Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 107/2025-T
Data da decisão: 2025-09-23  IRS  
Valor do pedido: € 5.512,82
Tema: IRS – Isenção prevista no artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do EBF – Pensões de Reforma – NATO/OTAN –
Versão em PDF

 

SUMÁRIO:

 

I – O prazo de caducidade de três anos, previsto no n.º 2, do artigo 45.º, da LGT, será inaplicável nas hipóteses em que só através do cruzamento de dados e de outras informações, pode a AT detetar a ocorrência de erro ou de omissão nas Declarações de Rendimentos (Modelo 3 – IRS).

 

II – O benefício fiscal consagrado na alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF, apenas abrange os rendimentos pagos em razão do exercício efetivo de funções ou, por outras palavras, rendimentos que decorrem ou estão associados à prestação efetiva de trabalho, encontrando-se, por isso, excluídos os rendimentos típicos de pessoas retiradas da vida (laboral) ativa, ou seja, em situações de reforma. 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

A árbitra, Susana Mercês de Carvalho, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral Singular, constituído a 07.04.2025, decide o seguinte: 

 

I.    RELATÓRIO

1.             A..., NIF..., e A..., NIF..., casados entre si, ambos residentes na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Carcavelos (“os Requerentes”), vieram, em 30.01.2025, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), requerer a constituição do Tribunal Arbitral e apresentar pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT” ou “Requerida”), com vista (1) à declaração de ilegalidade e anulação do ato tributário de liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2024..., referente ao ano de 2020, no valor de €5.512,82 (cinco mil e quinhentos e doze euros e oitenta e dois cêntimos), e (2) à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.   

2.             Os Requerentes juntaram 5 (cinco) documentos. 

3.             O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite a 30.01.2025 pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida. 

4.             Os Requerentes não exerceram o direito à designação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a ora signatária como árbitra do Tribunal Arbitral Singular, que comunicou a aceitação do cargo no prazo aplicável. 

5.             A 18.03.2025 as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico do CAAD. 

6.             Em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído a 07.04.2025.

7.             Por despacho proferido pelo Tribunal Arbitral a 07.04.2025 foi a Requerida notificada para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar resposta, juntar cópia do processo administrativo (“PA”) e, querendo, requerer a produção de prova adicional.  

8.             No dia 20.05.2025, a Requerida apresentou a sua resposta, na qual se defendeu por impugnação e, juntou aos autos o PA. 

9.             Em 22.05.2025, o Tribunal Arbitral proferiu despacho, no qual: (i) dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT; (ii) notificou as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas, no prazo simultâneo de 15 (quinze) dias; notificou os Requerentes para procederem ao depósito da taxa arbitral subsequente e à junção aos autos do respetivo comprovativo e; (iii) indicou o prazo limite para proferir a decisão final arbitral.

10.          Em 16.06.2025, a Requerida apresentou alegações finais escritas.

11.          Os Requerentes apresentaram, em 20.06.2025, requerimento, no qual vieram esclarecer que já haviam pago a taxa de arbitragem na totalidade, aquando do pedido de constituição do tribunal arbitral, tendo aproveitado para reiterar toda a fundamentação já explanada na petição inicial e responder às alegações da Requerida mencionadas em 10.  

I.1. ARGUMENTOS DAS PARTES

12.          A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IRS aqui em crise, invocam os Requerentes, de entre o mais, o seguinte:

Ilegalidade da liquidação quanto à forma – Caducidade do direito à liquidação

a)    O que está efetivamente em causa, também e antes de tudo, é um erro imputável à AT, uma vez que foi a própria que deu a indicação aos Requerentes de que os rendimentos da pensão de reforma da NATO, auferida pelo Requerente, tinham de ser declarados no anexo H, conforme notificação recebida por aqueles, relativa ao IRS do ano de 2016;

b)    Porém, em sentido inverso e contradizendo as suas próprias informações, veio agora, apenas no passado ano de 2024, alegar que a pensão em causa deveria ter sido declarada no anexo J, pelo que estamos perante um manifesto erro por parte da AT;

c)     E, ainda, que assim não se entenda – isto é, se a pensão da NATO fosse para ser declarada no anexo J – sempre estaríamos perante um erro no preenchimento da declaração de IRS, nos termos e para os efeitos do n.º 2, do artigo 45.º, da Lei Geral Tributária (“LGT”);

d)    A AT alega que os Requerentes incorreram em omissões e inexatidões no preenchimento da declaração de IRS do ano de 2020; contudo, uma omissão ou inexatidão sempre terá de ser entendida como um erro, sendo que nos termos do n.º 2, do artigo 45.º, da LGT, no caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, o prazo de caducidade do direito à liquidação é de três anos; 

e)    Estando em causa o IRS do ano de 2020, a respetiva liquidação deveria ter sido notificada aos Requerentes até ao final do ano de 2023, o que só ocorreu praticamente um ano depois do termo do prazo legal (em 26.09.2024);

f)     Os Requerentes colocaram atempadamente à disposição da AT a declaração de IRS do ano de 2020, pelo que a AT dispunha dos meios necessários a uma atempada deteção do alegado erro, o que significa que estamos perante um caso manifesto de caducidade do direito à liquidação do IRS do ano de 2020, que se traduz numa ilegalidade da liquidação quanto à forma; 

Ilegalidade da liquidação quanto à substância – Efetiva aplicação da alínea b), n.º 1, do artigo 37.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”) – Violação dos princípios da legalidade, da igualdade e da confiança –

g)     É de aplicar ao caso dos autos a isenção de IRS prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF, desde logo, por respeito ao princípio da confiança;

h)    Nos anos anteriores a 2020, a própria AT sempre foi do entendimento de que as pensões em causa estavam ao abrigo da isenção mencionada no citado artigo, pelo que as mesmas deveriam ser indicadas no anexo H da declaração de IRS;

i)      Tal circunstância é relevante no âmbito do princípio da confiança dos contribuintes, uma vez que foi em conformidade com essas informações da própria AT que os Requerentes determinaram a forma de apresentação da declaração de IRS, no que à pensão da NATO diz respeito;

j)      Os Requerentes limitaram-se a atuar em conformidade com sinais exteriores produzidos pela própria Administração Tributária sobre a matéria, in casu, com as referidas informações sobre o tema nos anos anteriores, que foram suficientemente concludentes para nelas depositarem legitimamente a sua confiança, o que é eminentemente abusivo e atenta contra o Princípio Constitucional da Proteção da Confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático plasmado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”);

k)    Por outro lado, cumpre chamar a atenção para o artigo 19.º da Convenção de Ottawa (Convenção sobre o Estatuto da Organização do Tratado do Atlântico Norte, dos Representantes Nacionais e do Pessoal Internacional de 30 de setembro de 1951) e para o artigo 7.º do Protocolo de Paris (Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis Generais Militares Internacionais), que não fazem distinção entre funcionários no ativo ou inativos, pelo que o Requerente mantém a qualidade de funcionário da referida Organização, sendo por causa desse vínculo que aufere a pensão em apreço;

l)      Os termos vencimentos e emolumentos englobarão as situações de pensões de reforma. Uma pensão de reforma não deixa de ser um vencimento, um género de remuneração, que a NATO atribui aos seus funcionários inativos. Não deixa de existir um vínculo entre o Requerente e a NATO. O Requerente consta do quadro da Organização enquanto seu funcionário (independentemente de estar ativo ou não);

m)  Caso não tivesse existido esse vínculo entre o Impugnante e a NATO, a pensão nunca teria sido atribuída. Mais, se o Requerente de alguma forma desrespeitar o vínculo que tem para com a NATO, deixa de auferir da pensão a que tem direito;

n)    Com especial relevância para o caso é a Resolução da Assembleia da República n.º 221/2019, de 7 de novembro (Acordo Suplementar à Convenção de Ottawa), ao dispor na respetiva alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º que “Os NICs estão isentos de todos os impostos relativos aos salários e emolumentos que lhes sejam pagos na qualidade de Civis Internacionais da OTAN, bem como das contribuições para os regimes de segurança social e de pensões portugueses, desde que estejam abrangidos por planos de pensões e seguros de grupo da OTAN com caráter obrigatório.” O Requerente enquadra-se ainda como NIC, isto é, como Civil Internacional da NATO, precisamente pela pensão que aufere da Organização;

o)    Outro fundamento relevante é o do Princípio da igualdade – igualdade tributária dos contribuintes –, sendo de chamar à colação o Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, no qual, por força do disposto no artigo 12.º, os funcionários e outros agentes da União ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União; 

p)    Por um princípio de igualdade fiscal, desde logo, estabelecido no artigo 13.º e no n.º 1 do artigo 104.º da CRP, se os rendimentos e as pensões dos funcionários e outros agentes da União Europeia poderão estar isentos de IRS, por igualdade de circunstâncias também o deverá estar a pensão da NATO auferida pelo Requerente;

q)    Seguindo o entendimento de que apenas estão isentos de IRS os rendimentos dos funcionários da NATO no ativo, e não os dos funcionários inativos/reformados da NATO, corremos o sério risco de nos depararmos com uma manifesta falta de equidade e desproporcionalidade tributária;

r)     Isto é: se os rendimentos dos funcionários da NATO no ativo (note-se: cujos valores são consideravelmente mais elevados do que os rendimentos de pensões dos funcionários reformados da NATO), estão isentos de IRS, porque não deverão as pensões dos funcionários reformados beneficiar da mesma isenção, sobretudo quando são de valores mais baixos? O rendimento mais alto beneficia da isenção e o rendimento mais baixo não?;

s)      É de sublinhar ainda o seguinte: a pensão em causa é paga integralmente pela NATO, num contexto completamente autónomo do Estado Português e ao qual este é alheio. O Estado nunca pagou nada ao Impugnante no âmbito do vínculo deste para com a NATO. Contudo, vem agora exigir que a pensão seja tributada em sede de IRS, tal circunstância parece-nos manifestamente desenquadrada;

t)     Sendo certo que a isenção em discussão decorre do Tratado da NATO e não propriamente do EBF. Este último apenas refere que as remunerações devem ser englobadas para efeitos de cálculo da taxa aplicável aos restantes rendimentos, mas não a esses (os provenientes da NATO);

u)    O Tratado da NATO não pode ser violado pelo Estado Português e sobrepõe-se a qualquer legislação de um qualquer Estado-Membro que o viole ou não o respeite. Acresce ainda que a NATO é uma Organização Internacional totalmente autónoma relativamente ao Estado Português, não delimitando nem impondo qualquer exclusão de isenção por estar em causa um seu funcionário ativo ou inativo;

v)     Se o Tratado não distingue, não pode o Estado Português estar a distinguir, sob pena de estar a violar o Tratado (assinado pelo Estado Português). Sobretudo quando nunca contribuiu para os rendimentos do trabalho do Requerente na NATO, quer em atividade quer em inatividade. Isto é, o Estado Português nunca contribuiu para a pensão auferida pelo Requerente que não deixa de ser, ela própria, um rendimento de trabalho;

w)   Consequentemente, não pode a AT praticar atos que estejam em contradição com essas normas e princípios, por respeito ao Princípio da Legalidade. Contudo, é o que se verifica com o ato de liquidação em causa, pois, estamos perante um caso manifesto de inconstitucionalidade da liquidação, por força do mencionado n.º 1 do artigo 8.º da CRP. Inconstitucionalidade que aqui se invoca;

x)     Face a todo o exporto, com base em todos os argumentos invocados na presente petição, e por respeito aos princípios da igualdade, da legalidade e da confiança, deverá a pensão de reforma da NATO, auferida pelo Requerente, beneficiar da isenção de IRS que consta da alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º do EBF.    

13.          Por sua vez, a AT contra-argumenta com base nos seguintes fundamentos:

Da alegada caducidade do direito de liquidação

a)    A aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.º 1 do mesmo preceito legal, pressupõe a subsunção do caso dos autos ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”;

b)    O erro a que se refere o n.º 2 deste artigo 45.º é “aquele que é detetável mediante simples análise da declaração” (cfr. Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 3ª Edição, 2003, Anotação 9 ao artigo 45.º, pag. 214), “erro que a AT possa detetar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspeção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”.

c)     Ora, no caso sub judice é a Divisão de Gestão da NATO/OTAN, nos termos do artigo 42.º do Regulamento das Pensões das Organizações Coordenadas e do artigo 15.º do Regulamento de Pensões DCPS, que procede à comunicação à AT das declarações individuais das pensões e ajustes fiscais pagos aos pensionistas daquela Organização a residir em Portugal;

d)    Foi no âmbito dessa comunicação e respetivo cruzamento da informação prestada com os dados constantes da base de dados da AT que se constatou a existência de uma situação de omissão declarativa por parte do Requerente;

e)    Tal situação foi remetida para a Direção de Finanças de Lisboa para regularização, quer por via de justificação válida para a omissão, quer por via de recolha de declaração oficiosa;

f)     Como se pode verificar a AT está, no caso em apreço, dependente de cruzamento de informação, de documentação externa;

g)     Se a deteção do erro obrigar à consulta de informação não contida na declaração, ainda que em poder da AT, tal prazo (artigo 45.º, n.º 2, da LGT) é inaplicável (Cfr Ac. TCAS, de 21/05/2020, Processo n.º 194/12.2BELRS);

h)    Assim, e de acordo com o conceito de “erro evidenciado na declaração” defendido pela doutrina e jurisprudência, não se verifica na situação em causa nos autos o circunstancialismo que justifica a redução do prazo geral de 4 anos para o prazo de 3 anos consignado no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, pelo que o ato de liquidação em causa foi efetuado dentro do prazo de caducidade, previsto no n.º 1 do citado artigo e, portanto, é um ato legal;

Da isenção do Pessoal das Organizações Estrangeiras nos termos do artigo 37.º do EBF

i)      As organizações que se encontram abrangidas pelo artigo 37.º do EBF são organizações cujo conceito é diferente do de Estado e que são exemplo paradigmático dessas entidades a ONU, OCDE, NATO ou FMI; 

j)      O pessoal de serviço dessas organizações tem a maior parte das vezes um estatuto específico, designadamente ao nível da tributação, por força de normas ou tratados internacionais especificamente relacionados com organizações entre si;

k)    Ora, tanto a alínea a) como a b) do n.º 2 do referido normativo legal prescrevem que as remunerações auferidas por pessoas ao serviço daquelas organizações ficam isentas em sede de IRS, nos termos do direito internacional aplicável ou desde que haja reciprocidade;

l)      Apesar de não existir na lei uma definição única do conceito de “renumeração” podemos apoiar-nos tanto no CIRS como no Código de Trabalho para conseguir fazer uma delimitação do mesmo, salientando, desde logo, que o conceito de remuneração do artigo 2º do CIRS é mais lato que o acolhido pelo direito laboral; 

m)  O artigo 2º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“CIRS”) tipifica de forma muito ampla vários rendimentos que integram o conceito de renumeração, incluindo a remuneração direta pelo trabalho, mas também outras formas de remuneração relacionadas com a prestação de trabalho;

n)    O artigo 2.º entende que tudo aquilo que o trabalhador receba em razão do seu trabalho, em dinheiro, em espécie ou sob a forma de quaisquer vantagens, salvo o expressamente excetuado pela lei, é considerado rendimento;

o)    Tais remunerações, qualquer que seja a forma ou denominação sob que se apresentem (artigo 2.º, n.º 2, do CIRS), poderão resultar, quer do cumprimento de obrigações contratuais da entidade patronal, quer de decisões a que esta não se encontra legalmente obrigada (v.g. concessão de prémios). Poderão resultar, ainda, de prestações feitas por terceiros, mesmo que espontaneamente; 

p)    Desta forma, o conceito de remuneração deve ser entendido como compensação monetária, que inclui tanto vencimentos fixos como variáveis; 

q)    Para além da remuneração Principal/Direta (salário, vencimento) é ainda elemento integrante do conceito de remuneração, as remunerações complementares/suplementar que, nos termos do contrato de trabalho ou dos usos, assumirem carácter regular ou habitual;

r)     Verifica-se, pois, que o conceito de “remuneração” pressupõe sempre o pagamento de trabalho e não abrange as situações de pensões de reforma, pelo que estas ficam excluídas do benefício fiscal previsto no artigo 37.º, n.º 1 do EBF;

s)      Assim, enquanto o Requerente se encontrava no ativo os rendimentos pagos pela NATO eram enquadráveis na categoria A, sendo certo que os mesmos beneficiavam da isenção prevista no artigo 37.º n.º 1 do EBF;

t)     Todavia, a partir do momento em que o Requerente se aposentou, os valores pagos pela NATO têm a natureza de rendimentos de pensões e são enquadráveis na categoria H, deixando de beneficiar da isenção prevista no art.37.º, n. º1 do EBF;

u)    A Convenção sobre o Estatuto da Organização do Tratado do Atlântico Norte, assinada em Otava em 1951, estabelece certos privilégios e imunidades para o pessoal em serviço ativo na NATO. No entanto, não há disposição específica que conceda isenção de impostos nacionais sobre as pensões pagas pela NATO a ex-funcionários ou pensionistas. Portanto, na ausência de uma cláusula clara de isenção, as pensões pagas pela NATO não estão automaticamente isentas de tributação em Portugal;

v)     O artigo 37.º do EBF prevê isenções de IRS para rendimentos auferidos pelo pessoal ao serviço de organizações internacionais, desde que exista norma ou tratado internacional que especificamente preveja tal isenção. No caso das pensões pagas pela NATO, não existe uma disposição específica que conceda essa isenção. Além disso, a jurisprudência tem interpretado que, na ausência de uma norma ou tratado internacional específico que preveja a isenção, os rendimentos auferidos por pessoal ao serviço de organizações internacionais estão sujeitos a tributação em Portugal;

w)   Pelo exposto, verifica-se que os valores pagos pela NATO/OTAN a título de pensão de reforma devem ser preenchidos na anexo J (rendimentos obtidos no estrangeiro – sejam rendimentos de trabalho ou de pensões, rendimentos de capitais, rendimentos prediais ou outros);

x)     Tributar as pensões pagas pelo NATO a residentes fiscais em Portugal promove a equidade fiscal, garantindo que todos os contribuintes com capacidade contributiva semelhante sejam tratados de forma equitativa, independentemente da origem dos seus rendimentos, assegurando a coerência do sistema fiscal português, promovendo a justiça tributária entre contribuintes;

y)     A não tributação dessas pensões poderia criar uma situação de desigualdade em relação a outros pensionistas que recebem rendimentos de fontes nacionais ou estrangeiras e que estão sujeitos a IRS em Portugal; 

II.             SANEAMENTO

14.          O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído. 

15.          As partes gozam de personalidade, capacidade judiciária, legitimidade processual e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

16.          Não foram suscitadas exceções de que deva conhecer-se. O processo não enferma de nulidades. Inexiste, deste modo, quaisquer obstáculos à apreciação do mérito da causa. 

III. MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

17.          Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

A.             Os Requerentes apresentaram a Declaração anual de rendimentos – IRS – (Modelo 3), registada com o n.º ...-2020-..., referente ao ano de 2020, a qual foi selecionada para efeitos de análise de verificação da declaração de rendimentos de fonte estrangeira, pensões de reforma, pagos pela NATO/OTAN, a partir da Bélgica (Cfr. PA). 

B.             No âmbito da análise mencionada no ponto A., a AT constatou que os Requerentes haviam declarado e importância de €19.358,12 (dezanove mil e trezentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), paga pela NATO/OTAN, no anexo H – “BENEFÍCIOS FISCAIS E DEDUÇÕES”, quadro 4 – “RENDIMENTOS ISENTOS SUJEITOS A ENGLOBAMENTO” (Cfr. PA).

C.             A AT notificou os Requerentes, para efeitos de justificação/correção, mediante o ofício n.º ..., de 25/04/2024 (entregue em 27/05/2024 – Portal CTT), da intenção de se proceder ao preenchimento de uma Declaração Oficiosa/DC, onde o montante de €19.358,12 (dezanove mil e trezentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), seria retirado do anexo H para passar a constar do anexo J – “RENDIMENTOS OBTIDOS NO ESTRANGEIRO”, quadro 5A – “RENDIMENTOS DE PENSÕES (CATEGORIA H)” (Cfr. PA).

D.            Na sequência dessa notificação, os Requerentes apresentaram, em 12.06.2024, uma exposição à Direção de Finanças de Lisboa, alegando, em síntese, que o rendimento em causa, por ter sido pago pela NATO/OTAN, ficaria isento de tributação em sede de IRS, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF (Cfr. PA). 

E.             A exposição apresentada pelos Requerentes foi apreciada pela Direção de Finanças de Lisboa, tendo os Requerentes sido notificados, em 27/06/2024, da Decisão Final, nos seguintes termos: 

 

 

 

 

 

(Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).

F.             A Decisão Final mencionada em E., teve por base, e em suma, a fundamentação infra:

(Cfr. Documento n.º 2 junto ao PPA).

G.            Na sequência da aludida Decisão Final, os Requerentes apresentaram, em 08.08.2024, nova exposição, onde reiteraram o seu entendimento (Cfr. Documento n.º 3 junto ao PPA). 

H.            Os Requerentes não submeteram Declaração de substituição com as propostas de correções recomendadas pela AT (Cfr. PA).

I.               Neste sentido, a AT procedeu à respetiva alteração dos elementos declarados, através do preenchimento de Declaração oficiosa, o que deu origem à Nota de Liquidação de IRS n.º 2024..., relativa ao ano de 2020, no valor de €5.512,82 (cinco mil e quinhentos e doze euros e oitenta e dois cêntimos), objeto do presente pedido de pronúncia arbitral (Cfr. PA e Documento n.º 1 junto ao PPA).

J.              A Nota de Liquidação de IRS referida em I. foi notificada aos Requerentes, em 26.09.2024 (Cfr. Documento n.º 1 junto ao PPA). 

K.             Os Requerentes, pese embora discordem do entendimento da AT, procederam, em 22/10/2024, ao pagamento da Nota de Liquidação aqui sindicada, dentro do prazo previsto para o efeito (Cfr. Documento n.º 4 junto ao PPA).

L.              Em 2018, os Requerentes foram notificados das seguintes notificações/ofícios: 

 

 

 

 

A...

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A...

 

 

 

 

 

 

 

 

(Cfr. Documento n.º 5 junto ao PPA). 

M.            Os Requerentes apresentaram o PPA que deu origem ao presente processo arbitral, em 30.01.2025 (Cfr. Sistema informático do CAAD). 

III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

18.           Os factos dados como provados são aqueles que o Tribunal considera relevantes, não se considerando factualidade dada como não provada que tenha interesse para a decisão.

 

III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

19.          Ao Tribunal incumbe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão, discriminar a matéria que julga provada e declarar, se for o caso, a que considera não provada, não tendo de se pronunciar sobre todos os elementos da matéria de facto alegados pelas partes, tal como decorre dos termos conjugados do artigo 123.º, n.º 2, Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e do artigo 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT. 

20.          Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram assim selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é definida tendo em conta as várias soluções plausíveis das questões de direito para o objeto do litígio, tal como resulta do artigo 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT. 

21.          Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

22.          Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g., força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

23.          O Tribunal arbitral considera provados, com relevo para a decisão da causa, os factos acima elencados e dados como assentes, tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e, a adequada ponderação dos mesmos à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum, e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

24.          Por fim, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

 

IV. MATÉRIA DE DIREITO

IV.1 DA DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES A APRECIAR

25.          Considerando a factualidade exposta, bem como as pretensões e posições dos Requerentes e da Requerida constantes das suas peças processuais, cumpre ao Tribunal Arbitral apreciar se:

a)    É aplicável ao caso dos autos o prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos (como entendem os Requerentes), previsto no n.º 2, do artigo 45.º da LGT ou, ao invés e como considera a AT, o prazo regra de 4 anos, consagrado no n.º 1 do mesmo preceito normativo;

b)    O montante de €19.358,12 (dezanove mil e trezentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), pago pela NATO/OTAN, ao Requerente, respeitante a pensões de reforma, está isento de tributação em sede de IRS, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF.  

IV.1.1 DA CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO

26.          Alegam os Requerentes que o prazo de caducidade do direito à liquidação é de três anos, nos termos do n.º 2, do artigo 45.º, da LGT, uma vez que, no seu entender e no caso dos autos, a AT dispunha dos meios necessários a uma atempada identificação do erro da Declaração de IRS, na medida em que ele era detetável através de uma simples análise da mesma, o que justifica o encurtamento do prazo de caducidade.

27.          Por sua vez, considera a AT que tal prazo (consagrado no n.º 2, do artigo 45.º, da LGT) é inaplicável, dado que a deteção do erro obrigou à consulta de informação não contida na Declaração (ainda que em seu poder), sendo, assim, subsumível ao disposto no n.º 1, do citado artigo.

Vejamos,  

28.          Dispõe o artigo 45.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, respetivamente, o seguinte:

1 - O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.

2 - No caso de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos. (Redação da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)

29.          Recorrendo à esmagadora maioria da jurisprudência, jurisprudência essa que foi, aliás, mencionada por ambas as partes:

I – A Aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.º 1 do mesmo preceito legal, pressupõe a subsunção do caso dos autos ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”.

II – O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externamesmo quanto esta esteja em poder da administração tributáriae obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários à atempada detecção do erro”. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 24.05.2016, Processo n.º 0991/15) (sublinhado e negrito nosso).

30.          Dito isto, é inequívoco que os Requerentes não interpretaram devidamente as normas acima descritas, nem tampouco a jurisprudência sobre esta matéria, porquanto, parece claro a este Tribunal que o n.º 2, do artigo 45.º, da LGT será inaplicável nas hipóteses em que só através do cruzamento de dados e de outras informações, pode a AT detetar a ocorrência de erro ou de omissão.

31.          Ora, decorre dos autos que a deteção do alegado erro e/ou omissão exigiu aos serviços da Autoridade Tributária o desenvolvimento de uma atividade investigatória suplementar, pois, como aquela refere “(...) é a Divisão de Gestão da NATO/OTAN, nos termos dos art. 42.º do Regulamento das Pensões das Organizações Coordenadas e do art. 15.º do Regulamento de Pensões DCPS, que procede à comunicação à AT das declarações individuais das pensões e ajustes fiscais pagos aos pensionistas daquela Organização a residir em Portugal.” (Cfr. PA)

32.          Acrescentando que, “(...) foi no âmbito dessa comunicação e respetivo cruzamento da informação prestada com os dados constantes da base de dados da AT que se constatou a existência de uma situação de omissão declarativa por parte do A....” (Cfr. PA)

33.          Desta feita, é manifesto que em causa nos autos não está um erro evidenciado na declaração do sujeito passivo, mas uma omissão declarativa de rendimentos tributáveis (pois, tal como consta do documento da AT junto ao PA – “(...) relativamente a alguns daqueles contribuintes, constatam-se situações de omissão declarativa que carecem de justificação, ou, no limite, de correção oficiosa, a saber, A... ... €19.358,12 Pensões NATO” –), 

34.           a qual não se extrai de forma evidente da própria declaração do Requerente, mas, antes, através do cruzamento da informação prestada pela Divisão de Gestão da NATO/OTAN com os dados constantes da base de dados da AT.

35.          Assim, e sem necessidade de mais considerações, é aplicável o prazo de caducidade de quatro anos, consagrado no n.º 1, do artigo 45.º, da LGT, e não o de três, previsto no n.º 2, do citado preceito, o que significa, atento o probatório fixado, que, à data da notificação da liquidação (26.09.2024), não havia caducado o direito à liquidação de imposto, 

36.          pelo que improcede este segmento de fundamentação apresentado pelos Requerentes. 

 

IV.1.2 DA ISENÇÃO CONSAGRADA NO ARTIGO 37.º, N.º 1, ALÍNEA B), DO EBF

37.          A questão a analisar e a decidir nos presentes autos passa por aferir se o montante de €19.358,12 (dezanove mil e trezentos e cinquenta e oito euros e doze cêntimos), pago pela NATO/OTAN, ao Requerente, referente a pensões de reforma, está isento de tributação em sede de IRS, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF.  

38.          De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (Cfr. artigo 2.º, n.º 1, do EBF). 

39.          Do ponto de vista jurídico, e na ótica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstancia, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o beneficia fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objetiva e subjetiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artigo 12.º, n.º 1, do EBF[1] (Cfr. Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág. 75 e seg; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág. 323 e seg.).

40.          Comecemos, então, por convocar o artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do EBF, que para os autos importa, traçando os inerentes considerandos de direito reputados de relevo. 

41.          Dispõe a alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF, que:  

1 - Fica isento de IRS, nos termos do direito internacional aplicável, ou desde que haja reciprocidade:

a)    (...)

b)    O pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionais, quanto às remunerações auferidas nessa qualidade.

(...)

42.          Resulta da citada norma, que são pressupostos do aludido benefício fiscal: (i) a isenção estar prevista em direito internacional aplicável ou haver reciprocidade(ii) tratar-se de membro do quadro de pessoal ao serviço de organizações estrangeiras ou internacionaise (iii) as remunerações serem auferidas nessa qualidade.

43.          Assim, a atribuição do benefício fiscal constante do citado artigo (37.º, n.º 1, alínea b), do EBF), implica que o beneficiário da isenção seja membro do quadro de pessoal do respetivo serviço da organização estrangeira ou internacional, que a isenção resulte da aplicação de uma norma ou tratado de direito internacional ou de um princípio de reciprocidade entre Estados e que a remuneração tenha sido auferida exclusivamente no âmbito deste mencionado circunstancialismo.

44.          Ora, tendo por base o quadro normativo supra evidenciado e o recorte probatório dos autos, ter-se-á de concluir que não se encontram reunidos todos os pressupostos acima referidos para que possa ser concedida a isenção em causa. 

45.          Desde logo, porque o referido preceito legal (artigo 37.º, n.º 1, alínea b), do EBF), prescreve que se encontram isentas de IRS as remunerações auferidas por pessoas ao serviço daquelas organizações (estrangeiras ou internacionais).

46.          Deste modo, naquela que se nos afigura a melhor interpretação, o dito benefício fiscal apenas abrange os rendimentos pagos em razão do exercício efetivo de funções ou, por outras palavras, rendimentos que decorrem ou estão associados à prestação efetiva de trabalho, excluindo, por isso, os rendimentos típicos de pessoas retiradas da vida (laboral) ativa).  

47.          Em suma, trata-se de rendimentos auferidos por quem está ao serviço de tais organizações (estrangeiras e internacionais), exigindo-se, assim, que o vínculo laboral ainda persista e que a remuneração recebida seja devida a esse título.  

48.          No entanto, e como é bom de ver, o Requerente, no ano de 2020 (ano da liquidação aqui sindicada), não estava ao serviço de qualquer organização (designadamente, da NATO/OTAN), encontrando-se, sim, com o estatuto de reformado

49.          sendo o montante por si auferido relativo a pensões, as quais são devidas pela passagem à situação de reforma, situação essa diversa de quem está no ativo.

50.          Porquanto, a passagem à reforma extingue a relação jurídica laboral existente entre a entidade patronal e o trabalhador, nascendo então o direito às prestações patrimoniais denominadas pensões. 

51.          Aliás, os rendimentos auferidos pelo Requerente têm uma natureza distinta – consoante este se encontre no exercício de funções (Rendimentos da categoria Aou na qualidade de reformado (Rendimentos da categoria H) – que, como é consabido, obedecem a um regime jurídico-tributário também ele diferente.

52.          Neste sentido, consideramos que o conceito de “remunerações pressupõe sempre um pagamento/uma contrapartida pela efetiva prestação de trabalho e, por isso, não inclui as situações de reforma/aposentação.

53.          Com efeito, acompanhamos, no que a esta questão respeita, o entendimento da AT de que apesar de não existir na lei uma definição única do conceito de “remuneração”o CIRS e o Código do Trabalho (em que tal conceito é menos lato do que naquele) oferece-nos uma delimitação do mesmo

54.          que nos permite concluir (quer do artigo 2.º, do CIRS, quer dos artigos referentes à remuneração constante do Código do trabalho), que tal conceito está sempre relacionado com aquilo que o trabalhador recebe enquanto se encontra no ativo. 

55.          Já a pensão de reforma em causa nos autos implica que o Requerente não execute qualquer prestação de trabalho, encontrando-se extinto o vínculo laboral entre este e a NATO/OTAN/

56.          pelo que, estamos perante duas realidades completamente distintas e que terão, naturalmente, um tratamento fiscal diferenciado

57.          Em síntese, e como conclui a AT: “(...) enquanto o Requerente se encontrava no ativo os rendimentos pagos pela NATO eram enquadráveis na categoria A, sendo certo que os mesmos beneficiavam da isenção prevista no art. 37.º, n.º 1, do EBF. Todavia, a partir do momento em que o Requerente se aposentou, os valores pagos pela NATO têm a natureza de rendimentos de pensões e são enquadráveis na categoria H, deixando de beneficiar da isenção prevista no art. 37.º, n.º 1, do EBF.

58.          Por outro lado, é ponto assente que é a própria norma em análise que exige que a isenção esteja consagrada em instrumento de direito internacional; em suma, o benefício fiscal constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 37.º, do EBF, só exequível se existir efetivamente direito internacional que preveja a isenção consignada.

59.          Sucede que, não existe qualquer norma de direito internacional que conceda a isenção a título de IRS sobre pensões pagas pela NATO/OTAN a ex-funcionários ou pensionistas

60.          Pois, pese embora os Requentes apelem a três instrumentos jurídicos de direito internacional (Convenção de Ottawa[2] (e respetivo Acordo Suplementar – Resolução da Assembleia da República n.º 221/2019, de 7 de novembro –); Protocolo de Paris[3] e; Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia),

61.          a verdade é que tais diplomas não fornecem quaisquer elementos suscetíveis de suportar a sua tese

Vejamos, 

62.          Os Requerentes começam por chamar à colação o artigo 19.º da Convenção de Ottawa, bem como o artigo 7.º do Protocolo de Paris (cuja redação é semelhante), considerando que tais normas lhe são aplicáveis (seguindo igual raciocínio para ambas). 

63.          Contudo, os Requerentes limitaram-se a transcrever parte do artigo 19.º da dita Convenção, fazendo a interpretação que mais lhe convinha, o que resultou numa aplicação errada da norma ao caso dos autos. 

64.          Pois bem, dispõe o artigo 19.º, do referido diploma que: “Os funcionários da Organização compreendidos no artigo 17 serão isentos de impostos sobre os vencimentos e emolumentos que lhes forem pagos pela Organização na qualidade de funcionários desta. Todavia, um Estado membro e o Conselho actuando em nome da Organização, poderão concluir acordos que permitam àquele Estado recrutar e afectar à Organização os seus próprios nacionais, que devem fazer parte do pessoal internacional desta, com excepção, se esse Estado membro o desejar, de qualquer nacional que não resida habitualmente no seu território. O referido Estado membro pagará, em tal hipótese, os salários e emolumentos das pessoas em questão pelos seus próprios fundos, conforme tabela que determinará. Estes salários e emolumentos poderão ser objecto de imposto pelo Estado membro em questão, mas não poderão sê-lo por outro Estado membro. Se um acordo desta natureza, firmado por um Estado membro, for ulteriormente alterado ou denunciado, os Estados membros não poderão ser obrigados, com base na primeira cláusula deste artigo, a isentar de imposto os salários e emolumentos pagos aos seus próprios súbditos.

65.          Considera o Tribunal Arbitral que o referido preceito legal não compreende a realidade do Requerente. 

66.          Pois, por um lado, o citado artigo pertence ao Título IV, da mencionada Convenção, cujo título é “Pessoal internacional e peritos ao serviço da Organização” (e não pessoal internacional e peritos que tenham estado ao serviço da Organização);

67.          por outro lado, a própria redação da norma fala em vencimentos e emolumentos (e não em pensões de reforma ou de aposentação), pagos pela Organização a funcionários desta (e não pagos pela Organização a ex-funcionários desta ou a pensionistas) e;

68.          por fim, utiliza expressões como “recrutar e afectar à Organização os seus próprios nacionais”, o que implica, em conjunto com o restante teor da norma, que se esteja perante funcionários/trabalhadores no ativo (negrito e sublinhado nosso).

69.          Em síntese, entende o Tribunal Arbitral que a aplicação do artigo 19.º da aludida Convenção pressupõe, tal como no direito interno, um trabalhador em exercício de funções. 

70.          No que respeita à Resolução da Assembleia da República n.º 221/2019, de 7 de novembro (Acordo Suplementar à Convenção de Ottawa), designadamente, ao estipulado na alínea b), do n.º 2, do artigo 10.º: 

2 - Relativamente aos Civis Internacionais da OTAN (NICs):

a)    (...)

b)    Os NICs estão isentos de todos os impostos relativos aos salários e emolumentos que lhes sejam pagos na qualidade de Civis Internacionais da OTAN, bem como das contribuições para os regimes de segurança social e de pensões portugueses, desde que estejam abrangidos por planos de pensões e seguros de grupo da OTAN com carácter obrigatório.

(...)

 

71.          os Requerentes apenas referem que o Sujeito Passivo “(...) se enquadra ainda como NIC, isto é, como Civil Internacional da NATO, precisamente pela pensão que aufere da Organização.

72.          A definição de Civis Internacionais da OTAN (NICs) remete para o pessoal da Agência NCI (Agência para a Informação e Comunicações da OTAN, que inclui a Academia NCI – Academia para a Informação e Comunicações da OTAN –; a CSU Lisboa –  Unidade de Apoio ao Cliente da Agência NCI, que é parte integrante da Agência NCI e presta apoio descentralizado à Agência NCI e aos comandos militares da OTAN em Portugal –; o Terminal Terrestre de Satélite F12 e; quaisquer outros estabelecimentos da Agência NCI em Portugal) recrutado de entre os nacionais membros da Aliança e afeto à dita agência (Cfr. artigo 1.º, alíneas e), g), h), l), do citado diploma).

73.          Compulsados os autos, resulta somente que o Requerente trabalhou para a NATO/OTAN e, que, aos dias de hoje, aufere pensões, pagas por essa Organização, na qualidade de reformado, 

74.          ou seja, desconhece-se qual era a sua categoria profissional, quais eram as suas funções, a que “unidade/serviço” estaria afeto e, se estaria (ou não) abrangido por algum plano de pensões e seguros de grupo da OTAN com carácter obrigatório,

75.          o que o impossibilita o Tribunal, de aplicar, também, esta norma, porquanto, o Requerente não alegou, nem tampouco demonstrou que os seus pressupostos se encontram preenchidos

76.          Por último, recorreram, ainda, os Requerentes ao Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, designadamente, ao seu artigo 12.º, “(...). Os funcionários e outros agentes da União ficam isentos de impostos nacionais que incidam sobre os vencimentos, salários e emolumentos pagos pela União.”, 

77.          referindo que “por um princípio de igualdade fiscal, desde logo estabelecido no artigo 13.º e no n.º 1 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa, se os rendimentos e as pensões dos funcionários e outros agentes da União Europeia poderão estar isentos de IRS, por igualdade de circunstâncias também o deverá estar a pensão da NATO auferida pelo Impugnante.

78.          Mais uma vez, discorda-se da posição perfilhada pelos Requerentes.

79.          Porquanto, o Requerente já não é funcionário da NATO/OTAN e o Protocolo em questão aplica-se apenas às instituições, órgãos, e organismos da União Europeia – “UE” – (como membros das instituições, funcionários e agentes da UE), que nada têm a ver com a NATO/OTANque obedece a instrumentos jurídicos próprios e distintos–. 

80.          Trata-se de âmbitos/realidades manifestamente diferentes e, por isso, não há qualquer ofensa ao princípio da igualdade, que, conforme consabido, consiste em que se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e que se trate diferentemente o que for essencialmente diferente

81.          Assim, é inequívoco que não existe qualquer norma ou tratado internacional que especificamente preveja uma isenção, em sede de IRS, sobre pensões pagas pela NATO/OTAN a ex-funcionários ou pensionistas, pelo que o enquadramento factual descrito nos autos fica também, por este segmento argumentativo, excluído do benefício fiscal aqui em causa.

82.          Neste sentido, não há, ao contrário do que referem os Requerentes, qualquer violação do artigo 8.º, n. º1, da CRP– “As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português”, nem tampouco é a liquidação inconstitucional, por força desse artigo.

83.          Da mesma forma que, também, não houve qualquer ofensa ao princípio da confiança, pois, a notificação da AT, datada de 11.10.2018 – que refere: “(...) verifica-se que não foram declarados no anexo H os rendimentos de pensão pagos pela NATO no valor de €17.887,40” –, junta aos autos pelos Requerentes, fez-se acompanhar de outro documento, um ofício de 05.11.2018, do qual consta que: “Da análise efetuada aos documentos/alegações apresentados relativamente à notificação da(s) divergência(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2016 com a identificação..., informa-se que se encontram devidamente esclarecidas as questões submetidas a apreciação, pelo que se procederá de imediato ao encerramento do processo e consequente desbloqueio da sua declaração de IRS”. 

84.          Ou seja, da análise desta documentação não se consegue concluir sem margem para dúvidas que até 2020 a AT era do entendimento de que as pensões em causa estavam abrangidas pela dita isenção: se por um lado refere na notificação que aquelas deviam ser declaradas no anexo H, por outro lado, emite um ofício que parece aceitar que aqueles rendimentos não sejam aí declarados, pois, não consta dos autos que os Requerentes tenham entregue a respetiva declaração Modelo 3 de Substituição, conforme as instruções dadas pela AT (Cfr. Ponto L. dos Factos Provados), desconhecendo-se, também, como foram preenchidas as Declarações de IRS em todos os anos seguintes.

85.          Desta feita, e face a todo o exposto, falecem todos os segmentos argumentativos deduzidos pelos Requerentes, não padecendo o ato tributário de liquidação de IRS aqui sindicado de qualquer ilegalidade, devendomanter-se na ordem jurídica, o que acarreta, também, a improcedência da pretensão da devolução do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios. 

 

V. DECISÃO

Termos em que, de harmonia com o exposto, decide-se neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pelos Requerentes, mantendo na ordem jurídica o ato tributário de liquidação de IRS impugnado n.º 2024..., relativo ao ano de 2020, no valor de €5.512,82 (cinco mil e quinhentos e doze euros e oitenta e dois cêntimos), e, em consequência, absolver a Requerida do pedido. 

VI. VALOR DA CAUSA

Fixa-se ao processo o valor de €5.512,82 (cinco mil e quinhentos e doze euros e oitenta e dois cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT). 

VII. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €612,00 (seiscentos e doze euros), nos termos da tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo dos Requerentes. 

 

Lisboa, 23 de setembro de 2025

 

Susana Mercês de Carvalho

(A Árbitra)

 

 



[1] Corresponde ao atual artigo 14.º, n.º 1, do EBF. 

[2] Convenção sobre o Estatuto da Organização do Tratado do Atlântico Norte, dos Representantes Nacionais e do Pessoal Internacional, de 30 de setembro de 1951.

[3] Protocolo sobre o Estatuto dos Quartéis Generais Militares Internacionais.