SUMÁRIO:
1. O critério empregue para corrigir administrativamente uma liquidação IVA feita nos termos da lei tem de ser claro, percetível e justificado.
2. A ausência de justificação clara e percetível numa correção inspetiva determina a possibilidade de aplicação do disposto no artigo 100.º n.º 1 do CPPT.
3. A falta de Resposta e junção do PA pode determinar a aplicação do artigo 100.º n.º 1 do CPPT.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro, (Presidente), Dra.ª Sofia Quental, (Adjunta) e Prof. Doutor Vasco António Branco Guimarães (Adjunto e Relator), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 21-02-2025, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., n.º ..., ...-... Porto, doravante abreviadamente designado por “Requerente” ou “B...”, representada por C... e D..., Advogados com escritório sito na... , n.º...–..., em Lisboa, nos termos do disposto no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29 de dezembro de 2023, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2024 (“LOE 2024”), nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 6.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-a/2011, de 22 de março, requereu a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pediu a pronúncia arbitral de declaração de ilegalidade e consequente anulação dos referidos atos de liquidação de IVA emitidos pela Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
acrescido de juros compensatórios, requerendo-se com a anulação o pagamento de juros indemnizatórios à taxa legal em vigor, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, e 100.º da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT e 24.º, n.º 1, alínea b), e n.º 5, do RJAMT, contados desde o dia do pagamento indevido e até à data da sua efetiva e integral restituição.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, AT.
O pedido de constituição do tribunal arbitral apresentado em 10-12 2024 foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-12-2024.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral os acima referidos, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 03-02-2025 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral singular foi constituído em 21-02-2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou Resposta nem juntou processo administrativo (PA).
Por despacho de 01-07-2025, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e marcado o prazo simultâneo para apresentação de alegações.
2. Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
3. Matéria de facto
3.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
A. O Requerente é um Banco comercial que exerce a sua atividade sob a designação A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., na..., n.º ..., ...-... ... .
B. O Requerente desenvolve atividades sujeitas a IVA e atividades isentas.
C. O Requerente foi objeto de uma inspeção tributária no âmbito da UGC; (cfr. PPA).
D. No dia 6 de maio de 2020 foi o Requerente notificado do Relatório de Inspeção Tributária exarado no Ofício n.º..., de 6 de maio de 2020, dos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (“UGC”) (abreviadamente, o “Relatório de Inspeção Tributária” ou “RIT”), de que se junta cópia sob a designação de Doc. n.º 14), no qual se procedeu, em sede de IVA, a uma correção global no valor de € 4.623.500,04, composto pelas seguintes parcelas:
a) Correção no montante de € 303.125,58, relativa à aquisição dos serviços de avaliação prestados por terceiros diretamente relacionados com comissões associadas ao produto “Crédito à habitação/conexo”; e
b) Correção no montante de € 4.320.374,46, referente ao apuramento do pro rata de dedução definitivo, com o alegado fundamento de o pro rata geral utilizado pelo Banco, no valor de 16%, não refletir as especificidades da atividade de locação financeira e ALD por si desenvolvidas, determinando-se a respetiva redução para 8%.
E. O Requerente foi notificado das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, identificadas no quadro constante do art. 9 do PPA, com fundamento nas liquidações constantes dos docs. 2 a 13 juntos com o PPA:

F. Em 14 de julho de 2020, o Requerente efetuou, dentro do prazo de pagamento voluntário, o pagamento integral do montante de € 5.036.926,87, correspondente às correções de IVA impugnadas e aos respetivos juros compensatórios; (cfr. doc. 15 junto com o PPA).
G. O Requerente impugnou judicialmente em 14 de outubro de 2020 as liquidações de IVA n.os 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020..., ..., 2020..., 2020..., 2020..., 2020... e 2020..., e correspondentes liquidações de juros compensatórios vertidas nas demonstrações de acerto de contas com o ID n.º 2020... e 2020... a 2020..., relativas aos períodos de 2017/01 a 2017/12 (conjuntamente, as “Liquidações”), de que se juntou cópias sob a designação de Docs. n.º 2 a 13 do PPA.
H. Em 12.10.2024 o Requerente impugnou arbitralmente as liquidações acima referidas e identificadas.
I. Notificada para o efeito em 21.02.2025 a Requerida não exerceu o seu direito de Resposta nem juntou o Processo administrativo gracioso no prazo legal previsto no RJAT.
3.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos aos autos pelo Requerente.
Não se retiram outros factos relevantes dos articulados, por serem citações de textos legais, acórdãos ou posições de parte sem conteúdo fáctico.
4. Matéria de direito
As questões de mérito que são objeto deste processo são:
1. Se a AT podia corrigir as liquidações do IVA do Requerente:
i. Com base na requalificação como operações isentas, dos serviços de peritagem de avaliação do valor dos imóveis,prestados por terceiros (SP), objeto de interesse (real ou potencial) do contratante e pagos com IVA;
ii. Se é possível, sem mais, a redução da taxa de determinação do pro rata prevista e regulada no artigo 23.º do CIVA nas operações mistas (sujeitas e isentas).
4.1. Posições das Partes
O Requerente defende o seguinte, em suma:
- Que a Requerida:
i) Não fundamentou as correções nos termos da lei;
ii) Criou uma equiparação dos atos de peritagem independentes sujeitos a IVA e pagos pelos Clientes a uma operação financeira isenta (por absorção e acessoriedade);
iii) A AT não se pronunciou no tempo próprio. Juntou, às Alegações, um documento que corresponde à contestação judicial. Por manifestamente extemporânea deverá ser desentranhada e dela não se tomará conhecimento.
- Não se sabe o que a Requerida defende no caso em concreto, ou melhor, quais as razões que a levaram a fixar a dedução IVA em 8% em sentido diverso dos 16% apurados pelo Requerente por aplicação da regra do artigo 23.º do CIVA.
Contribui de forma decisiva para este obscurantismo o não se ter pronunciado nem apresentado Resposta ou sequer Processo administrativo gracioso a este processo onde, a fazer fé no junto e alegado pelo Requerente (que é o que a lei lhe garante na ausência de pronúncia da Requerida) nada consta que consiga justificar tamanha redução.
4.2. Questões prévia
4.2.1. Do valor do pedido
O Requerente atribuiu ao processo o valor de € 4.623.500,04, correspondente às liquidações de IVA, não tendo englobado nesse montante o valor dos juros de IVA, no montante de € 413.426,63, conforme referido no artigo 1.º do PPA e no quadro constante do artigo 9.º do mesmo, elaborado com fundamento nas cópias das liquidações juntas como documentos 2 a 13, anexados ao PPA.
No pedido formulado, o Requerente peticiona:
“Nestes termos, e tendo em linha de conta todos os factos e argumentos expostos, solicita respeitosamente o Requerente a este Douto Tribunal o integral deferimento do pedido de pronúncia arbitral, objeto do presente requerimento, determinando-se, em conformidade, a anulação das Liquidações, com as demais consequências legais.”
Como consta do PPA e dos documentos juntos em anexo ao PPA, temos de interpretar, segundo o entendimento que seria razoavelmente exigível a qualquer pessoa comum, que, no valor do processo, o Requerente também inclui o pedido de anulação das liquidações de juros de IVA, conforme consta das liquidações emitidas pela AT e cuja cópia consta dos autos, sendo que o valor total do pagamento efetuado pelo Requerente foi de € 5.036.926,87, conforme os documentos juntos ao PPA, nomeadamente o documento n.º 15.Considerando o disposto no artigo 306.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 e) do RJAT, é ao tribunal que cabe fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes.
Pelo exposto, decide este Tribunal Arbitral que o montante da correção efetuada e da alteração subjetiva da esfera jurídica patrimonial do Requerente é de € 5.036.926,87, pelo que se fixa o valor da causa em € 5.036.926,87. Em consequência, fixa-se como valor das custas o montante de € 63.342,00, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do artigo 2.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
4.2.1.1. Desentranhamento.
O documento junto com as Alegações da Requerida deverá ser desentranhado, por manifestamente extemporâneo. Efetivamente, o documento junto é o texto da contestação efetuado nos Tribunais Administrativos e Fiscais. A Requerida poderia ter utilizado o mesmo texto como Resposta, neste processo arbitral, desde que o fizesse dentro do prazo legal fixado. Tal não aconteceu, pelo que se promove o desentranhamento não se tomando conhecimento do teor do mesmo na decisão.
4.2.1.2. Do não envio do processo administrativo.
A ausência de processo administrativo gracioso impede a Requerida de sustentar a sua posição, com adesão à realidade. Quais as páginas do mesmo onde se encontram os critérios que motivaram aa decisão da Requerida? A modificação foi feita com base em «distorções significativas na tributação» ou como sucedâneo justificado em fórmula econométrica que distinguiu e apurou o método de afetação real? São questões que deixam de ser respondidas e impedem o julgador de apreciar, com rigor, a bondade da solução aplicada pela AT.
Uma decisão de correção tem de ser fundamentada e percetível pelo destinatário e pelo julgador em caso de litígio. O Tribunal arbitral não se sente esclarecido sobre as razões e fundamentos da correção nem sobre a sua coerência e certeza, por outras palavras, não entende a decisão como fundamentada.
Os elementos do PA, juntos pelo Requerente, apontam num sentido de não fundamentação expressa, clara e coerente. Os Serviços da UGC parecem ter selecionado e excluído um conjunto de realidades isentas, mas não se entende qual é o critério, nem como é, que dessa exclusão, se chega aos 8% de dedução autorizada.
4.2.1.3. Falta de Resposta.
A notificação inicial do Tribunal para a Requerida foi feita nos seguintes termos:
«Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, notifique o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária, nos termos do n.º 1 do artigo 17.º do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso queira, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que, deve ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».
Resulta claro dos autos que a Requerida não quis juntar Resposta.
As Alegações, que permitem à Requerida o contraditório, não substituem a Resposta que funciona como Contestação. É nesta peça processual que a Requerida deveria ter demonstrado, para além de qualquer dúvida a justeza e acerto da sua posição. No caso, não o fez. Na livre apreciação que o Tribunal pode fazer desta ausência cabem certamente as dúvidas sobre se o critério empregue respeita, em concreto, a incidência do IVA:
iii) Quanto aos Peritos: Ao retirar da incidência e impedir os profissionais inscritos como Sujeitos Passivos de deduzir serviços prestados e cobrados com IVA em função de uma das atividades de um Cliente que é SP misto, não se estará a mudar a incidência objetiva e subjetiva do IVA? A introdução de elementos de não dedução num imposto neutral não implica a criação de imposto em cascata artificial num processo que se pretende geral, abstrato, neutral e não discriminatório? Transformar os peritos avaliadores em consumidores finais nas operações com os bancos não vai criar «distorções significativas na tributação»? E esta posição é conforme com a incidência objetiva e subjetiva do IVA?
iii) Quanto ao critério objetivo de imputação: Qual a fórmula que permite aferir o percentual exato de IVA em situações de operações sujeitas e isentas? É uma fórmula econométrica que avalia o IVA dedutível da informação agregada e permite uma afetação real de base definida? Se sim, como funciona? O critério empregue qual é? Como fiabilizar os resultados? Como controlar os cálculos da AT?
iii) Os princípios gerais que relembramos:
1. Todo o IVA liquidado é dedutível pelos SP e suportado pelos consumidores finais;
2. Não é possível deduzir IVA que não se faturou;
3. Os SP não são obrigados a suportar IVA que pagaram nas aquisições;
4. O IVA liquidado nas vendas permite (em conta corrente) a dedução do IVA suportado nas compras e o saldo pertence ao Estado.
Não resulta dos elementos juntos ao processo qualquer esclarecimento sustentado, claro e inequívoco (expresso ou remissivo) que permita sustentar a posição da Requerida de forma coerente e aceitável.
4.3. Das Consequências jurídicas da não apresentação de Resposta e junção do PA
O objeto da pronúncia arbitral foi delimitado no PPA pelo Requerente pelo que é sobre as questões relevantes aí suscitadas e as que ocorreram ao longo do processo que o Tribunal se pronunciará.
Comecemos por recordar a consequência jurídica da não pronúncia e não exercício do direito à Resposta (ausência de pronúncia), nem junção do Processo Administrativo.
O não exercício do direito de Resposta nem junção do Processo Administrativo dá ao Tribunal o amplo poder de considerar como provado o que entender correto dos factos e Direito aplicável. Não existe, no caso, efeito cominatório pleno, ou seja, não existe automaticamente uma procedência do pedido, mas consideram-se como provados os factos relevantes não contestados que estejam de acordo com os factos existentes no processo.
Perante a ausência de dados e certezas por não constarem dos elementos do processo a que tivemos acesso, rege o disposto no artigo 100.º do CPPT que dispõe:
«1.- Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado».
Este Tribunal arbitral acompanha esta posição fazendo consagrar que deu a resposta aos factos provados e determinou as consequências jurídicas, deixando de analisar outos alegados que se revelaram inúteis ou supérfluos face às decisões tomadas - n.º 2 do artigo 608.º do CPC.
5. Dos juros indemnizatórios
De acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, o pedido de juros indemnizatórios é uma pretensão relativa a atos tributários, que visa concretizar o conteúdo do dever de “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Os juros indemnizatórios são devidos nos termos do disposto nos artigos 43.º e 100.º da LGT,
Assim, procede o pedido de juros indemnizatórios a liquidar à taxa legal aplicável sobre o IVA e juros compensatórios indevidamente pagos, com termo inicial em 15-07-2020.
Dispõe o artigo 24º, b) do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”, de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto no artigo 29º, 1, a) do RJAT) que estabelece que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”. É hoje consensual que os tribunais arbitrais abarcam nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, até porque o processo arbitral foi desenhado como um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária. Por sua vez, o processo de impugnação admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como resulta do teor do artigo 43.º, 1 da LGT, em que se dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, e do artigo 61º, 4 do CPPT, que estabelece que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”. Igualmente o artigo 24.º, 5º do RJAT, ao estabelecer que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser interpretado e aplicado como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
No caso em apreço, a AT, no âmbito do RIT fez correções das quais resultaram liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, (em erro sobre os pressupostos de facto e de direito as normas jurídicas nacionais em vigor).
Nos termos dos artigos 61.º do CPPT e 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando, anulados os atos por vício de violação de lei, se apure que a culpa do erro subjacente à anulação do ato é imputável aos serviços da Administração Tributária, ou, em bom rigor, quando não é imputável ao contribuinte. Uma vez verificado o erro, e ordenada judicialmente a sua anulação, é manifesto que o Requerente tem direito a que lhe sejam pagos os juros vencidos sobre esses valores (ilegalmente retidos) até integral restituição.
Verifica-se, no presente caso, uma atuação da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) que consubstancia um erro imputável aos serviços, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT). Tal circunstância confere ao Requerente, nos termos do artigo 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o direito ao recebimento de juros indemnizatórios.
Esses juros devem incidir sobre o montante indevidamente pago no montante de € 5.036.926,87, sendo calculados à taxa legal, desde 15 de julho de 2020 até à data em que se verifique o efetivo reembolso.
6. Decisão
a. Ordena-se ao secretariado do CAAD que proceda ao desentranhamento do documento junto com as Alegações da Requerida, por ser extemporâneo.
b. Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, determinando a anulação das liquidações impugnadas de IVA:
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira)
- Liquidação nº 2020 ... de 2017 (Autoridade Tributária e Aduaneira),
e as correspondentes liquidações de juros compensatórios supra identificadas
com o consequente reembolso da importância indevidamente paga acrescida dos correspondentes juros indemnizatórios, desde a data do pagamento, até efetivo reembolso.
c) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios com termo inicial a contabilizar em 15-07-2020 e até à data em que venha a ser emitida a nota de crédito a favor da Requerente.
7. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 5.036.926,87, nos termos do artigo 97.º -A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
8. Custas
Vai a AT condenada em custas por ser sua a responsabilidade da ilegalidade existente, sendo o seu montante fixado em € 63 342,00, a cargo da Requerida.
Registe e notifique.
Lisboa, 10 de outubro de 2025
Os Árbitros
(Regina Almeida Monteiro - Presidente)
(Sofia Quental - Adjunta)
(Vasco Branco Guimarães – Adjunto e Relator)