SUMÁRIO
I. O artigo 22.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na parte em que limita o regime nele previsto a organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação nacional, excluindo organismos de investimento coletivo constituídos segundo a legislação de outros Estados membros ou Estados terceiros, viola o princípio da liberdade de circulação de capitais consagrado no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia na sua dimensão externa, conforme resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça no processo C-545/19, com Acórdão de 17 de março de 2022.
II. A interpretação do Tribunal de Justiça sobre o direito da União Europeia é vinculativa para os órgãos jurisdicionais nacionais, com a necessária desaplicação do direito interno em caso de desconformidade com aquela.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Presidente), Dr. Augusto Vieira (Vogal-Relator) e Dr. Jorge Belchior de Campos Laires (Vogal), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:
1. Relatório e Saneador
A... (anteriormente designado B...), Organismo de Investimento Coletivo constituído de acordo com o direito alemão, com o número de contribuinte português ..., com sede em ..., Alemanha, (doravante designado de “Requerente”), veio, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), para apreciação da legalidade dos atos de retenção na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) incidentes sobre o pagamento de dividendos relativos aos anos de 2022 e 2023, em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação do indeferimento da reclamação graciosa ...2024... e, bem assim, das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) a ele subjacentes, por retenções na fonte ocorridas em 2022 e 2023, aquando da colocação à disposição do Requerente de dividendos de participações detidas em sociedades residentes em território português.
O Requerente termina pedindo ao Tribunal Arbitral que proceda:
i “à anulação do ato de indeferimento da reclamação graciosa previamente apresentada pelo ora Requerente;
ii Em virtude da procedência do pedido acima, a anulação do ato tributário de retenção na fonte de IRC ora sindicado por vício de violação de lei, em concreto por violação do Direito Comunitário e da CRP, ...;
iii O reconhecimento do direito do Requerente à restituição da quantia de EUR 67.451,34, relativa a retenção na fonte de IRC suportadas em Portugal sobre dividendos distribuídos nos anos de 2022 e 2023, ao abrigo do disposto nos artigos 94.º do CIRC e 22.º do EBF, tudo com as demais consequências legais, mormente o reconhecimento do direito ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT;
iv Com a procedência dos pedidos formulados supra, a condenação da Autoridade Tributária no pagamento das custas de arbitragem”.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT em 11/04/2025.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 03/06/2025, as partes foram notificadas da designação dos árbitros, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 25/06/2025.
Por Despacho Arbitral de 25/06/2025, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, foi notificada a AT para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, querendo, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando dever ser remetido ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
Em 03.09.2025 respondeu a Requerida juntando o PA. Na resposta a AT defendeu-se por excepção alegando a caducidade do direito de acção e por impugnação.
Em 08.09.2025 o Sr. Presidente do Tribunal exarou o seguinte despacho:
“Não sendo requerida a produção de prova testemunhal não se vê utilidade na realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT.
Por outro lado, as questões estão suficientemente debatidas no pedido de pronúncia arbitral e na resposta, pelo que, em sintonia com o previsto no artigo 113.º do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, não há necessidade de alegações.
No entanto, sendo suscitada excepção pela Autoridade Tributária e Aduaneira, justifica-se que o Sujeito Passivo tenha possibilidade de se pronunciar, no exercício do princípio do contraditório, como se prevê no n.º 2 do artigo 113.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais (artigos 19.º, n.º 2, e 29.º, n.º 2, do RJAT) dispensa-se a realização da reunião prevista no artigo 18.º e a produção de alegações e determina-se a notificação do Sujeito Passivo para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 dias, sobre a excepção suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
Indica-se o dia 15-10-2025 para prolação da decisão arbitral.
Até esta data, o Sujeito Passivo deverá pagar a taxa arbitral subsequente.”
Em 23.09.2025 respondeu o Requerente pugnando pela improcedência da excepção invocada e pronunciou-se quanto a referências constantes da Resposta da AT relativas à dimensão probatória dos Documentos nºs 2 e 3 juntos com o PA e à referência relativa à falta da declaração acessória de Modelo 30 do IR.
Quanto ao Documento nº 2 junto com o PA refere que é: “... (correspondente a declaração do banco custodiante da qual resulta o número de ações e respetivo ISIN, valor dos dividendos, data de pagamento, valor do imposto suportado em Portugal e identificação do agente pagador em Portugal (D...)) que foi efetuado o pagamento dos dividendos ao Requerente, que o Requerente é o beneficiário efetivo dos rendimentos e que os mesmos foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal”.
Quando ao Documento nº 3 junto com o PA refere que dele resulta “... que o agente pagador em Portugal efetuou a retenção na fonte e entregou os montantes correspondentes à AT através das guias de pagamento aí identificadas, sendo possível identificar as ações em causa (e respetivo ISIN) e datas de pagamento, os quais têm correspondência com o documento n.º 2, emitido pelo banco custodiante.”
E conclui em nota de rodapé que: “É a análise conjugada dos documentos nºs 2 e 3 juntos à p.i. que permite clarificar a cadeia de pagamentos (que é típica no caso de pagamentos de dividendos a entidades não residentes, para efeitos fiscais, em Portugal). A este respeito, clarifique-se que as ações detidas pelo Requerente estão depositadas em seu nome junto do custodiante internacional (C...), conforme resulta do documento nº 2 junto à p.i.. O D... atua como agente pagador em Portugal, sendo a E... (a quem é dirigido o Credit Advice junto à p.i. como documento nº 3) entidade que atua como intermediário financeiro na cadeia de liquidação e custódia”.
Quanto à referência à falta de entrega das declarações Modelo 30 refere que “não pode a pretensão do Requerente ser prejudicada pela alegada inexistência de declaração de rendimentos de imposto retido nas declarações Modelo 30, as quais são da responsabilidade do substituto tributário, já que, como se viu, os factos alegados na p.i. encontram-se inequivocamente demonstrados e provados pela documentação junta”.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo e foi regularmente constituído, à face do preceituado na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do RJAT.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de arço) e o Tribunal é competente.
O processo não enferma de nulidades. As partes não suscitaram exceções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A. A Requerente, com o NIPC português ..., é, de acordo com o quadro regulatório e fiscal alemão, uma entidade jurídica de direito alemão, sobre a forma contratual e não societária, mais concretamente um Organismo de Investimento Coletivo (“OIC” que se encontra inscrito junto da Bundesanstal fúr Finanzdienstleistungsaufsicht ("BaFin"), autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação ("BaFin-ld") (70101936), com residência fiscal na Alemanha, é sujeito passivo de IRC não residente, para efeitos fiscais, em Portugal e aqui não possui qualquer estabelecimento estável - artigos 1º, 2º e 28º do PPA e Documento nº 1 em anexo ao PPA, mormente face à própria designação da entidade e ao teor da fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
B. Nos anos de 2022 e 2023 o Requerente era detentor de participações sociais nas seguintes sociedades residentes em Portugal:
F... SGPS, S.A.
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G... SGPS, S.A.
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Na qualidade de acionista destas sociedades residentes em Portugal, recebeu dividendos aqui sujeitos a tributação, à taxa de 25%, prevista no artigo 87.º do Código do IRC, pelo que suportou IRC, por retenção na fonte, no montante total a seguir discriminado:
Ano da Retenção
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Valor Bruto do Dividendo
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Data de Pagamento
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Taxa de
Retenção na Fonte
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Guia de pagamento
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Valor da retenção (€)
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2022
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50 824,25
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10.05.2022
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25%
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...
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12 706,06
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2022
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52 857,22
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20.09.2022
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25%
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13 214,31
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2023
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58 376,45
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17.05.2023
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25%
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14 594,11
|
2023
|
52 857,22
|
23.05.2023
|
25%
|
|
13 214,31
|
2023
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54 890,19
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25.08.2023
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25%
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13 722,55
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TOTAL
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67 451,34
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- conforme artigos 4º a 10º do PPA e Documentos nºs 2 e 3 em anexo ao PPA;
C. No dia 20.06.2024, o Requerente apresentou, ao abrigo do artigo 132.º n.ºs 3 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 137.º do CIRC, uma reclamação graciosa para apreciação da legalidade dos referidos atos de retenção na fonte de IRC relativos aos anos de 2022 e 2023, na qual solicitou a sua anulação por violação direta do Direito da UE, bem como o reconhecimento do seu direito à restituição do imposto indevidamente suportado em Portugal – conforme artigo 12º do PPA, Documento 4 em anexo ao PPA e ponto I da decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
D. À reclamação Graciosa foi atribuído o nº ...2024... e em 13.01.2025 o Requerente foi notificado da decisão final de indeferimento com a seguinte fundamentação: “IV – DESCRIÇÃO SUCINTA DOS FACTOS
IV-1 - Relativamente à entrega de imposto retido nos cofres do estado português pelo substituto tributário (H... S. A., com o NIF...) as guias identificadas apresentam valores muito superiores ao reclamado.
IV-2 - Relativamente, à entrega de imposto retido nos cofres do estado português pelo substituto tributário – H... S. A. – consultada a declaração modelo 30 (declaração de rendimentos pagos ou colocados à disposição de sujeitos passivos não residentes), verifica-se que não foi declarada pelo substituto tributário a distribuição de rendimentos ao Reclamante.
IV-3 - Porem, foram juntas aos autos, declarações emitidas pelo H... S. A., a certificar que foram pagos dividendos à E... ..., com imposto retido no valor total de € 692.953,56, superior ao valor reclamado (declarações identificadas como doc. nº. 3), que por sua vez, não identifica que esses mesmos dividendos foram pagos à ora Requerente.
Há que referir o facto de não ter sido feita prova de que a reclamante detém efetivamente o estatuto de OIC nem que não logrou deduzir na Alemanha, estado da residência, o imposto retido na fonte em Portugal, e, atendendo a que se trata de uma entidade estrangeira, a AT não tem conhecimento da sua natureza jurídica. Assim, conforme o disposto no n.º 1 do art.º 74.º da LGT, cabe à reclamante a sua prova, com a junção dos respetivos estatutos e apresentação da liquidação de imposto no sentido da não dedução no Estado da residência o imposto retido na fonte em PT, e se tiver uma isenção também tem de fazer prova, pois, se não provar que é um OIC, não lhe é, desde logo, de aplicar o art.º 22.º do EBF.
ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER
No entanto, e fazendo um enquadramento tributário da matéria controvertida sempre dir-se-á que:
V.1 - A Reclamante, não residente fiscal em Portugal e sem estabelecimento estável, é sujeito passivo de IRC, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIRC, incidindo o imposto apenas sobre os rendimentos obtidos em território nacional (país da fonte), nos termos da al. d) do n.º 1 do art.º 3 e n.º 2 do art.º 4.º, ambos do CIRC, à taxa de 25% nos termos do n.º 4 do art.º 87.º do CIRC, objeto de retenção na fonte a título definitivo ou liberatório, na data da verificação do facto tributário (pagamento ou colocação à disposição dos rendimentos), cujas importâncias retidas devem ser entregues nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forem deduzidas, nos termos da al. c) do n.º 1, al. b) do n.º 3, n.º 5 e n.º 6, todos do art.º 94.º do CIRC.
Quanto à desconformidade do regime previsto no art.º 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, cumpre dizer o seguinte:
V.2 - Através do Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro (cuja produção de efeitos ocorreu a partir de 1 de julho de 2015, conforme resulta do seu art.º 9.º, tendo-se estabelecido no art.º 7.º do referido diploma um regime transitório), procedeu-se à reforma do regime de tributação dos Organismos de Investimento Coletivo (OIC), alterando, com interesse para o caso em apreço, a redação do art.º 22.º do EBF (Estatuto dos Benefícios Fiscais), aplicável aos rendimentos obtidos por fundos de investimento mobiliário e imobiliário e sociedades de investimento mobiliário e imobiliário, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional (regime jurídico dos OIC – DL. n.º 252/2003, de 17/10, republicado pelo DL n.º 71/2010, de 18/06), encontrando-se no art.º 11.º do referido diploma os elementos necessários para a sua constituição e autorização.), conforme resulta do n.º 1 do art.º 22.º do EBF, e Circular n.º 6/2015.
V.3 - Com a nova redação, o legislador estabeleceu que, para esses sujeitos passivos de IRC, (i) não são considerados, na determinação do lucro tributável, os rendimentos de capitais, prediais e mais-valias referidos nos art.ºs 5.º, 8.º e 10.º do CIRS, conforme resulta do n.º 3 do referido art.º 22.º do EBF, (ii) estão isentos das derramas municipal e estadual (n.º 6) e, (iii) estabeleceu ainda uma dispensa da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos por si obtidos (art.º 22.º n.º 10 do EBF).
V.4 - Tal regime não é aplicável à reclamante - pessoa coletiva constituída de acordo com a legislação da Alemanha, por falta de enquadramento com o disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF, conforme entendimento sancionado superiormente. Vejamos,
V.5 - Efetivamente, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) pronunciou-se sobre tal exclusão, através do acórdão proferido no processo n.º C – 545/19 de 17 de março de 2022, do qual resulta que «O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção».
V.6 - De notar que, o legislador prevê no n.º 10 do art.º 22.º do EBF uma dispensa (e não uma isenção) da obrigação de efetuar a retenção na fonte de IRC relativamente aos rendimentos obtidos pelos OIC constituídos e que operem de acordo com a legislação nacional (n.º 1).
V.7 - Todavia, não cabe à AT invalidar ou desaplicar o direito nacional em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além daquilo que possa considerar-se uma interpretação razoável.
V.8 - Evidenciando-se que, a interpretação do direito europeu constante das decisões jurisprudenciais é vinculativa para os órgãos jurisdicionais, mas não afastam a vigência legal das normas consideradas pelo TJUE como contrárias ao direito europeu.
V.09 - E, no que diz respeito aos OIC não residentes (que não disponham de um estabelecimento estável em território português), os mesmos não têm enquadramento na atual previsão do n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, dos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal.
V.10 - Na esteira do Acórdão do TJUE, no âmbito do n.º 10 do art.º 22.º do EBF, estão incluídos OIC constituídos nos demais Estados-membros e, por maioria de razão, os OIC constituídos nos demais Estados-Membros da EU e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
V.11 - Pelo que, nos parece viável uma interpretação jurídica conforme ao direito europeu, segundo a qual no âmbito da dispensa de retenção, estarão incluídos os OIC´s não residentes e que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
V.12 - Ora, no caso em apreço, conforme informado, a reclamante é não residente fiscal e não dispõe de estabelecimento estável em Portugal, pelo que, não se encontra enquadrado no n.º 1 do art.º 22.º do EBF.
V.13 - Pelo exposto, é de indeferir o pedido quanto aos períodos RF/IRC de 2022 e RF/IRC de 2023.
V.14 - Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 e da alínea c) do n.º 3, ambos do artigo 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.
VI. CONCLUSÃO
Face ao exposto, sou do parecer que deve a presente reclamação graciosa ser INDEFERIDA quanto ao pedido, devendo notificar-se a interessada para efeitos do exercício do direito de audição, nos termos da al. b) do n.º 1 do art.º 60.º da LGT.
VII - INFORMAÇAO COMPLEMENTAR
Atendendo aos fundamentos de facto e de direito constantes do projeto de decisão, foi exarado em 2024-11-22, despacho no sentido do indeferimento do pedido, pela Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, por subdelegação, relativamente ao pedido de reembolso de retenção na fonte de IRC a título definitivo efetuada nos anos de 2022 e 2023, entregue através das guias nº. ... (2022-05), nº. ... (2022-09), n.º ... (2023-05) e guia nº. ... (2023-08) solicitando o montante retido de € 67.451,34.
O Reclamante foi notificado, na pessoa de seu mandatário, Dr. I..., nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT, para exercer o direito de audição prévia, no prazo de 15 (quinze) dias, através do (ofício nº ... de 2024-11-25 expedido através do registo CTT-RH ... PT, datado de 2024-11-25.
Considerando o estatuído no art.º 39.º do CPPT, quanto à perfeição das notificações, a notificação considera-se efetuada em 2024-11-28.
O Reclamante veio exercer o direito de audição prévia através de requerimento enviado via correio registado em 2024-12-13, com entrada GPS-2024... .
No exercício do direito de audição, o reclamante refere que apesar de não concordar com os fundamentos apresentados, nesta sede irá apenas clarificar a ausência de prova de que os rendimentos foram efetivamente pagos ao reclamante e o seu estatuto de OIC.
Alega que, relativamente à entrega de imposto retido nos cofres do estado português pelo substituto tributário – H.. S. A., a certificar que foram pagos dividendos à E..., com imposto retido no valor total de € 692.953,56, que por sua vez, não identifica que esses mesmos dividendos foram pagos à ora Requerente, esclarece que foi efetuado o pagamento dos dividendos ao Reclamante que comprova com documentos idóneos emitidos por entidades financeiras e que o imposto retido na fonte foi entregue junto dos cofres da AT em Portugal, conforme docs. 2 e 3, juntos aos autos.
Que a alegada inexistência da entrega da Modelo 30, onde comprova os rendimentos e imposto retido, é da responsabilidade do substituto tributário e que a pretensão do reclamante não pode ser prejudicada.
Relativamente, ao fato de não ter sido feito prova de que o reclamante detém o estatuto de OIC, clarifica ser efetivamente um Organismo de Investimento Coletivo, na forma de fundo de investimento, constituído de acordo com o direito alemão, disponível em (https://www...)
Para o efeito, esclarece que» que o Reclamante é um Organismo de Investimento Coletivo ("OIC"), na forma de fundo de investimento, constituído de acordo com o direito alemão, que se encontra inscrito junto da Bundesanstal fúr Finanzdienstleistungsaufsicht ("BaFin"), a autoridade alemã competente para a supervisão financeira, com o número de identificação ("BaFin-ld") ... (cfr. informação disponível em https://portal.mvp.bafin.de/database/Fondslnfo/?locale=en GB, mediante pesquisa pelo BaFin-ld ..., selecionando o critério "all domestic funds”).
VIII – ANÁLISE e PARECER
Iniciando-se a nossa análise e após ter consultado novamente as aplicações informáticas dos serviços da AT, nomeadamente as Obrigações Acessórias, confirma-se que, até à presente data não foi efetuada a submissão da Modelo 30, onde devem constar os dados da presente reclamação e causa de pedir, nomeadamente os valores peticionados com os valores retidos, sendo que a modelo 30 é uma obrigação acessória do substituto tributário, através da qual se consegue aferir o substituído tributário de uma operação tributável.
Relativamente, onde esclarece o reclamante deter os estatutos de OIC e após ter sido possível a consulta do respetivo link mencionado nas alegações a comprovar, efetivamente, os respetivos estatutos de OIC, o mesmo diz respeito à M... e relativamente ao link da Bafin onde se encontra inscrito junto da autoridade alemã competente para a supervisão financeira, apesar das diversas tentativas encetadas o mesmo não se encontra disponível para a sua consulta, pelo que não se pode comprovar o estatuto de OIC do reclamante.
Quanto ao remanescente, reiteramos o entendimento vertido no projeto de decisão, pois, a AT encontra-se subordinada ao princípio da legalidade, conforme resulta do disposto no n.º 2 do art.º 266.º da CRP, art.º 55.º da LGT e n.º 1 do art.º 3.º do CPA, não fazendo parte das suas atribuições fiscalizar e formular juízos sobre a compatibilidade de uma norma com o Direito Europeu, invalidando-a ou desaplicando-a, mesmo em consequência de decisões do TJUE, substituindo-se ao legislador para além do que possa considerar-se uma interpretação razoável, devendo sim, por decorrência do referido princípio, atuar em conformidade com a lei.
E, conforme foi informado no projeto de decisão, tendo em conta a referida decisão do TJUE e o regime previsto no art.º 22.º do EBF, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 7/2015, de 13 de janeiro, o qual se encontra em vigor sem que tenha sido objeto de alteração legislativa, parece-nos admissível a interpretação jurídica de que, no âmbito da dispensa de retenção prevista no n.º 10 do art.º 22.º do EBF estarão incluídos os OIC´s não residentes que operem em território português através de um estabelecimento estável aqui situado.
Assim, uma vez que, o reclamante é não residente fiscal, sem estabelecimento estável em Portugal, não se encontra enquadrado no disposto no n.º 1 do art.º 22.º do EBF e, consequentemente, nos n.ºs 2, 3 e 10 da referida norma legal.
Em face do exposto, e porque se se mantêm válidos os fundamentos constantes do projeto de decisão não tendo sido junto aos autos elementos que permitam a alteração do projeto no qual é proposto o Indeferimento do pedido, deverá o mesmo ser convolado em definitivo”.
- conforme artigos 13º e 14º do PPA, Documento nº 5 em anexo ao PPA e PA junto pela Requerida;
E. A DSRI da Requerida informou, relativamente a reembolsos referentes ao imposto suportado e quanto aos rendimentos identificados no PPA que “da consulta às nossas aplicações informáticas, designadamente, “REL-INT” e “SGRI”, não se verifica que tenha sido instaurado qualquer processo, em nome de J..., NIFPT:.., referente a pedido de reembolso de imposto português, retido sobre rendimentos de dividendos, auferidos nos períodos indicados” - conforme artigo 8º da Resposta da AT;
F. Em 09/04/2025, o Requerente apresentou no CAAD o pedido de constituição do Tribunal arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no SGP do CAAD.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal Arbitral baseia a decisão, em relação às provas produzidas, na convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC aplicável ex viartigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
É pacífico na doutrina e jurisprudência que: “Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios” (cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário – Anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, p. 321 e, entre outros, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 05/03/2020, processo n.º 19/17.2BCLSB).
Efetivamente, sem prejuízo da posição assumida pela Requerida a propósito de alguns dos factos carreados para os autos pelo Requerente, considera este Tribunal Arbitral que a prova documental apresentada tem valor objetivo e a respetiva informação se tem por verdadeira.
Em concreto, a alegação da Requerida de que o Requerente não provou que era OIC porque não foi possível confirmar pelo link da Bafin facultado para esse desiderato (no ponto VIII do despacho de indeferimento da RG) configura-se que a própria designação constante do Documento nº 1 em anexo ao PPA o indicia:

ou seja, “K...” GmbH re “A...”, inculcando a ideia, à semelhança do que ocorre em Portugal, de que se trata da entidade e gestora (com personalidade jurídica) que faz a gestão o próprio fundo aqui Requerente, património autónomo sem personalidade e capacidade jurídicas.
Dúvidas fundadas a terem existido em sede de procedimento de reclamação graciosa, podiam e deviam ser dirimidas pelos meios à disposição da AT (vg. troca de informações com a congénere alemã) no âmbito do princípio do inquisitório conforme artigo 58º da LGT.
Não deixa de ser surpreendente a alegação da Requerida, pois que, tendo o Requerente obtido o número fiscal português (...) não se configura curial que venha alegar o que alega, quando resulta do Decreto-Lei nº 14/2013 de 28.01, mormente da conjugação do artigo 11º - 2 – alínea b) com o artigo 15º nº 1 alínea b) e nº 2, que terá em sua posse os elementos que lhe permitem concluir que o Requerente é um Fundo e que tem um representante legal, certamente a entidade gestora, para dirimir quaisquer dúvidas sobre a sua específica natureza jurídica.
Por outro lado, as observações colocadas pela AT face ao conteúdo e dimensão probatória dos Documentos nº 2 e 3 juntos com o PPA, não têm razão de ser, face ao conhecimento geral da prática bancária neste tipo de investimentos com intervenção de várias entidades bancárias e financeiras transnacionais. Como bem observa o Requerente configura-se idónea a análise de que da conjugação dos documentos nºs 2 e 3 juntos com o PPA, resulta uma suficiente clarificação da cadeia de pagamentos (que é típica, percute-se, no caso de pagamentos de dividendos a entidades não residentes, para efeitos fiscais, em Portugal). Ou seja,
(1) as ações detidas pelo Requerente estão depositadas em seu nome junto do custodiante internacional (depositário) (o C...), (Documento nº 2 junto com o PPA);
(2) O D... é o agente pagador em Portugal;
(3) e a E... (a quem é dirigido o Credit Advice junto com o PPA (documento nº 3) é mero intermediário financeiro na cadeia de liquidação e custódia/depósito das acções que são desmaterializadas.
Considerou-se irrelevante a alegação da Requerida (artigo 3º da Resposta) de que não foi possível “comprovar o pedido” uma vez que o pedido é inferior ao valor indicado nas guias de pagamento, dando a entender que continham valores retidos a outras entidades que irrelevam para a presente a decisão.
Já quanto à alegação, na fundamentação do indeferimento da RG e no artigo 4º da Resposta, de que não foi apresentado o Modelo 30 juntos pela AT, a verdade é que estão suficientemente documentados (como esclarece o Requerente):
(1) o número de ações e respetivo ISIN,
(2) o valor dos dividendos, data de pagamento e o valor do imposto suportado em Portugal,
(3) a identificação do agente pagador em Portugal (D...);
(4) que foi efetuado o pagamento dos dividendos ao Requerente;
(5) e que o Requerente é o beneficiário efetivo dos rendimentos e que os mesmos foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal.
Naturalmente a falta de cumprimento da obrigação fiscal acessória de Modelo 30 pelo agente financeiro pagador dos rendimentos em Portugal não pode prejudicar a pretensão do Requerente, por constituir facto que lhe é alheio.
3 - Posição das Partes
No essencial, o Requerente alega que a retenção na fonte que incidiu sobre os dividendos por si obtidos no território nacional nos anos de 2022 e 2023 viola o artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), isto porque, organismos de investimento colectivo (“OIC”) residentes fiscais em Portugal estão isentos de tributação sobre dividendos, nos termos do regime previsto no artigo 22.º do EBF.
Invoca que “no passado dia 17.03.2022 foi conhecido o veredito do TJUE no processo que correu termos sob o n.º C-545/19 (AllianzGI-Fonds AEVN), no qual o TJUE se pronunciou, de acordo com a pretensão do Requerente no processo, sobre o regime português de tributação de dividendos auferidos por OIC”.
Por seu turno, no essencial, a AT entende que OICs não residentes fiscais em Portugal, como sucede no caso do Requerente, não se encontram numa situação comparável à dos OICs constituídos / residentes fiscais em Portugal. Alega a AT que a legislação portuguesa concede isenções a OICs constituídos / residentes fiscais em Portugal, mas sujeita esses mesmos OICs a outras formas de tributação, como o Imposto do Selo ou tributação autónoma. Ou seja, a diferença de tratamento entre OICs residentes e OICs não residentes em Portugal não configura uma discriminação proibida pelo artigo 63.º do TFUE, uma vez que ambos estão sujeitos a regimes fiscais diferentes.
4. Matéria de direito
4.1 – Quanto à excepção invocada
Relativamente a esta matéria refere-se na página 483 da Lei Geral Tributária anotada e comentada, 4ª edição, 2012, de autoria de Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 57º da LGT:
“9 - Consequências da não impugnação do indeferimento tácito
O indeferimento tácito é uma ficção jurídica destinada a possibilitar ao interessado o acesso aos tribunais, para obter tutela para os seus direitos ou interesses legítimos, nos casos de inércia da administração tributária sobre pretensões que lhe foram apresentadas. (neste sentido pode ler-se Freitas do Amaral, Direito Administrativo, volume III página 256).
Tratando-se de uma faculdade de acesso à via contenciosa, da não impugnação do indeferimento tácito não advêm consequências negativas para o interessado, designadamente a não impugnação no prazo legal não tem como corolário a caducidade do direito de vir a impugnar o acto expresso de indeferimento quando ele, tardiamente, venha a ser praticado, não se formando por isso, o chamado caso decidido ou resolvido, isto é, a preclusão do direito de impugnação com fundamento em vícios geradores de anulabilidade.
Por ter como objectivo permitir ao interessado reagir contra a inércia indevida da Administração, o indeferimento tácito deixa de ser relevante quando tal inércia deixar de existir por ser proferido, mesmo para além do prazo legal, um acto expresso de decisão da pretensão apresentada à administração tributária, pois este abre aos interessados a possibilidade de impugnação contenciosa”.
É de concluir que a presunção de indeferimento constante dos artigos 57º-5 da LGT e do artigo 106º do CPPT, são uma faculdade de acesso à via contenciosa, pelo que o seu não uso no prazo legal, “não tem como corolário a caducidade do direito de vir a impugnar o acto expresso de indeferimento quando ele, tardiamente, venha a ser praticado, não se formando por isso, o chamado caso decidido ou resolvido”.
Improcede a excepção invocada.
4.2 – Quanto à questão de fundo
O caso sub judice visa, essencialmente, apreciar a compatibilidade com o princípio da liberdade de circulação de capitais, consagrado no artigo 63.º do TFUE, do regime especial de tributação aplicável aos OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, nos termos da parte final do n.º 1 e do n.º 3 do artigo 22.º do EBF, determinando a exclusão desse regime jurídico dos OICs que operem em Portugal e que tenham sido constituídos de acordo com a legislação de outro Estado-Membro da União Europeia ou de Estado terceiro.
A questão da compatibilidade ou não do regime previsto no artigo 22.º do EBF com o Direito da União Europeia, designadamente o artigo 63.º do TFUE, foi apreciada no acórdão
AllianzGI-Fonds AEVN do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), datado de 17-032022, proferido no processo n.º C-545/19, em que se concluiu que:
“O artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.
Diversos Tribunais Arbitrais constituídos no CAAD reiteraram a referida jurisprudência do TJUE. Note-se, de resto, que o Supremo Tribunal Administrativo uniformizou a jurisprudência sobre esta matéria em obediência ao decidido pelo TJUE (Acórdão de 28/09/2023, Processo n.º 093/19):
“A interpretação do artº. 63, do TFUE, acabada de mencionar é incompatível com o artº.22, do E.B.F., na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 7/2015, de 13/01, na medida em que limita o regime de isenção nele previsto aos OIC constituídos segundo a legislação nacional, dele excluindo os OIC constituídos segundo a legislação de outros Estados Membros da União Europeia”.
Como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234.º do Tratado de Roma, anterior artigo 177.º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia (neste sentido, entre outros, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Arbitral no âmbito do proc. n.º 66/2024).
A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no n.º 4 do artigo 8.º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.
Assim, considera-se ilegal, por incompatibilidade com o artigo 63.º do TFUE, o artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime de isenção nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de outros Estados.
4.3 – Neutralização da discriminação da Requerente face às OICs que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.
Refere a Requerida:
(1) “ainda que o Fundo não consiga recuperar o imposto retido na fonte em Portugal no seu estado de residência, também não está demonstrado que o imposto não recuperado pelo Fundo não possa vir a ser recuperado pelos investidores” (artigo 38º da Resposta)
(2) “... a Requerente não esclareceu/provou (apenas alegou) se, no caso concreto, existiu ou não um crédito de imposto por dupla tributação internacional na esfera da própria Requerente ou dos investidores” (artigo 64º da Resposta)
(3) “... a retenção na fonte efetuada sobre os dividendos pagos à Requerente respeita o disposto na legislação nacional e na convenção para evitar a dupla tributação, devendo ser mantida na ordem jurídica” (ponto 4 do artigo 90º da Resposta)
(4) “... seguindo-se o entendimento expresso no Acórdão do STA, proc.19/10.3BELRS, de 07-05, “Para que se pudesse concluir, in casu, no sentido do carácter discriminatório do regime que sujeita a retenção na fonte as entidades financeiras não residentes, a recorrida teria que demonstrar que suportara uma tributação mais elevada no seu conjunto, o que não se verificou. Neste sentido, vide o Acórdão Gerritse, de 12 de junho de 2003 (Processo C- 234/01).
É de sublinhar que estando perante matéria de direito, como entendido pela sentença proferida pelo Tribunal a quo, cabia à requerente ter demonstrado a existência dos factos constitutivos dos direitos, prova a fazer por quem os invoca, tal como o que se encontra firmado no ordenamento fiscal português, no artigo 74.º da LGT e 342.º do Código Civil, subsidiariamente aplicável às relações jurídico-tributárias. Não o tendo feito, não é possível invocar de modo assertivo o carácter discriminatório da norma em discussão.”.
No caso sub judice, em face da matéria de facto e dos documentos juntos aos autos entende-se que a Requerente não fez prova da discriminação proibida,
Assim sendo, considerando-se que, à luz do disposto no artigo 348.º do Código Civil, segundo o qual àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, o Requerente não fez prova da discriminação proibida, pelo que só se pode defender a improcedência do pedido, por falta de prova da impossibilidade de neutralização da discriminação contestada.
Recordando a este propósito os Acórdãos do STA proferidos nos processos n.º 1192/13, de 21.05.20215, n.º 1435/12, de 9.07.2014, n.º 884/17, de 12.09.2018, e o já citado proc. 19/10.3BELRS, de 7.05”. (ponto 6 a 9 do artigo 90º da Resposta).
Ora,
A eventual possibilidade de manter a tributação discriminatória se o detentor do rendimento a neutralizar no Estado de Residência será um facto impeditivo do direito à anulação com fundamento na ilegalidade (conforme os artºs 268.º, n. 4, da CRP e 99.º do CPPT) e, como tal, o ónus da prova recai sobre a AT, de harmonia com o preceituado no artigo 74.º, n,º 1, da LGT (que só impõe o ónus da prova dos factos constitutivos e não também dos impeditivos) e, sobretudo, à face do preceituado no artº 342,º, n.2, do CC.(«. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita»).
Para além disso, no nosso direito (que é o aplicável relativamente ao ónus da prova, que não é regulado pela legislação da União), as regras do ónus da prova situam-se a jusante do princípio do inquisitório (acórdão do STA de 21-10-2009, processo n.º 583/09, ), só podendo a AT invocar a falta de prova de qualquer facto relevante para a procedência da pretensão do contribuinte quando, após ter realizado todas as diligências necessárias para o apurar (artigo 58.º da LGT), chegar a uma situação de non liquet.
Acresce que,
No caso em apreço, no que diz respeito ao objecto, ao conteúdo e ao objectivo do regime português em matéria de tributação dos dividendos, seja ao nível dos próprios OIC ou dos seus detentores de participações sociais, o TJUE (caso AllianzGI-Fonds AEVN) entendeu que o referido regime foi concebido numa lógica de “tributação à saída”, ou seja, os OIC que são constituídos e operam de acordo com a legislação portuguesa estão isentos do imposto sobre o rendimento, sendo o encargo que este último representa transferido para os detentores de participações sociais que têm a qualidade de residentes, estando dele isentos os detentores de participações sociais não-residentes.
Para o TJUE, se se concluir que o regime português em matéria de tributação dos dividendos visa transferir essa tributação para a esfera dos detentores de participações sociais dos OIC, no intuito de não renunciar pura e simplesmente à tributação dos dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal, deve entender-se que, se o objectivo da legislação nacional em causa é comprovadamente o de deslocar o nível de tributação do veículo de investimento para o accionista desse veículo, são, em princípio, as condições materiais do poder de tributação sobre os rendimentos dos accionistas que devem ser consideradas determinantes, e não a técnica de tributação utilizada.
O Requerente, residente na Alemanha, pode ter investidores estrangeiros, incluindo portugueses, e os fundos fiscalmente residentes em Portugal podem ter investidores estrangeiros, incluindo alemães.
Mas a presente acção não foi intentada pelos investidores, nem os mesmos são partes nela, nem é lícito chamar à colação a posição dos referidos investidores.
Por seu lado, o art. 22º do EBF não estabelece nenhuma ligação entre o tratamento fiscal dos juros ou dividendos de origem nacional recebidos pelos OIC, residentes ou não residentes, e a situação fiscal dos seus detentores de participações.
Da mesma forma, a AT não afere da posição dos investidores em OIC residentes para efeitos fiscais em Portugal, para reconhecer a estes o regime fiscal previsto no art. 22º do EBF.
Seria impraticável, excessivamente oneroso, proceder-se a uma determinação caso a caso, totalmente particularizada, para cada OIC não-residente, ou investidor individual, com o único fito de aumentar as receitas tributárias dos Estados Membros. É que tanto os fundos residentes em Portugal, como os não-residentes, podem ter titulares institucionais e individuais de todos os Estados da União Europeia e de terceiros Estados: será, portanto, administrativamente mais praticável, e muito menos oneroso, circunscrever a análise ao nível da situação fiscal dos fundos residentes e não-residentes a quem são pagos juros ou distribuídos dividendos, obtendo-se a informação relevante numa única determinação, sem necessidade de particularizar as situações de benefício económico último.
Por outras palavras: considerando queo único critério de distinção estabelecido pela legislação nacional se baseia no lugar de residência dos OIC, sujeitando apenas os organismos não-residentes a uma retenção na fonte dos rendimentos de capital que recebem, o que deve relevar é o impacto directo que as normas tributárias têm na actividade dos fundos, e não na situação fiscal dos investidores individualmente considerados. Estes não têm necessariamente a mesma nacionalidade dos fundos, o que deve ser tido por normal, até porque os investimentos transfronteiriços são um dos objectivos do mercado interno e da liberdade de circulação de capitais no âmbito da União Europeia.
Em suma, o rastreamento de investidores individuais espalhados por todo o mundo, e a aplicação de um conjunto diferente de regras a cada um deles, dependendo de seu país de domicílio, apresentaria uma situação impraticável para os tribunais que, no futuro, fossem chamados a analisar a conformidade da legislação fiscal nacional em causa com as liberdades de estabelecimento e de circulação de capitais.
Acrescente-se ainda que, quanto à questão da irrelevância da situação concreta dos participantes no fundo, foi já afirmada pelo TJUE no acórdão Santander Asset Management SGIIC, do T.J.U.E., de 10/05/2012, Processo C-338/11 e apensos, º 28: "quando um Estado Membro escolhe exercer a sua competência fiscal sobre os dividendos pagos por sociedades residentes unicamente em função do lugar de residência dos OIC beneficiários, a situação fiscal dos detentores de participações destes últimos é desprovida de pertinência para efeitos de apreciação do carácter discriminatório, ou não, da referida regulamentação".
Esta jurisprudência foi reafirmada pelo STA no acórdão uniformizador de 28-09-2023, processo n.º 93/19.7BALSB, publicado em DR,1,26-02-2024.
A situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não-residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia.
Por conseguinte, o critério de distinção a que se refere a legislação nacional em causa, que tem por critério o lugar de residência dos OIC, não permite concluir pela existência de uma diferença objectiva de situações entre os organismos residentes e os organismos não residentes.
***
De harmonia com o exposto, considera-se inadmissível a discriminação efectuada pela Lei portuguesa entre OIC´S residentes e não residentes, com base no artigo 22.º, n.º 1, do EBF, na parte em que limita o regime nele previsto a sociedades constituídas segundo a legislação nacional, excluindo das sociedades constituídas segundo legislações de Estados Membros da União Europeia.
Nestes termos, conforme resulta de tudo o exposto, verifica-se a desconformidade da aplicação da norma constante do artigo 87.º, n.º 4, do Código do IRC – da qual resultou uma retenção na fonte em IRC de 25% – sobre os dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal ao Requerente (OIC estabelecido na Alemanha), com os princípios estabelecidos no TFUE, em particular com o artigo 63.º do TFUE que garante a liberdade de circulação de capitais.
Os deveres resultantes do primado do direito da União Europeia vinculam todas as entidades públicas, incluindo toda a administração pública e os tribunais nacionais.
Porque, na sua atuação, a AT aplicou as normas jurídicas nacionais em vigor, a despeito de as mesmas violarem o direito da União Europeia tal como vem sendo interpretado pelo TJUE, sendo a primazia do direito da União Europeia relativamente ao direito nacional uma primazia de aplicação e não uma primazia de validade, cabe ao presente Tribunal arbitral desaplicar o direito nacional contrário ao direito da União Europeia, declarando a respetiva ilegalidade.
Julga-se, assim, procedente a pretensão do Requerente estando a AT obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio.
Consequentemente, tem de se concluir que os atos de retenção na fonte, bem como o indeferimento da revisão oficiosa que os manteve, enfermam de vício de violação de lei, que justifica a sua anulação, de harmonia, com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
Percute-se: a legislação portuguesa, ao tributar por retenção na fonte dividendos distribuídos por sociedades residentes em Portugal a OIC’s constituídos ao abrigo da legislação de outro Estado e ao mesmo tempo permitir que os OIC equiparáveis constituídos ao abrigo da legislação nacional beneficiem, em idêntica situação, de isenção dessa retenção na fonte, não é compatível com o direito da União Europeia, por violação da liberdade fundamental de circulação de capitais consagrada no artigo 63.º do TFUE.
5. Restituição das importâncias indevidamente retidas e juros indemnizatórios
O Requerente pede ainda o reembolso das importâncias indevidamente retidas e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.
Nos termos da alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. Isto está, pois, em perfeita sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ademais, o TJUE tem decidido que a cobrança de impostos em violação do direito da União Europeia tem como consequência não só direito ao reembolso do imposto pago, mas também o direito ao pagamento de juros (vide, o Acórdão Mariana Irimie, Proc. C-565/11):
“21. Há que lembrar ainda que, quando um Estado-Membro tenha cobrado impostos em violação do direito da União, os contribuintes têm direito ao reembolso não apenas do imposto indevidamente cobrado, mas igualmente das quantias pagas a esse Estado ou por este retidas em relação direta com esse imposto. Isso inclui igualmente o prejuízo decorrente da indisponibilidade de quantias de dinheiro, devido à exigibilidade prematura do imposto (v. acórdãos de 8 de março de 2001, Metallgeselischaft e o., C397/98 e C-410/98, Colet., p. I-1727, n.ºs 87 a 89; de 12 de dezembro de 2006, Test Claimants in the FII Group Litigation, C-446/04, Colet., p. I-11753, n.º 205; Littlewoods
Retail e o., já referido, n.º 25; e de 27 de setembro de 2012, Zuckerfabrik Jülich e o., C113/10, C-147/10 e C-234/10, n.º 65).
22. Resulta daí que o princípio da obrigação de os Estados-Membros restituírem com juros os montantes dos impostos cobrados em violação do direito da União decorre desse mesmo direito da União (acórdãos, já referidos, Littlewoods Retail e o., n.º 26, e Zuckerfabrik Jülich e o., n.º 66).
23. A esse respeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que, na falta de legislação da União, compete ao ordenamento jurídico interno de cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos, nomeadamente a respetiva taxa e o modo de cálculo. Essas condições devem respeitar os princípios da equivalência e da efetividade, isto é, não devem ser menos favoráveis do que as condições relativas a reclamações semelhantes baseadas em disposições de direito interno, nem organizadas de modo a, na prática, impossibilitar ou dificultar excessivamente o exercício dos direitos conferidos pelo ordenamento jurídico da União (v., neste sentido, acórdão Littlewoods Retail e o., já referido, n.ºs 27 e 28 e jurisprudência referida)”.
É certo, porém, que, como se refere neste n.º 23, cabe a cada Estado-Membro prever as condições em que tais juros devem ser pagos. No caso português o direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
“Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1. São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2. Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.
3. São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:
a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;
b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;
c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.
4. A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.
5. No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”.
É verdade que, in casu, estamos perante actos de retenção na fonte e, como tal, não praticados directamente pela AT. No entanto, tal facto, de modo algum, afasta a imputabilidade do erro à AT, isto porque, conforme entendimento preconizado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão proferido no Proc. n.º 93/21.7BALSB de 29-06-2022):
“Em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº. 43, nºs.1 e 3, da LGT “.
O supra referido Acórdão do STA é bastante claro ao concluir que, para efeitos da fixação do termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios, deve considerar-se a data em que a reclamação graciosa se considera tacitamente indeferida:
“De acordo com o probatório da decisão arbitral recorrida, no que diz respeito aos actos tributários que foram objecto de reclamação graciosa (cfr. actos de liquidação de imposto de selo emitidos nos períodos de Fevereiro de 2017 a Dezembro de 2018 - al.J) da matéria de facto supra exarada), foi tal reclamação deduzida em 20 de Março de 2019, mais sendo objecto de indeferimento expresso em 6 de Setembro de 2019 (cfr.al.K) da matéria de facto supra exarada).
Neste segmento da instância recursiva, deve chamar-se à colação a doutrina defendida pelo acórdão fundamento, oriundo do Tribunal Central Administrativo Sul, a qual já foi sufragada por diversos acórdãos deste Tribunal e Secção (cfr.v.g.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 18/01/2017, rec.890/16; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 3/05/2018, rec.250/17; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/04/2021, rec. 360/11.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 6/10/2021, rec.3009/12.8BELRS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.1098/16.5BELRS), e que nos diz: em caso de retenção na fonte e havendo lugar a impugnação administrativa do acto tributário em causa (v.g. reclamação graciosa), o erro passa a ser imputável à A. Fiscal depois de operar o indeferimento do mesmo procedimento gracioso, efectivo ou presumido, funcionando tal data como termo inicial para cômputo dos juros indemnizatórios a pagar ao sujeito passivo, nos termos do artº.43, nºs.1 e 3, da L.G.T.
Mais se deve recordar que o indeferimento tácito de reclamação graciosa deduzida opera ao fim de quatro meses, prazo esse que é contínuo e se deve contar nos termos do artº.279, do C.Civil (cfr.artº.57, nºs.1 e 3, da L.G.T.; artºs.20, nº.1, e 106, do C.P.P.T.).
Revertendo ao caso dos autos, tendo sido deduzida, a reclamação graciosa, em 20 de Março de 2019, operou o indeferimento tácito da mesma em 22 de Julho de 2019, uma segunda-feira (cfr. artº.279, als. b), c) e e), do C.Civil).
Portanto, a mencionada data de 22 de Julho de 2019 deve ter-se como "dies a quo" do cômputo dos juros indemnizatórios no caso concreto, em consequência do que, também nesta parcela, deve ser revogada a decisão arbitral que fixou o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto”.
Tratando-se de jurisprudência uniformizada, a mesma deve, pois, ser acatada.
No caso em apreço, muito embora tenha sido proferida decisão expressa de indeferimento notificada em 13.01.2025 (alínea D) dos factos provados), a reclamação graciosa foi apresentada em 20/06/2024 (vide, alínea C) da matéria de facto supra exarada), pelo que, nos termos do n.º 1 do artigo 57.º da LGT, a decisão deveria ter sido adoptada no prazo de quatro meses previsto no n.º 1 do mesmo artigo.
Assim, face à jurisprudência uniformizada do STA que se invoca, é de concluir que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde 21-10-2024 (inclusive).
6. Decisão
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de IRC, através de actos de retenção na fonte, no valor total de € 67 451,34, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa contra eles deduzida;
b) Julgar procedente o pedido de reembolso da quantia de € 67 451,34, e condenar a Administração Tributária a reembolsar este montante ao Requerente;
c) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária no seu pagamento desde 21-10-2024 até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
7. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 67 451,34, indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
8. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
CAAD, 30 de Setembro de 2025.
Tribunal Arbitral Colectivo
Presidente,
Jorge Lopes de Sousa
Vogal-Relator,
Augusto Vieira
Vogal,
Jorge Belchior de Campos Laires