P de um novo artigo matricial nº ... da mesma freguesia. Verificou-se que o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.º 135/48, outorgada no Cartório Notarial de C... em 2018-11-30, não se encontrava totalmente revendido no prazo de 3 anos, pelo que caducou o direito à isenção. Face ao estipulado no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT a seguir transcrito: “A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”;

V)                   Nas referidas notificações verifica-se que as mesmas são acompanhadas da fundamentação, que esteve na base da Primeira Liquidação de IMT, que incidiu sobre a totalidade das frações autónomas do Imóvel, de que as frações que foram adquiridas para revenda ter sido dado destino diferente;

W)                Pois verificou-se que o Imóvel adquirido em propriedade total pela Requerente, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, sofreu obras estruturais profundas, incluindo ampliação e demolição parcial, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas;

X)                   É notório que consta daquelas notificações, como causa de caducidade, o fundamento de que o Imóvel não se encontra totalmente revendido no prazo de três anos;

Y)                   Contudo, ao contrário, do alegado pela Requerente, o cerne da liquidação aqui impugnada não esteve na circunstância de o Imóvel, que beneficiou da isenção, não ter sido revendido na totalidade no prazo de 3 anos, mas sim no facto do Imóvel que foi adquirido para revenda ter sido dado destino diferente;

Z)                    Tanto mais que não faz qualquer sentido emitir uma liquidação de IMT, com fundamento na falta de revenda nos três anos, para prédios (ou seja, frações) que tinham sido revendidos dentro daquele prazo;

AA)             Da notificação de audição prévia à liquidação, bem como da notificação do ato de liquidação propriamente dito, há ainda que realçar que das mesmas resulta como fundamento principal para a liquidação a alteração estrutural do Imóvel, que implicou a sua alteração matricial (alteração essa que implicou variação do valor patrimonial), ainda que nelas se faça igualmente referência à caducidade por não revenda nos três anos;

BB)             Tanto mais que é a única fundamentação capaz de sustentar a liquidação na sua totalidade, ou seja, de que o Imóvel que foi adquirido para revenda ter sido dado destino diferente, pois, se apenas se tiverem conta a fundamentação baseada no facto de o Imóvel adquirido com isenção não ter sido revendido na totalidade no prazo de 3 anos, não se compreende, face à jurisprudência e doutrina administrativa, como se liquidou a totalidade das frações;

CC)           Ou seja, torna-se claro que a Terceira Liquidação de IMT, emitida para a totalidade das frações, o foi com fundamento na primeira parte do n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT, isto é, pelo facto de às frações adquiridas para revenda ter sido dado destino diferente, pelo que o alegado pela Requerente nesta parte deverá improceder;

DD)           Alega também a Requerente que inexistiram “obras das quais resultaram a alteração da estrutura do prédio e das suas divisões internas” capazes de configurarem uma alteração do destino do Imóvel para os efeitos do n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT;

EE)              Em suma, a questão em discussão neste segmento consiste em saber se na situação em apreço ocorreu uma alteração substancial do Imóvel, cuja aquisição foi objeto de isenção de IMT, que determine o desvio do respetivo fim e afetação, originando a caducidade da isenção nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do Código do IMT;

FF)               Questão análoga foi objeto de apreciação do Acórdão do STA de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13, para o qual remete;

GG)           As obras estruturais profundas de que o Imóvel foi objeto constituíram uma metamorfose ou alteração substancial do bem, implicando uma afetação a destino diferente do da revenda, pelo que a Terceira Liquidação de IMT não padece do vicio de ilegalidade que aqui a Requerente lhe aponta;

HH)           A pretensão arbitral da Requerente não está sustentada nem na lei nem no direito constituído, devendo ser julgada improcedente;

II)                   Assim, impugna-se por infundado todo o aduzido no PPA que contrarie todo o exposto, devendo decidir-se a final que o ato impugnado não padece dos vícios que lhe foram assacados nem de nenhuns outros.

III.      SANEAMENTO

20.       O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação do ato de liquidação de IMT contra a qual a havia deduzido (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT).

21.       As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

22.       Não foram invocadas, nem identificadas nulidades ou exceções que obstem ao conhecimento do mérito.

IV.      MATÉRIA DE FACTO

§1.    Fundamentação da matéria de facto 

23.       O Tribunal Arbitral tem o dever de selecionar os factos que interessam à decisão da causa e discriminar os factos provados e não provados, não tendo de se pronunciar quanto a todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre da aplicação conjugada do artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante “CPPT”), e do artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

24.       Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, determinada com base nas posições assumidas pelas partes e nas várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, conforme decorre do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

25.       Os factos dados como provados e não provados resultaram da análise da prova produzida no presente processo, designadamente a prova documental junta aos autos pela Requerente, do processo administrativo junto aos autos pela Requerida, tendo os mesmos sido apreciados pelo Tribunal Arbitral de acordo com o princípio da livre apreciação dos factos, conforme decorre do artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e do artigo 607.º, n.ºs 4 e 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

26.       Não se deram como provadas nem como não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto consolidada. 

§2     Factos provados

27.       Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:

i)           A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 2003, que tem por objeto, entre outros, a promoção imobiliária, desenvolvimento de projetos imobiliários e a compra e venda de imóveis ou de direitos sobre os mesmos e revenda dos adquiridos para esse fim (cfr. PA - Certidão da Conservatória do Registo Predial anexa como documento à reclamação graciosa);

ii)          No âmbito da sua atividade, em 30.11.2018, a Requerente adquiriu, por escritura pública de compra e venda, ao Fundo de Pensões B..., pelo preço de € 13.053.200,00, o Imóvel, cujo Valor Patrimonial Tributário era de EUR 4.907.151,27 (cfr . Doc. 2);

iii)         Ficou expresso na escritura pública de compra e venda que o Imóvel se destinava a revenda (cfr. Doc. 2);

iv)         A guia de liquidação do IMT, aquando da aquisição do Imóvel, foi emitida pela Requerida a zeros, ao abrigo do artigo 7.º, do Código do IMT, por se aplicar a isenção de IMT à aquisição de prédios para revenda (cfr. PA - Decl. Modelo 1 de IMT n.º 2018/..., de 29.11.2018 e Doc. 2);

v)          Aquando da aquisição, o Imóvel era constituído por 3 (três) caves, rés-do-chão e 7 (sete) andares e encontrava-se em regime de propriedade total com 11 (onze) divisões suscetíveis de utilização independente e estava afeto a serviços (cfr. Doc. 2 e PA – certidão permanente da Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o código de acesso PP- ...);

vi)         Em 21.08.2019, o Departamento de Apoio à Gestão Urbanística – Divisão de Saneamento Liminar e Apoio ao Licenciamento da Direção Municipal de Urbanismo da CML, emitiu o “ALVARÁ DE OBRAS DE AMPLIAÇÃO COM DEMOLIÇÃO N.º .../CDCML/2019” a executar no Imóvel (cfr. Doc. 3);

vii)        Em julho de 2020, o Imóvel foi constituído em regime de propriedade horizontal com 16 frações autónomas identificadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P (cfr. PA – certidão permanente da Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o código de acesso PP-...);

viii)      Após a constituição do Imóvel em regime de propriedade horizontal, o mesmo passou a estar inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da freguesia de ... (cfr. PA – certidão permanente da Conservatória do Registo Predial de Lisboa com o código de acesso PP-...);

ix)         O Imóvel sofreu obras de adaptação visando a afetação do Imóvel para habitação, das quais resultaram alterações da sua estrutura e das suas divisões internas (facto consensual);

x)          Após a realização das obras no Imóvel, ocorreu a emissão de uma nova licença de utilização datada de 23.09.2021 (facto consensual);

xi)         Em 27.09.2021, a Requerente apresentou junto da Requerida a declaração Modelo 1 de IMI, com o registo n.º ..., para o reconhecimento do Imóvel como “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído” - (cfr. PA);

xii)        No âmbito duma ação de controlo das liquidações de IMT, pelo ofício n.º ..., datado de 16.02.2022, a Requerida notificou a Requerente para, em quinze dias, se pronunciar, querendo, nos termos do disposto do artigo 60.º, da LGT, sobre a proposta de liquidação de IMT, no montante de EUR 848.458,00, calculado mediante a aplicação da taxa de 6,5% ao valor de aquisição do Imóvel de EUR 13.053.200,00, bem como de juros compensatórios, nos termos previstos no artigo 35.º, da LGT, desde 30.12.2021, com a seguinte fundamentação:

“O prédio em questão, encontrava-se inicialmente inscrito na matriz predial como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, tendo sofrido obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P de um novo artigo matricial nº ... da mesma freguesia. 

Verificou-se que o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.º 135/48, outorgada no Cartório Notarial de C... em 2018-11-30, não se encontrava totalmente revendido no prazo de 3 anos, pelo que caducou o direito à isenção. 

Face ao estipulado no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT a seguir transcrito: “A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.” (cfr. Doc. 4, com negritos no próprio texto);

xiii)      Pelo ofício n.º ..., datado de 21.03.2022, a Requerida notificou a Requerente, para, no prazo de trinta dias, pagar o IMT, no montante de EUR 848.458,00, bem como dos meios de defesa ao seu dispor, com a seguinte fundamentação: 

O prédio em questão, encontrava-se inscrito na matriz como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 1 unidades, tendo sofrido obras estruturais profundas, originando nova licença  de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz as frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, 1, J, K, L, M, N, O e P do atual artigo ... da mesma freguesia.

Verificou-se que o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.° 135/48, outorgada no Cartório Notarial de C... em 2018-11-30, não foi totalmente revendido no prazo de três anos, pelo que caducou o direito à isenção face ao estipulado no n.° 5 do artigo 11.º do CIMT. (cfr. Doc. 5);

xiv)      Em 22.04.2022, a Requerida emitiu a Primeira Liquidação de IMT, reiterando que o Imóvel “não foi totalmente revendido no prazo de três anos”, pelo que havia caducado o direito à isenção (cfr. Doc. 6);

xv)        A Requerente pagou a Primeira Liquidação de IMT em 22.04.2022 (cfr. Doc. 6);

xvi)      Em 28.06.2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra a Primeira Liquidação de IMT, na qual solicitou a anulação parcial e o reembolso do montante correspondente a EUR 640.126,43, dos quais EUR 632.296,36 diziam respeito a IMT e os restantes EUR 7.830,08 a juros compensatórios (cfr. PA - RG);

xvii)     Por ofício datado de 09.12.2022, a Requerente foi notificada pela Requerida para exercer o direito de audição em relação à proposta de indeferimento da reclamação graciosa, a qual correu termos sob o n.º ...2022... (cfr. PA - RG); 

xviii)    A reclamação graciosa foi indeferida pela Requerida, por despacho de 31.01.2023, com os seguintes fundamentos:

(...)

III - ANÁLISE

Analisados todos os elementos constantes do presente procedimento de reclamação graciosa, assim como, os elementos constantes da base de dados cadastral da AT, verifica-se que, o cerne da questão nos presentes autos resulta da liquidação adicional de IMT, emitida oficiosamente em 2022.04.22 à qual coube o Registo n° 2022/..., a mesma foi emitida nos termos do n.º 1 do artigo 31.°, em ação de controlo das liquidações de IMT, tendo a mesma originado a liquidação adicional de IMT n° ..., a que corresponde o DUC n°... no valor a pagar de €848.458,00.

Verificou-se que tendo sido apresentada a declaração para a liquidação de IMT, registo n.° 2018/..., foi na referida liquidação declarado que o imóvel se destinava a revenda nos termos do artigo 7.° do CIMT.

Artigo Urbano: ... - Freguesia: ... . Destinado a Comércio, serviços e estacionamento coberto Valor Declarado: € 13.053.200,00 - Valor Patrimonial: € 4.907.151,27

Constatou-se ainda que, o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.º 135/48, outorgada no Cartório Notarial de C... em 2018-11-30, com destino à revenda, não tendo, o mesmo sido revendido na sua totalidade no prazo de 3 anos (no exato estado em que foi adquirido), tendo o mesmo sofrido obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização, datada de 23 de setembro de 2021, verificando-se assim que, ao mesmo, foi dado destino diferente do inicialmente previsto, pelo que, assim sendo, foi emitida a liquidação adicional de IMT aqui em analise.

(…)

Acresce que é entendimento da AT, que, nos casos em que um prédio adquirido com isenção de IMT ao abrigo do artigo 7.° do CIMT e que posteriormente à sua aquisição seja submetido ao regime de propriedade horizontal, esta alteração não implica, só por si, a caducidade do benefício previsto naquele preceito.

No entanto, a isenção em causa, caducou, não por o imóvel ter sido submetido ao regime de propriedade horizontal e não terem sido revendidas todas as frações, mas sim, por no imóvel terem ocorrido obras das quais resultaram alteração da estrutura do prédio e das suas divisões internas. O que se comprova através da receção em 2021.09.27, por parte da A... SA da declaração mod. 1 de IMI, onde é reconhecido que, a mesma foi entregue por o imóvel ser "Prédio Melhorado / Modificado / Reconstruído" (Motivo 3).

IV - PROPOSTA DE DECISÃO

Pelo anteriormente exposto, sou de propor, não ser de dar razão à entidade reclamante no presente procedimento, uma vez que, nos termos do n° 1 do art° 12°, conjugado com o art° 18° ambos do CIMT, a liquidação adicional, oficiosamente emitida, e ora  contestada, encontra-se efetivamente correta, uma vez que, o imóvel em causa sofreu obras estruturais profundas, o que originou que, ao mesmo foi dado destino diferente do da simples revenda no estado em que o mesmo se encontrava.

No que se refere à caducidade da isenção, estabelece o n.° 5 do art.º 11.° do CIMT que a aquisição a que se refere o art.° 7.° deixará assim de beneficiar de isenção, logo que, se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente.

Assim, verificando-se que, na data da 1ª liquidação de IMT, a respetiva aquisição usufruiu da isenção para revenda, prevista no art° 7.° do CIMT, e tendo o imóvel sofrido obras estruturais profundas, foi dado ao mesmo destino diferente, pelo que, a isenção fica sem efeito.

Pelo anteriormente exposto, e no determinado pelo n° 5 do Art.º 11 do CIMT, o direito à isenção caducou, pelo que, não tendo sido por parte da entidade reclamante solicitada a respetiva liquidação, foi a mesma processada oficiosamente pelos serviços.

(...)

V - CONCLUSÃO 

Assim, em conformidade com o anteriormente exposto, e salvo melhor opinião, sou de propor que deverá ser convertido em definitivo o projeto de INDEFERIMENTO dos presentes procedimentos de reclamação graciosa.” (cfr. PA - RG);

xix)      A Requerente interpôs recurso hierárquico, no qual peticionou, a final, a anulação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2022... e também da liquidação de IMT no montante equivalente a € 641.666,22 (cfr. PA-RH);

xx)        O recurso hierárquico, o qual correu termos sob o n.º ...2023..., foi indeferido pela Requerida, por despacho de 30.10.2023 (cfr. PA - RH);

xxi)      A Requerente submeteu, no CAAD, em 19.12.2023, um pedido de pronúncia arbitral com vista à anulação da Primeira Liquidação de IMT, bem como das decisões de indeferimento da reclamação graciosa e do recurso hierárquico que recaíram sobre aquele ato de liquidação (cfr. Doc 9);

xxii)     Este pedido de pronúncia arbitral correu termos sob o n.º 1012/2023-T (cfr. Doc 9); 

xxiii)    No âmbito do procedimento de revisão oficiosa que correu termos sob o n.º ...2024..., a Primeira Liquidação de IMT foi anulada pela Requerida por despacho de 01.02.2024, nos termos previstos no artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT (cfr. Doc. 7);

xxiv)     Nesse despacho, a Requerida determinou a emissão de outro ato de liquidação em substituição (cfr. Doc. 7);

xxv)     Para fundamentar essa decisão, a Requerida arguiu o seguinte:

MÉRITO

52º

Passando à apreciação da existência de fundamentos para a eventual revogação/manutenção do ato de liquidação aqui sindicado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, informamos o seguinte.

A. DELIMITAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO ATENDÍVEL DO ATO DE LIQUIDAÇÃO

53º

Alega que no procedimento de reclamação graciosa a AT contraria o que ela própria propugnou em sede de audição prévia à liquidação e no ato de liquidação propriamente dito e vem alegar que a isenção de IMT caducou não porque não foram revendidas todas as frações autónomas do imóvel em três anos, mas sim porque teriam “ocorrido obras das quais resultaram alteração da estrutura do prédio e das suas divisões internas”. Trata-se não só de um argumento novo, nunca suscitado de modo oportuno, como de uma verdadeira substituição a posteriori dos fundamentos que presidiram à prática do ato de liquidação, algo que o direito tributário obviamente não consente.

Vejamos,

54º

O dever de fundamentação estatuído no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos.

55º

No entanto, importa delimitar com rigor o preciso alcance deste dever constitucional.

56º

Estabelece o artigo 77.º da LGT «[a] decisão do procedimento é sempre fundamentada por meio de SUCINTA exposição das RAZÕES DE FACTO E DE DIREITO que a motivaram (...)» (n.º 1). «A fundamentação dos actos tributários deve conter as DISPOSIÇÕES LEGAIS APLICÁVEIS, a QUALIFICAÇÃO e a QUANTIFICAÇÃO dos actos tributários e as OPERAÇÕES DE APURAMENTO da matéria tributável e do tributo» (n.º 2) (evidência nossa).

57º

Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 125.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), que corresponde ao atual art.º 153.º do citado compêndio legal, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato; equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato.

58º

Temos, pois, que a fundamentação dos atos deverá consistir, no mínimo, numa exposição concisa dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, dando a conhecer ao interessado, o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão para decidir no sentido em que decidiu e não noutro qualquer.

59º

Com efeito, ao contrário do que a Requerente invoca, para quem a mesma seria deficiente, basta atentar ao teor da notificação, para se perceber que a mesma é congruente com a correção efetuada e se mostra suficientemente clara e percetível a qualquer administrado, normalmente diligente, que com ela se confronte, porquanto, a partir dela, lhe é possível conhecer os motivos determinantes da decisão.

60º

No âmbito do ofício que procedeu à notificação da audição prévia à liquidação constou a seguinte fundamentação, em tudo idêntica à que acompanhou o ofício de notificação do ato de liquidação propriamente dito:

“O prédio em questão, encontrava-se inicialmente inscrito na matriz predial como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, tendo sofrido obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas designadas pelas letras  A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P de um novo artigo matricial nº ... da mesma freguesia.

Verificou-se que o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.º 135/48, outorgada no Cartório Notarial de C... em 2018-11-30, não se encontrava totalmente revendido no prazo de 3 anos, pelo que caducou o direito à isenção.

Face ao estipulado no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT a seguir transcrito: “A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”

61º

Nas referidas notificações verifica-se que as mesmas são acompanhadas da fundamentação, que esteve base da liquidação contestada, que incidiu sobre a totalidade das frações autónomas do prédio em causa, de que às frações que foram adquiridas para revenda foi dado destino diferente, pois verificou-se que o prédio adquirido em propriedade total pela Requerente, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, sofreu obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas.

62º

Embora também conste daquelas notificações como causa de caducidade o fundamento de que o prédio não se encontra totalmente revendido no prazo de três anos.

63º

Ao contrário, do alegado pela Requerente, o cerne da liquidação aqui impugnada não esteve na circunstância de o imóvel, que beneficiou da isenção, não ter sido revendido na totalidade no prazo de 3 anos, mas sim no facto do imóvel que foi adquirido para revenda ter sido dado destino diferente, tanto mais que não faz qualquer sentido emitir liquidação de IMT, com fundamento na falta de revenda nos três anos, para prédios (ou seja, frações) que tinham sido revendidos dentro daquele prazo.

64º

A própria Requerente refere jurisprudência e doutrina, bem como fichas doutrinárias emitidas pela própria AT, em que se esclarece de forma cabal e certa, que no caso de não lograr vender a totalidade das frações autónomas de um prédio entretanto constituído em regime de propriedade horizontal, ocorrendo a caducidade da isenção será liquidado IMT pelo valor que cada uma das frações, não revendidas, tiver à data da liquidação. (cf. fichas doutrinárias: processo n.º 2010001009 – IVE n.º 634, processo n.º 2013002923 – IVE n.º 5787), pelo que não pode alegar que parte da liquidação não teve por fundamento o facto de algumas frações que foram adquiridas para revenda ter sido dado destino diferente.

65º

Em suma, da notificação de audição prévia à liquidação, bem como da notificação do ato de liquidação propriamente dito há que realçar que das mesmas resulta como fundamento principal para a liquidação a alteração estrutural do prédio, que implicou a sua alteração matricial (alteração essa que implicou variação do valor patrimonial), ainda que nelas se faça igualmente referência à caducidade por não revenda nos três anos.

66º

Tanto mais que é a única fundamentação capaz de sustentar a liquidação na sua totalidade, ou seja, de que ao imóvel que foi adquirido para revenda ter sido dado destino diferente, pois, como já vimos, se apenas tivermos em conta a fundamentação baseada no facto do prédio adquirido com isenção não ter sido revendido na totalidade no prazo de 3 anos, não se compreende, face à jurisprudência e doutrina administrativa, como se liquidou a totalidade das frações.

67º

Ou seja, torna-se claro que a liquidação de IMT, emitida para a totalidade das frações, o foi com fundamento na primeira parte do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, isto é, pelo facto de às frações adquiridas para revenda ter sido dado destino diferente, aliás, a razão de tal fundamento consta de forma nítida e expressa em ambas as notificações: “O prédio em questão, encontrava-se inicialmente inscrito na matriz predial como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, tendo sofrido obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P de um novo artigo matricial nº ... da mesma freguesia.”

68º

Neste sentido, verifica-se que a Requerente pôde captar, inequivocamente, o fundamento da correção em crise, refletindo-se tal perceção, mormente, na P.I. que ora apresenta, nela contrapondo os fundamentos em que assentou a motivação da AT para efetuar a correção controvertida, o que nos permite concluir pela suficiência da fundamentação.

69º

Neste sentido, vide Lei Geral Tributária comentada e anotada, Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues, Jorge Lopes Sousa, 3ª ed., Vislis, Setembro 2003, pág. 381-382 «No entanto, deverá ter-se em conta que os vícios poderão considerar-se sanados quando se demonstrar que, apesar da imprecisão ou omissão ou irregularidade do conteúdo do acto, foi atingido o objectivo que se visava atingir com a imposição deste conteúdo, designadamente que o seu destinatário se apercebeu correctamente do seu exacto alcance. O STA tem vindo a entender uniformemente, no que concerne a vícios de forma de actos administrativos, que as irregularidades devem considerar-se como não essenciais desde que seja atingido o objectivo visado pela lei com a sua imposição».

70º

Nesta perspetiva, um ato está fundamentado sempre que o contribuinte, como destinatário normal, fique devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram, estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva, mas acessível e explícita.

71º

In casu, é manifesto que foi dado à Requerente um conhecimento claro da motivação da liquidação, de modo a permitir que fizesse uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do ato ou a sua impugnação, como se constata através do presente pedido de pronúncia do tribunal arbitral.

72º

Assim, deverá concluir-se pela inexistência de violação do princípio da fundamentação, mantendo-se a validade e eficácia legal do ato de liquidação.

 

B. DA ALEGADA CADUCIDADE DA ISENÇÃO DE IMT POR FORÇA DA AUSÊNCIA DE REVENDA DA TOTALIDADE DO IMÓVEL NO PRAZO DE TRÊS ANOS CONTADOS DA AQUISIÇÃO

73º

Neste segmento de defesa, a Requerente quer-nos fazer crer que verdadeiramente o que motivou a liquidação de imposto ora contestada foi a circunstância de o imóvel não ter sido revendido na totalidade no prazo de três anos, ou seja, até 30 de novembro de 2021.

74º

Alega a Requerente que recusa esta interpretação, desde logo porque dez das dezasseis frações autónomas entretanto constituídas no imóvel foram revendidas dentro daquele hiato temporal, pelo que, a existir caducidade da isenção de IMT, a mesma seria parcial, isto é, limitada às frações autónomas que continuavam a ser propriedade da Requerente ao fim de três anos, e não a totalidade.

75º

Ora, tal como a Requerente recusa esta hipotética interpretação, que, com o devido respeito nada tem a ver com a liquidação aqui em crise, também a AT a recusa e tem defendido, quer nas suas decisões, quer nas suas instruções de serviço e várias fichas doutrinárias por si emitidas, que nos casos em que o contribuinte não logre vender a totalidade das frações autónomas de um prédio, entretanto constituído em regime de propriedade horizontal, ocorrendo a caducidade da isenção será liquidado IMT pelo valor que cada uma das frações, não revendidas, tiver à data da liquidação, ou seja, a liquidação é limitada às frações autónomas que continuavam a ser propriedade da Requerente ao fim dos três anos.

76º

E a Requerente tem conhecimento desta interpretação e linha de atuação da AT, como já demos nota nos pontos 61.º a 67.º desta informação.

77º

Assim sendo, torna-se claro, pois, caso contrário, estaríamos perante um atropelo à lógica e à razão, que a liquidação de IMT relativa à totalidade das frações teve como fundamento a primeira parte do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, isto é, o facto de às frações adquiridas para revenda ter sido dado destino diferente.

78º

Alega ainda que os juros compensatórios relativamente às seis frações autónomas não revendidas não poderiam ter sido contados a partir de 30 de dezembro de 2021 – i.e., o trigésimo dia posterior ao da verificação da caducidade da isenção até ao qual deveria ser solicitada a liquidação do IMT – até 21 de abril de 2022, como sucedeu, mas no máximo até ao dia 16 de fevereiro de 2022, i.e., a data em que foi expedido pelo Serviço de Finanças de Lisboa – ..., o ofício n.º ..., para efeitos de exercício do direito de audição em relação à proposta de liquidação do imposto. Não entende que a liquidação de IMT tenha sido retardada no período entre 16 de fevereiro de 2022 e 21 de abril de 2022 por facto imputável à Requerente porque esta não se recusou pura e simplesmente a pagar a prestação tributária, apenas discordou do seu quantum.

79º

Atento o teor literal do artigo 35.º da LGT, no seu n.º 1, sempre que ocorra retardamento da liquidação, do total ou de parte do imposto devido, são devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, desde que tal retardamento decorra de facto que lhe seja imputável.

80º

Assim constituem requisitos, nos termos do supracitado preceito legal, da liquidação de juros compensatórios, que o imposto seja devido, ocorra retardamento na liquidação e entrega desse imposto ao credor tributário, que da ocorrência daquele retardamento ocorra prejuízo para o credor e que o retardamento seja imputável ao obrigado ao imposto.

81º

A ratio essendi dos juros compensatórios está associada a um juízo de censura, a título de culpa e, por consequência, numa conduta, no mínimo negligente, imputável ao sujeito passivo e que se prende com a sua responsabilização cível, no sentido de indemnizar o Estado pelos prejuízos decorrentes do não recebimento atempado do imposto devido, com suporte numa conduta censurável.

82º

E embora a liquidação dos juros compensatórios constitua uma liquidação autónoma, ainda que integrada na liquidação do imposto, a verdade é que aquela tem que conter um mínimo de fundamentação própria, nomeadamente no que respeita à base de cálculo, à taxa aplicada e ao lapso de tempo a que se reportam.

83º

A jurisprudência é unânime assim como a doutrina que pressuposto subjetivo da liquidação de juros compensatórios é a culpa do sujeito passivo no retardamento da liquidação devida, devendo o juízo de culpa ser aferido em abstrato, segundo a diligência de um “bonus pater familias”.

84º

In casu, os juros compensatórios foram calculados desde 30 de dezembro de 2021 – i.e., o trigésimo primeiro dia posterior ao da verificação da caducidade da isenção até ao qual deveria ser solicitada a liquidação do IMT – até 21 de abril de 2022, data imediatamente anterior ao dia em que foi emitida a liquidação de IMT, ora contestada.

85º

É certo que a Requerente, relativamente aos juros compensatórios, apenas vem pôr em causa a data do termino usada para o seu cálculo, ou seja, a data de 21 de Abril de 2022, pois não entende que a liquidação de IMT tenha sido retardada no período entre 16 de fevereiro de 2022 (data em que foi expedido pelo SF de Lisboa ..., para efeitos de audição prévia em relação à liquidação de imposto) e 21 de abril de 2022 por facto imputável à Requerente, porque esta não se recusou pura e simplesmente a pagar a prestação tributária, apenas discordou do seu quantum.

Contudo, cabe-nos fazer os seguintes considerandos sobre a liquidação de juros compensatórios, a saber:

86º

O direito à liquidação e cobrança de juros compensatórios só pôde ser exercido a partir da constatação do não cumprimento dos objetivos ou condições a que ficou subordinada a concessão de isenção (neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo – vide, entre outros, os Acórdãos de 22.09.2010, recurso 383/10, de 14.09.2011, recurso 294/11 e de 54/14 de 03.05.2017, os dois últimos no âmbito do IMT).I

87º

Pelo que, verificando-se um qualquer facto que provoque a caducidade da isenção, cabe ao contribuinte, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do CIMT, a iniciativa de liquidação, devendo, para o efeito, apresentar a competente declaração.

88º

Não o tendo feito, nos prazos definidos na lei, a liquidação foi promovida oficiosamente pelo serviço de finanças competente, nos termos do n.º 2 daquele mesmo dispositivo legal.

89º

Foi o que aconteceu. Contudo, no caso em apreço é de referir que, face à fundamentação do ato tributário, a data do facto em que se verificou a caducidade da isenção não é o dia 30 de novembro de 2021 (data em que terminou a prazo de 3 anos para a revenda), mas sim o dia 27-09-2021 (data da entrega da declaração Mod. 1 de IMI, com o registo n.º ... para o reconhecimento de “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído), pelo que os juros compensatórios deverão ser contados a partir de 27 de outubro de 2021, i.e., a ”partir do trigésimo primeiro dia posterior ao da verificação da caducidade da isenção, considerando que até ao 30.º dia o contribuinte tinha a obrigação de solicitar liquidação do IMT. Não o tendo feito, é-lhe imputável o retardamento da liquidação, desde aquela data até à emissão da liquidação por parte dos serviços (data em que a falta foi suprida), ou seja, até 16 de fevereiro de 2022 (data em que foi expedido ofício pelo SF de Lisboa ..., para efeitos de audição prévia com a demonstração da liquidação de IMT), como alega e defende a Requerente, sendo nesse período devidos juros compensatórios pelo sujeito passivo, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 33.º do CIMT, conjugado com artigo 35.º da LGT.

90º

Assim, somos de opinião, que a liquidação de juros compensatórios deve ser alterada nos termos expostos.

C. DA ALEGADA CADUCIDADE DA ISENÇÃO DE IMT RESULTANTE DA ATRIBUIÇÃO DE UM DESTINO DIFERENTE AO IMÓVEL

91º

Alega que as intervenções efetuadas sobre o imóvel em causa visaram a respetiva modernização após décadas de utilização como edifício de escritórios e conformação com as especificações legais e regulamentares, para além de dotar o mesmo das condições indispensáveis à sua utilização para fim habitacional, as quais tiveram em vista, na linguagem utilizada pelo tribunal arbitral no acórdão n.º 152/2019-T, “preparar o mesmo bem adquirido, de modo a maximizar o seu valor aquando da sua revenda”.

92º

No seu entender, inexistiram, portanto, “obras das quais resultaram a alteração da estrutura do prédio e das suas divisões internas” capazes de configurarem uma alteração do destino do imóvel para os efeitos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.

93º

Em suma, a questão em discussão neste segmento consiste em saber se na situação em apreço ocorreu uma alteração substancial dos imóveis, cuja aquisição foi objeto de isenção de IMT, que determine o desvio do respetivo fim e afetação, originando a caducidade da isenção nos termos do artigo 11.º, n.º 5, do Código do IMT.

94º

Questão análoga foi objeto de apreciação do Acórdão do STA de 17-09-2014, proferido no processo n.º 01626/13, que passamos a citar:

Vejamos:

95º

Em 30 de novembro de 2018, a Requerente adquiriu, por escritura de compra e venda, ao Fundo de Pensões B..., pelo preço de € 13.053.200,00, o prédio urbano, destinado a comércio, sito na ..., n.ºs ..., ..., ... e ..., em Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ... .

96º

Quando da aquisição, a Requerente declarou tratar-se de prédio destinado a revenda, pelo que, por força do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do CIMT, tal aquisição ficou isenta de IMT (cf. Decl. Modelo 1 de IMT n.º 2018/..., de 29-11-2018).

97º

Nessa data, o imóvel era constituído por 3 (três) caves, rés-do- chão e 7 (sete) andares e encontrava-se em regime de propriedade total com 11 (onze) divisões suscetíveis de utilização independente.

98º

Em 27 de agosto de 2019, foi emitido, em nome da Requerente, pelo Departamento de Apoio à Gestão Urbanística – Divisão de Saneamento Liminar e Apoio ao Licenciamento da Direção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, o alvará de obras de ampliação com demolição (parcial) n.º.../CDCML/2019 a executar no imóvel, de onde consta, como grande responsabilidade desta última a manutenção da(s) fachada(s) e empena(s) (cf. Doc. n.º 4 junta com a PI).

99º

Ao abrigo deste alvará, o prédio sofreu obras estruturais profundas, das quais resultaram alterações da estrutura do prédio e das suas divisões internas.

100º

Em consequência destas alterações, o edifício ganhou um piso acima da cota de soleira, passando de três caves, rés-do-chão e sete andares para três pisos abaixo e nove acima da cota de soleira, tendo havido um aumento da altura da edificação – em 1,19m (cf. Doc. n.º 4, junto com a PI).

101º

A criação de dezasseis frações autónomas no lugar das onze divisões suscetíveis de utilização independente existentes aquando da aquisição implicou um ligeiro aumento da área total de construção (de 5.746,36m² para 6.214,43m², ou seja, de 8,1%) e da volumetria do edifício (de 13.511,97m³ para 13.792,10m³, ou seja, de 2%).

102º

O edifício, utilizado como escritório, sofreu uma reconversão para uso habitacional e à necessidade de observância das normas legais e regulamentares em vigor obrigou a uma remodelação do seu interior, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021.

103º

Em 2021-09-27, na sequência de obras, a Requerente entrega a modelo de IMI, com o registo n.º ... para o reconhecimento de “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído” (Motivo 3), de que resultou o art.º matricial ..., passando a constar da matriz como imóvel em propriedade horizontal com 16 frações autónomas designadas pelas letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O e P (a maioria de habitação, com exceção de 3 que têm como destino serviços e estacionamento), bem como a alteração do valor patrimonial, agora calculado para cada uma das novas frações.

104º

Não tendo a Requerente, nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, solicitado a competente a liquidação de IMT, foi a situação objeto de uma ação de controlo das liquidações de IMT.

105º

Na sequência, foi emitida pelos serviços, em 22-04-2022, a liquidação oficiosa de IMT n.º ... de IMT, no valor de € 858.964,93, sendo € 848.458,00 relativos a imposto e € 10.506,93, a juros compensatórios.

106º

A emissão da referida liquidação teve por base tributável o valor declarado, nos termos do n.º 1 do artigo 12.º, conjugado com o n.º 3 do artigo 18.º, ambos do CIMT, ao qual foi aplicada a taxa de 6.5% nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º também do CIMT, da qual constam os seguintes valores:

Matéria coletável: € 13.053.200,00 x 6,5% = € 848.458,00 (IMT a pagar)

Juros compensatórios: € 848.458,00 x 113 (20-12-2021 a 21-04-2022) x 4% = € 10.506,93

107º

Esta liquidação de IMT, foi efetuada nos termos do n.º 5 do artigo 11.º do CIMT, com a fundamentação de às frações em causa ter sido dado destino diferente ao da revenda, pois verificou-se que o prédio adquirido em propriedade total pela Requerente, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independentes, composto por 11 unidades, sofreu obras estruturais profundas, originando nova licença de utilização datada de 23 de setembro de 2021, passando a constar na matriz 16 frações autónomas.

108º

Em suma, tais obras estruturais profundas constituíram uma metamorfose ou alteração substancial do bem, implicando uma afetação a destino diferente do da revenda.

109º

Partindo agora para uma análise da liquidação em si mesma, verifica-se que, o SF Lisboa ... terá assumido que estando em causa obras estruturais profundas, se aplicava o n.º 3 do art.º 18.º - dado que calculou o imposto considerando a taxa de 6,5% sobre o valor declarado (13.053.200,00) dado ser superior ao VPT na data de aquisição (4.907.151,27). (cf. Doc. n.º 5 e 6 com as notificações para o DA e da liquidação; Doc. n.º 7 com a demonstração da liquidação)

110º

A liquidação do SF Lisboa ... considerou a totalidade das frações (incluindo as que foram revendidas dentro do prazo de 3 anos) todavia calculou os juros compensatórios a partir de 2021-12-30, considerando para este efeito a caducidade por não revenda no prazo dos 3 anos.

111º

Ora, constata-se existirem contradições no procedimento do SF Lisboa..., porque refere o prédio ter sido alvo de obras estruturais profundas e simultaneamente afirma não ter sido o imóvel totalmente revendido no prazo de três anos.

112º

Calcula o imposto considerando o imóvel na sua totalidade (com os valores de taxas e valor tributável à data da aquisição n.º 3 do art.º 18.º do CIMT) considerando que se deu a caducidade na sequência das obras estruturais realizadas, mas calcula os juros compensatórios desde 30-12-2021, a partir do trigésimo primeiro dia posterior à data da caducidade por não revenda no prazo de 3 anos que ocorreu em 30-11-2021.

113º

Como já foi tratado no ponto 89.º desta informação, face à fundamentação do ato tributário, a data do facto em que se verificou a caducidade da isenção não é o dia 30 de novembro de 2021 (data em que terminou a prazo de 3 anos para a revenda), mas sim o dia 27-09-2021 (data da entrega da declaração Mod. 1 de IMI, com o registo n.º ... para o reconhecimento de “Prédio Melhorado/Modificado/Reconstruído), pelo que os juros compensatórios deverão ser contados a partir de 28 de outubro de 2021, i.e., a "partir do trigésimo primeiro dia posterior ao da verificação da caducidade da isenção, considerando o prazo que o contribuinte tinha para solicitar liquidação do IMT. Não o tendo feito, é-lhe imputável o retardamento da liquidação.

114º

Existe ainda outro problema no cálculo dos juros compensatórios e que a Requerente coloca em causa que é a data-limite da sua contagem. O SF considerou como data-limite para cálculo dos juros compensatórios o dia 21-04-2022, dia anterior àquele em que registou na aplicação a liquidação, quando nos parece que a data-limite para o cálculo dos juros deveria ser contemporânea com a data do ofício e notificação para o exercício do direito de audição, que é no que a Requerente defende – 2022-02-16.

115º

O procedimento de liquidação levado a efeito pelo SF Lisboa ... enferma também de outro problema (e que não é posto em causa no âmbito do processo CAAD em apreço) que é o facto de ser aplicada a taxa única de 6,5%, prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT, de forma indiscriminada, quer à fração destinada a serviços, quer às duas frações destinadas a parqueamento, bem como às demais 11 frações destinadas a habitação, quando deveria ter sido tomada em consideração as taxas em vigor à data da liquidação de acordo com o destino das frações, em conformidade com o estabelecido no n.º 2 do art.º 18.º do CIMT.

116º

Considerando as irregularidades que se evidenciam somos de opinião revogar a liquidação na sua totalidade e dar instruções ao SF de Lisboa ... para proceder a nova liquidação de IMT acrescido de juros compensatórios que se mostram devidos.

(...)

PROPOSTA

Assim sendo, propõe-se que:

O ato tributário de liquidação, objeto do presente pedido de constituição do tribunal arbitral, deverá, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, ser revogado e substituído por outro que, de acordo com o informado, com fundamento na caducidade da isenção do artigo 7.º do CIMT, por ter sido dado ao imóvel destino diferente ao da revenda, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 5 do mesmo diploma, sendo que o cálculo do imposto terá em conta, o valor do contrato (Preço) do imóvel em causa e a taxa prevista na alínea b) (para as frações com destino a habitação) e na alínea d) ambas do n.º 1 do artigo 17.º do CIMT, em vigor à data da liquidação (cf. disposto do n.º 2 do artigo 18.º do CIMT), acrescido dos respetivos juros compensatórios.

À consideração superior” (cfr. Doc. 7);

xxvi)    Em 02.02.2024, a Requerida comunicou ao CAAD, no âmbito do processo arbitral n.º 1012/2023-T, a revogação da Primeira Liquidação de IMT inicialmente impugnada (cfr. Doc. 9, facto dado como provado na alínea m) do parágrafo A) da Parte III);

xxvii)  Notificada para o efeito, a 15.02.2024 a Requerente declarou pretender que os autos prosseguissem tendo por objeto a nova liquidação de IMT e juros compensatórios que viesse a ser emitida pela AT em substituição da original (cfr. Doc. 9, facto dado como provado na al. m) do parágrafo A) da Parte III);

xxviii) Em 13.03.2024, a Requerida emitiu a Segunda Liquidação de IMT (cfr. Doc. 8);

xxix)    A Segunda Liquidação de IMT não foi efetuada pela totalidade do preço de aquisição do Imóvel em propriedade total, mas pelo preço de aquisição de cada fração autónoma (cfr. Doc. 8);

xxx)     A Segunda Liquidação de IMT está fundamentada nos seguintes termos:

Verifica-se que o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.° 135/48, outorgada noCartório Notarial de C... em 2018-11-30, e a 2021-09-27 foi   a Modelo 1 de IMI registo n.º..., na sequência das obras estruturais efetuadas, na qual passou a estar constituído em propriedade horizontal, sendo constituída por 16 frações autónomas designadas pelas letras A a P do artigo ... da freguesia de ..., tendo sido dado ao imóvel destino diferente ao da revenda, pelo que caducou o direito à isenção face ao estipulado no n.° 5 do artigo 11.° do CIMT.” (cfr. Doc. 8);

xxxi)    Em 13.03.2024, a Requerente pagou a Segunda Liquidação de IMT (cfr. Doc. 8);

xxxii)   Em 28.05.2024, o tribunal arbitral proferiu a Decisão Arbitral 1012/2023-T, nos seguintes termos:

Declara-se extinta a lide por inutilidade superveniente relativamente à liquidação de IMT n.º ..., de 22 de abril de 2022, no montante total de € 641.666,22, sendo € 632.296,36 relativos a imposto e € 9.369,86 juros compensatórios (“primeira liquidação”), e, consequentemente, relativamente às decisões de indeferimento proferidas em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, 

(…) Anula-se, por violação do disposto no nº 3 do art. 13º do RJAT, a liquidação de IMT n.º..., de 22 de abril de 2022, no montante total de € 897.500,12, sendo € 886.617,80 respeitantes a imposto e € 10.882,32 a juros compensatórios (“segunda liquidação”). 

(…) Em consequência, deve a Requerida restituir à Requerente o montante por esta indevidamente pago em decorrência da segunda liquidação, acrescido de juros indemnizatórios a serem calculados nos termos legais” (cfr. Doc. 9);

xxxiii) Na Decisão Arbitral 1012/2023-T, o tribunal arbitral admitiu o prosseguimento dos autos também contra a Segunda Liquidação de IMT, concluindo pela sua anulação com a seguinte fundamentação de Direito:

A questão que se mantém refere-se à segunda liquidação: poderá este processo prosseguir arbitral para apreciação da sua legalidade como, tempestivamente, solicitou a Requerente?

Temos, em primeiro lugar, que existe a possibilidade de alteração ou substituição da liquidação impugnada após apresentação do e um pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do nº 1 do art. 13º do RJAT.

Porém, tal possibilidade de alteração ou substituição do ato impugnado apenas pode acontecer dentro do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral (o prazo que, vulgarmente, é designado como sendo o do exercício do direito ao arrependimento pela AT).

E compreende-se que a substituição ou alteração da liquidação impugnada apenas possa ocorrer dentro de tal prazo: o tribunal arbitral ainda não foi constituído, a Requerente está em tempo de alterar o seu pedido de pronúncia arbitral, adequando-o à nova liquidação, nomeadamente à fundamentação desta.

Certo é, também, que o nº 3 do art. 13º do RJAT é claro: findo o prazo previsto no n.º 1, a administração tributária fica impossibilitada de praticar novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos.

Não existem “factos novos” no caso em apreço: a realização de obras pela Requerente no prédio em causa era conhecida pela AT aquando da primeira liquidação, como resulta da decisão da reclamação graciosa a ela relativa; tal factualidade não terá sido escolhida como fundamento desta liquidação certamente por ter sido considerado mais simples invocar a não revenda da totalidade do prédio dentro do prazo legal.

A segunda liquidação ora em causa é de 13 de março de 2024, já com o presente tribunal arbitral formalmente constituído, ou seja, após termo do prazo previsto no nº 1 do art. 13º do RJAT (prazo que terminou em 8 de fevereiro de 2024).

Assim, a AT praticou um ato tributário num momento em que, legalmente, estava impedida de o fazer em razão da pendência do presente processo arbitral (nº 3 do art. 13º do RJAT). A ilegalidade do ato de substituição pode ser declarada no próprio processo arbitral, pois configura uma questão prévia em relação à do prosseguimento do processo, que cabe ao Tribunal Arbitral decidir (Nuno Villa-Lobos, Tânia Carvalhais Pereira (Coord.), Guia da Arbitragem Tributária, 2017, p. 174).

A não ser assim – acrescentamos nós – ocorreriam facilmente intoleráveis “armadilhas” processuais: a Requerente, confiada no prosseguimento do processo arbitral já por si instaurado para apreciação da liquidação substitutiva, tal como por ela requerido, deixaria correr o prazo normal, contado da respetiva notificação, para reagir contra a segunda liquidação, podendo ver precludido o seu direito de defesa. Sem que o tribunal arbitral, já constituído e com o processo em curso, a tal pudesse obstar!

Não é, pois, aceitável o entendimento da AT de que a continuação da presente lide se tornou, na sua totalidade, supervenientemente inútil.

Há, pois, que anular a segunda liquidação em causa nestes atos.

Isto sem prejuízo de – em nossa opinião -, após o encerramento do presente processo, a AT, estando em tempo, poder praticar novo ato tributário com o mesmo (ou outra) fundamentação relativamente ao IMT tido por devido em razão da aquisição do prédio em causa.” (cfr. Doc. 9);

xxxiv) Por ofício datado de 26.07.2024, a Requerente foi notificado pela Requerida do despacho de deferimento do procedimento de revisão oficiosa que correu termos sob o n.º ...2024... (cfr. Doc. 10);

xxxv)   Pelo ofício n.º ..., de 29.07.2024, a Requerente foi notificada pela Requerida para se pronunciar, querendo, sobre uma nova proposta de liquidação de IMT e juros compensatórios (cfr. Doc. 11);

xxxvi)  Esta nova proposta de liquidação tem a mesma fundamentação da Segunda Liquidação de IMT que havia sido anulada pelo tribunal arbitral, na Decisão Arbitral 1012/2023-T (cfr. Doc 8 e Doc. 11);

xxxvii)       A Requerente exerceu o direito de audição e peticionou que a AT se abstivesse de emitir uma nova liquidação de IMT sobre a mesma realidade em virtude da aplicação conjugada do disposto nos artigos 13.º, n.º 3, e 24.º, n.º 4, do RJAT (facto consensual);

xxxviii)      A Requerente foi notificada pela Requerida, através do ofício n.º ..., de 08.11.2024, do despacho subsequente ao exercício do direito de audição prévia (cfr. Doc. 12);

xxxix) Nesse ofício, a Requerida notificou a Requerente para, no prazo de trinta dias estipulado pelo artigo 34.º, n.º 1, do Código do IMT, solicitar as guias de pagamento do IMT adicionalmente liquidado nos termos do artigo 31.º, n.º 4, do mesmo diploma no montante de EUR 886.617,80, acrescido de juros compensatórios, apresentando os seguintes fundamentos:

DO DIREITO

1° - Nos termos do n.º 1 do artigo 13.° do RJAT, existe a possibilidade de alteração ou substituição da liquidação impugnada após apresentação de um pedido de constituição de tribunal arbitral, porém, tal possibilidade apenas pode acontecer dentro do prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, ou seja, antes da constituição do tribunal arbitral, estando, assim, o requerente em tempo de alterar o seu pedido de pronuncia arbitral, adequando-o à nova liquidação;

2° - Findo o prazo previsto de 30 dias, a administração tributária fica impossibilitada de praticar, dentro daquele processo arbitral, novo ato tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação, a não ser com fundamento em factos novos (cf. disposto do n.° 3 do artigo 13.° do RJAT);

3° - Ora, a alegada intempestividade do "novo" ato tributário, ao abrigo do n.° 3 do artigo 13.° do RJAT, emitido após o encerramento do processo que correu os seus termos no Tribunal Arbitral, não deverá proceder, uma vez que a mesma apenas produz efeitos dentro daquele processo, não fora dele. Aliás foi o que se verificou na decisão que pôs termo ao pedido de pronuncia arbitral, anulando a liquidação emitida pela AT após ter conhecimento da existência daquele pedido arbitral. Concretizando, tal decisão apenas extinguiu aquela relação processual das partes em litígio, não obstando, contudo, nos termos legais, a que o autor proponha uma outra ação sobre o mesmo objeto;

4° - Por outro lado, nos termos do n.º 3 do artigo 24.º do mesmo compêndio legal "Quando a decisão arbitral ponha termo ao processo sem conhecer do mérito da pretensão por facto  não imputável ao sujeito passivo, os prazos para a reclamação, impugnação, revisão, promoção da revisão oficiosa, revisão da matéria tributável ou para suscitar nova pronúncia arbitral dos atos objeto da pretensão arbitral deduzida contam-se a partir da notificação da decisão arbitral.";

5° - Resulta da lei, de forma clara, a possibilidade de se apresentar nova pronúncia arbitral "dos atos objeto" da primeira pretensão arbitral sempre que esta não conheça do mérito do pedido;

6° - Nas situações de incompetência absoluta do tribunal; de anulação de todo o processo; de falta de personalidade judiciária ou de representação indevida ou de falta de autorização de incapaz; de ilegitimidade de alguma das partes e da procedência de alguma outra exceção dilatória (artigos 278.° do Código de Processo Civil e 4.°, n.ºs 3 e 4, 12.°, n.° 3 e 87.°, n.°s 7 e 8, do Código de Processo nos Tribunais Administrativo), o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e  absolver o réu da instância;

7° - Foi o que aconteceu no caso em apreço;

8° - Significa, portanto, que o juiz nada decide quanto ao mérito da causa, apenas se extinguindo aquela relação processual das partes em litigio;

9º - Por este motivo, a absolvição da instância não obsta, nos termos legais, a que se proponha uma outra ação sobre o mesmo objeto, não constituindo a nova ação, caso venha a ser proposta, exceção de caso julgado (artigo 279.°, n.° 1, do CPC);

10° - Do lado contrário, temos a absolvição do pedido sempre que o juiz, pronunciando-se sobre o mérito da questão, julga (im)procedente a pretensão do autor ou de alguma exceção perentória. (artigo 595.°, n.° 1, al. b), do Código de Processo Civil). Transitada em julgado a absolvição do pedido, fica o autor impedido de, nos termos legais, propor uma outra ação sobre o mesmo objeto. Se o fizer, verificar-se-á a exceção dilatória de caso julgado, de conhecimento oficioso, que conduzirá à absolvição da instância (artigos 577.°, al. i), e 578.° do Código de Processo Civil);

11° - Assim sendo, in casu, o Tribunal Arbitral não conheceu do mérito do pedido, nem julgou qualquer exceção perentória, pelo que não se verifica a alegada exceção do caso julgado;

12° - Sem prejuízo do exposto, dir-se-á ainda: de acordo com o disposto no artigo 100. ° da LGT, a obrigação da AT executar o julgado, surge imediatamente com o trânsito em julgado da decisão judicial (A

este propósito veja-se o mais recente entendimento propalado pelo TCAN proferido no Proc. n.°76/05.4BECBR-A); 

13° - Esta obrigação está consagrada na Constituição da República  Portuguesa, no seu artigo 205.°, n.° 2, onde se refere que "as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades", sendo que o n." 3 do mesmo dispositivo legal estipula que a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução";

14° - Esta obrigação, in casu, passa por uma atuação da AT de acordo e nos exatos termos do determinado na sentença, sob pena de sanções disciplinares e criminais, pelo que não se poderá deixar de proceder à emissão de uma nova liquidação que respeite todos os contornos legais aplicáveis ao caso concreto;

15 ° - Admitir-se uma atuação diferente ao quadro legal que vem a expor-se, configuraria ao que se considera uma atuação por parte da AT em violação do princípio da legalidade, ao qual está  subordinada, nos termos do n.° 2 do artigo 266.° da CRP.

CONCLUSÃO

Pelo enunciado, sou de parecer que sejam indeferidas as pretensões do contribuinte, mantendo-se o projecto de decisão e procedendo-se à liquidação adicional de IMT pela aquisição do prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo... .” (cfr. Doc. 12);

xl)         Em 13.12.2024, a Requerida emitiu a Terceira Liquidação de IMT, com a seguinte fundamentação:

Verifica-se que o imóvel supra identificado foi adquirido por escritura de compra e venda n.º 135/48, outorgada no Cartório Notarial de  C...em 2018-11-30, e a 2021-09-27 foi submetida a Modelo 1 de IMI registo n.º ..., na sequência das obras estruturais efetuadas, na qual passou a estar constituído em propriedade horizontal, sendo constituída por 16 frações autónomas designadas pelas letras A a P do artigo ...  da freguesia de ..., tendo sido dado ao imóvel destino diferente ao da revenda, pelo que caducou o direito à isenção face ao estipulado no n.º 5 do artigo 11.º do CIMT.” (cfr. Doc. 1);

xli)        Não se conformando, a Requerente apresentou, em 17.12.2024, o presente PPA (cfr. tramitação processual no CAAD);

xlii)      Por intermédio do ofício datado de 04.01.2025, a Requerente foi pessoalmente citada, por via eletrónica, no processo de execução fiscal n.º ...2025..., para cobrança coerciva da quantia total de EUR 997.675,80, refente a IMT, juros de mora e custas processuais (cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

xliii)     Este processo de execução fiscal tem origem na Terceira Liquidação de IMT (cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

xliv)     Em 31.01.2025, a Requerente apresentou requerimento à Requerida, com vista à suspensão deste processo de execução fiscal, acompanhado da garantia bancária autónoma n.º..., emitida pela Caixa Geral de Depósitos, S.A., em 30.01.2025, no valor de EUR 1.266.528,30 (cfr. Doc. n.º 2 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

xlv)      A prestação desta garantia bancária autónoma no montante de EUR 1.266.528,30 implicou um conjunto de despesas para a Requerente que ascenderam a um total de EUR 11.656,64 (cfr. Doc. n.º 3 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

xlvi)     Posteriormente, a Requerida informou a Requerente que aquela garantia bancária autónoma não podia ser aceite nos exatos termos em que se encontrava redigida por razões de ordem formal, nomeadamente por não indicar o número do processo de execução fiscal e ter um prazo determinado, em concreto, o dia 30.09.2025 (facto consensual);

xlvii)    Em 26.02.2025, a Caixa Geral de Depósitos, S.A. um novo termo de garantia bancária autónoma em substituição do anterior, datado de 30 de janeiro de 2025, no montante de EUR 1.266.528,30 (cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

xlviii)  Neste novo termo de garantia bancária autónoma, é expressamente mencionado que a mesma se destina a “[g]arantir o bom e integral cumprimento das obrigações no âmbito de processo de IMT associado ao Projeto ..., em decisão no Tribunal Arbitral – processo n.º ...2025...” (cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

xlix)     O novo termo de garantia bancária foi apresentado pela Requerente à Requerida, em 03.03.2025 (cfr. Doc. n.º 4 junto com o requerimento datado de 03.03.2025);

l)           Em 03.04.2025, a Requerente veio juntar aos autos uma outra liquidação de IMT, entretanto recebida (cfr. Doc. 1, em anexo ao Requerimento da mesma data):

 

 

 

 

 

 

li)          Por despacho de 05.05.2025, este Tribunal Arbitral proferiu despacho arbitral nos seguintes termos:

Ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral na condução do processo, da cooperação e boa-fé processual, bem como da descoberta da verdade material e considerando que:

i. A Requerida revogou parcialmente o acto de liquidação de IMT impugnado;

ii. A Requerente apresentou requerimento a manifestar pleno interesse no prosseguimento dos autos;

iii. A Requerida terá vindo – segundo o alegado pela Requerente, em requerimento apresentado em 3 de Abril de 2025 – a emitir “série de liquidações que culminou na liquidação n.º 2024..., de 31 de janeiro de 2025, da qual resulta um valor a pagar até 13 de dezembro de 2024 – mesma data da liquidação impugnada – de EUR 897.597,31, sendo EUR 886.617,80 relativos a IMT – mesmo valor da liquidação impugnada – e o remanescente de EUR 10.979,51, supõe-se, a título de juros compensatórios”;

notifica-se a Requerida, para, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciar sobre o teor daquele requerimento, nomeadamente sobre se os actos de liquidação de IMT acima aludidos vieram ou não substituir o acto de liquidação de IMT que é objecto dos presentes autos.”;

lii)         Em 20.05.2025, a Requerida veio aos autos pronunciando-se nos seguintes termos:

“Em resposta ao solicitado no e-mail infra, informa-se que em cumprimento do despacho de revogação proferido pela subdiretora-geral da Área de Gestão Tributária – Património em 2025-001-20, foi anulado o valor de € 100.078,49 respeitante a juros compensatórios.

Mais se esclarece que o DUC ... do montante de 997.675,80 inclui o valor de € 886.617,81 respeitante a IMT, liquidação nº. ... de 2024-12-13 e o valor de € 111.058,00 respeitante a juros compensatórios, vertidos na nota de cobrança nº. 2024... .

Apenas os juros compensatórios foram anulados parcialmente, mantendo-se em dívida o IMT no valor de € 886.617,80 e juros compensatórios no montante de € 10.979,51, cujo pagamento está a ser exigido no PEF...2025... .”;

liii)       Em 22.05.2025, a Requerente veio reafirmar o seu interesse na prossecução do pedido de pronúncia arbitral.

§3        Factos não provados

28.       Não podem dar-se como provadas as transcrições de um despacho que teria sido proferido pela Requerida, em 20.01.2025, uma vez que nem a Requerente dele fez prova, e o PA, nomeadamente na parte identificada como RO 2024 - ...2024..., é totalmente omisso a esse propósito.

29.       Não se podem igualmente dar como provadas as despesas no montante de EUR 3.039,67 que a Requerente alega ter suportado em resultado da apresentação, em 03.05.2025, de um novo termo de garantia, com vista à suspensão do processo de execução fiscal que corre termos sob o n.º ...2025....

V.       DO DIREITO

§1    Da apreciação do mérito da causa

30.       A sucessão de atos tributários, tendo por objeto o mesmo facto (a caducidade de uma isenção fiscal), não só é causa de insegurança para os sujeitos passivos, como acarreta bastante confusão aos tribunais.

31.       Aliás, este processo é paradigmático disso mesmo, com a existência um processo arbitral decidido e cuja decisão – a Decisão Arbitral 1012/2023-T – a Requerida não impugnou e ainda de articulados de ambas as partes com o intuito de questionarem e responderem, respetivamente, sobre que atos de liquidação (ainda) se encontram em vigor e quais os que já foram anulados.

32.       O primeiro fundamento de ilegalidade da liquidação ora impugnada (a Terceira Liquidação de IMT), invocada pela Requerente é a de que a Requerida estava impedida legalmente de proceder à sua emissão. 

Vejamos.

33.       Conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a Requerente obteve uma isenção de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7.º, do Código do IMT, na redação à data, na aquisição do Imóvel efetuada em 30.11.2018, uma vez que, na respetiva escritura de compra e venda, declarou que o destinava a revenda.

34.       Ou seja, está-se perante um caso de uma isenção fiscal sujeita à não verificação de uma condição resolutiva (ie., a não revenda do Imóvel no prazo de três anos por parte da Requerente determinaria a caducidade da isenção). 

35.       A Requerente entendeu fazer, no Imóvel, as obras de melhoramento e de ampliação com demolição parcial (para as quais obteve o devido alvará).

36.       Após a conclusão dessas obras, (i) o Imóvel passou a estar constituído ao abrigo do regime da propriedade horizontal (composto por 16 frações autónomas), destinadas a comércio e habitação, (ii) foi-lhe emitida uma nova licença de utilização pela CML, (iii) com a apresentação pela Requerente de uma declaração modelo 1 de IMI, extinguiu-se o anterior artigo matricial n.º ... da freguesia de ... e o Imóvel foi reinscrito no novo artigo matricial ...da mesma freguesia e (iv) foram alienadas, até 30.11.2021, dez das dezasseis frações autónomas que fazem parte integrante daquele Imóvel.

37.       Posteriormente, a Requerida, em 16.02.2022, notificou a Requerente para se pronunciar, querendo, sobre a proposta de liquidação do IMT, assente na circunstância de o Imóvel (ainda em propriedade total) não se encontrar “totalmente revendido no prazo de 3 anos”, calculada à taxa única de 6,5%, não atendendo sequer às finalidades a que as anteriores partes independentes tinham sido afetadas.

38.       Subsequentemente, em 22.04.2022, a Requerida emitiu a Primeira Liquidação de IMT[1] fundada, objetivamente, sobre o facto de o Imóvel não ter sido revendido na totalidade no prazo de três anos.

39.       É na instrução da reclamação graciosa deduzida e confirmada no recurso hierárquico interposto, que a Requerida, na fundamentação da Primeira Liquidação de IMT, passou (a posteriori) a incluir o "destino diferente" dado ao Imóvel. 

40.       Tendo ambos os procedimentos administrativos sido indeferidos, a Requerente deduziu um pedido de pronúncia arbitral, junto do CAAD, o qual veio a dar origem ao processo que culminou na Decisão Arbitral 1012/2023-T.

41.       Nesse processo, a Requerente contestava, ainda que a título parcial, a legalidade da Primeira Liquidação de IMT. 

42.       No prazo de 30 dias previsto no artigo n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo da Requerida, para o efeito devidamente notificado, não procedeu à anulação, total ou parcial, ratificação, reforma ou conversão da Primeira Liquidação de IMT (o ato tributário cuja ilegalidade havia sido suscitada).

43.       Prosseguia, pois, a tramitação processual, quando, em 02.02.2024 (i.e., ultrapassado que estava o prazo de 30 dias acima enunciado), a Requerida comunicou ao tribunal arbitral, no âmbito daquele processo, que a Primeira Liquidação de IMT havia sido integralmente anulada, recorrendo – nomeadamente – a uma nova fundamentação (destino diferente dado ao Imóvel) e preterindo a fundamentação (não revenda dentro do prazo de três anos) que havia sido originariamente suportado aquela liquidação.

44.       Foi factual e circunstancialmente provado que, à data da Primeira Liquidação de IMT, a Requerida já tinha conhecimento das "obras profundas" ao abrigo das quais poderia ter invocado como fundamento o "destino diferente" dado ao Imóvel, em simultaneidade com o conhecimento de que o Imóvel não tinha sido totalmente revendido no prazo de três anos. 

45.       E não decorre destes autos que, na Primeira Liquidação de IMT, ambos os fundamentos, mesmo que em alternativa, tenham sido oportunamente invocados pela Requerida.

46.       Ora, a Requerida tem uma só oportunidade para definir a situação jurídico-tributária do contribuinte – neste caso, do Requerente – sendo a mesma concretizada na data em que emite o ato tributário relevante (por exemplo, a liquidação de imposto e, neste caso em particular, a Primeira Liquidação de IMT).

47.       Aquela oportunidade é reforçada pelo denominado “direito ao arrependimento” constante do artigo 13.º, do RJAT, que deve ser exercido pela Requerida no prazo de 30 dias, no qual, uma vez mais, é concedida à Requerida a hipótese de decidir se quer manter o acto tributário em questão ou, pelo contrário, pretende alterá-lo. 

48.       Após esse período o acto tributário cristaliza-se na ordem jurídica, não sendo alterável por iniciativa da Requerida a menos que ocorram factos novos.

49.       Isso não obsta, evidentemente, que, ainda no decurso do processo arbitral que culminou na Decisão Arbitral 1012/2023-T e embora já fora do período legalmente fixado para a AT exercer o tal "direito ao arrependimento", o tribunal arbitral constituído no seio daquele processo não tenha podido ignorar o facto relevante de que esta havia anulado o ato impugnado (a Primeira Liquidação de IMT).

50.       Pelo que não restava àquele tribunal arbitral senão agir, de resto, como agiu, absolvendo a Requerida da instância, nessa e só nessa parte anulatória.

51.       E, tal como se dá como provado nos autos já identificados, em 13.03.2024, a Requerida emitiu a Segunda Liquidação de IMT, relativa à aquisição do Imóvel, apresentado uma fundamentação que corresponde à fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa incidente sobre a Primeira Liquidação de IMT acima transcrita.

52.       Verifica-se, pois, que a Requerida – em linha com o que havia arguido para justificar a anulação da Primeira Liquidação de IMT – emite a Segunda Liquidação de IMT (em substituição da Primeira), recorrendo a uma alteração substancial e a posteriori da fundamentação anteriormente empregue, assente já não no facto de o Imóvel não ter sido revendido, sem ser para revenda, no prazo de três anos, mas antes no facto de terem ocorrido obras das quais resultaram alteração da estrutura do Imóvel e que determinaram, para Requerida, a atribuição a este bem de um "destino diferente" do que tinha sido invocado, para reconhecimento da isenção, na respetiva escritura pública de aquisição.

53.       Em qualquer caso, a Decisão Arbitral 1012/2023-T, para além de ter absolvido a Requerida da instância relativamente à Primeira Liquidação de IMT, por ter sido integralmente anulada (ainda que muito para além do prazo de 30 dias), anulou também a Segunda Liquidação de IMT.

54.       A respeito desta anulação da Segunda Liquidação de IMT, fica sublinhado na Decisão Arbitral 1012/2023-T o conhecimento do respetivo mérito por parte do tribunal arbitral que essa mesma decisão implicou.

55.       Uma vez que a Decisão Arbitral 1012/2023-T não foi impugnada pela Requerida, a mesma transitou em julgado, com os efeitos previstos no artigo 619.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

56.       Não pode, pois, este Tribunal ignorar o trânsito em julgado material que se formou, relativamente à anulação da Segunda Liquidação de IMT, conhecendo de mérito sobre o pedido ampliado, e não recaindo apenas (o que constituiria caso julgado meramente formal), sobre a relação processual, como se dispõe no artigo 620.º, do CPC, não tendo para este efeito qualquer relevância a ressalva que a Decisão Arbitral 1012/2023-T coloca.

57.       Ora, anulada que foi a Segunda Liquidação de IMT na Decisão Arbitral 1012/2023-T (e verificando-se o trânsito em julgado material da mesma), coloca-se a questão, no presente caso, de apurar se – dada a inexistência de factos novos (e nada decorre dos autos que conduza a diferente conclusão) – é permitido a este tribunal proferir uma decisão que seja distinta daquela que foi proferida na Decisão Arbitral 1012/2023-T.

58.       Para se analisar esta questão, importa ter presente que a Terceira Liquidação de IMT é dirigida ao mesmo sujeito passivo (a Requerente), reporta ao mesmo imposto (o IMT) e ao mesmo período de tributação (ou, com maior rigor, ao mesmo facto tributário, que corresponde à caducidade do direito à isenção de IMT a que se refere o artigo 7.º do respetivo Código).

59.       A este respeito, há que ter presente que o artigo 577.º, alínea i), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, o qual prescreve como exceção dilatória – ie. exceções que “obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal” (cfr. artigo 576.º, n.º 2, do CPC) – o “caso julgado”.

60.       Correspondendo a exceção do caso julgado à “repetição de uma causa”, essa repetição verifica-se “depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário”, sendo que a finalidade dessa exceção é a de “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” (cfr. artigo 580.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

61.       Para se apurar se há uma repetição de uma causa, o artigo 581.º, n.ºs 1 a 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina que a mesma ocorre “quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”, correspondendo a “identidade de sujeitos” quando “as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica”, a “identidade de pedido” quando “numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico” e a “identidade de causa de pedir” quando “a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico”.

62.       Sendo inequívoco, face à matéria de facto dada como provada, que existe uma “identidade de sujeitos” e de “causa de pedir” entre os presentes autos e o processo que findou com a Decisão Arbitral 1012/2023-T, julga-se não existir uma “identidade do pedido” porquanto, ainda que o efeito jurídico seja idêntico (a anulação de um ato de liquidação de um mesmo tributo), a liquidação concreta que é objeto dos presentes autos (a Terceira Liquidação de IMT) é distinta daquelas (a Primeira e a Segunda Liquidações de IMT) que foram objeto da Decisão Arbitral 1012/2023-T.

63.       Não obstante não poder dar-se por verificada esta “identidade do pedido” e, nesse sentido, ficando prejudicada a exceção tout court do caso julgado, tal não obsta a que se dê por verificado, nestes autos, o caso julgado, na modalidade de autoridade do caso julgado.

Senão vejamos,

64.       De acordo com o artigo 619.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, “[t]ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º”.

65.       Em complemento – e reforçando – a relevância desta ideia de “força obrigatória dentro do processo e fora dele”, o artigo 625.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, determina que “[h]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar.

66.       A este respeito, prescreve a decisão arbitral de 28.02.2025, proferida no processo n.º 798/2024-T, que “[a] garantia de imodificabilidade da decisão transitada em julgado opera não apenas através da exceção do caso julgado a que se refere o artigo 577.º, alínea i), do CPC, mas também através da prevalência da primeira decisão que transitou em julgado (artigos 619.º e 621.º do CPC). E mesmo que chegue a ser proferida nova decisão contraditória com aquela que transitou em julgado em primeiro lugar, esta é a que prevalece (artigo 625.º, n.º 1, do CPC).

Pela exceção de caso julgado visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito (cfr. Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, pág. 599; quanto ao âmbito subjetivo do caso julgado, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 2.ª edição, 1997, pág. 589)” (com negrito nosso).

67.       Acrescenta-se nesta mesma decisão arbitral o seguinte:

Por outro lado, entende-se que a autoridade do caso julgadodiversamente da exceção de caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, a que alude o artigo 581º do CPC, tendo como pressuposto, não a identidade entre relações jurídicas - que visa impedir que uma mesma relação jurídica seja submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional -, mas uma relação de prejudicialidade que opera quando a decisão transitada condiciona a apreciação do objeto de uma ação posterior (cfr. acórdãos do STJ de 23 de novembro de 2011, Processo n.º 644/08, de 6 de março de 2008, Processo n.º 08B402, e de 13 de dezembro de 2007, Processo n.º 07A3739, e, mais recentemente, o acórdão de 15 de dezembro de 2022, Processo n.º 2222/20 ).

Ou seja, a autoridade de caso julgado pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que alude o artigo 581.º do CPC, mas pressupõe que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida, impedindo que a questão decidida se renove no segundo processo em termos idênticos (cfr. Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, Edições Ática, págs. 43-44).

(…)

E, assim, para que se verifique a autoridade do caso julgado, não releva a identidade de sujeitos ou a identidade de causa pedir, e, por conseguinte, não é impeditivo da declaração de caso julgado que, no presente processo arbitral, tenham sido colocadas questões que não foram alegadas nem conhecidas anteriormente.

(…)

Em tal circunstância, parece claro que se verifica a relação de prejudicialidade entre os dois processos, que justifica o efeito positivo da autoridade do caso julgado, e que a jurisprudência tem apontado como sendo uma exigência da segurança jurídica e da coerência e dignidade das decisões judiciais (cfr., entre muitos outros, o acórdão do STJ de 15 de dezembro de 2022, Processo n.º 2222/20)” (com negritos nossos).

68.       Numa outra decisão arbitral - de 02.02.2024, proferida no processo n.º 75/2024-T – a relevância da autoridade do caso julgado é melhor detalhada, mediante recurso a referências doutrinais e jurisprudenciais, nos seguintes termos:

“Referiu Rodrigues Bastos - “Notas ao Código de Processo Civil", Volume III, páginas 60 e 61 -, que "(...) enquanto que a força e autoridade do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica, a exceção destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual”.

(…)

E José Lebres de Freitas, afirma in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 354: (…) “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito”.

(…)

9. De salientar que a autoridade do caso julgado não se limita aos contornos definidos nos artigos 580.º e ss. do CPC para a exceção do caso julgado, estendendo-se às situações em que, apesar da ausência formal da tripla identidade de sujeitospedido e causa de pedir, o fundamento do caso julgado esteja notoriamente presente, como acorre nestes autos 

(…).

10. Também se refere à autoridade do caso julgado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2023, proferido no Processo n.º 141/21.0YHLSB-A.L1.S1: “1. Para que uma decisão possa valer com força e autoridade de caso julgado em processo diverso daquele no qual foi proferida, não se exige a repetição em simultâneo dos três elementos de identificação de uma acção, que permitem concluir pela repetição de causas: sujeitos, pedido e causa de pedir.

2. O que fundamenta a especial protecção da força e autoridade de uma decisão transitada, para além do prestígio dos tribunais, é a certeza e segurança na definição dos direitos sobre os quais incide.

3. O relevo deste valor explica os mecanismos que a lei processual prevê para a sua defesa”.

(…)

12. No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão do STJ, de 09-03-2021, proferido no Proc. 1242/05.8TBBCL-Y.G1.S1, que refere: “VI - Autoridade do caso julgado que não depende da verificação da tríplice identidade prevista no art. 581.º, n.º 1, do CPC, não prescindindo, porém, da identidade de sujeitos e que, em termos de objetos processuais, haja conexão entre o objeto decidido e o a decidir e que o resultado favorável do segundo processo represente uma decisão que contraste com a decisão da antes proferida”.

13. Assim, a determinação do âmbito do caso julgado postula a interpretação prévia da decisão, isto é, a determinação exata do seu conteúdo (rectius, dos seus “precisos limites e termos”). 

14. O caso julgado material tem força obrigatória dentro e fora do processo, impedindo que o mesmo tribunal, ou outro tribunal, possa decidir de modo diferente sobre a mesma pretensão (artigo 619.º, n.º 1 do CPC ex vi art. 29.º, n.º1, e) do RJAT)” (com negritos nossos).

69.       Neste mesmo sentido, o STA, num acórdão de 28.04.2021, proferido no processo n.º 0266/20.0BEFUN (igualmente citado na decisão arbitral supra mencionada) determina que “[a] sentença de mérito proferida por um tribunal tributário (estadual ou arbitral) e transitada em julgado só vincula as partes que intervieram no processo (cf. art. 619.º, n.º 1 do CPC, onde se refere que, após o trânsito, «a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º», sendo um desses limites o subjectivo, nos termos do qual o caso julgado apenas se impõe aos sujeitos que puderam exercer o contraditório sobre o objecto da decisão)” (com negrito nosso).

70.       Acrescenta o Tribunal da Relação de Coimbra, num acórdão de 12.12.2017, proferido no processo n.º 3435/16.3T8VIS-A.C (igualmente citado na decisão arbitral supra mencionada) que “[o] instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A primeira manifesta-se através de autoridade do caso julgado, visando impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade), enquanto que a segunda de manifesta-se através de exceção de caso julgado, visando impedir que uma causa já julgada, e transitada, seja novamente apreciada por outro tribunal, por forma a evitar a contradição ou a repetição de decisões, assumindo-se, assim, ambos como efeitos diversos da mesma realidade jurídica. Enquanto na exceção de caso julgado se exige a identidade dos sujeitos, do pedido e da causa de pedir em ambas as ações em confronto, já na autoridade do caso julgado a coexistência dessa tríade de identidades não constitui pressuposto necessário da sua atuação. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade.” (com negrito nosso).

71.       Em face de tudo o acima exposto e considerando o sentido decisório da Decisão Arbitral 1012/2023-T já transitada em julgado, na qual foi determinada a anulação da Segunda Liquidação de IMT e a restituição à ora Requerente do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, a mesma passou ter uma força obrigatória, dentro e fora do processo.

72.       Perante a existência de uma relação de prejudicialidade entre aquele processo e estes autos (não havendo factos novos que pudessem causar distinção entre a Segunda e a Terceira Liquidações de IMT) e em face do efeito positivo da autoridade do caso julgado, está este Tribunal impedido de decidir de modo diverso do que foi decidido por aquele tribunal em relação à mesma realidade jurídica, por respeito aos princípios da certeza e segurança jurídicas.

73.       Aliás, é precisamente por respeito ao caso julgado, na modalidade de autoridade do caso julgado, que a Terceira Liquidação de IMT ora sindicada nestes autos, ao ofender esse caso julgado, é ilegal, estando ferida pelo vício da nulidade, ao abrigo do artigo 161.º, n.º 2, alínea i), do CPA, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea d), do RJAT, pelo que deverá o PPA apresentado pela Requerente ser julgado totalmente procedente.

74.       Perante o conhecimento do vício de nulidade de que padece a Terceira Liquidação de IMT, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nos autos.

§2.º - Da indemnização por prestação indevida de garantia bancária

75.       A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos do disposto no artigo 53.º, da LGT. 

76.       Refira-se que, nos termos do artigo 171.º, do CPPT, é garantida a indemnização em caso de garantia bancária indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda. 

77.       O processo arbitral é, naturalmente, um meio processual próprio para deduzir esse pedido, visto que poderá ter por objeto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de atos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).

78.       In casu, resulta dos autos a prestação de garantia bancária a favor da AT, para efeito de obter a suspensão dos processos de execução fiscal. 

79.       A revogação dos atos tributários impugnados tem ínsito o reconhecimento de um vício de violação de lei, que tem de considerar-se imputável aos serviços, pois foram estes que emitiram, na sequência de ação inspetiva, as liquidações ora revogadas. 

80.       Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela constituição e manutenção da garantia prestada.

81.       Não sendo possível determinar o montante exacto da indemnização, nomeadamente o montante total de juros a serem debitados pela instituição bancária emitente da garantia, a condenação terá de ser efetuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão, de harmonia com o preceituado no artigo 609.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

VI.      DECISÃO

Nos termos expostos, decide este Tribunal:

a)          Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, declarar a nulidade da Terceira Liquidação de IMT (e correspondente liquidação de juros compensatórios) contestada no presente processo; 

b)          Julgar procedente o pedido de indemnização por prestação de garantia bancária indevida, condenando-se a AT a pagar à Requerente a indemnização que for determinada em execução do presente acórdão;

c)          Condenar a Requerida nas custas do processo. 

VII.     VALOR DO PROCESSO

82.       De harmonia com o disposto nos artigos 296.º e 306.º, do CPC, e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alíneas a) e e), do RJAT, e 3.º, n.ºs 2 e 3, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixar ao processo o valor de EUR 997.675,80 (novecentos e noventa e sete mil seiscentos e setenta e cinco euros e oitenta cêntimos), indicado no PPA pela Requerente, sem oposição da AT.

VIII. CUSTAS

83.       Nos termos dos artigos 12.º e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigos 2.º e 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas, em EUR 13.770,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de outubro de 2025

 

Os árbitros,

 

 

 

 

Carla Castelo Trindade

(Presidente)

 

Manuel Faustino

(Relator)

 

 

Pedro Alves Guerra

 



[1] Em rigor, a segunda liquidação, uma vez que, como é publico e notório, o reconhecimento das isenções totais em IMT vem sendo emitido ou declarado numa liquidação "a zeros".