SUMÁRIO
A expropriação não consta das normas de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, nem se inclui no conceito de alienação onerosa previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS. Esta posição tem sido assumida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Jorge Belchior de Campos Laires, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... (“Requerente”), contribuinte n.º ..., apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) contra o despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a liquidação de IRS de 2023, n.º 2024..., que prevê um valor a pagar de € 4.636,19.
2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).
3. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral deu entrada no dia 24/03/2025, tendo sido aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à AT.
4. Em conformidade com o disposto nos artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º, todos do RJAT, o Exmo. Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro signatário em 16/05/2025, sem oposição das partes.
5. O Tribunal Arbitral foi constituído em 03/06/2025.
6. Em 03/06/2025 a Requerida foi notificada para apresentar a resposta a que se refere o artigo 17.º do RJAT, tendo apresentado em 01/07/2025.
7. Em 10/07/2025 o Tribunal proferiu Despacho a dispensar a realização da reunião do artigo 18.º do RJAT e a notificar as partes para, querendo, apresentarem alegações escritas (simultâneas).
8. Requerente e Requerida apresentaram alegações em 10/09/2025.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 4.º e 5.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas.
3. O pedido é tempestivo, porque a decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico foi notificada por carta registada a 24/12/2024, tendo o PPA sido apresentado dentro do prazo de 90 dias.
4. Não se verificam nulidades.
III. MATÉRIA DE FACTO
a) Factos provados
Os seguintes factos foram dados como provados:
1. No dia 11/08/2023 o Requerente outorgou escritura pública de expropriação da parcela de terreno rústico, sito no ..., em ..., Concelho de Gondomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob o número ...-..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ... da União de freguesias de ... e ... (cfr documento n.º 1 junto com o PPA).
2. A expropriação aconteceu na sequência da declaração de utilidade pública, com carácter de urgência e tomada de posse administrativa da dita parcela a 07/12/2022, por parte da Câmara Municipal de Gondomar, para construção do percurso de ligação ao “interface” do metro e parque de estacionamento (facto alegado pelo Requerente e não contestado pela Requerida).
3. Foi paga ao Requerente, como indemnização pela expropriação, o valor de € 36.549,84 (cfr. documento n.º 1 junto com o PPA).
4. Na declaração de IRS de 2023, o Requerente declarou no anexo G o valor recebido a título de indemnização por expropriação como uma mais-valia sujeita a tributação (cf. alegado pelo Requerente e que se alcança do Processo Administrativo).
5. Nessa sequência, foi emitida nota de liquidação de IRS com um valor total a pagar de 4.636,19 € (cfr. nota de liquidação junta com o PPA).
6. O Requerente, por não concordar que tal expropriação fosse tributável como mais-valia, reclamou graciosamente, e na sequência do indeferimento, apresentou recurso hierárquico, o qual foi igualmente indeferido por despacho proferido pela Diretora de Finanças Adjunta da Direção de Finanças do Porto, com data de 24/12/2024 (cfr. Processo Administrativo).
7. A liquidação do IRS nº 2024..., no valor de 4.636,19 €, foi paga em execução fiscal, no âmbito do processo ...2024..., tendo ficado extinto em 15/03/2025 (facto confirmado pela Requerida, em resposta a questão colocada por este tribunal).
b) Factos não provados
Não se verificam factos dados como não provados.
IV. MATÉRIA DE DIREITO
A) Posição das partes
Posição do Requerente
A posição do Requerente pode ser resumida da seguinte forma (texto elaborado maioritariamente com base em citações do PPA):
1. Importa discorrer sobre o conceito de venda e o conceito de indemnização: a venda ou alienação onerosa, pressupõe a transferência da posse ou do direito sobre, in casu, o prédio rústico, mediante o pagamento de um preço livremente estipulado pelo vendedor; por indemnização, entendemos que é a reparação de um prejuízo de uma pessoa, in casu, em razão da violação de um direito absoluto.
2. O normativo ínsito no artigo 10 n.º 1, a), do CIRS, corresponde a atos de gestão patrimonial privados, levados a cabo pelo sujeito passivo, com um carácter ocasional ou fortuito; não implicam a imposição de um valor, como sucede na expropriação, onde o proprietário não é livre para optar por transmitir a outra pessoa, porque não concorda com o valor que a entidade expropriante pretende pagar; por tal facto, não estamos perante uma alienação onerosa, posto que o proprietário não tem poder de negociação.
3. O referido normativo determina uma incidência seletiva, bastante restrita, que, em obediência ao princípio da legalidade, não admite uma interpretação extensiva.
4. Diversa jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (STA) e deste tribunal arbitral sustentam a posição.
5. Estamos perante uma aquisição originária a favor da entidade expropriante e não uma aquisição derivada translativa, ou seja uma compra e venda.
6. A liquidação do IRS referente ao ano de 2023 é ilegal na parte que tributa o montante recebido pelo Impugnante a título de indemnização pela expropriação da parcela de terreno rústico acima identificada, tributando-a em sede de mais-valias.
7. O valor tributado ascendeu ao montante de € 4.636,19, quando o valor que seria devido em sede de IRS ascenderia, sem a tributação da indemnização, ao montante de € 1.234,24, resultando que o valor de € 3.401,94 foi indevidamente liquidado;
Posição da Requerida
A posição da Requerida pode ser resumida da seguinte (texto elaborado maioritariamente com base em citações da Resposta):
8. A Autoridade Tributária tem o entendimento de que tal situação tem enquadramento legal no disposto no artigo 10º, n.º 1, alínea a) do Código do IRS e, por conseguinte, os ganhos terão de ser tributados em conformidade.
9. Dispõe o nº 1 do artigo 11º da LGT, preceito relativo à matéria de interpretação das normas tributárias que: “1 – Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis.”.
10. Ora, um dos mais básicos princípios de interpretação é aquele que nos diz que nenhuma
norma deve ser interpretada isoladamente. Assim, na determinação do sentido da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS, convoca-se a alínea b) do nº 1 do artigo 44º do mesmo diploma legal, que estatui: “1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (…) b) No caso de expropriação, o valor de realização. Por conseguinte, a tributação de mais-valias decorrentes de expropriações de bens imóveis foi expressamente prevista pelo legislador.
11. Sendo questionável a técnica legislativa utilizada, não deixa de ser clara a conclusão de deverem ser tributadas as mais-valias geradas pelo pagamento de indemnizações determinadas por expropriações.
12. Além disso, a regra 17ª do nº 4 do artigo 12º do Código do Imposto Municipal sobre as
Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) vem estatuir que, para efeitos de IMT, o valor tributável dos bens expropriados por utilidade pública é o montante da indemnização. Já a parte final do parágrafo 1º do artigo 19º do Código do Imposto Municipal da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações (CIMSISSD), vigente à data da entrada em vigor do CIRS, cominava que o valor dos bens expropriados por utilidade pública para efeitos de sisa seria o montante da indemnização, salvo se esta tivesse sido estabelecida por acordo ou transação. Todavia, as expropriações não eram expressamente mencionadas nos artigos 2º e 8º do CIMSISSD (relativos à incidência da sisa), tal como ainda hoje não o são no artigo 2º - relativo à incidência do IMT - do CIMT (que sucedeu ao CIMSISSD), o que só tem uma explicação possível, isto é, que o legislador entendeu que as expropriações se subsumiam à regra geral constante quer do artigo 2º do CIMSISSD, quer do nº 1 do artigo 2º do CIMT, segundo os quais a sisa ou, respetivamente, o IMT “incide sobre as transmissões a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.”
13. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Atendendo ao elemento sistemático, não pode deixar de se considerar que a consideração das expropriações como transmissões onerosas para efeitos de IMT não pode deixar de revestir idêntica natureza para efeitos de IRS. Também o elemento histórico aponta no mesmo sentido. Veja-se a esse propósito que no CIMSISSD a referência à expropriação surgia só no capítulo dedicado à determinação da matéria coletável. No CIRS, entrado em vigor em 01-01-1989, tal referência, surge, igualmente, em capítulo assim epigrafado. E, por fim, no CIMT – entrado em vigor em 01-01-2004 – essa referência surge também no capítulo intitulado “determinação do valor tributável”.
14. Revestindo a natureza de transmissão onerosa, a expropriação está abrangida pela norma de incidência relativa a mais-valias constante do Código do IRS.
Apreciação
15. No presente processo está em causa saber se o valor recebido pelo Requerente a título de indemnização por expropriação deve ser incluído no âmbito de incidência de IRS, concretamente, saber se deve ser tributado enquanto mais-valias referentes à alienação onerosa de imóveis.
16. A redação do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, dispõe que “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis”.
17. A Requerente defende que a expropriação não se integra no conceito de alienação onerosa; a Requerida, ao contrário, considera que os valores recebidos a título de indemnização estão abrangidos pelo conceito, ou seja, venda e expropriação devem ter equivalente tratamento em sede de IRS.
18. Nesta matéria pronunciou-se o STA no processo n.º 0813/16.1, de 07/04/2021, citando-se abaixo a respetiva fundamentação:
“No domínio do Cód. De Imp. de Mais-Valias, o S.T.A. considerou que “os ganhos eventualmente obtidos mercê de expropriação de terrenos para construção não são passíveis de tributação em imposto de mais-valia, em virtude de a respetiva relação jurídica não ser subsumível ao conceito de transmissão onerosa a que se referia o n. 1 do art.1 do Cod.Imp.Mais-Valias”.
(…)
Na doutrina a definição clássica de expropriação por utilidade pública dada por Marcello Caetano já reproduzida na sentença recorrida – e assim também em Manual de direito administrativo vol. II, 10.ª ed. Almedina, p. 1020 -, aponta para se trata de uma forma de aquisição originária que extingue ou modifica o direito subjetivo transmitido.
Diogo Freitas do Amaral tinha participado no dito Manual veio a incluir a dita expropriação nos “actos impositivos”, da espécie de “atos ablativos” – cfr., Curso de Direito Administrativo, Vol. II, ed. Almedina, 2002, pág. 255.
Na sentença recorrida cita-se ainda a noção de Menezes Cordeiro reproduzida por Santos Justo em Direitos Reais, p. 233, Menezes Cordeiro, e J. E. Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, em Noções Fundamentais do Direito Administrativo, 2.ª Ed., p. 349, autores que defendem expressamente que aquela expropriação “não configura uma transmissão / alienação onerosa de direitos reais sobre o imóvel”.
Aliás, a generalidade da doutrina passou a associar o conceito de expropriação por utilidade pública ao de indemnização, de acordo com o previsto no art. 1310.º do Código Civil - que se referia a expropriação por utilidade pública e a privada - e mais concretamente a “justa indemnização”, conforme previsto no art. 62.º, n.º 2, da C.R.P.”
(…)
A “justa indemnização” veio a obter expressão no Código das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, objeto entretanto de várias alterações), de acordo com os critérios de valor legal de mercado – não totalmente coincidentes com o valor de mercado -, e ainda em vários outros diplomas, como a Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo (Lei nº 48/98 de 11 de agosto, com alterações) e o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (Dec.-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro).
Várias indemnizações foram incluídas no art. 9.º n.º1 do C.I.R.S. – assim, na sua alínea b), na redação dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, no que respeita às que visem a reparação de danos não patrimoniais e por lucros cessantes; e na alínea e), na redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, para vigorar desde 1-1-2015, quanto à renúncia onerosa a posições contratuais ou a outros contratos relativos a bens imóveis.
Contudo, nada veio a ser previsto no que respeita à indemnização paga por “expropriação por utilidade pública”.
Tal não pode deixar de relevar quanto à intenção do legislador a respeito da não incidência em sede de I.R.S..
Acresce que do disposto no art. 4.º n.º2, g), da Lei n.º 106/88, de 17 de setembro, que autorizou o Governo a aprovar o Código do IRS, se previu quanto a “mais-valias - os ganhos resultantes de transmissão onerosa de bens imóveis ou de partes sociais e outros valores mobiliários, da cessão do arrendamento e de outros direitos e bens afetos, de modo duradouro, ao exercício de atividades profissionais independentes, da transmissão onerosa da propriedade intelectual ou industrial ou de experiência adquirida no sector comercial, industrial ou científico, quando o transmitente não for o seu titular originário”.
Tal levou a doutrina desde logo a assinalar que “o sentido da lei de autorização em análise (…) continua a revelar-se essencial que se trate de uma transmissão onerosa, em termos absolutamente idênticos aos apontados pela nossa doutrina e jurisprudência relativamente ao citado artigo 1.º, n.º 1, § 1.º do CIMV.”- assim, José Osvaldo Gomes assinalava em 1997, em Expropriações por Utilidade Pública, ed. Texto Editora.
É certo que o Tribunal Constitucional já considerou no acórdão n.º 422/2004 ser admissível o entendimento que o recorrente defende a respeito do art. 10.º n.º1, a), do Código do I.R.S..
Contudo, fê-lo como “obter dictum” e à luz do princípio da igualdade, a respeito do objeto do que se encontrava em apreciação - se a norma do artigo 23.º, n.º 4, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, violava ou não o disposto nos artigos 13.º e 62.º, n.º 2, da Constituição.
“A lei de autorização legislativa tem de definir com precisão o sentido da autorização”, conforme Jorge Miranda refere em Manual de Direito Constitucional, tomo V, 2.ª ed., 2000, Coimbra Ed., pág. 315, citando a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a qual tem considerado que o “o sentido é o limite interno da autorização legislativa”.
Assim sendo, também por isso não é possível acolher o entendimento que se defende no recurso interposto que redundaria em inconstitucionalidade orgânica.
Ainda que na determinação dos ganhos sujeitos a mais-valias se tenha vindo a prever que no valor de realização se inclui “no caso de expropriação, o valor da indemnização” tal como consta na alínea b) do n.º 1 do art. 44.º do Código do I.R.S. -, tal não pode, pois, referir-se a esse tipo de expropriação.
Enfim, esta norma é relativa à determinação da matéria coletável que não à incidência, pelo que a sua aplicação não respeitaria ainda o princípio da tipicidade, conforme consta ainda da sentença recorrida.
Concluímos, pois, que não se verifica o erro que é imputado à sentença recorrida a respeita da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Código do IRS, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do dito Código do I.R.S.
19. O transcrito Acórdão adota, com a extensa e douta fundamentação que se vê, a posição defendida pelo Requerente, ou seja, de que a expropriação não se inclui no conceito de alienação onerosa previsto no artigo 10.º, n.º 1, a), do Código do IRS. A conclusão é que a expropriação não se encontra prevista na norma de incidência, pelo que eventuais ganhos derivados da indemnização recebida não se encontram sujeitos a tributação em sede de IRS.
20. Afasta a tese aqui também defendida pela Requerida de que, na determinação do sentido da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do Código do IRS, se deve convocar a alínea b) do nº 1 do artigo 44º do mesmo diploma, que estatui: “1 – Para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização: (…) b) No caso de expropriação, o valor de realização”. Considera o STA que dessa norma de determinação da matéria tributável não se pode extrair uma norma de incidência, estando a tributação sujeita ao princípio da tipicidade.
21. Noutro ângulo, e conforme alerta o referido Acórdão, o Código do IRS acolheu a tributação de diversos tipos de indemnização no seu artigo 9.º, logo essa norma seria a sede própria para acolher a tributação de indemnizações resultantes de expropriações, mas não foi essa a opção do legislador, deixando eventuais rendimentos resultantes de expropriação fora da incidência do IRS.
22. Esta jurisprudência foi reafirmada pelo STA no processo n.º 0280/16.0, de13/12/2023, cujo sumário se transcreve:
I - A expropriação por utilidade pública é uma forma de aquisição originária.
II - Assim, não é subsumível ao conceito de transmissão, relevante para efeitos do artigo 10.° do
Código do IRS em virtude de a sua tipicidade evidenciar o carácter seletivo da tributação das mais-valias, dando o elenco exaustivo ou taxativo dos factos geradores de imposto, não sendo tributáveis
outras mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste normativo.
III - Dessa norma de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, não consta a
indemnização por expropriação de utilidade pública, nem a expropriação pode ser reconduzida à
alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevista na alínea a) do n.° 1, do artigo 10.° do
Código do IRS, nem na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.o do mesmo código, pois tal redundaria em
inconstitucionalidade orgânica, para além de que violaria o princípio da tipicidade.
23. Finalmente, não obstante a Requerida ter convocado a tributação em sede de IMT como auxiliar interpretativo, que, na sua visão, seria relevante para uma análise integrada do sistema fiscal, entende-se não ser de extrair consequências em sede de impostos sobre o rendimento de uma norma que visa tributar a transferência de imóveis, e que, ainda para mais, se trata de um imposto que constitui um encargo do adquirente e não do “alienante” (o IMT é por regra devido pelo adquirente), de onde a sua utilização hermenêutica se revela desadequada.
24. Deve, assim, julgar-se procedente o pedido da Requerente de anulação parcial da liquidação de IRS em disputa, na parte em que inclui a tributação da expropriação.
Pedido de juros indemnizatórios
25. O Requerente peticiona, juntamente com o reembolso da quantia paga em excesso, que lhe sejam pagos igualmente juros indemnizatórios, contados desde a data em que foi efetuada a cobrança coerciva.
26. Efetivamente, prevê o artigo 43.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Pedido de reembolso dos juros e custas do processo executivo
27. O Requerente pede ainda que o Tribunal ordene o reembolso dos valores de juros e de custas, nos montantes, respetivamente, de € 66,52 e € 77,07, os quais foram cobrados no âmbito do processo executivo instaurado.
28. Todavia, a competência deste Tribunal Arbitral, que lhe é atribuída pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, está limitada à apreciação das pretensões que relativas (i) à declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta e (ii) à declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais.
29. Não cabe assim na competência do Tribunal a apreciação da pretensão do Requerente de que lhe sejam reembolsados os juros e custas cobradas no âmbito do processo executivo, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância quanto a este pedido.
V. DECISÃO
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide:
a) Julgar o pedido de pronúncia arbitral procedente e em consequência ser anulada parcialmente a liquidação de IRS de 2023, n.º 2024..., na parte em litígio, devendo o Requerente ser reembolsado do valor pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento pelo Requerente do valor em excesso até ao reembolso integral.
b) Absolver a Requerida da instância no que se refere ao pedido de reembolso de juros e custas cobradas no âmbito do processo executivo.
VI. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 4.636,19, que é o valor da liquidação em litígio e não o valor de € 5.000 indicado pelo Requerente, não tendo, porém, tal diferença impacto nas custas devidas.
VII. CUSTAS
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 612,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente por decaimento.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de setembro de 2025
O árbitro,
Jorge Belchior de Campos Laires