Sumário:
I - O recurso à impugnação judicial, de que o processo arbitral tributário constitui um meio alternativo, ou à acção administrativa especial depende de o conteúdo do acto impugnado, respectivamente, comportar ou não a apreciação da legalidade do acto de liquidação.
II- A rejeição liminar de um pedido de revisão oficiosa, por não se verificar erro imputável aos serviços, não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, não sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial, ou o pedido de pronúncia arbitral.
DECISÃO ARBITRAL
Os Árbitros Senhora Conselheira Fernanda Maçãs, Prof. Doutor Gustavo Gramaxo Rozeira, e Dra. Maria da Graça Martins, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, acordam no seguinte:
I – RELATÓRIO
A sociedade A..., S.A., Pessoa Coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Porto, (doravante designada “Requerente”), notificada que foi do despacho do Senhor Director da Unidade dos Grandes Contribuintes, com sede na Rua ... n.º ..., Lisboa, no sentido do indeferimento do procedimento de Revisão Oficiosa do Ato Tributário n.º ...2024... veio, a 19.11.2024, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral, com vista a submeter à apreciação do Tribunal Arbitral: (i) a legalidade do indeferimento da referida Revisão Oficiosa do Ato Tributário incidente sobre as liquidações de Imposto do Selo relativas ao período compreendido entre Fevereiro de 2020 e Dezembro de 2021, e bem assim, (ii) e a legalidade de tais liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 66.671,47 (sessenta e seis mil, seiscentos e setenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD a 20.11.2024 e automaticamente notificado à AT.
Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído no dia 28.01.2025.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou a sua resposta a 05.03.2025, alegando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com fundamento na excepção de inimpugnabilidade dos actos de autoliquidação, tendo junto aos autos o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 08.03.2025, este Tribunal notificou a Requerente para exercer, no prazo de dez dias, contraditório em matéria de excepção, o que fez a 14.03.2025.
Não havendo lugar a produção de prova constituenda e tendo sido exercido por escrito contraditório em matéria de excepção, o Tribunal dispensou a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT a 16.03.2025. ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo e da celeridade, simplificação e informalidade processuais (cf. artigos 16.º, alínea c), e 29.º, n.º 2, do RJAT).
As partes foram ainda notificadas para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do despacho, sendo que se concedeu à Requerida a faculdade de, caso assim o entenda, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo. No mesmo prazo deverá ser processado o pagamento da taxa de arbitragem subsequente.
Em 02.05.2025, a Requerente apresentou as suas alegações.
i. A Posição da Requerente:
a. A Requerente defende que o Imposto do Selo por si suportado não se mostrava legalmente devido, com fundamento na proibição expressa de tributação indireta sobre as operações de reuniões de capitais constante do artigo 5.º, n.º 2, alínea b) da Diretiva de Reunião de Capitais, a qual, tal como anteriormente referido, restringe a aplicação do disposto na verba 17.3.4 da TGIS.
b. Não podendo conformar-se, a Requerente submeteu à AT o pedido de revisão oficiosa do ato tributário, o qual, tendo sido tramitado na UGC sob o n.º ...2024..., veio a findar, por indeferimento expresso, através do despacho também aqui impugnado, relativamente ao qual a Requerente apresentou o PPA, através do qual,
c. Sustenta que (…) tanto os actos tributários em causa nos autos, como a decisão administrativa que sobre eles incidiu, não podem subsistir no ordenamento jurídico, pois que não só resultam de uma interpretação claramente contra legem do Direito aplicável, como resultam, igualmente, da inobservância de princípios fundamentais de tributação e de procedimento tributário.
(…) Conforme ressuma do procedimento e, mais concretamente, da decisão administrativa que constitui o objeto imediato do processo arbitral, a AT decidiu pela rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa do ato tributário – o que fez no pressuposto de que os atos tributários que constituem o objeto mediato do pedido arbitral não foram emitidos por erro imputável aos Serviços da AT.
De igual modo,
resulta dos autos que a Requerente levou ao conhecimento da AT um conjunto de atos tributários, para efeito da sindicância da sua legalidade à luz de norma material de valor hierárquico reforçado face ao normativo nacional.
Deste modo, pese embora a AT tenha suscitado um obstáculo formal à tramitação do procedimento tendente à apreciação da legalidade do ato tributário, nos sobreditos termos, nada obsta a que na presente instância arbitral seja conhecida tal legalidade – a exemplo do que sucederia através de impugnação judicial.
Efetivamente, resulta da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que «A Impugnação Judicial é o meio processual adequado quando se pretende discutir a legalidade da liquidação, ainda que seja interposta na sequência do indeferimento do meio gracioso e independentemente dos fundamentos (formais ou de mérito) que a sustentem, desde que na Impugnação Judicial essa ampla pretensão seja requerida, ou seja, desde que tal pedido seja formulado ao Tribunal»[1].
Vai no mesmo sentido a recente jurisprudência arbitral[2]: «O tribunal arbitral é competente para conhecer do pedido de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação de imposto do selo, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea d), do CPPT, independentemente de o pedido de revisão oficiosa contra eles deduzido ter sido objecto de rejeição liminar por intempestividade.».
Destarte, conforme ali se concluiu, e bem, considerando o objecto mediato e imediato dos presentes autos arbitrais e a formulação, adiante, de pedido expresso de conhecimento de mérito de ambos, tal pretensão é plenamente conforme e idónea ao meio processual de Impugnação Judicial e, por consequência, de pedido de constituição de tribunal arbitral.
b. Quanto aos pressupostos da revisão oficiosa do acto tributário
Nos termos do disposto no artigo 78.º da LGT, “A revisão dos atos tributários pela entidade que os praticou pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.”.
Assim, e no que concerne ao prazo de revisão oficiosa, resulta deste preceito legal que a mesma pode ter lugar quando o sujeito passivo a solicite dentro do prazo fixado para a reclamação administrativa[3].
Porém, e não obstante o decurso desse prazo, o autor do ato pode ainda, por sua iniciativa, rever o respetivo ato tributário dentro do prazo de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços.(…)
d. A Autoridade Tributária apresentou a sua resposta, juntamente com processo administrativo, pugnando pela improcedência do PPA em virtude da intempestividade do pedido de revisão oficiosa.
ii. A posição da Requerida:
O pedido de Revisão Oficiosa foi liminarmente rejeitado por ter sido apresentado extemporaneamente, sendo que não poderia equiparado à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º/1 do CPPT, sendo por isso forçoso concluir pela inimpugnabilidade dos atos autoliquidação em crise por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto:
6.
“(…)
A Requerente apresentou a revisão oficiosa, em 01-08-2024, via CTT, na Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), ao qual foi atribuída a entrada n.º ...-E/DJT/2024 de 05.08.2024.
7.
Dado que os atos tributários de Imposto do Selo, referentes à verba 17.3.4. da TGIS, ora contestados, foram emitidos entre fevereiro de 2020 anovembro de 2021, considerou o despacho ora impugnado ser o PRO intempestivo “atendendo a que se refere a atos tributários de liquidação de IS, praticados a partir (inclusive) do dia 31 de março de 2016, situação que não preenche os pressupostos contidos na 2.' parte e 1.' parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.”
8.
Como se sabe, estão excluídas da jurisdição do CAAD as pretensões relativas à ilegalidade de autoliquidações que não tenham sidoprecedidas de recurso à via administrativa [artigo 2.º/1-da Portaria 112-A/2011, de 22 de março].
9.
Neste conspecto, não é aplicável a doutrina segundo a qual este Tribunal Arbitral sempre teria competência para apreciar a legalidade dos atos de (auto)liquidação, porquanto esta havia sido precedida de um Pedido de Revisão Oficiosa, equiparando o PRO ao procedimento de Reclamação Graciosa, para efeitos de verificação do cumprimento do ónus de reclamação necessária previsto no artigo 131.º do CPPT.
10.
Sucede que tal doutrina pressupõe que no PRO a AT se tenha pronunciado quanto à legalidade da autoliquidação. O que não se verificou nesteprocesso porque o PRO foi liminarmente indeferido com fundamento em extemporaneidade do pedido.
11.
Não se podendo considerar dessa forma cumprido o ónus de reclamação prévia necessária.
12.
Repare-se que este caso não é diferente do de um sujeito passivo que deduza reclamação graciosa contra autoliquidação e tal reclamação graciosa seja indeferida liminarmente por incompetência ou extemporaneidade. Nessa situação, não há qualquer dúvida de que o sujeito passivo apenas poderá impugnar aquela autoliquidação depois de discutir, em sede de ação administrativa, a verificação em concreto dos pressupostos da reclamação graciosa, designadamente de que o serviço era competente para decidi-la ou que a mesma era tempestiva.
13.
O mesmo se verifica no caso presente caso, em que o pedido de revisão oficiosa foi liminarmente indeferido, não tendo o CAAD competência para analisar da legalidade dos fundamentos invocados pela AT na decisão de indeferimento liminar.
14.
Neste caso, tal como no exemplo da reclamação graciosa intempestiva, não se tem por verificado o ónus de reclamação necessária, o que tornaos atos de autoliquidação inimpugnáveis, retirando- os outrossim do âmbito de competências do Tribunal Arbitral, por via do artigo 2.º/1-a) daPortaria 112-A/2011, de 22 de março.
15.
De resto, não é despiciendo notar que o PRO em apreço foi apresentado muito depois do prazo de dois anos previsto para a reclamação administrativa.
16.
Ou seja, à data da apresentação do PRO já, há muito, se encontravam consolidadas na ordem jurídica as autoliquidações em apreço, não mais sendo passível a sua discussão na presente instância, sob pena de fraude à lei, pois ‘tempus regit actum’.
(…)
- A requerida suscita ainda a incompetência do Tribunal Arbitral nos seguintes termos:
20.
“(…) Salvo melhor opinião em contrário, quer o pedido de pronúncia arbitral, quer consequentemente o Tribunal Arbitral são, respetivamente,inidóneos e incompetentes quanto à pretensa ilegalidade da decisão de indeferimento liminar do PRO, conforme se passará a demonstrar de seguida.
21.
Contrariamente ao alegado pela Requerente, a Requerida concluiu não estarem preenchidos os requisitos de que dependia a apreciação de mérito do PRO, designadamente o facto de o PRO ser intempestivo.
22.
Ao decidir como decidiu, a Requerida não apreciou o mérito das controvertidas autoliquidações.
23.
Na realidade, a Requerida limitou-se a aferir dos pressupostos do PRO (condição prévia para a subsequente análise do mérito do pedido),tendo concluído que o requisito da tempestividade não se encontrava preenchido.
24.
Consequentemente, o indeferimento liminar do PRO constitui um ato administrativo em matéria tributária (porquanto tal decisão nãoapreciou ou discutiu a legalidade de um ato de liquidação), e não um ato tributário.
25.
Nessa medida, somente a Ação Administrativa constitui o meio processual adequado para impugnar a decisão de rejeição liminar subjudice, conforme decorre do artigo 97.º/1-p) do CPPT.
26.
E não o Pedido de Pronúncia Arbitral, pois que este constitui um dos meios de reação destinados a apreciar atos tributários (artigo 2.º/1 do RJAT).
27.
Tal como a este propósito refere Jorge Lopes de Sousa,
«(…) No que concerne aos atos proferidos em processo de revisão oficiosa (…) a impugnação judicial só será o meio processual adequadoquando o ato a impugnar contiver efectivamente a apreciação da legalidade do ato de liquidação»
28.
Acrescentando o mesmo autor noutro ponto da sua obra que:
«(…) A acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação.
Deste artigo [artigo 97.º, do CPPT] resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação o meio adequado é o processo de impugnação.»
29.
A impropriedade do meio processual consubstancia uma exceção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolviçãoda instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 577.º e 278.º/1 ambos do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi do artigo 29.º/1-e) do RJAT.
30.
Em decorrência direta do que se acaba de afirmar, importa igualmente suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei.
31.
Com efeito, a competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no artigo
2.º/11 do RJAT, a saber:
«a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
a)A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação dequalquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais.»
32.
À luz daquele artigo resulta claramente que se encontra fora da jurisdição da arbitragem tributária a apreciação de quaisquer questões referentes à apreciação da legalidade de atos em matéria tributário, sob pena de violação da lei.
- Neste contexto, segundo alega a Requerida, a jurisprudência arbitral tem se orientado dessa maneira, conforme exemplificam o processo n.º 210/2013-TCAAD e o processo n.º 81/2022-T.
II- FUNDAMENTAÇÃO
II-1- MATÉRIA DE FACTO
§1.º Dos factos dados como provados:
- A Requerente é uma sociedade comercial, constituída sob a forma de sociedade anónima de acordo com as Leis da República Portuguesa – e, como tal, equiparada a uma sociedade de capitais, abrangida pela Diretiva de Reunião de Capitais.
- O objeto social da Requerente compreende, essencialmente, a importação, exportação, comércio e distribuição de veículos automóveis pesados e ligeiros, bem como peças e componentes para os mesmos, e respetiva prestação de serviços de reparação e de assistência técnica, comércio e aluguer de equipamentos e máquinas para obras e construção, máquinas agrícolas, motores marítimos, geradores e equipamentos industriais e de acessórios, bem como peças inerentes a esses equipamentos, e viaturas e respetiva prestação de serviços de reparação e assistência técnica, comércio de aluguer de viaturas de passageiros e de mercadorias sem condutor e, bem assim, a prestação de serviços de gestão e consultoria, de administração e gestão e de formação e desenvolvimento profissional, gestão e compra, designadamente para revenda, assim como a venda e a locação de prédios e a gestão de imóveis próprios e, também, a prestação de serviços e comercialização de produtos conexos com todas as atividades mencionadas.
- No âmbito da atividade que prossegue, nos anos de 2020 e 2021, a Requerente participou em operações de emissãode valores mobiliários sob a forma de títulos negociáveis, nomeadamente papel comercial.
- Para o efeito, a Requerente socorreu-se de diversas instituições de crédito – nomeadamente, o Banco Comercial Português S.A., Banco BPI S.A., Caixa-Banco de Investimento S.A., Caixa Geral de Depósitos S.A., Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária S.A., Banco Bic Português S.A. e Banco Santander Totta S.A., as quais, devidamente habilitadas para o efeito, lhe prestaram serviços que compreenderam, no essencial, a obrigação de envidar os melhores esforços de modo a organizar e montar o programa de emissões de papel comercial nos termos por si aprovados.
- As referidas entidades ficaram contratualmente investidas no dever de assegurar, designadamente, a elaboração e preparação da documentação necessária para a concretização do programa, a colocação e garantia de colocação dos valores mobiliários representativos de cada uma das emissões, o registo de cada uma das emissões de papel comercial em conta aberta em nome da empresa, bem como o registo dos valores mobiliários representativos de cada emissão em nome dos respetivos titulares, o reembolso dos valores mobiliários representativos de cada emissão, assim como o pagamento dos respetivos juros, entre outros serviços.
- Tudo o sobredito foi efetuado nos termos e dentro dos prazos previamente acordados com a Requerente e em vista da obtenção por parte desta, junto do mercado de capitais, de meios financeiros destinados à sua atividade.
- Pela prestação dos referidos serviços de organização e execução do programa de emissões de papel comercial e demais operações conexas, as instituições de crédito debitaram à Requerente comissões sobre as quais foi autoliquidado e entregue ao Estado Português o Imposto do Selo correspondente, calculado à taxa de 4%, nos termos previstos na verba 17.3.4 da TGIS.
- Deste modo, as mencionadas instituições de crédito autoliquidaram e entregaram nos cofres do Estado o Imposto do Selo incidente sobre as operações em apreço, relativo ao período compreendido entre Fevereiro de 2020 e Novembro de 2021, tal como resulta explanado nos quadros infra, com suporte nas respetivas faturas.

- Deste modo, verifica-se que as quantias pagas pelas referidas comissões, cobradas na sequência das mencionadas operações, compreenderam, por força da repercussão efetuada pelas instituições de crédito, os montantes suportados a título de Imposto do Selo, calculado à taxa de 4%, ascendendo o encargo tributário ao montante global de € 66.671,47 - o qual foi integralmente suportado pela Requerente
§2.º Dos factos dados como não provados
- Com relevo para a decisão não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
§3.º Da fundamentação da matéria de facto
- Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o disposto nos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT e 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e Ex), do RJAT.
- Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cf. o artigo 596.º do CPC).
No que se refere aos factos provados e não provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e na posição assumida por ambas as Partes, em relação aos factos essenciais, sendo as questões controvertidas estritamente de Direito.
II-2- DO DIREITO
§1.º Apreciação das questões decidendas
Conforme anteriormente referido, a Requerente submeteu à apreciação do Tribunal Arbitral:
(i) a legalidade do indeferimento da referida Revisão Oficiosa do Ato Tributário incidente sobre as liquidações de Imposto do Selo relativas ao período compreendido entre Fevereiro de 2020 e Dezembro de 2021, e bem assim,
(ii) (ii) e a legalidade de tais liquidações de Imposto do Selo, no montante total de € 66.671,47 (sessenta e seis mil, seiscentos e setenta e um euros e quarenta e sete cêntimos).
Tendo sido suscitada matéria de excepção pela Requerida suseceptivel de obstar ao conhecimento do mérito da causa, comecemos por nos pronunciarmos sobre as mesmas.
§2.º Matéria de exceção: incompetência do tribunal arbitral e inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação (caducidade do direito de ação)
Na resposta, a Requerida invoca desde logo a excepção dilatória de incompetência do tribunal arbitral. O fundamento assenta no facto de o pedido de pronúncia arbitral ter por objecto imediato a decisão de indeferimento, em rigor “rejeição”, da revisão oficiosa, na qual não terá sido apreciada a legalidade do acto de (auto)liquidação que lhe subjaz.
A jurisdição dos tribunais arbitrais abarca todos os actos susceptíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objecto a tipologia de actos elencados no referido artigo 2.º do RJAT:«declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», bem como à «declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais».
Para a aferição da competência do tribunal arbitral, é necessário determinar se este é passível de ser decidido num tribunal judicial em sede processo de impugnação judicial.
Em sede de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação, impõe a lei que o seu escrutínio possa ser suscitado no prazo de 2 anos previsto no artigo 131.º da LGT, e não o prazo de 4 anos conforme estabelece o artigo 78.º da LGT.
In casu, constata-se que o acto imediato do PPA tem como objecto, em parte, a alegada ilegalidade do acto de “indeferimento do pedido de revisão oficiosa” apresentado nos termos do artigo 78.º da LGT .
A AT considera que a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, corresponde a um acto de rejeição liminar do aludido pedido e, que como tal, não poderia sequer contemplar a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação nos presentes autos, objecto mediato do PPA.
No caso sub judice, está documentalmente provado que a decisão da AT relativa ao pedido de revisão oficiosa não encerra qualquer análise sobre a legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto do Selo contestados.
Com efeito, a fundamentação vertida no despacho de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa assenta, exclusivamente, na intempestividade do mesmo .
Toda a prova documental, incluindo o PA remetido pela AT, permite concluir que o acto de rejeição do pedido de revisão oficiosa não comportou a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação do Imposto do Selo.
Acresce que se constata que a Requerente apresentou o pedido de revisão oficiosa dos actos de autoliquidação para além do prazo de 2 anos estabelecido no artigo 131º do CPPT, com fundamento “em desconformidade com a legislação fiscal em vigor”.
Ao ter observado um prazo diferente, o pedido de revisão oficiosa tem-se por intempestivo, visto que foi apresentado fora do prazo estipulado dos 2 anos.
Ou seja, à data da apresentação do PRO já, há muito, se encontravam consolidadas na ordem jurídica as autoliquidações em apreço, não mais sendo passível a sua discussão na presente instância, sob pena de fraude à lei, pois ‘tempus regit actum’.
Como tal, cumpre referir que assiste razão à Requerida ao rejeitar liminarmente o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente.
Deste acto administrativo caberia uma acção administrativa, visto que não comporta a apreciação da legalidade dos actos de liquidação.
Neste sentido, veja-se o entendimento de Jorge Lopes de Sousa[4]:
«Há actos em matéria tributária que são impugnados através da acção administrativa especial, como resulta da alínea p) e do n.º 2 do art.º 97.º do CPPT. Destas normas resulta que a acção administrativa especial é o meio processual adequado quando o acto a impugnar seja de indeferimento total ou parcial de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, e outros actos relativos a questões tributárias que não comportem a apreciação da legalidade de um acto de liquidação. Deste artigo [artigo 97.º, do CPPT] resulta claramente que, nos casos em que o acto a impugnar é um acto de liquidação ou um acto que comporta a apreciação da legalidade de um acto de liquidação o meio adequado é o processo de impugnação.»
A jurisprudência é clara, pois, ao considerar que a jurisdição dos tribunais arbitrais abarca todos os actos susceptíveis de serem impugnados através de impugnação judicial, contanto que a impugnação judicial tenha por objecto a tipologia de actos elencados no referido artigo 2.º do RJAT.
Seguindo de perto a decisão tomada no processo arbitral n.º 403/2019-T:
“das alíneas d) e p) do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 97.º do CPPT infere-se a regra de a impugnação de actos administrativos em matéria tributária ser feita, no processo judicial tributário, através de impugnação judicial ou acção administrativa especial (que sucedeu ao recurso contencioso, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos) conforme esses actos comportem ou não comportem a apreciação da legalidade de actos administrativos de liquidação».
Pelo que, «à face deste critério de repartição dos campos de aplicação do processo de impugnação judicial e da acção administrativa especial, os actos proferidos em procedimentos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação apenas poderão ser impugnados através de processo de impugnação judicial quando comportem a apreciação da legalidade destes actos de autoliquidação”.
Daqui se retira que, se o acto de rejeição liminar do pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação não comporta a apreciação da legalidade, o meio de reacção não será a impugnação judicial ou pedido de pronuncia arbitral.
Não significa que a Requerente não pudesse recorrer a outros meios de reacção, meios esses de resto indicado na notificação do despacho proferido pela AT (Doc. 1):
“Fica por este meio notificado de que no procedimento de Revisão Oficiosa identificado supra, em 19-08-2024 foi proferido despacho de Rejeição, pelo Chefe de Divisão de Serviço Central, ao abrigo de Subdelegação de competências. Via CTT Nos termos do art.º 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), em anexo consta a fundamentação da decisão ora notificada. Fica ainda notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente no prazo de trinta dias nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art.º 66.º do Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT) ou interpor impugnação de atos administrativos nos termos do art.º 50.º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), no prazo previsto na al. b) do nº1 do art.º 58.º, também do CPTA, a contar da data em que se concretizou a notificação nos termos do n.º10 do art.º 39.º do CPPT”.
Não existe a limitação ou até o impedimento do exercício de garantias dos contribuintes, o que, consabido, seria mais que manifestamente inconstitucional, mormente face ao consagrado nos artigos 20.º, 266.º e 268.º, todos da nossa Lei Fundamental.
Os meios para reagir continuam disponíveis para os próprios interessados, sem prejuízo da menção de que aqueles devem é, no entanto, ser exercidos dentro dos prazos legais o que, na verdade, não sucede no caso em apreço uma vez que se esgotou o prazo de uso do meio idóneo para reagir contra um ato de "autoliquidação" nos termos e com os fundamentos alegados pelo Requerente, já haviam decorrido mais de dois anos para apresentar a reclamação administrativa.
Neste ponto, também aqui este Tribunal acolhe a posição da AT:
“A situação em apreço não comporta qualquer “erro imputável aos serviços” e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, ademais quando, consabido, o n.º 2 do art.º 78.º da LGT se encontra revogado. 21. Outrossim, na hipótese de se considerar o presente pedido de revisão oficiosa tempestivo, estaríamos não menos do que a proceder a uma errónea interpretação do regime legal da revisão oficiosa dos atos tributários previsto no art.º 78º da LGT, sob pena de subverter a letra e o espírito desta norma legal, e, bem como, os prazos fixados pelo legislador fiscal para efeitos de reclamação graciosa e de impugnação, indo muito para além daquilo que o princípio do acesso à justiça e o princípio da tutela jurisdicional pretendem, afinal, zelar.”
Acompanha-se o entendimento da Requerida segundo o qual: “nunca poderá ser equiparado à impugnação administrativa a que se refere o artigo 131.º/1 do CPPT, sendo por isso forçoso concluir pela inimpugnabilidade dos atos autoliquidação em crise por falta de precedência de impugnação administrativa dentro do prazo legalmente previsto.”
Num processo com contornos semelhantes ao presente (cf. Processo n.º 347/2024) refere a Requerida que a Exma. Senhora Juíza Conselheira MARIA FERNANDA MAÇÃS proferiu o seguinte entendimento, no voto de vencido plasmado no acórdão arbitral :
“Ora, o direito à tutela judicial efetiva não pode ser encarado como um direito absoluto a ponto de justificar a subversão, por via jurisprudencial, da vontade claramente expressa do legislador, sob pena de violação do princípio da separação de poderes. E nem se diga que o regime tem justificação nos casos de ilegalidades por violação da CRP ou do Direito da União porque, entre outrasrazões, plasmadas, por exemplo, na decisão arbitral proferida no processo n.º 629/2021- T, deve o intérprete presumir que, ao revogar a norma em causa, o legislador teve presente essas situações e as ponderou e sopesou devidamente na consagração dasmelhores soluções, em conformidade com o princípio de hermenêutica, segundo o qual, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil).
Finalmente, sublinhe-se também que o Requerente lança mão de numerosa jurisprudência que versa sobre situações de retenção nafonte e não sobre casos de autoliquidação pura e simples, como a dos autos, da sua exclusiva responsabilidade.
Nestes termos, salvo o devido respeito, na minha modesta opinião, procederia a exceção de inimpugnabilidade invocada pela Requerida, derivada da intempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido contra os atos tributários impugnados, o que poria termo ao processo e impediria este Tribunal Arbitral de conhecer das demais questões suscitadas e do mérito da pretensão do Requerente, importando a absolvição da instância.”
Também, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 391/2024-T no mesmo sentido, lavrou o Exmo. SenhorDr. Gustavo Gramaxo Rozeira o seguinte voto de vencido:
“Voto vencido quanto à decisão das exceções de incompetência e de inimpugnabilidade contenciosa dos atos de primeiro grau em causa na presente arbitragem.
Com efeito, o contencioso tributário, à semelhança do resto do que sucede no contencioso de atos administrativos, não é umprocesso de tutela da legalidade objetiva, mas antes um processo dirigido à tutela de posições jurídicas subjetivas: não basta, assim, averificação de uma qualquer ilegalidade para determinar a anulação de um ato tributário. No caso em espécie, cuida-se da impugnação de atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo proferidos por entidade bancária. Trata-se de atos tributários que não são proferidos pelos serviços da administração fiscal e que, como revelam as regras da experiência, sãohabitualmente praticados sem que a AT tenha conhecimento do seu teor exato ou sequer da sua fundamentação (é-lhe remetidaapenas uma guia de pagamento e um formulário fiscal), inviabilizando de todo que esta possa, nessa fase de primeiro grau de decisão, escrutinar a legalidade ou validade de tais atos de substituição tributária ou, mesmo, agir sponte sua contra eventuaisirregularidades cometidas pelo substituto tributário.
Ciente dessa realidade, o legislador gizou um mecanismo procedimental — a reclamação graciosa em termos, aliás, bastante generosos (o prazo de interposição é de 2 anos) — que permite ao sujeito passivo suscitar a intervenção da administração fiscal para que esta possa reparar eventuais ilegalidades de que o ato tributário padeça e que não foram por cometidas pela AT, mas sim por terceiros agindo no seu interesse e por sua conta.
É absolutamente consensual que a reclamação administrativa prevista para os atos de substituição tributária tem naturezanecessária e que a falta da sua interposição tempestiva torna o ato de primeiro grau contenciosamente inimpugnável. A impugnação judicial deduzida, sem precedência de uma reclamação graciosa, contra um ato de liquidação praticado por um substituto tributário está inevitavelmente votada ao insucesso.
A questão, pois, é a de saber se essa inimpugnabilidade pode, por um mero bizantino formalismo ritual, ser sanada se, depois dedecorrido o prazo perentório de 2 anos, o contribuinte em vez de deduzir uma reclamação graciosa vier apresentar pedido de instauração oficiosa de um procedimento de revisão. Aceitar essa possibilidade significaria fazer tábua rasa do requisito de préviareclamação graciosa necessária legislativamente erigido como critério de impugnabilidade contenciosa, tornando-o num requisitolegal completamente excrescente, inútil e ineficaz, já que o efeito claramente visado e desejado pelo legislador (estabelecer a inimpugnabilidade contenciosa de atos que não sejam objeto de reclamação administrativa no prazo de 2 anos) seria completamente frustrado se o contribuinte, numa soi-disant ‘burla de etiquetas’, alterasse a denominação por si atribuída ao procedimento administrativo cujo desencadeamento se apresentava a suscitar. Ora, não é razoável, nem compreensível, que aefetividade de requisitos de impugnabilidade contenciosa de atos tributários — que são, note-se bem, erigidos em ordem àprossecução de finalidades de ordem pública ligadas aos interesses da segurança e da certeza jurídicas — ficassem inteiramente nadisponibilidade da vontade dos particulares e subordinados aos caprichos do critério que seguissem na denominação dosrequerimentos procedimentais por si apresentados.
Conforme é entendimento dominante na jurisprudência e na doutrina, o pedido de revisão oficiosa deduzido dentro do prazo para a interposição de reclamação graciosa pode fazer as vezes desta e produzir os mesmos efeitos que teriam resultado da interposição deste meio procedimental. Não está em causa essa equiparação de efeitos entre um e outro meio procedimental.
Diferentemente, o que já não se afigura possível será reconhecer-se à dedução de pedido de revisão oficiosa a aptidão de suprir aomissão de tempestiva interposição da reclamação graciosa que o legislador qualificou de necessária e erigiu em requisito de impugnabilidade contenciosa: admiti-lo implicaria que a reclamação graciosa, afinal de contas, não seria nunca nem necessária nem condição de procedibilidade do subsequente processo jurisdicional. A natureza reconhecidamente complementar do procedimento de revisão oficiosa face aos demais meios de impugnação administrativa não pode ter um alcance tão vasto e tão extenso a ponto de derrogar in totum qualquer efeito útil ou eficácia ao regime procedimental (e às suas projeções processuais) que resulta do art. 132.º, n.º 4, do CPPT.
Só não será assim — e a reclamação graciosa não terá então natureza necessária e, portanto, o pedido de revisão poderálivremente ser deduzido no seu prazo normal de 4 anos — se estiver exclusivamente em causa matéria de direito e o ato de liquidaçãopor retenção na fonte tiver sido efetuado de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (arts. 131.º, n.º 3, e 132.º, n.º 6, do CPPT). Salvo melhor opinião, o ónus da prova da existência de tais orientações genéricas recai sobre o impugnante e não me parece que, nesta arbitragem, tenha sido satisfeito.
O que acima fica dito vale, mutatis mutandis, para a questão da competência do CAAD para conhecer da impugnação de atos de liquidação mediante retenção na fonte a título definitivo. Nos termos do art. 2.º, al. a), da Portaria de Vinculação, a AT excetuou da sua vinculação à jurisdição arbitral do CAAD a impugnação de atos tributários que não tenha sido precedida do recurso às viasadministrativas previstas nos arts. 131.º a 133.º do CPPT. Pese embora seja de se reconhecer, para efeitos do preenchimento deste requisito estabelecido pela Portaria de Vinculação, uma equiparação entre as reclamações graciosas e os pedidos de instauração oficiosa de procedimento de revisão (quando apresentados dentro do prazo de 2 anos referido naqueles dois preceitos do CPPT),não creio que a dedução de pedido de desencadeamento de revisão oficiosa depois de ultrapassado o prazo de 2 anos em referência possa, neste contexto e para estes efeitos, fazer as vezes da reclamação graciosa. Assim, a meu ver, no caso desta arbitragem está preenchido o requisito negativo da declaração de adesão da AT à jurisdição arbitral voluntária do CAAD, obstando assim a que estaentidade jurisdicional possa conhecer do objeto da causa. Dito de outra forma: a exigência de reclamação graciosa prévia aposta no cit. art. 2.º, al. a), da Portaria de Vinculação refere-se a este específico meio procedimental (ou, se apresentado no prazo da reclamação graciosa, ao pedido de instauração de revisão oficiosa).
Não ignoro a jurisprudência dos tribunais superiores em que se admite a impugnação de atos tributários na sequência de pedidosde revisão oficiosa apresentados para além do mencionado prazo de dois anos. Porém, tais arestos assentam a sua ratio decidendi em situações fácticas distintas daquela que se verifica na presente arbitragem, na medida em que dizem respeito a processos em que as instâncias concluíram que a omitida reclamação graciosa não tinha natureza necessária por estar em causa a aplicação exclusiva de matéria de direito de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária. No caso da presente arbitragem não ficou demonstrada — nem sequer foi alegada — a existência de tais orientações genéricas, em termos que permitissem convolar a reclamação graciosa de necessária em facultativa.
Teria, portanto, julgado ambas as exceções procedentes e, em consequência, absolvido a requerida da instância arbitral, uma vez que o pedido de instauração oficiosa do procedimento de revisão foi apresentado pela requerente mais de dois anos após a prolação dos atos de liquidação por retenção na fonte a título definitivo que formam o objeto da presente arbitragem.”
Pelo exposto, não pode este Tribunal deixar de acolher a posição da AT vertida na resposta:
“A situação em apreço não comporta qualquer “erro imputável aos serviços” e, como tal, neste sentido, o pedido de revisão oficiosa deve ser formulado no respetivo prazo de reclamação administrativa, à luz do preceituado na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º da LGT, ademais quando, consabido, o n.º 2 do art.º 78.º da LGT se encontra revogado. 21. Outrossim, na hipótese de se considerar o presente pedido de revisão oficiosa tempestivo, estaríamos não menos do que a proceder a uma errónea interpretação do regime legal da revisão oficiosa dos atos tributários previsto no art.º 78º da LGT, sob pena de subverter a letra e o espírito desta norma legal, e, bem como, os prazos fixados pelo legislador fiscal para efeitos de reclamação graciosa e de impugnação, indo muito para além daquilo que o princípio do acesso à justiça e o princípio da tutela jurisdicional pretendem, afinal, zelar.”
A rejeição liminar de um pedido de revisão oficiosa, por não se verificar erro imputável aos serviços, não comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, não sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial.
A caducidade do direito de ação constitui uma excepção dilatória, que implica a absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira e a extinção da instância, conforme os artigos 89.º, n.º 4, alínea k), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e 278.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil, aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT.
§3.º Consequência da procedência das excepções
Nos termos expostos, procedem as excepções invocadas pela Requerida, de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação, que põem termo ao processo e impede que este Tribunal Arbitral conheça das demais questões suscitadas e do mérito da pretensão da Requerente, importando a absolvição da Requerida da instância.
III- DECISÃO
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a. Julgar procedente a matéria de excepção de inimpugnabilidade dos atos de autoliquidação; da exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa e caducidade do direito de ação.
b. Absolver da instância a Requerida.
IV- VALOR DA CAUSA
Nos termos do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, fixa-se o valor da causa em € 66.671,47 por corresponder ao montante total dos actos de autoliquidação de Imposto do Selo cuja anulação constitui o objecto do pedido de pronúncia arbitral.
V- CUSTAS
Em conformidade com o estatuído no artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral.
Assim, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1, do CPC, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, deve ser estabelecido que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. Neste âmbito, o n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, o princípio da proporcionalidade impõe que seja atribuída a responsabilidade integral por custas ao Requerente, de acordo com o disposto no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Notifique-se
Lisboa, 15 de Setembro de 2025
O Tribunal Colectivo
Fernanda Maçãs (vogal presidente), com a seguinte declaração de voto:
Acompanho a Decisão arbitral, mas apenas quanto à exceção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa”, por se tratar de atos de autoliquidação da responsabilidade do Sujeito passivo reiterando, quanto a esta dimensão, o voto de vencida supramencionado. A revogação do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, ao remover a regra de inversão do ónus probatório de que beneficiavam os atos de autoliquidação, que passam, assim, a estar sujeitos às regras gerais (v. artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil), não pode ser pura e simplesmente ignorada. Como “Observa Jorge Lopes de Sousa que “sendo o contribuinte quem faz a autoliquidação, o que é normal é que os erros lhe sejam imputáveis a ele próprio, que a fez, e não à administração tributária, que não a fez. Apenas se entrevê a possibilidade de erros na autoliquidação serem imputáveis à administração tributária nos casos em que esta procedeu a correção ou em que o contribuinte incorreu em erros, segundo instruções, gerais ou especiais, que aquela lhe forneceu.”Ónus de prova que não se mostra cumprido no caso dos autos.
Gustavo Gramaxo Rozeira
(árbitro vogal, que junta declaração de voto)
Maria da Graça Martins
(árbitro vogal - Relatora)
Declaração de voto. Votei favoravelmente o presente acórdão arbitral em todos os seus segmentos decisórios, mas devo precisar melhor a minha adesão à decisão de procedência da exceção de inimpugnabilidade com fundamento na circunstância da decisão do procedimento de revisão oficiosa não ter incidido sobre a legalidade do ato de liquidação ou, mais rigorosamente, a exceção impropriedade do meio processual. Com efeito, concordo com o pressuposto de que o processo de impugnação (ou, na espécie, de arbitragem tributária) apenas tem cabimento naqueles casos em que a decisão do procedimento revisão oficiosa tiver, de facto, conhecido da legalidade do ato revidendo, devendo empregar-se a ação administrativa para aqueles casos em que tenha havido recusa de conhecimento do mérito da pretensão de revisão oficiosa, designadamente nos casos de indeferimento liminar. Porém, esta aferição não pode ser puramente formal ou bastar-se com o elemento literal da decisão administrativa proferida pela AT — antes, deve dirigir-se a uma verdadeira apreciação da substância do teor dessa decisão e dos seus fundamentos. Por exemplo, não obstante se tratar formalmente uma decisão de indeferimento liminar, não deixaremos de estar perante uma decisão que apreciou a legalidade do ato revidendo quando a AT, como sucede com frequência, decide não apreciar o mérito da pretensão de um pedido de revisão oficiosa com fundamento em se ter limitado a aplicar a lei, pelo que o erro assacado ao ato revidendo, por si própria proferido, não seria ainda assim imputável aos seus serviços.
No caso da presente arbitragem, analisada a substância da decisão proferida no processo de revisão oficiosa sub judice, não posso deixar de concluir que estamos perante uma verdadeira decisão formal que não conheceu do mérito do pedido deduzido pela requerente e, portanto, não apreciou a legalidade do ato revidendo. Nessa medida, o meio próprio de reação seria uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido (i. é, de um ato que conhecesse do mérito da pretensão de revisão oficiosa) e não o processo de impugnação (ou de arbitragem em matéria fiscal).
Verifica-se, assim, a impropriedade do presente meio processual.
CAAD, 15/09/2025
Gustavo Gramaxo Rozeira
[1] Cfr. Ac. STA de 13.09.2023, proc. n.º 0294/12.9BEPRT, e no mesmo sentido acórdãos STA de 18.11.2021, proc. n.º 698/13.4BEALM, de 13.10.2021, proc. n.º 129/18.9BEAVR e de 02.02.2022, proc. n.º 848/14.9BEAVR.
[2] Cfr. por todos, acórdão dado no proc. n.º 778/2023-T, de 02.05.2024.
[3] Cfr. primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT.
[4] in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, II Volume, 6.ª Edição, 2011, Áreas Editora, p. 53.