SUMÁRIO:
I. Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
II - A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Prof. Doutor Victor Calvete (Presidente), Dr. José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora (relator) e Dra. Cristina Coisinha, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 14/02/2025, proferem a presente decisão arbitral, nos termos seguintes:
1. Relatório:
A... S.A., pessoa coletiva n.º ..., com domicílio fiscal na Rua ..., ..., ...-... ... veio requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, tendo por objecto a decisão de indeferimento (tácito) que se formou sobre a reclamação graciosa apresentada contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) nºs...., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante total de € 286.476,68, as demonstrações de acerto de contas de IVA e juros compensatórios, bem como as demonstrações de liquidação de juros de IVA, emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), por referência ao ano de 2023, que identifica identificadas, tendo igualmente por objeto estes atos tributários propriamente ditos e pedindo a devolução do imposto pago na sequência desses actos.
1.1 Tramitação e constituição do Tribunal Arbitral:
O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 6/12/2024 e aceite no mesmo dia, nos termos regulamentares aplicáveis, tendo o Requerente optado pela não designação de árbitro.
Por despacho de 27/1/2023 do Presidente do Conselho Deontológico do CAAD foram designados para árbitros os ora subscritores, tendo sido comunicada essa designação no mesmo dia às partes e não tendo havido reclamação da mesma, em 14/2/2025, foi comunicada às partes a constituição do Tribunal Arbitral;
A 24/3/2025, a Requerida apresentou a sua Resposta, juntando o processo administrativo (PA), tendo, nessa mesma data, o CAAD notificado o requerente da Resposta e da junção do PA.
Por requerimento de 2/4/2025, foi junto pela requerida cópia do acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo - recurso para uniformização de jurisprudência, proferido em 26 de Março de 2025, tendo a requerente sido notificada deste junção nesse mesmo dia e tendo a requerente apresentado resposta com pronúncia sobre o mencionado acórdão em 30/4/2025.
Por despacho arbitral de 25/7/2025, no qual foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, se fixou um prazo de 15 dias para alegações, sem prejuízo das férias judiciais, determinando-se que a Requerente procedesse ao pagamento do remanescente da taxa arbitral – o que de facto ocorreu em 17/9/2025 – e foi prorrogado o prazo fixado no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT, por dois meses ao abrigo do n.º 2 do mesmo artigo, determinando-se ainda que a AT junte aos autos a decisão final da reclamação graciosa.
Face ao pedido da Requerente de reenvio prejudicial para o TJUE, foi decidido que a menos que esteja em causa a “entrega, construção, renovação e modificação de habitações fornecidas ao abrigo de políticas sociais” - o que poderá intentar provar - qualquer diligência junto do TJUE fica fora do âmbito do presente processo.
Em 17/9/2025, a Requerida a presentou alegações sucintas e juntou um documento fotográfico, mas não juntou qualquer decisão da reclamação graciosa.
Na mesma data, a Requerente juntou as suas alegações finais.
1.2 – Posição da Requerente
Na origem das correcções efectuadas pela AT e cuja anulação se requer está a taxa de IVA aplicada nas faturas emitidas pela Requerente, respeitantes aos serviços de construção civil prestados ao Cliente “B..., Lda” (anteriormente denominada “C..., Lda”), o qual será doravante designado apenas por “B...”, no âmbito da empreitada designada por “Trabalhos de Integral Reabilitação e ampliação do Prédio sito na Rua ..., ..., no ..., em Cascais”.
Entende a requerente que, devido ao facto de o imóvel se encontrar localizado numa zona qualificada como ARU, a Requerente liquidou correctamente o IVA devido pelos referidos serviços, à taxa reduzida de 6%, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 18.º e da verba 2.23 da lista I anexa ao Código do IVA.
É que do teor da verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA, na redação em vigor à data dos factos, verifica-se que estão sujeitas à aplicação da taxa reduzida de 6%, a que se refere a alínea a), do n.º 1 do artigo 18.º do mesmo diploma, as “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”,
É assim possível concluir que o enquadramento de determinada operação na referida verba 2.23, com a subsequente aplicação da taxa reduzida de IVA de 6%, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 18.º, do Código do IVA, depende do preenchimento cumulativo dos seguintes pressupostos:
i. Deverá estar em causa uma empreitada;
ii. De reabilitação urbana;
iii. Realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana (ARU) nos termos legais ou realizada no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
Cabe analisar se os serviços de construção civil, por referência aos quais a Requerente liquidou IVA à taxa de 6%, integram o conceito de “empreitada”, sendo que, nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2 da LGT, “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei”.
Por isso, o conceito de “empreitada” tem natureza civilística, pelo que cumpre analisar o artigo 1207.º do Código Civil, que dispõe o seguinte:
“Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a
realizar certa obra, mediante um preço”.
Por isso, dúvidas não restam de que os serviços de construção civil consubstanciados nas faturas emitidas pela ora Requerente, foram prestados no âmbito da execução de um contrato de empreitada, celebrado entre a Requerente e a sua cliente B..., o que aliás também resulta do próprio Relatório Final de Inspeção Tributária, pelo que está verificado este pressuposto, nos termos e para os efeitos do disposto na verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.
Além disso, quanto ao segundo requisito, é preciso averiguar se a empreitada aqui em questão pode ser qualificada como empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, i.e., no RJRU e é aqui que reside o desacordo entre as partes.
Ora, o legislador previu, no artigo 2.º do RJRU, um elenco de definições para conceitos referenciados ao longo desse diploma, tendo reservado a alínea j) para a noção de “reabilitação urbana”, onde refere que por “reabilitação urbana” deve entender-se “a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios”.
E reconhece a Requerente que, no presente caso, apesar de não se verificar uma intervenção integrada, na medida em que não foi aprovada qualquer ORU, a empreitada em apreço prossegue inquestionavelmente o objetivo primordial da reabilitação urbana, i.e., a modernização do património urbanístico e imobiliário, mais concretamente e no que ora releva, através de demolição e restauro do prédio visado.
Consequentemente entende que é inegável que a empreitada realizada pela Requerente no prédio sito na Rua ..., ..., ..., em Cascais, enquadra-se na definição delimitada pela alínea j) do artigo 2.º do RJRU, o que não é tão-pouco questionado pelos SIT.
Salienta-se, a este propósito, que o entendimento ora veiculado não se consubstancia numa mera opinião da Requerente, tendo, como se disse, sido atestado pela certidão emitida pela Câmara Municipal de Cascais e assinada por D..., Vice Presidente desta autarquia, a 26 de fevereiro de 2024, que declara expressamente que no imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., “(…) realiza- se uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos do Decreto Lei nº 307/2009, de 23 de Outubro, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, enquadrada pelo n.º 9, do artigo 50º, da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, dado que o pedido de licenciamento foi submetido em 04/12/2019.” (cfr. Documento n.º 7 junto com o PPA).
Aliás, no entender da Requerente, isso mesmo foi expressamente reconhecido, pela própria entidade competente para qualificar intervenções urbanísticas como de reabilitação urbana, neste caso, a Câmara Municipal de Cascais, que se estava em curso uma “empreitada de reabilitação urbana, nos termos do Decreto Lei nº 307/2009, de 23 de Outubro”, especificamente para efeitos da aplicação da verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA, pelo que, no seu entender não pode a AT a desqualificar a empreitada para os efeitos ora pretendidos, em claro extravasamento das respetivas competências.
Deste modo, porque a empreitada em causa foi realizada em prédio sito na zona ARU 12 – Estoril (Cascais), entende a Requerente que a aplicação da taxa reduzida de IVA, ao abrigo do disposto na verba 2.23 da Lista I anexo ao Código do IVA não pode depender da existência de ORU aprovada, como pretendem os SIT, sendo que, um tal entendimento, não se coaduna com as regras e princípios gerais de interpretação das normas fiscais, aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 11.º da LGT.
Assim, a necessidade de aprovação de uma ORU, para efeitos da aplicação da taxa reduzida de IVA, não encontra o mínimo de suporte na letra da referida verba 2.23., na redação em vigor à data dos factos, em violação do n.º 2, do artigo 9.º do Código Civil e sendo a letra da lei um elemento irremovível no exercício interpretativo, não pode ser considerado pelo intérprete um resultado que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa e claramente não existe qualquer referência à necessidade de aprovação de ORU no texto da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA.
Por isso, a exigência de aprovação de ORU efectuada pelos SIT, quando a mesma não resulta, ainda que de forma imperfeita do texto da verba 2.23., consubstancia uma grave violação do Princípio da Legalidade Tributária, previsto entre outros nos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Conclui que este entendimento da Requerente é o único consentâneo com uma interpretação teleológica e sistemática da verba 2.23, pelo que pede a procedência deste pedido de pronúncia arbitral, com a anulação da decisão de indeferimento (tácito) que recaiu sobre a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente, em 12 de junho de 2024 e mediatamente a anulação das liquidações adicionais de IVA n.os ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., no montante total de € 286.476,68.
E, em consequência dessa anulação, pretende a Requerente a devolução do imposto indevidamente pago, no valor de € 94.561,67, acrescido dos respetivos juros compensatórios, no valor de € 1.936,44, ao abrigo dos acertos de conta emitidos.
1.3 – Posição da Requerida
Por sua vez, a requerida entende que, para que determinada operação possa ser enquadrada na verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA, é necessário que esteja em causa uma “empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico”, o que não seria o caso da empreitada a que a Requerente se refere.
É que, de acordo com o entendimento da AT, a definição de reabilitação urbana, nos termos e para os efeitos da aplicação da verba 2.23., deve ser analisada à luz do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, que aprova o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”), sendo esta norma dispõe, sob a epígrafe “Áreas de reabilitação urbana”, o seguinte:
“1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.”
Deste modo, a Requerida entende que, para se qualificar como uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos e para os efeitos da verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA, é necessário que o prédio esteja localizado (e que a empreitada seja realizada) numa área que haja sido delimitada como ARU pelo respetivo município, mas, também, que se encontre aprovada uma ORU para esse local.
A ARU, cuja definição se encontra na alínea b), do artigo 2.º citado, é delimitada pelo Município, mas, para que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, “tal como definida em diploma específico”, não é suficiente que se trate de uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b), do n.º 1 do artigo 7.º, do RJRU, a reabilitação urbana resulta da aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver nas ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
Entende a Requerida que a delimitação das áreas de reabilitação urbana é da competência da assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal (cf. n.º 1 do artigo 13.º do RJRU), mas é necessário que se juntem nessa área, um conjunto de intervenções e investimentos integrados, em consequência de uma estratégia previamente definida, assegurando a salvaguarda do património edificado e o desenvolvimento sustentável do respetivo território.
Por isso, a delimitação da ARU tem de complementada pela aprovação de uma ORU, cabendo ao município determinar, nomeadamente, se esta deve ser efetuada em instrumento próprio ou por meio de plano de pormenor, se deve ser simples ou sistemática.
Por isso, não existindo, à data de realização das obras, uma ORU aprovada pelo Município de Cascais para a ARU do Estoril, conclui a requerida não ser aplicável à empreitada em causa a verba 2.23, da Lista I, do Código do IVA.
Em resumo, é exclusivamente com esse fundamento que foram efectuadas as liquidações de IVA notificadas à Requerente, ou seja, estas prendem-se única e exclusivamente com a inexistência de ORU aprovada, apesar de o Município de Cascais ter declarado estar em causa uma empreitada a realizar sobre prédio localizado em ARU.
É que, no entender da AT, “não é suficiente que se trate de uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”), a reabilitação resulta da aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver nas ARU, através de um instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana”.
A expressão “empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico” significa que é necessário que empreitada se realize numa ARU e, cumulativamente, que exista uma ORU aprovada.
Face ao exposto, conclui a Requerida que deve ser indeferido o presente pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo-se a Requerida dos pedidos.
1.4 – Posição das partes perante o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência:
Como se referiu foi junto pela AT o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo - recurso para uniformização de jurisprudência, proferido em 26 de Março de 2025.
Notificada a Requerente, veio a mesma procurar demonstrar que essa decisão viola os princípios básicos da tributação em IVA, nomeadamente o princípio da neutralidade fiscal e várias norma que cita da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (a “Diretiva IVA”) pretendendo que seja feito reenvio para o TJUE, por entender que essa decisão do STA está em contradição com outras decisões do TJUE, em especial o Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Processos C-454/12 e C-455/12 e Acórdão do TJUE, de 08.02.2024, proferido no processo n.º C 733/22.
Porém, essa pretensão já mereceu despacho de indeferimento deste Tribunal Arbitral no despacho de 25/7/2025, apenas sendo admissível o reenvio prejudicial se a Requerente cumprisse os pressupostos aí definidos, o que não sucedeu.
2. Despacho saneador:
O tribunal arbitral é competente e foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do RJAT.
As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são as legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
3. Fundamentação de facto:
3.1 - Factos provados:
De acordo com a alegação das partes e dos documentos juntos e com interesse para a decisão final dos presentes autos, estão provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade que desenvolve essencialmente a atividade de prestação de serviços de construção civil, nomeadamente, de construção de edifícios. (provado pelo relatório do RIT junto sob o nº. 8 com o PPA).
b) Em termos fiscais, a Requerente é um sujeito passivo que se encontra inscrito no regime normal e de periodicidade mensal, em sede de IVA. (provado pelo relatório do RIT junto sob o nº. 8 com o PPA).
c) Por referência ao período de novembro de 2023, a Requerente apresentou um pedido de reembolso do IVA acumulado desde o período de agosto de 2022, no montante de € 600.000,00, dando com isso origem a uma ação inspetiva interna, de controlo desse pedido de reembolso, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2024..., emitida pela equipa 11 da Divisão de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Braga. (facto não controvertido e provado pelo relatório do RIT junto sob o nº. 8 com o PPA).
d) Em 15/02/2024, os Serviços de Inspeção Tributária (“SIT”) notificaram a Requerente do Projeto de Relatório de Inspeção, no qual foram propostas correções de natureza meramente aritmética, no montante total de € 286.476,68, a título de IVA não liquidado e alegadamente em falta (provado pelo documento 3 junto com o PPA)
e) Entendeu a requerida que a Requerente havia liquidado indevidamente IVA à taxa reduzida de 6% ao seu cliente “B..., Lda” (anteriormente denominada “C..., Lda.”) sobre os trabalhos construção civil prestados no âmbito do contrato de empreitada de “Reabilitação e ampliação do prédio sito na Rua ..., ..., ..., em Cascais” (provado pelo relatório do RIT junto sob o nº. 8 com o PPA).
f) A empreitada foi inicialmente adjudicada à sociedade “E..., Lda”, em 01.03.2021 e as fases finais foram depois adjudicadas à Requerente, através de um CONTRATO DE CESSÃO PARCIAL DE POSIÇÃO CONTRATUAL DO CONTRATO DE EMPREITADA “Reabilitação de Prédio Urbano” celebrado em 21.12.2022 (provado pelo documento junto sob o nº. 4 com o PPA).
g) Nos termos desse contrato de empreitada em causa, foram realizados pela Requerente, na 19 fase da obra, trabalhos de Demolições, Movimentação de Terras/Contenção Periférica e Restauro do Prédio sito na Rua ... n.º ..., (provado pelo documento junto sob o nº. 4 com o PPA).
h) O prédio sobre o qual foram realizados os aludidos trabalhos de construção civil encontra-se localizado na Área de Reabilitação Urbana 12 – Estoril (Cascais), cuja respetiva delimitação havia sido aprovada por deliberação da Assembleia Municipal, de 28 de junho de 2021, e publicada em Diário da República pelo Aviso n.º 14079/2021, de 26 de julho (provado pelos documentos juntos sob os nºs. 4 e 5 com o PPA).
i) Por isso, a Requerente liquidou o IVA referente aos trabalhos de construção civil realizados ao abrigo do referido contrato de empreitada à taxa reduzida de 6%, por entender que os mesmos consubstanciavam uma operação subsumível à verba 2.23, da Lista I anexa ao Código do IVA (provado pelos documentos juntos sob o nºs. 6 e 7 com o PPA),
j) A Câmara Municipal de Cascais emitiu certidão em 28/02/2024, na qual atestava que, para efeitos de tributação do IVA, à taxa reduzida de 6%, ao abrigo do art.º 18º., ponto 1, alínea a), com remissão para o ponto 2.23, da Lista I, do Código do IVA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84 de 26 de Dezembro, na sua redação atual, em sequência do requerimento com o registo ..., apresentado por B... Lda., com o NIF ..., com sede na ..., n.º..., .../..., Freguesia de ..., Lisboa, que no imóvel sito na Rua ..., n.º ..., ..., .../..., União das Freguesias de .../..., com o n.º da matriz predial ..., localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) 12 – Estoril, com delimitação em vigor aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de 28 de junho de 2021 e publicada em Diário da República pelo Aviso n? 14079/2021, de 26 de julho, realiza-se uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos do Decreto Lei nº. 307/2009, de 23 de Outubro, que estabelece o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana, enquadrada pelo n.2 9, do artigo 50º., da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro, dado que o pedido de licenciamento foi submetido em 04/12/2019. (provado pelo documento junto sob o nº. 7 com o PPA e anexo 2 ao doc. 3 junto também com o PPA).
k) Consta do Relatório da Inspecção Tributária:
V.1. IVA
V.1.1 Aplicação indevida da taxa reduzida de IVA (verba 2.23)
No decurso do procedimento inspetivo, verificou-se que a sociedade inspecionada, durante o período em apreço, emitiu diversas faturas em que liquidou IVA à taxa reduzida de 6%, declarando esses valores nos campos 1 e 2 das respetivas declarações periódicas do IVA.
No que respeita à empreitada "trabalhos de integral reabilitação e ampliação do prédio sito na Rua de..., no ..., em Cascais", em que o cliente foi B... Lda., anteriormente designado como C..., Lda., com o NIPC..., a aplicação da taxa reduzida de IVA foi sustentada pela localização da obra em área de reabilitação urbana-verba 2.23 da lista do CIVA.
O sujeito passivo fez menção nas faturas emitidas referentes a esta empreitada que estão em causa "trabalhos contratuais conforme auto de medição anexo, referente à empreitada trabalhos de integral reabilitação e ampliação do prédio, sito na Rua..., ..., no..., em Cascais".
Relativamente à referida empreitada, o sujeito passivo apresentou uma certidão emitida pela Câmara Municipal de Cascais, datada de 2023-03-09, que refere que o prédio sito na Rua ..., ..., no..., em Cascais, se insere na Área de Reabilitação Urbana (ARU) do Estoril (Cascais).
Junta-se como Anexo 1 a referida certidão digitalizada e, a título exemplificativo, uma fatura emitida relativa à empreitada.
………………………………………………………………………………………………………………………..
Conforme atrás referido, o sujeito passivo justificou a aplicação da mencionada taxa de IVA com a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, vigente à data dos factos, que determina que estão sujeitas à aplicação da taxa reduzida, a que se refere a alínea a) do nº. 1 do artigo 18.º do mesmo Código, as “empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional” (sublinhado nosso).
Esta verba coloca, assim, algumas condições para que a taxa reduzida possa ser aplicável às operações que nela pretendam ser enquadradas, designadamente que a operação em causa consubstancie:
i) uma empreitada;
ii) de reabilitação urbana;
iii) realizada em imóveis ou espaços públicos localizados em área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais;
iv) ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.
Não estando em causa uma situação de "operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional”, devem verificar-se as restantes condições impostas pela verba 2.23.
Relativamente à exigência de uma empreitada, devemos atender ao conceito previsto no artigo 1207. do Código Civil, que define empreitada como "o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço". No caso em apreço, não se coloca em causa que estamos perante um contrato de empreitada, pois tem por objeto a realização de obras em imóvel, executada de acordo com determinadas condições, e por um preço previamente estipulado.
Se o primeiro requisito para que uma operação tenha enquadramento na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA é a de que esteja em causa uma empreitada, a norma exige, desde logo, que a empreitada seja de reabilitação urbana. Vejamos, então, de que forma se encontra definido no "diploma especifico" o que se considera ser "reabilitação urbana".
O Decreto-Lei n.° 307/2009, de 23 de outubro, aprova o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (RJRU). De acordo com o respetivo preâmbulo, este regime jurídico estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de "área de reabilitação urbana" (ARU), cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de “operação de reabilitação urbana" (ORU), que corresponde à estruturação concreta das intervenções a efetuar no interior da respetiva área de reabilitação urbana. Estes conceitos encontram-se depois densificados no artigo 2.° deste regime.
O artigo 7.º, n.º 1, do RJRU, determina que a reabilitação urbana em áreas definidas como tal, é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
a) da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
A ARU, cuja definição se encontra na alínea b), do artigo 2.º, do mencionado diploma, é delimitada pelo Município. No entanto, conforme já ficou claro, para que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, "tal como definida em diploma específico", não é suficiente que se trate de uma empreitada localizada numa ARU, pois de acordo com a alínea b), do n.º 1, do artigo 7.0, do RJRU, a reabilitação urbana resulta da aprovação da
operação de reabilitação urbana (ORU) a desenvolver nas ARU, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
A delimitação de uma ARU determina a intenção do Município congregar nessa área uma intervenção integrada, de acordo com uma estratégia previamente definida. Mas tal delimitação afigura-se desprovida de utilidade se não for completada pela execução de uma ORU.
A aprovação da área de reabilitação urbana e a aprovação da operação de reabilitação urbana são atos administrativos distintos, e não têm de ser necessariamente simultâneos. De acordo com o n.° 4, do artigo 7.º, do mesmo diploma, a cada ARU corresponde uma ORU, tanto mais que uma vez aprovada a ARU, esta caduca se no prazo de três anos não tiver sido aprovada a ORU correspondente, conforme estatui o artigo 15.° do mesmo diploma.
O Decreto-Lei em referência esclarece, assim, que estamos perante uma reabilitação urbana apenas quando se verificar a aprovação destes dois requisitos/instrumentos: ARU e ORU. Ou seja, apenas estão em causa empreitadas de reabilitação urbana, quando as mesmas sejam realizadas no quadro de uma operação de reabilitação urbana já aprovada.
Logo, é condição necessária que o imóvel se encontre localizado numa área de reabilitação urbana delimitada nos termos legais, mas esta não é uma condição suficiente. É igualmente necessária a aprovação da correspondente ORU. Uma empreitada de construção em local inserido numa ARU, sem que haja a prévia aprovação de uma operação de reabilitação que a enquadre, não permite qualificar essa empreitada como sendo de reabilitação urbana para efeitos da verba 2.23 referida.
No caso em apreço, não ficou demonstrado que a obra em causa cumprisse todos estes requisitos, em particular o descrito na alínea b) que antecede, porquanto, se desconhece que, à data de realização das obras, o Município de Cascais tivesse aprovada uma ORU para a ARU do Estoril.
Recorde-se que, qualquer ORU, depois de aprovada, é enviada para publicação através de Aviso na 2.ª série do Diário da República e divulgada na página eletrónica do município, com remessa, em simultâneo, ao Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I.P., por meios eletrónicos. Após pesquisa nos referidos meios de divulgação, não foi encontrada qualquer referência a tal.
Para o Município de Cascais, a certidão apresentada apenas referencia o Aviso n.° 14079/2021, publicado no Diário da República em 2021-07-26, que se reporta à delimitação de 34 ARU do Municipio de Cascais (Anexo 2).
Assim, verifica-se que as obras da empreitada identificada foram realizadas em prédio inserido em ARU, mas sem ORU aprovada à data de realização das obras. Não existindo ORU aprovada, não se pode considerar que estamos perante uma empreitada de reabilitação urbana, "tal como definida em diploma especifico", pelo que não é aplicável a taxa reduzida do imposto a que se refere a alinea a), do n.º 1, do artigo 18., do CIVA, mas sim a taxa normal (23%), definida na sua alínea c).
A aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA para as empreitadas de reabilitação urbana exige a localização do prédio em área de reabilitação urbana previamente delimitada pelo município e uma operação de reabilitação urbana aprovada, no âmbito da qual essas obras se realizem. Não é suficiente para a aplicação dessa taxa a intervenção ser efetuada em área previamente delimitada, sendo também necessária a prova do enquadramento dessa intervenção em operação de reabilitação urbana aprovada.
l) Em sede de exercício do Direito de Audição Prévia do RIT, a ora Requerente defendeu a aplicação da taxa reduzida de IVA aos serviços em causa, mas os SIT entenderam não estar em causa uma empreitada de reabilitação urbana suscetível de comportar a aplicação dessa taxa reduzida, nos termos da referida verba 2.23, tendo, assim, decido manter as correções anteriormente propostas (provado pelo documento junto sob o nº. 8 com o PPA).
m) Em concretização das correções constantes do RIT, foram emitidas liquidações adicionais de IVA, no montante total de € 286.476,68, correspondente ao valor de IVA alegadamente em falta, nos períodos de 2023/01 a 2023/10, conforme quadro que se anexa (provado pelo documento junto sob o nº. 1 com o PPA):
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Ano
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Período
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Acto de liquidação adicional
de IVA
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Valor da correcção
€
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2023
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2301M
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…
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€ 34.106,97
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2302M
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…
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€ 29.189,30
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2303M
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€ 46.950,27
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2304M
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€ 30.027,40
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2305M
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€ 30.632,17
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2306M
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€ 39.397,50
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2307M
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€ 17.168,58
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2308M
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€ 20.467,49
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2309M
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€ 27.363,77
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2310M
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€ 11.173,28
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Total
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€ 286.476,68
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n) A Requerente foi também notificada dos actos de demonstração de acerto de contas de IVA, que apuraram um montante total de imposto a pagar, por referência ao ano de 2023, de € 94.561,67 (provado pelo documento junto sob o nº. 1 com o PPA):

o) Por fim, a Requerente foi notificada dos actos de Demonstração de Acerto de Contas de Juros Compensatórios, que apuraram um montante total de juros a pagar, por referência ao ano de 2023, de € 1.936,44 (provado pelo documento junto sob o nº. 1 com o PPA):
p) O valor de IVA adicionalmente liquidado teve também, como consequência, a diminuição do valor do excesso a reportar, existente na conta corrente de IVA da Requerente em cada um dos períodos em causa, sendo que apenas as liquidações adicionais de IVA, referentes aos períodos de 2023/04 e 2023/07, apuraram imposto a pagar pela Requerente, no valor total de € 94.561,67, ao qual acresceu o montante de € 1.936,44, a título de juros compensatórios (facto não controvertido).
q) Em 11/6/2024, a Requerente apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais que lhe foram notificadas (provado pelo documento junto sob o nº. 2 com o PPA).
r) Esta reclamação graciosa nunca foi decidida, pelo que se presume legalmente indeferida em 11/10/2014.
s) A Requerente procedeu ao pagamento voluntário dos montantes constantes das liquidações adicionais que lhe foram feitas, em 19/04/2024 (provado pelo documento junto sob o nº. 9 junt0 com o PPA).
t) A Requerente apresentou a 4-12-2024, o presente pedido de pronúncia no Tribunal Arbitral.
3.2 Factos não provados e fundamentação da matéria de facto considerada provada.
Não existem outros factos não provados com interesse para a decisão deste processo.
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela requerente e indicados a seguir a cada um e no que consta do processo administrativo e também os factos que as partes estão de acordo em considerar provados, conforme resulta do por si alegado em sede de requerimento inicial e das respostas que lhe sucederam.
Apenas se seleccionaram factos que têm interesse para a decisão dos presentes autos, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
4. Matéria de direito
4.1 - Questões a resolver:
Como questões a resolver, temos apenas a questão de saber se a expressão “empreitada de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico” significa que é necessário que empreitada se realize numa ARU e, cumulativamente, que exista uma ORU aprovada para que a operação possa ser enquadrada na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, para beneficiar de taxa reduzida de IVA.
A questão foi objecto de pronúncia recente pelo Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo - recurso para uniformização de jurisprudência, proferido em 26 de Março de 2025, proferido no processo nº. 12/24.9BALSB.
Em tal acórdão proferido por unanimidade foi decidido uniformizar jurisprudência nos termos seguintes:
- Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18. °, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
- A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana.
Escreveu-se nesse acórdão e com a devida vénia transcrevemos o seguinte:
“3.2.4.1. Identificada a questão fundamental de direito sobre a qual nos iremos debruçar e tendo já ficado devidamente expostas as distintas teses jurídicas dos arestos em confronto, vejamos, então, em qual delas encontra respaldo a melhor interpretação da lei, a que perfilha a melhor solução jurídica, reconhecendo-se que a questão é complexa, que ambas as teses se encontram sustentadas em argumentos sólidos e que o julgamento implica a concatenação de diversas normas e diplomas, nem sempre de fácil articulação, que passamos a enunciar.
3.2.4.2. Nos termos artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), normativo onde se encontram definidas as taxas de imposto, estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma.
3.2.4.3. Na Verba 2.23 da referida lista I, onde estão identificados os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida, consta que beneficiam da taxa de 6% as «Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais, ou no âmbito de operações de requalificação e reabilitação de reconhecido interesse público nacional.».
3.2.4.4. O artigo 2.º, alínea j) do Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro dá-nos o conceito de “Reabilitação urbana”, definindo-a como «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».
3.2.4.5. Por sua vez, dispõem os artigos 7.º, 8.º, 14.º e 15.º do RJRU:
- Artigo 7.º
«Áreas de reabilitação urbana
1 - A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação:
a) Da delimitação de áreas de reabilitação urbana; e
b) Da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana.
2 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo.
3 - A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessas áreas.
4 - A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana.»;
- Artigo 8.º
«Operações de reabilitação urbana
1 - Os municípios podem optar pela realização de uma operação de reabilitação urbana:
a) Simples; ou
b) Sistemática.
2 - A operação de reabilitação urbana simples consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução.
3 - A operação de reabilitação urbana sistemática consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público.
4 - As operações de reabilitação urbana simples e sistemática são enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana.
5 - O dever de reabilitação que impende sobre os proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre edifícios ou frações compreendidos numa área de reabilitação urbana é densificado em função dos objetivos definidos na estratégia de reabilitação urbana ou no programa estratégico de reabilitação urbana.»;
- Artigo 14.º
«Efeitos
A delimitação de uma área de reabilitação urbana:
a) Obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável;
b) Confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural.»;
- Artigo 15.º
«Âmbito temporal
1 - No caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação.
2 - A caducidade prevista no número anterior não produz efeitos relativamente a proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações, aos quais tenham sido concedidos benefícios fiscais ao abrigo do artigo 14.º».
3.2.4.6. Por último, nos termos do artigo 1207.º do Código Civil, empreitada é «o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.»
3.2.4.7. Tendo presente o quadro legal supra transcrito e cientes de que as normas fiscais se devem interpretar segundo os cânones que regem a interpretação de quaisquer outras, por assim resultar expressamente do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, antecipamos que é afirmativa a nossa resposta à questão de saber se a aplicação da taxa reduzida prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA depende da existência de uma Operação de Reabilitação Urbana aprovada para o local inserido em Área de Reabilitação Urbana onde é realizada a Operação Urbanística (empreitada). Ou seja, entendemos que o reconhecimento do direito ao benefício fiscal consagrado, conjugadamente, no artigo 18.º, a) do CIVA e na verba 2.23. da Lista I está legalmente dependente de que os bens e serviços que se pretendem tributados à taxa de 6% em sede de IVA sejam prestados no âmbito de uma empreitada de reabilitação urbana e que a qualificação de uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana pressupõe a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.
3.2.4.8. Esta é, a nosso ver, a melhor interpretação da norma consagrada na Verba 2.23., a que melhor compatibiliza os critérios previstos no artigo 9.º, nºs 1 e 2 do Código Civil - isto é, a que, partindo do texto da lei e tendo nele suficiente suporte, melhor reconstitui o pensamento legislativo, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9.º do Código Civil).
3.2.4.9. Começando pelo elemento literal, dúvidas não subsistem que só as empreitadas de reabilitação urbana podem beneficiar do benefício consagrado no artigo 18.º, n.º 1, alínea a) do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), por este normativo, onde se encontram definidas as taxas de imposto, estabelecer que estão sujeitas a uma taxa de 6% as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma e a Verba 2.23 da referida lista I e nesta constar que só beneficiam dessa taxa reduzida as “Empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico (…).
3.2.4.10. É possível, assim, concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que por contrato sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 127.º do Código Civil) mas, tão só, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana.
3.2.4.11. Não definindo o legislador fiscal nem o legislador urbanístico o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito e, por si, a verificação deste requisito de reconhecimento do direito ao benefício, tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de Outubro, para o qual a verba 2.23 nos remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar.
3.2.4.12. Dispõe a esse propósito o artigo 2.º, alínea j) do RJUR, que “ Reabilitação urbana” é «a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infra-estruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização colectiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios».
3.2.4.13. Começa, pois, a ganhar consistência o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6%, tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana.
3.2.4.14. É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da Verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que:
- a reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos, delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º];
- no que respeita à Operação de Reabilitação Urbana, que os Municípios podem optar pela realização de uma Operação “Simples” que consistirá em uma «intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução» [artigo 8.º, n.º 1 al. a) e n.º 2] ou “Sistemática” que consiste «numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público» [artigo 8.ºn.º 1 al. b) e n.º 3];
- a cada Área de Reabilitação Urbana corresponde uma Operação de Reabilitação Urbana (artigo 7.º, n.º 4);
- ambas as Operações de Reabilitação Urbana, “Simples” ou “Sistemáticas”, tem de estar enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana [artigo 16.º, als. a) e b), do RJRU].
3.2.4.15. Como se diz no acórdão recorrido, invocando o julgamento proferido no processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA.
Primeira, «só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto» (…).
Segunda, «o que ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16 da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20, n.ºs 1 e 3 do RJRU).».
3.2.4.16. Em suma, não temos dúvida alguma que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a) do CIVA e da Verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“Simples” ou “Sistemática”) de Reabilitação Urbana.
3.2.4.17. Interpretação que sai reforçada pelos elementos teleológico e histórico, isto é, pela finalidade, objectivos e valores que através da introdução na ordem jurídica do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana se visaram concretizar e que o distingue do Geral Regime, isto é, do Jurídico da Edificação e Urbanização.
3.2.4.18. Como resulta da leitura do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 307/2009, este regime especial constitui no plano legal a consagração de uma opção política, assumindo-se claramente que a reabilitação urbana constitui hoje «uma componente indispensável da política das cidades e da política de habitação, na medida em que nela convergem os objectivos de requalificação e revitalização das cidades, em particular das suas áreas mais degradadas, e de qualificação do parque habitacional, procurando-se um funcionamento globalmente mais harmonioso e sustentável das cidades e a garantia, para todos, de uma habitação condigna». (§ 1 do referido preâmbulo).
3.2.4.19. Visou, e continua a visar ainda hoje encontrar soluções para «cinco grandes desafios», destacando-se, para o que ora releva, articular o dever de reabilitação dos edifícios que incumbe aos privados com a responsabilidade pública de qualificar e modernizar o espaço, os equipamentos e as infra-estruturas das áreas urbanas a reabilitar e garantir a complementaridade e coordenação entre os diversos actores, concentrando recursos em operações integradas de reabilitação nas «áreas de reabilitação urbana».
3.2.4.20. Elegeu-se como objectivo central do novo regime substituir um regime que regula essencialmente um modelo de gestão das intervenções de reabilitação urbana, centrado na constituição, funcionamento, atribuições e poderes das sociedades de reabilitação urbana, por um outro regime que proceda ao enquadramento normativo da reabilitação urbana ao nível programático, procedimental e de execução. Complementarmente, e não menos importante, associa-se à delimitação das áreas de intervenção (as «áreas de reabilitação urbana») a definição, pelo município, dos objectivos da reabilitação urbana da área delimitada e dos meios adequados para a sua prossecução.
Parte-se de um conceito amplo de reabilitação urbana e confere-se especial relevo não apenas à vertente imobiliária ou patrimonial da reabilitação mas à integração e coordenação da intervenção, salientando-se a necessidade de atingir soluções coerentes entre os aspectos funcionais, económicos, sociais, culturais e ambientais das áreas a reabilitar. (…)
3.2.4.21. Ficou ainda exarado no mesmo preâmbulo, que «O presente regime jurídico da reabilitação urbana estrutura as intervenções de reabilitação com base em dois conceitos fundamentais: o conceito de «área de reabilitação urbana», cuja delimitação pelo município tem como efeito determinar a parcela territorial que justifica uma intervenção integrada no âmbito deste diploma, e o conceito de «operação de reabilitação urbana», correspondente à estruturação concreta das intervenções a efectuar no interior da respectiva área de reabilitação urbana.».
3.2.4.22. Procurava-se, e continua a procurar-se, com este regime, «regular de forma mais clara os procedimentos a que deve obedecer a definição de áreas a submeter a reabilitação urbana, bem como a programação e o planeamento das intervenções a realizar nessas mesmas áreas.».
3.2.4.23. Passa a permitir-se «que a delimitação de área de reabilitação urbana, pelos municípios, possa ser feita através de instrumento próprio, desde que precedida de parecer do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P., ou por via da aprovação de um plano de pormenor de reabilitação urbana, correspondendo à respectiva área de intervenção. A esta delimitação é associada a exigência da determinação dos objectivos e da estratégia da intervenção, sendo este também o momento da definição do tipo de operação de reabilitação urbana a realizar e da escolha da entidade gestora.
3.2.4.24. “Numa lógica de flexibilidade e com vista a possibilitar uma mais adequada resposta em face dos diversos casos concretos verificados, opta-se por permitir a realização de dois tipos distintos de operação de reabilitação urbana.
No primeiro caso, designado por «operação de reabilitação urbana simples», trata-se de uma intervenção essencialmente dirigida à reabilitação do edificado, tendo como objectivo a reabilitação urbana de uma área.
No segundo caso, designado por «operação de reabilitação urbana sistemática», é acentuada a vertente integrada da intervenção, dirigindo-se à reabilitação do edificado e à qualificação das infra-estruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização colectiva, com os objectivos de requalificar e revitalizar o tecido urbano.».
3.2.4.25. «Num caso como noutro, à delimitação da área de reabilitação urbana atribui-se um conjunto significativo de efeitos. Entre estes, destaca-se, desde logo, a emergência de uma obrigação de definição dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património. Decorre também daquele acto a atribuição aos proprietários do acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana. O acto de delimitação da área de reabilitação urbana, sempre que se opte por uma operação de reabilitação urbana sistemática, tem ainda como imediata consequência a declaração de utilidade pública da expropriação ou da venda forçada dos imóveis existentes ou, bem assim, da constituição de servidões.».
3.2.4.26. Em suma, resulta, a nosso ver de forma expressiva, do extenso preâmbulo que precede a lei, que o objectivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade (ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual (que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas) fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objectivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de Reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objectivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar.
3.2.4.27. Só tendo presente esta intencionalidade e objectivos faz sentido a norma excepcional do artigo 18. Al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a este anexa, afigurando-se-nos que, na ausência desta contextualização a atribuição daquele benefício e/ou incentivo fiscal carece de fundamento legal e seria, em nosso entender, de duvidoso conforto constitucional.
3.2.4.28. Refutamos, por fim, ainda que de forma breve, dois argumentos jurídicos em que a Recorrente deposita grandemente a sua tese de que o conceito de empreitada de reabilitação urbana e, por via deste, a Verba 2.23 não comporta a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana. Argumentos de que supostamente resulta infirmada a interpretação por que optamos: a disciplina contida nos artigos 14.º («Efeitos da delimitação”) e 15.º («Âmbito temporal), ambos do RJRA.
3.2.4.29. Quanto aos efeitos ( seguros de que só podem estar em questão os efeitos fiscais previstos no n.º 2 do artigo 14.º do RJRU, por o IVA não constituir um imposto associado aos impostos municipais sobre o património), cumpre apenas dizer que os direitos que aí estão reconhecidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações compreendidos na Área de Reabilitação Urbana de aceder aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, se encontram condicionados ao que na legislação aplicável se encontrar estabelecido.
3.2.4.30. Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na Verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições constitui, tão só, o cumprimento da lei. Tal como o seu reconhecimento, verificados os pressupostos que vimos mencionando, constituem o cumprimento da mesma.
3.2.4.31. Relativamente à questão do âmbito temporal importa realçar dois aspectos. O primeiro é o de que não pode confundir-se a possibilidade legalmente reconhecida aos Municípios de não aprovarem simultaneamente os dois instrumentos que, cumpridos, aprovados, permitem qualificar uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana (delimitação da área e operação de reabilitação urbana) com as condições de reconhecimento do benefício fiscal ao sujeito passivo.
Do exercício da faculdade concedida aos primeiros (aprovação não simultânea dos dois instrumentos) pode resultar, ou não, a caducidade da delimitação da Área de Reabilitação Urbana, nos termos do n.º do artigo 15.º. Tal como a realização da empreitada em Área de Reabilitação Urbana pode conduzir, ou não, ao reconhecimento ao sujeito passivo do benefício consagrado na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, dependendo de estar associada ou não a essa Área uma Operação de Reabilitação Urbana. Condição que cumpre ao sujeito passivo assegurar que está verificada, antes de realização da empreitada, pretendendo beneficiar da taxa de IVA reduzida. Ou seja, não está vedado ao sujeito passivo, a partir do momento em que o legislador passou a admitir que é possível não haver coincidência temporal entre a delimitação da Área de Reabilitação Urbana e a aprovação da Operação de Reabilitação Urbana, realizar empreitadas em Área de Reabilitação Urbana. O que lhe está legalmente vedado é beneficiar da tributação reduzida prevista na Verba n.º 2.23 se a empreitada se concretiza, mesmo que em Área de Reabilitação Urbana, antes da aprovação da Obra de Reabilitação Urbana.
3.2.4.32. De tudo quanto fica exposto se retira uma última conclusão, qual seja, a de que, neste contexto interpretativo, carecem de fundamento legal as alegações da Recorrente de que a interpretação que perfilhamos viola o princípio da legalidade fiscal nas vertentes da tipicidade e da reserva de Lei por se estarem a “adicionar administrativamente” ( presume-se que se esteja a referir aos Ofícios Circulados e Informações invocados pela recorrida nas decisões das Reclamações Graciosas e nas respostas no processo arbitral) à Verba n.º 2.23. da Lista I anexa ao CIVA requisitos que o legislador não contemplou. Ao exigir-se que se trate de uma empreitada de reabilitação urbana, nos termos definidos, está-se apenas a exigir que se preencham as condições impostas pelo legislador fiscal no artigo 18.º al. a) do CIVA e Verba 2.23 da Lista I a esse Código anexa, que inclui, como vimos, a existência prévia de uma Operação de Reabilitação Urbana.
3.2.4.33. Tendo presente o quadro legal supra descrito, particularmente a interpretação perfilhada quanto aos requisitos consagrados na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, e que dos factos apurados na decisão recorrida resulta que a empreitada foi realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual não estava à data da sua execução aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana bem andou o Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, julgamento que nestes autos se confirma.
É também este o nosso entendimento e na transcrição que se deixa feita estão respondidas todas as questões jurídicas suscitadas pela Requerente, nomeadamente em termos de literalidade e de legalidade tributária.
A solução do acórdão corresponde a uma das soluções possíveis da questão de direito, exactamente a que se revela mais exigente, pois que os municípios raramente aprovam as duas operações em simultâneo, pois pode nem haver necessidade de qualquer ORU, pelo que, como bem se refere compete a quem pretende beneficiar da redução do IVA promover junto do município a aprovação de uma ORU, não bastando o simples licenciamento da reabilitação a realizar e o facto de o edifício intervencionado se situar numa área previamente definida como ARU.
Mesmo a certidão junta sob o nº. 5 não tem essa virtualidade, apesar de se referir expressamente à redução de IVA, pois, em primeiro lugar, não corresponde a qualquer deliberação e, em segundo lugar, está fora da competência do município determinar benefícios fiscais em impostos estaduais.
E os dados de facto dados como provados não permitem concluir de forma diferente daquela como concluiu o Acórdão Uniformizador.
Por isso terá de improceder o presente pedido de pronúncia arbitral, que quanto à declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações adicionais, quer quanto à restituição do pago por força destas.
7. Decisão
Nestes termos, decide-se julgar improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral e consequentemente absolve-se a requerida AT dos pedidos formulados.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 288.413,12 pela Requerente, sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
9. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante total das custas a pagar em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.
Lisboa, 9 de Outubro de 2025
Árbitro Presidente
(Prof. Doutor Victor Calvete)
Vogal Relator
(José Joaquim Monteiro Sampaio e Nora)
Vogal
(Dra. Cristina Coisinha)
Texto elaborado com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.