Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 992/2024-T
Data da decisão: 2025-07-09  IRS  
Valor do pedido: € 114,65
Tema: Residente Não Habitual. Prazo de inscrição. Competência do tribunal arbitral.
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  SUMÁRIO

1.     Os sujeitos passivos que não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (cf. artigo n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS) e que adquiram residência fiscal de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo do artigo 16.º do Código do IRS qualificam-se como residentes não habituais.

 

2.     Nos termos do disposto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS o pedido de inscrição como residente não habitual, a ser efetuado por via electrónica no portal das finanças, tem uma natureza estritamente declarativa e não constitutiva do direito a ser tributado de acordo com o regime fiscal aplicável ao residente não habitual.

 

3.     Uma vez reunidos os requisitos previstos no n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS para a concessão do estatuto de residente não habitual, os quais são determinados em função do ano de inscrição como residente em território português, a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10 do mesmo artigo 16.º, implica que o regime só é aplicável para o futuro, isto é, só se aplica a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Sónia Martins Reis, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 29 de Outubro de 2024, acorda conforme segue:

 

 

 

 

I.              Relatório

 

A…, contribuinte nº …, residente na Rua … Lisboa, doravante designada por “Requerente” veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1 a) e 10.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou “RJAT”), em conjugação com os artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. 

 

É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”. 

 

Constitui pretensão da Requerente o pedido de anulação da Reclamação Graciosa tacitamente indeferida e, bem assim, a anulação do ato de liquidação de IRS nº 2024 …, referente ao ano fiscal de 2021.

 

Como causa de pedir, a Requerente alega, em suma, vários vícios substantivos.

 

Que para efeitos de aplicação do benefício fiscal aqui em causa, o legislador fez depender do preenchimento apenas dos requisitos do n.º 8 do artigo 16.º do Código do IRS, com a redação em vigor à data dos factos em causa e da inscrição como residente em território português e não da inscrição formal como RNH.

 

Que se tornou residente fiscal em Portugal em dezembro de 2021 e que não foi residente em Portugal nos 5 anos anteriores à sua inscrição como residente, facto que aliás não foi objeto de contestação pela AT no âmbito do processo administrativo, diz, razão pela qual sustenta que a inscrição como RNH prevista no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS consubstancia uma mera obrigação declarativa, não podendo ser por isso considerada como constitutiva do direito.

 

Que a interpretação da lei fiscal não pode ficar-se pelo teor literal dos normativos imediatamente aplicáveis, devendo, pela imposição da realização dos princípios da capacidade contributiva e da justiça material, identificar-se a finalidade material do regime a aplicar, através da compreensão da natureza das normas convocáveis, das finalidades por si visadas, e do contexto sistemático das mesmas, citando diversa jurisprudência arbitral no sentido da sua posição.

 

Que é forçoso concluir que o pedido de inscrição como RNH, no respetivo prazo a que se alude no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, tem um efeito meramente declarativo e não constitutivo do direito a ser tributado segundo as regras previstas nesse regime fiscal.

 

Que o ato de liquidação de IRS n.º 2024 … ao não apurar o imposto devido em conformidade com as regras previstas no regime dos residentes fiscais não habituais, previstas nos artigos 72.º e 81.º do Código do IRS aplicável à data dos factos, é ilegal por padecer de vício de violação da lei, porquanto procedeu a um apuramento do imposto em violação dos preceitos legais supra referidos, devendo o mesmo, consequente, ser anulado e substituído por outro que proceda a um correto, e legal, apuramento do imposto devido.

 

E que não se procedendo à anulação da liquidação aqui em causa e consequente emissão de uma nova nota de liquidação de IRS na qual seja aplicado o Regime de Residente não Habitual, com efeitos reportados ao ano de 2021, é por demais evidente, diz, que a atuação da AT neste sentido é contrária aos ditames fundamentais que a vinculam no exercício das suas atribuições no procedimento tributário, porquanto o regime transitório aplicável ao RNH, bem como o entendimento da AT proferido no Ofício Circulado N.º: 90068 de 2024-02-16, nos casos dos pedidos de inscrição como RNH com efeitos ao ano de 2024, admitem que o pedido possa ser submetido após 31 de março do ano seguinte àquele em que o sujeito passivo se torne residente em território português, i.e. após 31-03-2025.

 

Pugna, a final, pela ilegalidade da liquidação reclamada e do indeferimento tácita da Reclamação Graciosa por si apresentada, determinando-se a emissão de uma nova nota de liquidação de IRS de acordo com o exposto, na qual seja aplicado o Regime de não Residente Habitual, com efeitos reportados ao ano de 2021.

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 26-08-2024, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído em 29-10-2024 e tendo o processo seguido a sua normal tramitação.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

 

As Partes, notificadas dessa designação, em 11-10-2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD. 

 

A Requerida ou AT veio contestar por exceção e impugnação alegando, em síntese, como segue.

 

Vem dizer que a Requerente não tem qualquer razão.

 

Por exceção invoca que é manifesto que a verdadeira pretensão da Requerente não se prende com a liquidação de IRS objeto dos autos, mas antes com a aplicação do estatuto de RNH, sem o qual nunca a peticionada anulação da liquidação em crise nos autos poderia proceder uma vez que não lhe é imputado qualquer outro vício (demonstração de liquidação de IRS n.º 2024 …, com o montante apurado de 0€, i.e, liquidação que não apurou qualquer imposto a pagar).

 

Vem suscitar a incompetência do CAAD para conhecer do vício suscitado / aplicar o estatuto de residente não habitual (RNH).

 

Que nos termos do disposto no artigo 2.º do RJAT decorre que a competência do CAAD se circunscreve à declaração de ilegalidade de atos de liquidação, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.

 

E que como o que a Requerente pretende, diz, com a presente lide é que lhe seja aplicado o estatuto de residente não habitual com efeitos a 2021, como decorre do pedido in fine, nas suas próprias palavras: “a emissão de uma nova nota de liquidação de IRS de acordo com o exposto, na qual seja aplicado o Regime de não Residente Habitual, com efeitos reportados ao ano de 2021” não existirem dúvidas que o pedido principal, dir-se-ia exclusivo, da Requerente se circunscreve à aplicação do estatuto de RNH na liquidação em causa.

 

E que, por isso mesmo, o peticionado está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo, assim, este conhecer, e/ou pronunciar-se sobre o mesmo.

 

Verificando-se, no seu entendimento, a incompetência material do Tribunal que configura uma exceção dilatória, que suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Vem suscitar, de igual modo, a impropriedade do meio processual, porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo e sendo que a verificação do erro se afere em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão, in casu, a aplicação do estatuto de residente não habitual.

 

Pelo que, conclui que tal consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, requerendo a suspensão da instância.

 

Por impugnação vem dizer que o artigo 16.º do CIRS consagra um procedimento de reconhecimento da verificação, em concreto, da existência de dois dos pressupostos legais necessários para que possa existir a aplicação de algum benefício fiscal no âmbito deste regime, nomeadamente, que a pessoa singular se tornou fiscalmente residente em território português, e, que a pessoa em causa não foi residente em território português em qualquer dos cinco anos anteriores.

 

Prazo esse que, ao contrário do alegado pela Requerente, preclude o direito a que a Requerente se arroga, questão que além do mais está a ser discutida em sede própria, como já invocado.

 

Conclui que sendo a inscrição como RNH, no prazo consignado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS um requisito prévio e necessário à concessão do estatuto/benefício de RNH, e não tendo sido tal pedido efetuado em tempo, não se verifica qualquer ilegalidade da liquidação impugnada que sustente o peticionado.

 

Pugna, a final, pela improcedência da ação arbitral e a manutenção da liquidação em crise nos autos.

 

Em 17-01-2025 veio a Requerente submeter Requerimento de resposta à matéria de exceção invocada pela Requerida, pugnando pelo sua não procedência, porquanto vem dizer que a presente ação arbitral visa, exclusivamente, a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS de 2021 e a anulação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que manteve essa liquidação, com base em erro na aplicação dos normativos legais.

 

Que o erro na liquidação decorreu da impossibilidade de a Requerente submeter o Anexo L com a Declaração Modelo 3 relativa aos rendimentos de 2021, resultando na aplicação indevida da taxa geral de tributação, em vez da taxa especial de 20%, prevista para o regime de RNH.

 

E que nos presentes autos a Requerente não solicita a inscrição no regime de RNH, mas, sim, a anulação de uma liquidação ilegal de IRS e a anulação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que manteve essa liquidação.

 

Pelo que, conclui, o pedido formulado enquadra-se inequivocamente no âmbito da competência material do Tribunal Arbitral, conforme previsto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT

 

Quanto à impropriedade do meio processual vem dizer que o presente pedido é completamente distinto, pois visa a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2021, bem como a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa que confirmou a manutenção dessa liquidação. De igual forma, diz, e, por consequência, a alegação de existência de “causa prejudicial” também se revela infundada, uma vez que, o conhecimento do objeto da presente ação não depende, nem no todo nem em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição (cf. n.º 1 do artigo 15.º do CPTA, a contrario).

 

Entendeu o Tribunal, por despacho arbitral, dispensar a realização da reunião do Tribunal Arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT face à matéria de direito em causa nos autos, tendo prorrogado por duas vezes o prazo para a prolação da decisão arbitral com a devida fundamentação. 

 

Ambas as partes foram igualmente notificadas para apresentar alegações simultâneas, querendo, tendo a Requerente optado por fazê-lo e tendo a Requerida atravessado um Requerimento ao abrigo do princípio da colaboração invocando jurisprudência mais recente do STA.

 

 

II.           Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT. 

 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. 

 

Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.

 

 

 

 

 

 

III.      Fundamentação 

 

1.     Dos Factos

 

Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. No dia 26 de agosto de 2024, a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral – cf. registo de entrada no SGP do CAAD. 
  2. O presente pedido arbitral visa a anulação da Reclamação Graciosa tacitamente indeferida que tramita sob o n.º … e, bem assim, a anulação do ato de liquidação de IRS nº 2024 … referente ao ano fiscal de 2021 – cf. Documento n.º 1 junto aos autos pela Requerente e PA junto pela Requerida.
  3. No dia 27 de junho de 2022, a Requerente procedeu à submissão da Declaração de IRS do ano de 2021 (Modelo 3), com o Anexo L aplicável aos Residentes Não Habituais preenchido – cf. Documento n.º 2 junto aos autos pela Requerente.
  4. No dia 28 de junho de 2022, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) de que existiam erros do preenchimento na Declaração de IRS entregue, devendo proceder à sua correção no prazo de 30 dias – cf. Documento n.º 3 junto aos autos pela Requerente, neste constando o seguinte erro: “L55 – SE NIF TITULAR NÃO É RESIDENTE NÃO HABITUAL.”.
  5. A Requerente procedeu à submissão de uma nova Declaração de Rendimentos, no dia 30 de janeiro de 2024, sem o referido anexo – cf. Documento n.º 4 junto aos autos pela Requerente.
  6. A Requerente é uma cidadã nacional do Reino Unido, tendo passado a ser residente fiscal em Portugal em finais de 2021 – cf. Facto incontroverso.
  7. De acordo com o respetivo cadastro fiscal a Requerente encontra-se registada como residente fiscal em Portugal desde o dia 20 de dezembro de 2021 – cf. Documento n.º 5 junto aos autos pela Requerente.
  8. No dia 10 de maio de 2022, a Requerente, por via eletrónica, através do Portal das Finanças, solicitou a sua inscrição como RNH, com início em 2022 - cf. Documento n.º 6 junto aos autos pela Requerente.
  9. A Requerente foi notificada do Projeto de decisão de indeferimento do pedido de inscrição como RNH e para, querendo, exercer o direito de audição prévia, bem como remeter à Direção de Serviços de Registo de Contribuintes o original ou cópia autenticada do documento comprovativo de residência no estrangeiro, emitido pela respetiva administração fiscal, o qual, estando redigido em língua estrangeira, deveria ser apresentado em cópia traduzida, devidamente certificada  - cf. Documento n.º 7 junto aos autos pela Requerente.
  10. No dia 20 de maio de 2022, a Requerente exerceu o seu direito de audição prévia, referindo que por lapso indicou como ano de início do estatuto de RNH, o ano de 2022, quando efetivamente pretendia que o mesmo tivesse início em 2021, tendo ainda solicitado a retificação do pedido no sentido de que a sua inscrição como RNH produzisse efeitos a 2021 – cf. Documento n.º 8 junto aos autos pela Requerente.
  11. Por Ofício n.º …, de 30 de março de 2023, foi a Requerente notificada da decisão final de indeferimento do pedido de inscrição como RNH, com efeitos ao ano de 2021 – cf. Documento n.º 9 junto aos autos pela Requerente. 
  12. A Requerente apresentou em 22 de março de 2024 Reclamação Graciosa contra o ato de liquidação de IRS n.º 2024 … – cf. Documento n.º 10 junto aos autos pela Requerente.
  13. Tendo decorrido mais de 4 meses da data da apresentação da Reclamação Graciosa sem a qual tenha a AT proferido decisão – cf. Facto incontroverso.

 

 

2. Factos Não Provados

 

Não existem factos com relevo para a decisão de mérito dos autos que não se tenham provado.

 

 

3. Fundamentação da Decisão da Matéria de Facto

 

Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.

 

De referir que o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pela Requerente enquanto autor (cf. artºs.596º, nº.1 e 607º, nºs. 2 a 4, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artº. 123.º, nº.2, do CPPT).

 

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cf. artº. 607º, nº.5, do C.P. Civil, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26/6). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na Lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cf. artº.371º, do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.

 

Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT. 

 

No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se, essencialmente, na análise crítica da prova documental junta aos autos.

 

 

 

 

 

 

IV.           Do Direito

 

1.         Questão Prévia - Das exceções

 

Na apreciação dos vícios imputados ao ato cuja declaração de ilegalidade é pedida deverá começar-se pelos “vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos” (cfr. artigo 124.º, n.º 2, do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT), já que “a arbitragem tributária visa reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” (cfr. artigo 124.º, n.º 3, da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril).

 

1.1.           Da incompetência Material do Tribunal Arbitral para reconhecimento do estatuto de residente não habitual 

 

A Requerida vem suscitar a questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar do ato de liquidação de IRS objeto dos autos, arguindo que a verdadeira pretensão da Requerente se prende antes com a aplicação do estatuto de RNH, sem o qual nunca a peticionada anulação da liquidação em crise nos autos seria apreciada uma vez que não lhe é imputado qualquer outro vício (demonstração de liquidação de IRS n.º 2024 …, com o montante apurado de 0€, i.e, liquidação que não apurou qualquer imposto a pagar).

Entende a Requerida que o que a Requerente pretende com a presente lide é que lhe seja aplicado o estatuto de residente não habitual com efeitos a 2021, como decorre do pedido in fine, requerendo “a emissão de uma nova nota de liquidação de IRS de acordo com o exposto, na qual seja aplicado o Regime de não Residente Habitual, com efeitos reportados ao ano de 2021”. Entende assim a Requerida não existirem dúvidas que o pedido principal, senão mesmo exclusivo, da Requerente se circunscreve à aplicação do estatuto de RNH na liquidação em causa e que tal está excluído do âmbito de competência material do Tribunal Arbitral. 

Como tal, defende a Requerida que a incompetência material do Tribunal configura uma exceção dilatória, que suscita, e que determina a absolvição da instância no que a este pedido concerne, nos termos do estabelecido na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Em 17 de janeiro de 2025, a Requerente pronunciou-se quanto a esta exceção arguindo que a ação arbitral pretende, exclusivamente, a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS de 2021 e a anulação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que manteve essa liquidação, com base em erro na aplicação dos normativos legais, sendo que não solicita a inscrição no regime de RNH mas, sim, a anulação de uma liquidação ilegal de IRS e a anulação do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa que manteve essa liquidação. Conclui, assim, pela competência material do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT. 

Atendendo a que a exceção dilatória da incompetência poderá impedir o conhecimento do mérito da causa e/ou importar a absolvição da Requerida da instância, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e ainda do disposto no artigo 576.º, do CPC, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 29.º, do RJAT, será, a mesma, de imediato apreciada. 

            A competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD está prevista no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que determina que  “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”. Acresce que a competência material dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD é ainda limitada pela vinculação da Requerida que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, que estabelece, no seu artigo 2.º, o seguinte: “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com exceção das seguintes: a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário; b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão; c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira; e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.

            No presente dissídio e como resulta do articulado, o pedido de pronúncia arbitral submetido a este Tribunal pela Requerente pretende a declaração de ilegalidade e a consequente anulação da Reclamação Graciosa tacitamente indeferida que tramita sob o n.º … e, bem assim, a anulação do ato de liquidação de IRS n.º 2024 … referente ao ano fiscal de 2021.

Tal como referido, e de acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJAT, a “1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões: a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta; b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.

Nesta sede, veja-se ainda como refere Carla Castelo Trindade  (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 69 e 70), “os actos de segundo ou terceiro graus poderão sempre ser arbitráveis, na medida em que comportem, e só nesta medida, eles próprios, a (i)legalidade dos actos de liquidação em causa”, ou seja, os “actos de indeferimento de reclamações graciosas, de recursos hierárquicos ou de pedidos de revisão do acto tributário” apenas “poderão ser “trazidos” para a jurisdição arbitral, na estrita condição de terem, eles próprios, apreciado a (i)legalidade do acto tributário que o sujeito passivo, verdadeira e efectivamente, pretende impugnar pela via arbitral”. 

Nessa medida, o pedido formulado pela Requerente está compreendido no âmbito das competências dos tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, pois nele está incluída a apreciação de pretensões de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Há, assim, que concluir pela competência do presente Tribunal em razão da matéria por força do citado artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e ainda por força da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011 de 12 de Março. 

Pelo que, é julgada improcedente a exceção da incompetência material do Tribunal Arbitral invocada pela Requerida.

 

 

1.2.          Da impropriedade do meio processual 

 

A Requerida vem ainda suscitar, de igual modo, a impropriedade do meio processual, porquanto existe erro na forma de processo sempre que a forma processual escolhida não corresponde à natureza do processo e sendo que a verificação do erro se afere em função do pedido deduzido em juízo, ou pretensão, in casu, a aplicação do estatuto de residente não habitual.

 

Acrescenta ainda que a Requerente tem essa consciência, pois interpôs ação administrativa para contestar o indeferimento do estatuto de RNH com efeitos a 2021. Facto que, face a todo o exposto, de acordo com a Requerida, configura uma questão prejudicial nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 15.º do CPTA, que, por sua vez, compromete a utilidade da presente lide, questão que igualmente suscita. 

 

Pelo que conclui que tal consubstancia uma exceção dilatória inominada, de utilização indevida de uma forma de processo desadequada à pretensão deduzida nos autos, que determina a absolvição da Requerida da instância, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, requerendo a suspensão da instância.

 

Por sua vez, veio a Requerente em resposta arguir que no que no que concerne à alegada impropriedade do meio processual, o pedido de pronúncia arbitral não tem como objeto o indeferimento do pedido de inscrição como RNH, na medida em que já existe um pedido formulado na ação administrativa que corre os seus termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o processo n.º 1026/23.BELRS e que se reporta ao pedido de qualificação da Requerente como Residentes Não Habituais. Acrescenta que o pedido apresentado neste Tribunal Arbitral é completamente distinto, pois visa a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS relativa ao ano de 2021, bem como a anulação do ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa que confirmou a manutenção dessa liquidação. Conclui no sentido de que de igual forma, e, por consequência, a alegação de existência de “causa prejudicial” também se revela infundada, uma vez que, o conhecimento do objeto da presente ação não depende, nem no todo nem em parte, da decisão de uma ou mais questões da competência de tribunal pertencente a outra jurisdição (cfr. artigo 15.º, número 1, do CPTA, a contrario).

 

Uma vez expostas as argumentações da Requerida e da Requerente, cumpre agora apreciar e decidir. 

  Este Tribunal tal como já acima referido é competente para apreciação de atos de “declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos”, como decorre do estatuído na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT. O que está em causa neste dissídio é exatamente a apreciação de um ato de liquidação de IRS do ano de 2021 e não a declaração de reconhecimento do estatuto de residente não habitual para o qual, aliás, este Tribunal Arbitral não tem competência. Nesta sede remetemos ainda para o acórdão do STA, de 22 de março de 2018, proferido no processo n.º 01263/16, nos termos do qual “I - Porque o erro na forma do processo – excepção dilatória que, nos casos em que a petição inicial não possa ser aproveitada para a forma de processo adequada, determinará a anulação de todo o processo e a absolvição do réu da instância [cfr. arts. 193.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b), 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea b), todos do CPC] – decorre do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, deve aferir-se pelo pedido e não pela causa de pedir. II - Quando o pedido formulado é de que seja anulada uma liquidação de imposto, não há como não considerar a impugnação judicial como meio processual próprio [cfr. art. 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT].” Ainda que este acórdão do STA se refira à impugnação judicial é plenamente aplicável nesta sede. 

Consequentemente, quanto ao erro na forma de processo invocado pela Requerida, entende este Tribunal que o mesmo não se verifica.

Pelo que, assim, se conclui pela inexistência de impropriedade do meio processual ou de questão prejudicial, decidindo-se pela sua improcedência.

 

 

2.     Do Mérito da Causa 

 

Passando-se, agora, à apreciação do mérito da causa a analisar nos presentes autos, cumpre referir que a questão objeto do presente dissídio concerne à aplicação do regime fiscal dos residentes não habituais à Requerente, sendo que se coloca a questão relativa de saber se a natureza da inscrição do registo como residente não habitual tem uma natureza declarativa ou constitutiva. 

Antes de mais, e antes deste Tribunal se pronunciar especificamente sobre a questão de Direito objeto deste dissídio, cumpre debruçarmo-nos sobre o regime fiscal aplicável aos residentes não habituais.

Assim, o regime fiscal dos residentes não habituais, que foi posteriormente vertido no Código do IRS estava inicialmente previsto no Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de setembro, na sequência da autorização legislativa prevista no Orçamento do Estado para 2009, aprovou o regime fiscal dos residentes não habituais que foi posteriormente vertido no Código do IRS. Este regime era aplicável às pessoas singulares que nos últimos cinco anos não tivessem sido residentes fiscais em Portugal e que se tornassem residentes fiscais em Portugal pelo critério da permanência em Portugal por mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, num ano ou no caso de, em um ano, permanecerem menos tempo em Portugal terem uma habitação em Portugal em 31 de dezembro que tivessem intenção de manter como a sua residência permanente, nos termos do disposto nos n.ºs 8 a 12 do Código do IRS. 

            O n.º 10 do referido artigo 16.º do Código do IRS estabelecia que “O sujeito passivo deve solicitar a inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao ato da inscrição como residente em território português e até 31 de março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território”.

            Por sua vez, e no que concerne especificamente ao regime de tributação aplicável aos residentes não habituais na sua qualidade de residentes fiscais em Portugal, estão sujeitos a tributação em Portugal pelos rendimentos que obtenham em Portugal e no estrangeiro. Contudo, os residentes não habituais beneficiam de um regime fiscal mais favorável comparativamente com os demais residentes fiscais em sede dos rendimentos da categoria A e da categoria B desde que os mesmos sejam derivados do exercício de atividades de elevado acrescentado. Assim, os residentes não habituais que exerçam estas atividades em Portugal ficam sujeitos a uma retenção na fonte mensal de 20% quer para rendimentos do trabalho dependente, quer para rendimentos empresariais ou profissionais. Por sua vez, os rendimentos auferidos no estrangeiro estão isentos de tributação em Portugal. Contudo, para que esta isenção seja aplicável, é necessário que estejam reunidos determinados requisitos, nomeadamente no caso dos rendimentos do trabalho que os

mesmos tenham sido efetivamente tributados no Estado onde são obtidos. No que concerne aos demais rendimentos, a isenção é aplicável desde que os rendimentos possam estar sujeitos a tributação no Estado onde são obtidos, ou seja, não se exige uma tributação efetiva, mas sim uma mera possibilidade de o rendimento ser objeto de tributação nesse Estado de acordo com uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação (“CDT”) celebrada entre esse Estado e Portugal ou possam ser tributados no Estado da fonte em conformidade com o Modelo de Convenção OCDE, interpretado de acordo com as observações e reservadas formuladas por Portugal, quando não exista CDT com Portugal, desde que o Estado da fonte não seja um paraíso fiscal e que os rendimentos em causa não se considerem obtidos em território português (veja-se Sónia Martins Reis, “Do “novo” conceito de residente não habitual limitado ao efeito Brain Drainback to basics?” in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Eduardo Paz Ferreira, volume I, parte II, AAFDL Editora, Lisboa, 2025. p. 757-758).

                  Estando em causa a legalidade da liquidação de IRS n.º 2024 …, referente ao ano de 2021, e atendendo a que a Requerente apenas pediu a inscrição como RNH em 10 de maio 2022 (em data posterior, portanto, ao prazo consignado no n.º 10 do artigo 16.º do CIRS), coloca-se a questão de saber se a inscrição no registo como residente não habitual, prevista no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, possui uma natureza meramente declarativa ou, pelo contrário, se tem uma eficácia constitutiva. Esta questão foi recentemente objeto de apreciação pelo STA num acórdão de 15 de janeiro de 2025, em sede do processo n.º 01750/22.6BEPRT, onde o STA firma jurisprudência no sentido de que “não resulta do normativo sob exegese que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr. artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais).” Considera ainda o STA que: “Nas palavras da lei, consideram-se residentes não habituais, em território português, os sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.o s 1 ou 2 do preceito, não tenham sido residentes em território português em qualquer dos cinco anos anteriores (cfr.nº.8 da norma sob exegese). O legislador faz apelo, desde logo, a uma não residência fiscal pretérita num período de cinco anos para definir o conjunto de beneficiários do regime. Os sujeitos passivos devem tornar-se residentes fiscais em Portugal ao abrigo de qualquer das regras constantes dos nºs. 1 ou 2, do artigo sob exegese. O direito ao regime de tributação dos residentes não habituais adquire-se, nos termos dos nºs.9 e 10 do preceito, com a respectiva inscrição por via eletrónica, no Portal das Finanças, posteriormente ao acto da inscrição como residente em território português e até 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente nesse território, mais vigorando tal regime por um prazo de dez anos. Contudo, nos termos da lei os residentes não habituais não perdem, duradouramente, os benefícios do regime pelo facto de num ou mais anos do citado período de dez anos não cumprirem com esse requisito. Deste modo, é possível retomar o gozo do regime com o reatar da residência fiscal portuguesa em qualquer dos anos deste período (cfr.nº.12 da norma sob exegese). Aqui chegados haverá que saber se é correcta, de acordo com a exegese da norma sob exame, a posição da entidade recorrente, quando defende que a consagração do citado termo final de 31 de Março, inclusive, do ano seguinte àquele em que se torne residente no território português, da inscrição da qualidade de residente não habitual (cfr.nº.10 da norma sob exegese), como uma condição preclusiva do direito à aplicação deste regime fiscal. Na verdade, o transcrito preceito legal apenas estabelece uma data-limite para o cumprimento da obrigação acessória que onera o contribuinte, sobre o qual impende o dever de inscrição da sua qualidade de residente não habitual, sendo a inscrição obrigatória para aplicação do mesmo regime fiscal. Por outras palavras, o acto de inscrição como residente não habitual é condição de aplicação do respectivo regime fiscal, sendo através desse acto que a A. Fiscal tem a possibilidade de verificar e controlar os pressupostos legais da atribuição desse estatuto. No entanto, não resulta do normativo supra transcrito que a aplicação do regime fiscal - residente não habitual - dependa de acto de reconhecimento por parte da Fazenda Pública (cfr. artº.5, do E.B.Fiscais), pelo que, o acto de inscrição do sujeito passivo como residente não habitual tem natureza meramente declarativa, mais devendo a sua constituição reportar-se à data de verificação dos respectivos pressupostos (cfr.artº.12, do E.B.Fiscais); (…)”. Entende ainda o STA que “a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no artº.16, nº.8, do C.I.R.S., os quais, conforme aludido supra, são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2020 - cfr.nºs.1, 2 e 4 do probatório supra), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº.10, do preceito, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual”.

 

      Acresce, ainda referir o acórdão do STA, de 29 de maio de 2024, proferido no processo n.º 0842/23.9BESNT, que já tinha firmado jurisprudência no sentido de que “a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual”. A fundamentação subjacente a este entendimento é alicerçada no seguinte: “(…), a questão que se coloca é a de saber quais são as consequências do incumprimento de tal obrigação acessória e qual o seu âmbito, nomeadamente, saber se essas consequências têm efeito preclusivo sobre o exercício do direito em determinado período. Como já ficou dito noutra sede, o regime fiscal do residente não habitual não prevê qualquer consequência para o não exercício atempado da inscrição como residente não habitual, mas não podemos deixar de salientar que o regime fiscal embora previsse um prazo de 10 anos, o mesmo inicialmente era renovável (nº 7 do artigo 16º do CIRS na redacção inicial “7 - O sujeito passivo que seja considerado residente não habitual adquire o direito a ser tributado como tal pelo período de 10 anos consecutivos, renováveis, com a inscrição dessa qualidade no registo de contribuintes da Direcção -Geral dos Impostos”) e não era um prazo contínuo, já que o direito podia ser gozado de forma interpolada caso o sujeito passivo deixasse de reunir os requisitos de residente em território nacional (nº 12 do artigo 16º do CIRS). Nesta medida, a partir do momento em que estão reunidos os requisitos para a concessão do estatuto de residente não habitual previstos no nº 8 do artigo 16º do CIRS, os quais são aferidos em função do ano de inscrição como residente (no caso 2018), a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no nº 10, tem como consequência que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual. Tal equivale a dizer que nada obsta à inscrição, em 2022, da ora Recorrente como residente não habitual, ainda que a sua inscrição como residente tenha sido feita em 2018, (…)”. 

Seguimos este entendimento jurisprudencial do STA, sendo que consideramos que o pedido de inscrição como residente não habitual, estabelecido no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação do regime dos residentes não habituais, tem natureza meramente declarativa e que a apresentação do pedido de inscrição como residente não habitual, fora do prazo previsto no n.º 10 do artigo 16.º do Código do IRS, implica que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano de inscrição como residente não habitual.

No presente dissídio, ficou provado que a Requerente se tornou fiscalmente residente em território português em 20 de dezembro de 2021, não tendo sido aqui residente em qualquer dos cinco anos anteriores. Assim, verificam-se os requisitos legais, constantes do n.º 8 do artigo 16.º, do Código do IRS, que se afiguram necessários para que a Requerente seja considerada como residente não habitual e tributada, como tal, em conformidade com o n.º 9 do mesmo artigo 16.º. Contudo, conforme também resultou provado, a Requerente, apesar de ser residente fiscal em Portugal desde 20 de dezembro de 2021, solicitou a sua inscrição como residente não habitual, por via eletrónica, no Portal das Finanças, em 10 de maio de 2022. 

Pelo que, em conformidade com a orientação jurisprudencial decorrente dos supra referidos acórdãos do STA, que não podem, naturalmente, deixar de refletir-se no mérito do presente caso e, como tal, na decisão a ser proferida por este Tribunal Arbitral, não obstante o pedido de inscrição como residente não habitual, previsto no nº 10 do artigo 16.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação do regime dos residentes não habituais, ter natureza estritamente declarativa, a sua apresentação fora do prazo ali previsto (que, no presente caso era 31 de março de 2022) implica que o regime só será aplicável para o futuro, ou seja, só é aplicável a partir do ano da inscrição do Requerente como residente não habitual, o que não se verificou quanto ao ano de 2021. 

Consequentemente, a liquidação de IRS n.º 2024… referente ao ano de 2021, não padece dos vícios de violação de lei invocados pela Requerente. Como tal, o respetivo pedido de declaração de ilegalidade da liquidação reclamada e do indeferimento tácita da Reclamação Graciosa submetido pela Requerente tem obrigatoriamente de improceder. 

 

 

V.      Decisão

 

À face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral em:

a) Julgar improcedentes as exceções invocadas pela Requerida; 

b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

 (i) Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos formulados, com as legais consequências; 

(ii) Condenar a Requerente no pagamento das custas processuais.

 

VI.    Valor da Causa

 

 Fixa-se ao processo o valor de 114,65€, por ser aquele que corresponde ao valor atribuído pela Requerente cuja anulação pretende e não contestado pela Requerida, nos termos do disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea a) do RJAT, e do artigo 3.º, n, º 2, do RCPAT.  

 

 

VII.     Custas

 

Custas no montante de € 306, a suportar pela Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT e 4.º do RCPAT. 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de julho de 2025. 

 

A árbitra,

 

Sónia Martins Reis