SUMÁRIO
1. Estando o processo arbitral tributário sujeito ao princípio da legalidade (não podendo, designadamente, efectuar julgamentos segundo juízos de equidade), tem, à semelhança do processo de impugnação judicial, previsto no artigo 102º do CPPT, natureza meramente anulatória.
2. O tribunal arbitral é incompetente para apreciar “acção administrativa de condenação”, em que cujo pedido se pretende que a AT seja condenada a pagar e a devolver o excesso de imposto a reembolsar, acrescida esta quantia de juros de mora à taxa legal, se possível.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. A…, LDA, contribuinte …, com sede na … ... – Alverca do Ribatejo, apresentou, em 08-11-2024, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos dos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo 102º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).
2. A Requerente identifica o pedido como acção administrativa de condenação, com o que pretende que a Requerida seja condenada a pagar e devolver o excesso de imposto a reembolsar no valor de 18.844,85 €.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 12-11-2024.
3.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral que comunicou a aceitação da sua designação dentro do respectivo prazo.
3.2. Em 02-01-2025 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.
3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 21-02-2025.
3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.
3.5. A Requerida apresentou resposta tendo-se defendido por excepção e por impugnação
3.6. Tendo a Requerida sido notificada para se pronunciar, querendo, relativamente à excepções suscitadas, nada disse.
3.7. Por despacho de 06-05-2024 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, bem como de alegações.
4. Com o pedido de pronúncia arbitral pretende a Requerente a intervenção do tribunal arbitral tendo em vista a condenação da Requerida a pagar e a devolver o excesso de imposto sobre veículos pago, na sequência da apresentação de declarações aduaneiras de veículo, a reembolsar no valor de € 18.844,45, acrescida esta quantia de juros de mora à taxa legal, se possível,
5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, por excepção e impugnação, invocando as excepções de incompetência do tribunal arbitral, erro na forma de processo e caducidade do direito de acção. No demais sustenta a manutenção na ordem jurídica dos actos tributários que estarão em causa.
II – SANEAMENTO
6.1. O tribunal encontra-se regularmente constituído.
6.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
6.3. O processo não enferma de nulidades.
6.4. A Requerida suscitou as excepções de incompetência do tribunal arbitral, de erro na forma de processo e caducidade do direito de acção que se apreciarão de seguida.
III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIREITO
- Matéria de facto
A) Importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito.
Nesse enquadramento, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a) A Requerente é uma empresa de compra e venda de veículos motorizados, novos e usados, importação e exportação, reparação de veículos motorizados, compra e venda de peças e acessórios, actividade de intermediário de crédito, outras actividades auxiliares de serviços financeiros, excepto seguros e fundos de pensões e arrendamento de espaços próprios.
b) Declarou a introdução no consumo, através das respectivas Declarações Aduaneiras de Veículo (DAV), 65 veículos usados, nos anos de 2021, 2022 e 2023
c) Pagou o Imposto Sobre Veículos inerente a tais DAV.
e) A Requerente apresentou na Alfândega de Peniche pedido de revogação parcial dos actos de liquidação do ISV, processo que foi convolado em procedimento de revisão oficiosa.
B) Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
Fundamentação da matéria de facto:
A matéria de facto dada como provada assenta no exame crítico da prova documental apresentada e não contestada, que aqui se dá por reproduzida, bem como no processo administrativo junto ao processo.
- Matéria de Direito
EXCEPÇÕES
Alega a Requerida que o tribunal arbitral não é competente para apreciar o pedido, na medida em que o que a Requerente pretende é a condenação da AT ao pagamento de quantia certa, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea j) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Matéria relativamente à qual o tribunal arbitral será absolutamente incompetente.
Sendo tal questão de conhecimento prioritário [artigo 13º do CPTA e artigo 608º, n.º 1 do CPC, ambos por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e), do RJAT], começaremos por apreciar tal questão.
A competência contenciosa dos tribunais arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.
Por seu turno, é a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Tal Portaria estabelece-nos duas limitações: refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos tribunais arbitrais, e a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.
Resulta do exposto que os poderes de cognição do tribunal arbitral tributário se limitam à apreciação da legalidade dos actos indicados no aludido artigo 2º do RJAT, acima referidos.
Acresce que, estando o processo arbitral tributário sujeito ao princípio da legalidade (não podendo, designadamente, efectuar julgamentos segundo juízos de equidade), tem, à semelhança do processo de impugnação judicial, previsto no artigo 102º do CPPT, natureza meramente anulatória. A tal não obsta o facto de, como se diz no Acórdão do STA de 16-12-2020 -Proc. 0545/13.2BEVIS: “… o legislador entendeu permitir que, em sede de impugnação judicial, o juiz profira condenação da AT ao pagamento dos juros indemnizatórios [cf. art. 43.º da Lei Geral Tributária (LGT)] e ao pagamento de indemnização por prestação indevida de garantia (cf. art. 53.º da LGT e 171.º do CPPT). No entanto, essa possibilidade – justificada por razões eminentemente pragmáticas – situa-se para além do âmbito da apreciação da validade do acto impugnado (…) Na verdade, a impugnação judicial visa (para além da declaração de nulidade ou de inexistência, hipóteses de que ora não cuidamos) a anulação, total ou parcial, do acto impugnado, geralmente de liquidação. Assim, na procedência da impugnação, o acto de liquidação será anulado, em parte ou totalmente, na medida em que a ilegalidade que determina essa anulação se repercuta sobre a totalidade ou parte do acto”.
No caso em apreço, a Requerente, além de configurar o processo submetido à apreciação do tribunal arbitral, como “acção administrativa de condenação”, (o que, em qualquer circunstância constituiria erro na forma de processo), formula o seu pedido, não na declaração de ilegalidade de qualquer acto de liquidação – que nem sequer identifica – mas em “…ser o R. condenado a pagar e a devolver o excesso de imposto a reembolsar no valor de € 18.844,45, acrescida esta quantia de juros de mora à taxa legal, se possível”.
Ora, a “competência do tribunal afere-se face à pretensão formulada pelo autor na petição inicial, traduzida no binómio pedido/causa de pedir, ou seja, face ao "quid disputatum" e não ao "quid decisum", isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, irrelevando qualquer tipo de indagação acerca do mérito do mesmo” (Acórdão do STA de 12-05-2021 – Proc. 02299/13.3BELRS).
Decorre de todo o exposto, sem necessidade de mais considerações, que, face à forma como está formulada a petição do pedido arbitral e respectivo pedido, outra não pode ser a conclusão que não seja a de julgar o tribunal arbitral absolutamente incompetente para a sua apreciação.
Desse modo, procede a excepção invocada pela Requerida que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT (artigos 576º, n.ºs 1 e 2 e 577º, a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT).
Decorre do exposto, ficar prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral e, em consequência, absolver a Requerida da instância.
b) Condenar a Requerente nas custas do processo.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 18.844,85 € (dezoito mil, oitocentos e quarenta e quatro euros e oitenta e cinco cêntimos)nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1.224,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 20-05-2025
O Árbitro
António A. Franco