SUMÁRIO:
I. «– Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, alínea a), e na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
– A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana» – cfr. Acórdão do Pleno da Seção de Contencioso Tributário de 26 de março de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 012/24.9BALSB.
II. A aplicação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA pressupõe que os imóveis (ou as suas partes autónomas) estejam a ser efetivamente utilizados para fins habitacionais por consumidores finais – cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º C-433/22 (Caso Hpa Construções), e, bem assim, Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 01179/11.1BESNT.
DECISÃO ARBITRAL
Requerente: A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Aveiro
Entidade Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
A Árbitra Sónia Fernandes Martins, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular constituído a 31 de março de 2025, decidiu o seguinte:
I. Relatório
1. A..., Lda., pessoa coletiva n.º..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Aveiro (“Requerente”), apresentou perante o CAAD, dirigido ao seu Ex.mo Presidente, pedido de pronúncia arbitral a 20 de janeiro de 2025, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, alínea a), do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”).
2. No âmbito do pedido de pronúncia arbitral, a Requerente solicitou ao Tribunal Arbitral a declaração de ilegalidade e concomitante anulação parcial, no montante de 39.888,14 EUR, das liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) n.os 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023..., todas de 28 de setembro de 2023, referentes aos 1.º a 4.º trimestres de 2019, bem como das inerentes liquidações de juros compensatórios, no montante de 6.310,57 EUR, constituindo estes atos tributários o objeto mediato da ação arbitral. Peticionou, de igual modo, a restituição do imposto e juros compensatórios, no montante global de 46.198,71 EUR (39.888,14 EUR + 6.310,57 EUR) e o pagamento de juros indemnizatórios.
3. A propositura da ação arbitral teve lugar após a apresentação, perante a Direção de Finanças de Aveiro, de reclamação graciosa daqueles atos tributários a 15 de março de 2024, a qual foi indeferida por despacho de 4 de outubro de 2024 da Chefe de Divisão daquela Direção de Finanças, constituindo esta decisão o objeto imediato da ação arbitral.
4. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pugnou, grosso modo, pela preterição do regime ínsito no artigo 18.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“CIVA”), porquanto a Entidade Requerida, em sede de ação de inspeção tributária, aplicou indevidamente a taxa normal de IVA (23%) aos serviços de construção civil adquiridos pela Requerente, relativos ao “Edifício ...”. Em seu entender, os serviços em apreço estão antes sujeitos à taxa reduzida de IVA (6%) prevista na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e, a título subsidiário, na verba 2.27 da aludida lista (neste último caso, apenas quanto à mão de obra no montante de 188.144,51 EUR).
5. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“Entidade Requerida”).
6. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD a 22 de janeiro de 2025, tendo sido notificado à Entidade Requerida a 27 de janeiro de 2025.
7. A Árbitra Signatária foi designada pelo Ex.mo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para constituir o presente Tribunal Arbitral singular, tendo aceitado a designação a 31 de janeiro de 2025.
8. No dia 11 de março de 2025, as partes foram notificadas de tal designação, não tendo manifestado vontade de a recusar.
9. O Tribunal Arbitral foi constituído a 31 de março de 2025.
10. No dia 14 de maio de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e juntou o processo administrativo instrutor.
11. Na sua resposta, a Entidade Requerida sustentou carecer de razão a posição perfilhada pela Requerente, tendo reiterado a aplicação da taxa normal de IVA (23%) aos serviços de construção civil na génese da prolação dos atos tributários acima mencionados.
12. Na sua perspetiva, os serviços de construção civil adquiridos pela Requerente não são subsumíveis ao conceito de «empreitada de reabilitação urbana» previsto na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, por, na situação sob contenda, a operação de reabilitação urbana (ORU) – ou melhor, a sua aprovação – não ter sido contemporânea da prestação dos aludidos serviços (ter sido, ao invés, ulterior). Ademais, considerou não se mostrar aplicável a verba 2.27 da aludida lista.
13. Por despacho de 20 de maio de 2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAMT e inquiriu a Requerente sobre a manutenção do seu interesse na audição das testemunhas por si arroladas no pedido de pronúncia arbitral.
14. Por requerimento de 9 de junho de 2025, a Requerente informou o Tribunal Arbitral de que não mantinha interesse na aludida audição.
15. Por despacho de 8 de setembro de 2025, o Tribunal Arbitral notificou as partes para apresentação de alegações escritas simultâneas e, bem assim, para pagamento da taxa de arbitragem subsequente, tendo-as informado de que a prolação da decisão arbitral teria lugar a 29 de setembro de 2025.
16. No dia 23 de setembro de 2025, a Requerente e a Entidade Requerida apresentaram as suas alegações escritas, em sede das quais corroboraram as posições anteriormente assumidas.
II. Saneamento
17. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.os 1, parte inicial, e 2, 6.º, n.os 1, 3 e 4, e 11.º do RJAMT.
18. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAMT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
19. Não se verificam nulidades, nem foi invocada matéria de exceção pela Entidade Requerida, impondo-se a apreciação imediata do mérito da causa pelo Tribunal Arbitral.
III. Matéria de Facto
20. Relativamente à matéria de facto, não impende sobre o Tribunal Arbitral o ónus de pronúncia sobre todos os factos alegados pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os que importam à boa decisão da causa e de discriminar a matéria provada da não provada [cfr. artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAMT].
21. Deste modo, os factos pertinentes ao julgamento da causa foram selecionados e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida em função das várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito carentes de resposta (cfr. artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT).
A. Factos provados e respetiva motivação
22. O Tribunal Arbitral considera assente a factualidade infra. Formou a sua convicção após ter analisado (i) o acervo documental carreado para os autos pela Requerente; (ii) a resposta da Entidade Requerida e (iii) o processo administrativo instrutor.
a. A Requerente é uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social consiste na «compra, permuta e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim; [na] gestão, administração e arrendamento de imóveis;[na] promoção imobiliária; [e na] construção de edifícios (residenciais e não residenciais)» [cfr. certidão permanente, disponível para consulta em https://eportugal.gov.pt];
b. Neste contexto, a 31 de julho de 2018, a Requerente celebrou com a sociedade B...– Unipessoal, Lda., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-.... Aveiro, contrato de empreitada [cfr. relatório final de inspeção tributária constante do processo administrativo instrutor];
c. Ao abrigo deste contrato, a sociedade B...– Unipessoal, Lda., na qualidade de “empreiteira”, prestou à Requerente, na qualidade de “dona de obra”, serviços de construção civil, no montante total de 313.574,18 EUR, relativos ao “Edifício...”, sito na Rua ..., n.os ... e..., na União de freguesias de ... e ..., no concelho de Aveiro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º... e inscrito na matriz predial urbana daquelas freguesias sob o artigo n.º... [cfr. relatório final de inspeção tributária constante do processo administrativo instrutor];
d. Por tais serviços de construção civil, a Requerente liquidou (“reverse charge”) e deduziu IVA, à taxa normal (23%) [cfr. relatório final de inspeção tributária constante do processo administrativo instrutor];
e. O aludido “Edifício...” está localizado na Área de Reabilitação Urbana (ARU) do Município de Aveiro, cuja delimitação foi aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de Aveiro, de 9 de setembro de 2016, publicada na 2.ª Série do Diário da República, n.º 183, de 22 de setembro de 2016, sob o Aviso n.º 11614/2016 [cfr. aviso em referência, disponível através do link Aviso n.º 11614/2016 | DR];
f. A correspondente operação de reabilitação urbana (ORU) foi aprovada por deliberação da Assembleia Municipal de Aveiro, de 12 de novembro de 2019, publicada na 2.ª Série do Diário da República, n.º 237, de 10 de dezembro de 2019, sob o Aviso n.º 19819/2019 [cfr. aviso em referência, disponível através do link Aviso n.º 19819/2019 | DR.pdf];
g. Através da Ordem de Serviço n.º OI2022..., de 12 de dezembro de 2022, a Direção de Finanças de Aveiro encetou contra a Requerente uma ação de inspeção tributária de natureza externa, de âmbito parcial, respeitante ao IVA de 2019, com fundamento em «deduções indevidas de IVA – encargos associados a operações imobiliárias isentas de IVA [nos termos do artigo 9.º, n.os 29 e 30, do CIVA]» e, bem assim, na «falta de liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil (inversão do sujeito passivo)» [cfr. relatório final de inspeção tributária constante do processo administrativo instrutor];
h. Da ação de inspeção tributária resultou «imposto em falta», referente aos 1.º a 4.º trimestres de 2019, no montante global de 134.279,92 EUR – 133.948,14 EUR respeitantes às «deduções indevidas de IVA – encargos associados a operações imobiliárias isentas de IVA [nos termos do artigo 9.º, n.os 29 e 30, do CIVA]»; 331,78 EUR respeitantes à «falta de liquidação de IVA na aquisição de serviços de construção civil (inversão do sujeito passivo)» [cfr. relatório final de inspeção tributária constante do processo administrativo instrutor];
i. No que respeita ao “Edifício...”, o imposto em falta respeita a prestações de serviços de construção civil realizadas no ano de 2019, anteriores a 12 de novembro de 2019 [i.e., anteriores à aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) do “Edifício...”];
j. Nessa sequência, a Entidade Requerida emitiu os seguintes atos tributários:
i. Por referência ao 1.º trimestre de 2019
· Liquidação de IVA n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 10.737,80 EUR [cfr.documentos n.os 1 e 2 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
· Liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 1.863,96 EUR [cfr. documentos n.os 3 e 4 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
ii. Por referência ao 2.º semestre de 2019
· Liquidação de IVA n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 32.363,46 EUR [cfr.documentos n.os 5 e 6 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
· Liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 5.288,10 EUR [cfr. documentos n.os 7 e 8 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
iii. Por referência ao 3.º trimestre de 2019
· Liquidação de IVA n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 45.114,19 EUR [cfr.documentos n.os 9 e 10 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
· Liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 6.896,90 EUR [cfr. documentos n.os 11 e 12 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
iv. Por referência ao 4.º trimestre de 2019
· Liquidação de IVA n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 46.064,46 EUR [cfr.documentos n.os 13 e 14 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
· Liquidação de juros compensatórios n.º 2023..., de 28 de setembro de 2023, no montante de 6.577,75 EUR [cfr. documentos n.os 15 e 16 juntos ao pedido de pronúncia arbitral];
k. No dia 7 de novembro de 2023, a Requerente efetuou o pagamento do imposto e juros compensatórios [cfr. documento n.º 19 junto ao pedido de pronúncia arbitral];
l. No dia 15 de março de 2024, a Requerente apresentou perante o Diretor de Finanças de Aveiro reclamação graciosa, em sede da qual requereu a anulação parcial dos referidos atos tributários com fundamento na aplicação da taxa reduzida de IVA (6%), prevista na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, aos serviços de construção civil, respeitantes ao “Edifício...”, por si adquiridos à sociedade B...– Unipessoal, Lda. A título subsidiário, a Requerente estribou a peticionada anulação na aplicação da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA (quanto a alegada mão de obra no montante de 188.144,51 EUR) [facto não controvertido entre as partes];
m. Por despacho de 4 de outubro de 2024, da Chefe de Divisão da Direção de Finanças de Aveiro, notificado a 23 de outubro de 2024, a Requerente viu indeferida a reclamação graciosa que apresentara [cfr. documento n.º 17junto ao pedido de pronúncia arbitral];
n. Desta decisão resulta, em síntese, o seguinte:
«[O] conceito de reabilitação urbana previsto na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA (redação à data dos factos) depende da prévia aprovação da ORU correspondente à ARU onde se localiza o prédio objeto de intervenção [o que, na presente situação, não sucedeu, tendo a aprovação da ORU sido posterior], pelo que se devem manter as liquidações reclamadas.
[Ademais,] o “Edifício...”, «imediatamente antes e após a realização das obras, não teve uma utilização de habitação na esfera da reclamante (quer por uso próprio, inviável já que se trata de uma pessoa coletiva, quer por outrem, por exemplo, por arrendamento), até porque […] as obras neste realizadas visaram a sua posterior comercialização. [Por outro lado,] houve uma relevante alteração da configuração interna do imóvel, com vários aumentos de área e a criação de um novo piso, bem como a criação de uma nova área destinada a comércio. Ou seja, para além de se tratarem de obras de reconstrução e de acréscimo, que inclusivamente incidiram sobre uma área que foi afeta a comércio, implicaram uma forte inclusão da componente de materiais, não reunindo claramente as condições estabelecidas na verba 2.27 […]»;
o. No dia 20 de janeiro de 2025, por dissentir da posição perfilhada pela Direção de Finanças de Aveiro, a Requerente propôs a ação arbitral na génese dos presentes autos [cfr. pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD];
p. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade e consequente anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, das liquidações de imposto e juros compensatórios, respeitantes aos 1.º a 4.º trimestres de 2019, no montante total de 46.198,71 EUR (39.888,14 EUR a título de IVA; 6.310,57 EUR a título de juros compensatórios). Adicionalmente, a Requerente solicitou o reembolso do aludido quantitativo (46.198,71 EUR) acrescido de juros indemnizatórios [cfr. pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD];
q. Em concreto, a Requerente sustentou a incorreta determinação, em sede de ação de inspeção tributária, da taxa de imposto – taxa normal de IVA (23%) – aplicada aos serviços de construção civil, relativos ao “Edifício...”, por si adquiridos à sociedade B...– Unipessoal, Lda. [cfr. pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD];
r. Neste contexto, a Requerente considerou aplicável a verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e, subsidiariamente, a verba 2.27 da mesma lista (neste último caso, apenas quanto à alegada mão de obra no montante de 188.144,51 EUR) [cfr. pedido de pronúncia arbitral constante do sistema de gestão processual do CAAD]:
«[N]a letra da lei nada consta que possa servir de respaldo ao sentido que a AT extraiu da verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA, ou, tão pouco, o mínimo resquício literal que permitisse ao intérprete presumir a necessidade de aprovação de uma ORU (para a ARU onde o imóvel se encontra sito) como pressuposto de aplicação do estabelecido nessa mesma verba 2.23 da Lista I anexa ao Código do IVA […]
[A título subsidiário,] [u]ma vez que os serviços de construção civil em causa consubstanciaram uma empreitada “de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis”, concretamente, do referido “Edifício...”, sempre deveria ter sido convocada e aplicada, no âmbito da ação inspetiva a que a Requerente foi submetida, a taxa reduzida de IVA, prevista na verba 2.27 da Lista I anexa do CIVA, ao valor da mão de obra que, pela sociedade “B...”, foi faturado à Requerente nessa empreitada, e que se cifrou em € 188.144,51, tudo conforme consta nos documentos que desde já se protestam juntar no prazo de 10 dias».
s. No dia 14 de maio de 2025, a Entidade Requerida apresentou a sua resposta e o processo administrativo instrutor [cfr. resposta constante do sistema de gestão processual do CAAD];
t. Na sua resposta, a Entidade Requerida pugnou pela conformidade à lei dos atos tributários contestados e, por via disso, pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, tendo reiterado a argumentação que anteriormente sufragara.
B. Factos não provados e respetiva motivação
23. Não ficou demonstrado ter a mão de obra utilizada nos serviços de construção relativos ao “Edifício ...”, faturada pela sociedade B...– Unipessoal, Lda. à Requerente, ascendido ao montante de 188.144,51 EUR. A Requerente não juntou aos autos quaisquer documentos comprovativos do quantitativo por si suportado a título de mão de obra, não obstante ter protestado fazê-lo (cfr. artigo 80.º do pedido de pronúncia arbitral).
IV. Objeto da Pronúncia Arbitral
24. O thema decidendum da presente ação arbitral consiste em aferir da conformidade à lei – mormente, ao regime ínsito no artigo 18.º, n.º 1, do CIVA – da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e, bem assim, das mencionadas liquidações de IVA e juros compensatórios, relativas aos 1.º a 4.º trimestres de 2019, no montante total de 46.198,71 EUR.
25. Assim, prima facie, cumpre analisar se estes atos administrativo (em matéria tributária) e tributários foram indevidamente emitidos, designadamente, ao arrepio da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, na redação vigente em 2019 (i.e., na redação que antecedeu a da Lei n.º 56/2023, de 6 de outubro):
«[…] [S]erviços sujeitos a taxa reduzida: empreitadas de reabilitação urbana, tal como definida em diploma específico, realizadas em imóveis ou em espaços públicos localizados em áreas de reabilitação urbana (áreas críticas de recuperação e reconversão urbanística, zonas de intervenção das sociedades de reabilitação urbana e outras) delimitadas nos termos legais […]».
26. Por outro lado, a título subsidiário, importa perscrutar se, aquando da prolação de tais atos, a Entidade Requerida deveria ter atendido ao disposto na verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA quanto à alegada mão de obra no montante de 188.144,51 EUR:
«[…] [S]erviços sujeitos a taxa reduzida: as empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação, com exceção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas sobre bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, campos de ténis, golfe ou minigolfe ou instalações similares. A taxa reduzida não abrange os materiais incorporados, salvo se o respetivo valor não exceder 20 % do valor global da prestação de serviços».
27. Por último, indagar-se-á do direito da Requerente à restituição do imposto e juros compensatórios, no aludido montante de 46.198,71 EUR (39.888,14 EUR + 6.310,57 EUR), nos termos do artigo 100.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT), bem como do seu direito à perceção de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT (igualmente, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAMT).
V. Matéria de Direito
28. No que concerne à matéria sob contenda nos presentes autos, o Supremo Tribunal Administrativo emitiu recentemente pronúncia uniformizadora de jurisprudência mediante a prolação do acórdão do Pleno da Seção de Contencioso Tributário de 26 de março de 2025, proferido no âmbito do processo n.º 012/24.9BALSB.
29. Em sede do aresto sub judice – a cujo sentido decisório o Tribunal Arbitral expressa e integralmente adere –, o Supremo Tribunal Administrativo perfilha a seguinte posição:
«– Só beneficiam da taxa de 6% de IVA prevista, conjugadamente, nos artigos 18.º, al. a) e na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, as empreitadas de reabilitação urbana;
– A qualificação como “empreitada de reabilitação urbana” pressupõe a existência de uma empreitada e a sua realização em Área de Reabilitação Urbana para a qual esteja previamente aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana» [sublinhado nosso].
30. Para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo parte das seguintes premissas:
«[Q]uer a decisão arbitral recorrida quer a decisão arbitral fundamento avançam para os respetivos julgamentos tendo por base que os pressupostos do benefício previstos na Verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA são a existência de uma empreitada de reabilitação urbana e a sua concretização em Área de Reabilitação Urbana. O que as separa é a densificação do próprio conceito de empreitada de reabilitação urbana previsto naquela verba. Que, para a decisão recorrida, pressupõe necessariamente a existência de uma Operação de Reabilitação Urbana. Que, para a decisão arbitral fundamento, não constitui elemento do conceito e, consequentemente, uma correta interpretação e aplicação do normativo não a pode considerar […]» [sublinhados nossos].
31. Tendo em seguida, mediante a convocação dos elementos literal e sistemático de interpretação da lei, previstos no artigo 9.º, n.os 1 e 2, do Código Civil (ex vi do artigo 11.º, n.º 1, da LGT), sufragado:
«É possível […] concluir de forma imediata da letra da lei que não beneficiam da taxa reduzida todas as empreitadas, ou seja, que não beneficiam dela todas as obras que, por contrato, sejam realizadas por uma parte a outra, mediante um preço (artigo 127.º do Código Civil), mas, tão só, por vontade expressa do legislador, as empreitadas ou obras qualificáveis como empreitadas de reabilitação urbana. Não definindo o legislador fiscal, nem o legislador urbanístico, o que são empreitadas de requalificação urbana, a densificação deste conceito […] tem de ser densificado por recurso ao conceito de reabilitação urbana consagrado no Regime Jurídico de Reabilitação Urbana (RJUR), diploma aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro, para o qual a verba 2.23 […] remete expressamente (ao referir “diploma específico”) e com o qual, também por imposição dos elementos sistemático e em respeito da unidade do sistema jurídico, o conceito de empreitada de reabilitação urbana se tem de integrar e compatibilizar».
32. Assim, neste âmbito, o Tribunal Superior chama à colação o regime ínsito no Decreto-Lei n.º 307/2009, de 23 de outubro – i.e., o Regime Jurídico da Reabilitação Urbana (“RJRU”). Em particular, o disposto nos seus artigos 2.º, alínea j), 7.º, 8.º, 14.º, 15.º, 16.º e 20.º:
® Artigo 2.º, alínea j): «Reabilitação urbana: a forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente, em que o património urbanístico e imobiliário é mantido, no todo ou em parte substancial, e modernizado através da realização de obras de remodelação ou beneficiação dos sistemas de infraestruturas urbanas, dos equipamentos e dos espaços urbanos ou verdes de utilização coletiva e de obras de construção, reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição dos edifícios»;
® Artigo 7.º: «A reabilitação urbana em áreas de reabilitação urbana é promovida pelos municípios, resultando da aprovação: da delimitação de áreas de reabilitação urbana [n.º 1, alínea a)]; e da operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [n.º 1, alínea b)];
A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana e da operação de reabilitação urbana pode ter lugar em simultâneo [n.º 2];
A aprovação da delimitação de áreas de reabilitação urbana pode ter lugar em momento anterior à aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessas áreas [n.º 3];
A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana [n.º 4]»;
® Artigo 8.º: «Os municípios podem optar pela realização de uma operação de reabilitação urbana: simples [n.º 1, alínea a)]; ou sistemática [n.º 1, alínea b)];
A operação de reabilitação urbana simples consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução [n.º 2];
A operação de reabilitação urbana sistemática consiste numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público [n.º 3];
As operações de reabilitação urbana simples e sistemática são enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana [n.º 4];
O dever de reabilitação que impende sobre os proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre edifícios ou frações compreendidos numa área de reabilitação urbana é densificado em função dos objetivos definidos na estratégia de reabilitação urbana ou no programa estratégico de reabilitação urbana[n.º 5]»;
® Artigo 14.º: «A delimitação de uma área de reabilitação urbana: obriga à definição, pelo município, dos benefícios fiscais associados aos impostos municipais sobre o património, designadamente o imposto municipal sobre imóveis (IMI) e o imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT), nos termos da legislação aplicável [alínea a)]; confere aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações nela compreendidos o direito de acesso aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, nos termos estabelecidos na legislação aplicável, sem prejuízo de outros benefícios e incentivos relativos ao património cultural [alínea b)]»;
® Artigo 15.º: «No caso da aprovação da delimitação de uma área de reabilitação urbana não ter lugar em simultâneo com a aprovação da operação de reabilitação urbana a desenvolver nessa área, aquela delimitação caduca se, no prazo de três anos, não for aprovada a correspondente operação de reabilitação»;
® Artigo 16.º: «As operações de reabilitação urbana são aprovadas através de instrumento próprio ou de plano de pormenor de reabilitação urbana, que contêm: a definição do tipo de operação de reabilitação urbana[alínea a)]; e a estratégia de reabilitação urbana ou o programa estratégico de reabilitação urbana, consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática [alínea b)]»;
® Artigo 20.º: «A operação de reabilitação urbana aprovada através de instrumento próprio vigora pelo prazo fixado na estratégia de reabilitação urbana ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com possibilidade de prorrogação, não podendo, em qualquer caso, vigorar por prazo superior a 15 anos a contar da data da referida aprovação [n.º 1];
A prorrogação prevista no número anterior é aprovada pela assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal [n.º 2];
A operação de reabilitação urbana aprovada através de plano de pormenor de reabilitação urbana vigora pelo prazo de execução do mesmo, não podendo, em qualquer caso, vigorar por prazo superior a 15 anos a contar da data da referida aprovação [n.º 3];
O disposto nos números anteriores não obsta a que, findos aqueles prazos, possa ser aprovada nova operação de reabilitação urbana que abranja a mesma área [n.º 4]».
33. Extraindo deste regime o seguinte:
«Começa, pois, a ganhar consistência o entendimento de que a empreitada de reabilitação urbana a que o legislador fiscal dá relevo, enquanto condição de acesso ao benefício da taxa reduzida de 6%, tem de traduzir-se numa obra integrada num plano de reabilitação estratégico desenhado pelos Municípios, entidades a quem compete promover a reabilitação urbana.
É precisamente nesta relação entre empreitada e reabilitação urbana imposta pela verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA e nesta relação entre reabilitação urbana e plano de reabilitação ou forma de intervenção integrada sobre o tecido urbano existente estratégico que surge, com relevo acrescido na compreensão do conceito de empreitada de reabilitação urbana e da verba 2.23, a disciplina acolhida nos artigos 7.º, 8.º e 16.º do RJRU, preceitos em que o legislador, após atribuir aos Municípios a promoção da reabilitação urbana em Áreas de Reabilitação Urbana, determina que:
– A reabilitação urbana resulta da aprovação cumulativa de dois instrumentos: delimitação da área de reabilitação urbana [al. a) do artigo 7.º] e operação de reabilitação urbana a desenvolver nas áreas delimitadas de acordo com a alínea anterior, através de instrumento próprio ou de um plano de pormenor de reabilitação urbana [al. b) do artigo 7.º];
– No que respeita à operação de reabilitação urbana, que os Municípios podem optar pela realização de uma operação “ simples” que consistirá em uma “intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigindo-se primacialmente à reabilitação do edificado, num quadro articulado de coordenação e apoio da respetiva execução” [artigo 8.º, n.º 1 al. a) e n.º 2] ou “sistemática” que consiste “numa intervenção integrada de reabilitação urbana de uma área, dirigida à reabilitação do edificado e à qualificação das infraestruturas, dos equipamentos e dos espaços verdes e urbanos de utilização coletiva, visando a requalificação e revitalização do tecido urbano, associada a um programa de investimento público” [artigo 8.º n.º 1 al. b) e n.º 3];
– A cada área de reabilitação urbana corresponde uma operação de reabilitação urbana (artigo 7.º, n.º 4);
– Ambas as operações de reabilitação urbana, “simples” ou “sistemáticas”, têm de estar enquadradas por instrumentos de programação, designados, respetivamente, de estratégia de reabilitação urbana ou de programa estratégico de reabilitação urbana [artigo 16.º, als. a) e b), do RJRU].
Como se diz no acórdão recorrido, invocando o julgamento proferido no processo n.º 3/2023-T, deste enquadramento legal podem ser extraídas duas importantes conclusões para efeitos de interpretação da verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA. Primeira, “só há reabilitação urbana, na aceção do RJRU – o diploma específico a que alude a norma fiscal – quando, a par de delimitação da área de reabilitação urbana, o município proceda, igualmente, à programação estratégica das atividades a realizar naquela zona, através da aprovação da operação de reabilitação urbana. Neste sentido, quando na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA se faz alusão a “empreitadas de reabilitação urbana”, uma interpretação fundada nos elementos sistemático e teleológico, não contrariada pelo elemento gramatical, aponta no sentido de que o legislador pretendeu estender a taxa reduzida às empreitadas alinhadas com os desígnios da reabilitação urbana (a tal “intervenção integrada no tecido urbano”), que serão aquelas realizadas em imóveis situados em áreas de reabilitação urbana para as quais já tenha o município feito recair uma programação estratégica, capaz de lhe conferir visão de conjunto” (…). Segunda, “o que ao longo do RJRU, se designa por “operação de reabilitação urbana” – e que, conforme vem de ser dito, é um dos momentos constitutivos da reabilitação urbana – não se distingue nem funcional nem temporalmente da programação estratégica a executar na área compreendida naquela delimitação. Essa programação estratégica, como se disse, traduz-se, no caso de ORU simples, na elaboração de uma estratégia de reabilitação urbana, e no caso da ORU sistemática, na elaboração de um programa estratégico de reabilitação urbana. Para esta conclusão contribui decisivamente o artigo 16.º da RJRU, onde se dispõe, grosso modo, que as operações de reabilitação urbana contêm, necessariamente, a definição do tipo de operação de reabilitação urbana e a estratégia ou o programa estratégico da reabilitação urbana (consoante a operação de reabilitação urbana seja simples ou sistemática). Este normativo confirma que o “instrumento próprio” ou o “plano de pormenor de reabilitação urbana” que aprova a ORU é, no fundo, o documento onde se define a programação estratégica da ORU, seja ela simples ou sistemática. Por essa razão, a vigência da operação de reabilitação urbana (simples ou sistemática) está alinhada com o prazo definido na estratégia ou no programa estratégico de reabilitação urbana, com o limite máximo de 15 anos (artigo 20.º, n.os 1 e 3, do RJRU)”».
34. E, bem assim, como se segue:
«[O] objetivo do legislador urbanístico não foi o de criar ou ampliar uma categoria especial de sujeitos passivos (partes contratantes nos normais contratos de empreitada) que, em razão de um eventual direito de propriedade (ou outros direitos similares) sobre prédios integrados em Áreas de Reabilitação Urbana e por força do princípio da liberdade contratual (que lhes permite celebrar contratos de empreitada naquelas Áreas), fosse reconhecido aceder a benefícios fiscais. O objetivo do legislador urbanístico foi promover a reabilitação urbana, de forma integrada e programática, em moldes a definir e controlar pelos Municípios, através da delimitação das Áreas de Reabilitação e dos instrumentos de gestão através dos quais a opção política e os objetivos que no preâmbulo se elegem como fundamentais se devem concretizar […].
Quanto aos efeitos (seguros de que só podem estar em questão os efeitos fiscais previstos no n.º 2 do artigo 14.º do RJRU, por o IVA não constituir um imposto associado aos impostos municipais sobre o património), cumpre apenas dizer que os direitos que aí estão reconhecidos aos proprietários e titulares de outros direitos, ónus e encargos sobre os edifícios ou frações compreendidos na Área de Reabilitação Urbana, de aceder aos apoios e incentivos fiscais e financeiros à reabilitação urbana, se encontram condicionados ao que na legislação aplicável se encontrar estabelecido.
Ora, tendo o legislador fiscal feito depender o benefício de tributação da taxa reduzida consagrada na verba 2.23 a que a empreitada seja uma empreitada de reabilitação urbana e estando esta qualificação dependente de que a sua execução seja realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana, o não reconhecimento ao benefício, na ausência da verificação desses requisitos ou condições, constitui, tão só, o cumprimento da lei. Tal como o seu reconhecimento, verificados os pressupostos que vimos mencionando, constitui o cumprimento da mesma».
35. Referindo, a título complementar, o que infra se reproduz:
«Relativamente à questão do âmbito temporal importa realçar dois aspetos. O primeiro é o de que não pode confundir-se a possibilidade legalmente reconhecida aos Municípios de não aprovarem simultaneamente os dois instrumentos, que, cumpridos, aprovados, permitem qualificar uma empreitada como empreitada de reabilitação urbana (delimitação da área e operação de reabilitação urbana), com as condições de reconhecimento do benefício fiscal ao sujeito passivo.
Do exercício da faculdade concedida aos primeiros (aprovação não simultânea dos dois instrumentos) pode resultar, ou não, a caducidade da delimitação da Área de Reabilitação Urbana, nos termos do n.º do artigo 15.º. Tal como a realização da empreitada em Área de Reabilitação Urbana pode conduzir, ou não, ao reconhecimento ao sujeito passivo do benefício consagrado na verba 2.23. da Lista I anexa ao CIVA, dependendo de estar associada ou não a essa Área uma Operação de Reabilitação Urbana. Condição que cumpre ao sujeito passivo assegurar que está verificada, antes da realização da empreitada, pretendendo beneficiar da taxa de IVA reduzida. Ou seja, não está vedado ao sujeito passivo, a partir do momento em que o legislador passou a admitir que é possível não haver coincidência temporal entre a delimitação da Área de Reabilitação Urbana e a aprovação da Operação de Reabilitação Urbana, realizar empreitadas em Área de Reabilitação Urbana. O que lhe está legalmente vedado é beneficiar da tributação reduzida prevista na Verba n.º 2.23 se a empreitada se concretiza, mesmo que em Área de Reabilitação Urbana, antes da aprovação da Obra de Reabilitação Urbana […]».
36. Em jeito de súmula, o Supremo Tribunal Administrativo adota o seguinte entendimento:
«[N]ão temos dúvida alguma [de] que os elementos literal e sistemático apontam decisivamente para um conceito de empreitada de reabilitação urbana que pressupõe a existência simultânea de uma empreitada realizada em Área de Reabilitação Urbana para a qual tenha sido aprovada uma Operação de Reabilitação Urbana. E, consequentemente, que o benefício de tributação à taxa de 6%, de bens ou serviços no seu âmbito adquiridos ou prestados, nos termos do artigo 18.º, al. a), do CIVA e da verba 2.23 da Lista I a este anexa só deve ser reconhecido às empreitadas realizadas naquela Área de Reabilitação Urbana relativamente às quais previamente tenha sido aprovada uma Operação (“simples” ou “sistemática”) de Reabilitação Urbana» [sublinhado nosso].
37. Em sentido consonante pronuncia-se a jurisprudência arbitral. A título meramente exemplificativo, atente-se às decisões arbitrais de 19 de agosto de 2025, 14 de maio de 2025, 14 de agosto de 2023, 31 de julho de 2023, 1 de março de 2023 e 31 de janeiro de 2023, respetivamente proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.os 1311/2024-T, 16/2025-T, 93/2023-T, 3/2023-T, 295/2022-T e 404/2022-T, as quais, com o intuito de se evitar desnecessária prolixidade, não se transcrevem, mas consideram-se reproduzidas na presente sede.
38. Aqui chegados, importa então analisar o caso concreto e, por conseguinte, aferir se os serviços de construção civil adquiridos pela Requerente se subsumem ao conceito de «empreitada de reabilitação urbana» previsto na verba 2.23 da Lista I anexa ao CIVA, tal como densificado pelo aludido acórdão uniformizador de jurisprudência.
39. Em concreto, importa então perscrutar o preenchimento cumulativo de três requisitos: (i) a prestação de serviços de construção civil ao abrigo de contrato de empreitada; (ii) em área de reabilitação urbana (ARU); (iii) para a qual tenha sido previamente (à prestação dos serviços) aprovada operação de reabilitação urbana (ORU).
40. Na situação sob contenda, as partes não dissentem quanto ao preenchimento dos requisitos (i) e (ii), resultando estes, ademais, cabalmente demonstrados no âmbito dos presentes autos. Atente-se, para o efeito, aos pontos b) e e) da matéria de facto provada.
41. Diversa é, porém, a situação no que respeita ao requisito (iii). A aprovação da operação de reabilitação urbana (ORU) foi posterior à prestação dos serviços de construção civil relativos ao “Edifício... ”. Aquela (aprovação) teve lugar a 12 de novembro de 2019 (cfr. ponto f) da matéria de facto provada); esta (prestação) ocorreu antes (cfr. ponto i) da matéria de facto provada).
42. Deste modo, não se afigura aplicável o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e na verba 2.23 da Lista I anexa ao mesmo, não sendo tais serviços enquadráveis no conceito de «reabilitação urbana», na aceção dos artigos 2.º, n.º 1, alínea j), e 7.º do RJRU.
43. Com efeito, não obstante, à data da prestação dos serviços, o “Edifício...” estar integrado em área de reabilitação urbana (ARU), a correspondente operação de reabilitação urbana (ORU) ainda não tinha sido aprovada pela Assembleia Municipal de Aveiro. Tal só viria a acontecer em momento ulterior – em concreto, reitere-se, a 12 de novembro de 2019.
44. Por outro lado, o pedido subsidiário formulado pela Requerente – no sentido de os serviços de construção civil por si adquiridos (em concreto, a mão de obra utilizada, faturada pela sociedade B...– Unipessoal, Lda.), referentes ao “Edifício...”, serem subsumíveis à verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA – carece de razão.
45. Na esteira do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º C-433/22 (em sede de reenvio prejudicial), e, bem assim, do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 01179/11.1BESNT (na sequência de tal reenvio), importa enfatizar que a aplicação daquela verba pressupõe que os imóveis (ou as suas partes autónomas) estejam a ser efetivamente utilizados para fins habitacionais por consumidores finais, o que na situação em apreço não sucede. A Requerente não assume as vestes de consumidor final nem, atenta a sua natureza jurídica, poderia habitar o “Edifício...”.
46. Neste contexto, atente-se às seguintes passagens dos referidos arestos:
«Dado que […], os serviços referidos no ponto 2 do anexo IV da Diretiva IVA dizem respeito a imóveis que servem de residência a uma ou a várias pessoas e que são utilizados para fins de habitação particular, resulta da redação desta disposição que esta última visa imóveis que têm como destino efetivo a habitação. Com efeito, tanto o conceito de residência como a exigência de utilização de um imóvel remetem para uma exploração concreta desse imóvel.
Por conseguinte, há que considerar, atenta a redação do ponto 2 do anexo IV da Diretiva IVA, que, por um lado, um imóvel que, embora se encontre licenciado para fins habitacionais, não seja efetivamente utilizado para esse fim na data em que os serviços de reparação ou de renovação em causa são executados não está abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição. Por outro lado, estão excluídos do âmbito de aplicação da referida disposição os serviços de reparação ou de renovação relativos a imóveis que, na data da execução destes serviços, sejam utilizados pelo seu proprietário para fins comerciais ou de investimento […].O contexto em que o ponto 2 do anexo IV da Diretiva IVA se insere corrobora a interpretação segundo a qual a taxa reduzida de IVA só se aplica a serviços de reparação e de renovação que tenham por objeto imóveis que sejam efetivamente utilizados para habitação.
Com efeito, primeiro, esta disposição, uma vez que permite aplicar uma taxa reduzida de IVA, constitui uma derrogação ao princípio da aplicação da taxa normal e deve assim ser objeto de interpretação estrita (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de dezembro de 2019, Segler‑Vereinigung Cuxhaven, C‑715/18, EU:C:2019:1138, n.º 25, e de 5 de maio de 2022, DSR — Montagem e Manutenção de Ascensores e Escadas Rolantes, C‑218/21, EU:C:2022:355, n.º 40).
Segundo, resulta de uma leitura conjunta dos artigos 106.º e 107.º da Diretiva IVA que, para poder beneficiar de uma taxa reduzida de IVA, os serviços enumerados no ponto 2 do anexo IV desta diretiva devem em grande parte ser prestados diretamente aos consumidores finais. Ora, não se pode considerar que um serviço de reparação ou de renovação que foi prestado a uma sociedade ou a uma pessoa singular que possui uma residência licenciada para habitação, sem que essa residência seja no entanto utilizada efetivamente para esse fim, foi prestado a um consumidor final, o mesmo se aplicando a um serviço de renovação prestado a uma sociedade ou a uma pessoa singular que utiliza, no exercício da sua atividade profissional, um imóvel para fins comerciais e não como habitação.
Terceiro […], interpretar o ponto 2 do anexo IV da Diretiva IVA no sentido de que só os serviços de reparação e de renovação que tenham por objeto imóveis efetivamente habitados na data da realização das obras são abrangidos pelo âmbito de aplicação desta disposição é conforme com os objetivos prosseguidos com a adoção de uma taxa reduzida, que visa beneficiar o consumidor […].
[A] aplicação de uma taxa reduzida a estas prestações beneficia o consumidor final que reside efetivamente no imóvel objeto das obras e que não tem direito a deduzir o IVA a montante.
Este consumidor pode assim, através da aplicação dessa taxa reduzida, beneficiar dos serviços de reparação e de renovação da residência que utiliza efetivamente para fins habitacionais a um custo inferior àquele que suportaria se esses serviços fossem tributados à taxa normal. Ora, o elemento determinante para apreciar se o consumidor pode beneficiar da aplicação da taxa reduzida de IVA reside no facto de, no momento em que o custo é gerado, esse imóvel ser efetivamente utilizado como habitação por este consumidor.
Por último, em quarto lugar, há que referir que, para se considerar que um imóvel é efetivamente habitado, não é necessário que este esteja ocupado durante a realização das obras pelas pessoas que nele residem de forma permanente ou não. Por um lado, o destino efetivo para habitação não é alterado pelo facto de o imóvel ser utilizado apenas durante alguns períodos do ano. Por outro lado, o facto de uma residência particular estar desocupada durante um certo período de tempo não altera a sua natureza de residência particular.
Tendo em conta todos estes fundamentos, há que responder à questão prejudicial que o ponto 2 do anexo IV da Diretiva IVA deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma legislação nacional que prevê que se aplique uma taxa reduzida de IVA aos serviços de reparação e de renovação em residências particulares, desde que as residências em causa sejam efetivamente utilizadas como habitação na data em que estas operações têm lugar» – cfr. Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 11 de janeiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º C-433/22 (Caso Hpa Construções).
«Da leitura dos §§ 23 a 26 do acórdão do TJUE resulta claro que a interpretação sufragada pela AT é a que está em linha com a jurisprudência europeia, ou seja, com a interpretação que o TJUE vem fazendo das “exceções” à taxa normal do IVA. Como o acórdão clarifica, a taxa de reduzida de IVA respeitante a serviços de reparação e renovação em residências particulares (ponto 2 do anexo IV em conjugação com o artigo 106.º da Diretiva IVA) estava concebida para aquele tipo de operações em residências (bens, imóveis ou móveis, destinados a habitação) particulares (ou seja, excluindo edificações destinadas a serviços de alojamento, hotéis ou similares).
E o mesmo acórdão, no §28, dispõe que não se devem considerar abrangidos pela isenção, à luz do direito europeu, as operações de renovação e conservação em imóveis licenciados para fins habitacionais, mas que não estejam efetivamente afetos a esse fim na data em que aquelas operações têm lugar, incluindo aqueles que sejam utilizados pelos proprietários, à data das referidas operações, para fins comerciais ou de investimento. Lembrando ainda o TJUE da necessidade de aplicar escrupulosamente uma interpretação restritiva às previsões normativas que derrogam o regime geral das taxas de IVA (§ 30).
E o TJUE lembra ainda que a taxa reduzida se aplica a consumidores finais, não cabendo nesse universo os proprietários investidores que realizem aquelas operações com o propósito de obter rendimento com a alienação ou exploração do imóvel, pelo que, o critério interpretativo deve ser o da efetiva utilização do imóvel como habitação no momento em que as operações de renovação ou conservação têm lugar (§§30-34). Mas o TJUE acrescenta que isso não impede que o benefício deva ser aplicado se o imóvel não está temporariamente ocupado (ex. durante o período das obras) ou se constitui uma residência secundária, ou seja, que apenas é ocupado pelo “consumidor final” durante uma parte do ano, pois não é necessário que se trate da habitação própria e permanente.
Aplicando os parâmetros de interpretação constantes do acórdão do TJUE à factualidade dos autos concluímos que os imóveis em causa são propriedade de uma sociedade comercial, que procedeu às operações de renovação cuja liquidação de IVA vem impugnada nos autos, a título de operações de investimento e não enquanto consumidor final, pelo que, tem razão a AT quando determina a inaplicabilidade in casu do regime de IVA reduzido» – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de fevereiro de 2024, proferido no âmbito do processo n.º 01179/11.1BESNT .
47. Assiste, pois, razão à Entidade Requerida quando expressamente refere que, «tendo as operações ocorrido no quadro do exercício da atividade comercial da Requerente e fora do âmbito de um imóvel afeto à habitação, as mesmas não se enquadram na previsão normativa da verba 2.27 da Lista I anexa ao CIVA» – cfr. artigo 115.º da resposta.
48. Ademais, a Requerente não logrou demonstrar (como lhe competia, nos termos das regras de repartição do ónus da prova previstas no artigo 74.º, n.º 1, da LGT) o montante por si efetivamente pago pela aludida mão de obra, ao arrepio do que expressamente indicou que faria:
«[…] [S]empre deveria ter sido convocada e aplicada, no âmbito da ação inspetiva a que a Requerente foi submetida, a taxa reduzida de IVA, prevista na verba 2.27 da Lista I anexa do CIVA, ao valor da mão de obra que, pela sociedade “B...”, foi faturado à Requerente nessa empreitada, e que se cifrou em € 188.144,51, tudo conforme consta nos documentos que desde já se protestam juntar no prazo de 10 dias» – cfr. artigo 80.º do pedido de pronúncia arbitral.
49. Assim sendo, não se mostra aplicável o disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIVA e na verba 2.27 da Lista I anexa ao mesmo, claudicando a posição perfilhada pela Requerente no âmbito do pedido de pronúncia arbitral.
50. Por tudo quanto se expôs, o Tribunal Arbitral entende não assistir razão à Requerente, julgando improcedente o pedido de pronúncia arbitral na origem dos presentes autos quanto à declaração de ilegalidade (e consequente anulação) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e das liquidações de IVA e juros compensatórios, no montante global de 46.198,71 EUR, mantendo, por via disso, estes atos administrativo (em matéria tributária) e tributários na ordem jurídica.
51. Em consequência, a Requerente não tem direito nem à restituição do imposto (39.888,14 EUR) e juros compensatórios (6.310,57 EUR), nos termos do artigo 100.º da LGT, nem à perceção de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, não padecendo a conduta da Entidade Requerida de ilegalidade subsumível à comissão de qualquer erro (de facto e/ou de direito).
VI. Decisão
52. Por tudo quanto se expôs, julga-se totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela Requerente, sendo de manter na ordem jurídica a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, as liquidações de IVA n.os 2023..., 2023..., 2023 ... e 2023..., de 28 de setembro de 2023, referentes aos 1.º a 4.º trimestres do ano de 2019, e as correspetivas liquidações de juros compensatórios, no montante global de 154.906,62 EUR (cento e cinquenta e quatro mil, novecentos e seis euros e sessenta e dois cêntimos) [cujo montante contestado ascende a 46.198,71 EUR (quarenta e seis mil, cento e noventa e oito euros e setenta e um cêntimos) – 39.888,14 EUR (trinta e nove mil, oitocentos e oitenta e oito euros e catorze cêntimos) a título de IVA e 6.310,57 EUR (seis mil, trezentos e dez euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de juros compensatórios].
VII. Valor da causa
53. Nos termos dos artigos 306.º, n.os 1 e 2, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“Regulamento de Custas”), fixa-se o valor do processo (da causa) em 46.198,71 EUR (quarenta e seis mil, cento e noventa e oito euros e setenta e um cêntimos).
VIII. Custas arbitrais
54. Condena-se a Requerente nas custas do processo, as quais perfazem 2.142 EUR (dois mil, cento e quarenta e dois euros), em consonância com os artigos 527.º, n.º 1, do CPC (ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAMT), 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAMT e, bem assim, com o artigo 4.º, n.º 5, do Regulamento de Custas e Tabela I anexa a este.
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Lisboa, 25 de setembro de 2025
A Árbitra
Sónia Fernandes Martins