SUMÁRIO:
I. Revogando o acto de liquidação controvertido no prazo a que se refere o art.º 13.º do RJAT, deve a AT notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão e bem assim o sujeito passivo para que este se possa pronunciar sobre o prosseguimento do procedimento.
II. Obtendo os Requerentes com a revogação do acto de liquidação os efeitos pretendidos com a declaração da sua ilegalidade e consequente anulação, deve ser decretada a inutilidade superveniente da lide.
III. Prosseguindo o procedimento por facto imputável à AT, deve ela ser responsável pelas respectivas custas.
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A - Geral
1.1. A..., NIF..., e B..., NIF..., casados e residentes na Rua..., ..., ...-... Lisboa (de ora em diante designados “Requerentes”), apresentaram no dia 28.11.2024 um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando, como adiante melhor se verá, a anulação dos actos tributários de liquidação e do acto de demonstração de acerto de contas relativos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (de ora em diante “IRS”) do ano de 2018 assim identificados:
1.1.1. Acto Tributário de Liquidação n.º 2024... no valor de € 6.191,08;
1.1.2. Acto Tributário de Liquidação n.º 2024..., no valor de € 59.589,36; e
1.1.3. Acto Tributário de Demonstração de Acerto de Contas com o n.º 2024..., no valor de € 65.780,41.
1.2. Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (de ora em diante, “RJAT”), o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (seguidamente “CAAD”) designou como árbitros os signatários, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.
1.3. Por requerimento de 06.02.2025, os Requerentes dão conta de que a Requerida, com data de acerto de contas de 24.12.2024, remeteu-lhes a “Demonstração de Acerto de Contas” com o n.º 2024..., da qual resulta ter sido efectuado: a) o estorno da liquidação 2024..., no valor de €59.589,36, e b) o acerto da liquidação 2024..., no valor de €6.191,05, e “Regularização total de doc. Anterior, Nota 2024..., no valor de €- 65.780,41, pelo que admitem ter a Requerida procedido à anulação dos actos tributários impugnados, sugerindo que a Requerida viesse aos autos esclarecer a situação.
1.4. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído a 10.02.2025.
1.5. No dia 11.02.2024 foi notificado o dirigente máximo dos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”) para, no prazo de 15 dias, exercer o contraditório quanto ao requerimento apresentado pelos Requerentes no dia 06.02.2025, nomeadamente esclarecendo o alcance dos actos a que alude esse requerimento.
1.6. A Requerida, por requerimento de 20.02.2025, rectificado no dia 25.02.2025, pronunciou-se sobre o referido requerimento dos Requerentes.
1.7. Por despacho notificado no dia 27.05.2025, entendeu o tribunal dispensar a reunião do art.º 18º do RJAT, considerando inútil a apresentação de alegações.
B – Posição da Requerente
1.8. Até meados do ano de 2018 os Requerentes tinham a sua habitação própria e permanente na fracção autónoma, designada pela letra D, correspondente ao 1.º andar, situado na Rua ..., com entrada pelo n.º ... - e que fazia parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ..., n.º... a ... e Rua de ....º..., Concelho de Lisboa e Freguesia da ... (ex. Freguesia da...) - descrito na Conservatória do Registo Predial Comercial sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... .
1.9. Todas as fracções do identificado prédio eram utilizadas e efectivamente afectas à habitação dos Requerentes e do seu agregado familiar, apesar de descritas com afectação a serviços, comércio e habitação.
1.10. O mencionado prédio foi inscrito na matriz em data anterior a 1951, pelo que o uso e afectação efectiva, como habitação própria e permanente e casa de morada de família, não necessitava de licença de utilização.
1.11. Em 10.11.2017 os Requerentes adquiriram o prédio urbano situado na Rua a ..., n.º ... da freguesia das ... (actual freguesia da ...), concelho de Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ..., actual artigo ... .
1.12. O prédio referido no número anterior foi adquirido, para habitação própria e permanente dos Requerentes e do seu agregado familiar, pelo valor de € 2.000.000,00 (dois milhões de euros), tendo os Requerentes obtido para a aquisição um financiamento de € 700.000,00 (setecentos mil euros).
1.13. Em 07.12.2018 os Requerentes alienaram a sua anterior habitação própria e permanente, a já mencionada fracção D, pelo valor de € 1.435.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta e cinco mil euros).
1.14. Em 25.06.2019 os Requerentes entregaram a Declaração Mod. 3 de IRS respeitante ao ano de 2018, declarando no respectivo Anexo G:
1.14.1.1. A alienação da sua anterior habitação própria e permanente pelo referido valor de € 1.435.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta e cinco mil euros);
1.14.1.2. A intenção de reinvestir a totalidade do valor de realização de € 1.435.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta e cinco mil euros), sem recurso ao crédito;
1.14.1.3. O valor de € 700.000,00 (setecentos mil euros) que já haviam reinvestido antes da alienação (sem recurso a crédito) na aquisição do prédio urbano da Rua ..., n.º..., para habitação própria e permanente; e
1.14.1.4. O valor de € 106.706,07 (cento e seis mil, setecentos e seis euros e sete cêntimos), que haviam reinvestido no ano da declaração e após a alienação (sem recurso a crédito), em obras de melhoramento efectuadas no prédio urbano da Rua ..., n.º ... .
1.15. Consequentemente, os Requerentes foram notificados do acto tributário de liquidação que deu origem a um reembolso no valor de € 6.191,05 (seis mil cento e noventa e um euros e cinco cêntimos).
1.16. Em 29.06.2020 os Requerentes entregaram a Declaração Mod. 3 de IRS referente ao ano de 2019, tendo preenchido o Anexo G e declarado no Quadro 5 A, Campo 5009 desse Anexo que, nesse ano - Reinvestimento no primeiro ano seguinte (sem recurso a crédito) - tinham reinvestido o valor de € 228.979,78 (duzentos e vinte e oito mil novecentos e setenta e nove euros e setenta e oito cêntimos) em obras de melhoramento efectuadas no prédio urbano da Rua ..., n.º ... .
1.17. Consequentemente, os Requerentes foram notificados do acto tributário de liquidação que deu origem a um reembolso de €5.317,45 (cinco mil trezentos e dezassete euros e quarenta e cinco cêntimos).
1.18. Em Dezembro de 2022, os Requerentes foram notificados do acto tributário de liquidação adicional de IRS do ano de 2018 n.º 2022..., no valor de € 64.634,03, e do acto tributário de demonstração de acerto de contas com o n.º de compensação 2022..., no valor de € 70.825,08 (setenta mil oitocentos e vinte cinco euros e oito cêntimos) e data limite de pagamento de 11.01.2023.
1.19. O acto tributário de liquidação adicional de IRS do ano de 2018 só foi emitido, por ter havido um lapso no preenchimento do Quadro 5 A, campo 5007 do Anexo G da Declaração Modelo 3 de IRS do ano de 2018.
1.20. Na verdade, a Requerida estava a considerar, no acto tributário de liquidação adicional de IRS do ano de 2018, que os Requerentes não tinham efectuado o reinvestimento da totalidade do valor de realização de € 1.435.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta e cinco mil euros), nos 24 meses anteriores ou 36 posteriores à data de alienação, ocorrida em 07.12.2018, da sua anterior habitação própria e permanente (a mencionada fração D).
1.21. A Requerida alterou o rendimento global dos Requerentes do ano de 2018 de € 172.751,43 (cento e setenta e dois mil setecentos e cinquenta e um euros e quarenta e três cêntimos) para € 317.348,23 (trezentos e dezassete mil trezentos e quarenta e oito euros e vinte e três cêntimos), ou seja, adicionou ao rendimento global declarado o montante de € 144.596,80 (cento e quarenta e quatro mil quinhentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos).
1.22. Esta alteração resultava do facto de ter a Requerida considerado que apenas devia ser deduzido ao valor de realização – € 1.435.000,00 (um milhão quatrocentos e trinta e cinco mil euros) – o valor de € 806.706,07 (oitocentos e seis mil setecentos e seis euros e sete cêntimos), montante correspondente à soma dos valores indicados nos campos 5007 e 5008 do Quadro 5 A do Anexo G da Declaração Mod. 3, entregue a 25.06.2019.
1.23. Sucede que os Requerentes incorreram num lapso ao preencherem o campo 5007 do Quadro 5 A do Anexo G, já que nele deveriam ter inscrito o valor € 1.300.000,00 (um milhão e trezentos mil euros) e não o valor de € 700.000,00 (setecentos mil euros), que nele erradamente inscreveram.
1.24. Assim, em 15.12.2022, os Requerentes apresentaram Reclamação Graciosa dos actos tributários notificados e procederam à entrega de uma Declaração de substituição Modelo 3 de IRS do referido ano, onde corrigiram o acima identificado lapso.
1.25. Acontece que na data-limite de pagamento do valor de € 70.825,08 (setenta mil oitocentos e vinte cinco euros e oito cêntimos), o Requerente marido foi informado no Serviço de Finanças de Lisboa – ... de que o processo se encontrava pendente bem como da possibilidade solicitar o pagamento em prestações ou prestar garantia para suspensão da instauração do processo de execução fiscal.
1.26. O Requerente marido requereu então o pagamento do imposto em prestações, tendo efectuado, ao longo de 2023, o pagamento do imposto liquidado.
1.27. Em Julho de 2023, face à ausência da decisão da reclamação graciosa no prazo legal, os Requerentes requereram ao CAAD a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo para a emissão da pronúncia arbitral sobre o acto de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada, que correu termos sob o n.º 516/23-T, no qual foi proferida decisão arbitral em 22.02.2024, com trânsito em julgado em 15.04.2024, tendo sido julgados “totalmente procedentes os pedidos formulados pelos Requerentes, pelo que, em execução de sentença, deverá a AT: a) Reformular a liquidação impugnada e respetivo “acerto de contas”, considerando, para efeitos do disposto no 10º, n.º 5 do CIRS, que os Requerentes haviam efetuado, em 2017, por pagamento de parte do preço do imóvel adquirido, sem recurso a crédito, um reinvestimento parcelar de 1.300.000 euros e não de 700.000 euros (valor erroneamente declarado). b) Restituir o imposto que se venha a apurar ter sido pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados, atentas as prestações em que se desdobrou o pagamento, desde 16/04/2023”.
1.28. Em 23.09.2024, os Requerentes foram notificados do Ofício n.º DFLisboa ...´24-09-20, Divisão de Liquidação do Imposto S/Rendimento e Despesa, sob epígrafe, “PROJETO DE DECISÃO”, através do qual a AT comunicou a sua “intenção de promover a correção das suas declarações de rendimentos dos anos de 2018 e 2019, no sentido de ser considerado um reinvestimento parcial do valor de realização, no montante de € 1.167.274,49, sendo:
1.28.1. € 927.719,00 (€ 1.300.000,00 x 713,63%0) respeitante ao valor reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação;
1.28.2. € 76.148,65 (= €106.706,07 x 713,63%0 (a título do valor reinvestido no ano da alienação; e
1.28.3. € 163.406,84 (= €228.979,78 x 713,63%0), correspondente ao valor reinvestido no ano seguinte ao da alienação.
1.29. Esta decisão baseou-se na circunstância de o prédio reabilitado ter sido inscrito sob o artigo 2929, passando a ser composto por 2 andares ou divisões com utilização independente, identificados como “Piso 0” e “Piso 1”, cabendo-lhes as permilagens de 286,37 e 713,63, respectivamente, tendo posteriormente o “Piso 0” sido objecto de arrendamento, não ficando, portanto, afecto à habitação permanente dos Requerentes e do seu agregado familiar.
1.30. Os Requerentes exerceram o direito de audição no dia 08.10.2024, pugnando, em síntese, (i) pela existência do caso julgado da sentença arbitral (inclusive quanto o valor do reinvestimento: €1.300.000,00) e da sua imposição vinculativa à AT, prevista no artigo 24.º do RJAT, (ii) pela inexistência, objectiva e subjectiva, de novos factos e, por conseguinte, do direito à liquidação por parte da AT, bem como, (iii) pela verificação da caducidade do direito de liquidação do IRS de 2018.
1.31. A 08.10.2024, ou seja, no prazo legal para o exercício do direito da audição, os Requerentes foram notificados do acto tributário de liquidação n.º 2024..., referente ao IRS de 2018, com o VALOR A REEMBOLSAR de € 6.191,08, conforme Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024... .
1.32. Em 14.10.2024, os Requerentes foram notificados da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao IRS de 2018, com o NR ACERTO DE CONTAS n.º 2024..., com o valor a pagar de €59.589,36.
1.33. No dia 15.10.2024, os Requerentes foram notificados da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2024..., referente ao IRS de 2018, com o saldo apurado e valor a pagar de € 65.780,41, tendo como data limite de pagamento 26.11.2024.
1.34. Como não conseguissem percepcionar e/ou perceber os valores que constavam dos actos tributários de liquidação de imposto notificados no valor total de € 65.780,41 com data-limite de pagamento 26.11.2024, os Requerentes solicitaram à AT a emissão da certidão com os fundamentos justificativos da quantificação e das operações de apuramento da matéria tributável que constam nos actos tributários de liquidação, nos termos do artigo 37.º do CPPT, que, até à data da propositura da presente acção arbitral, ainda não havia sido emitida.
1.35. Em 05.11.2024, os Requerentes instauraram a acção de execução da sentença arbitral supra referida - estando a mesma a tramitar no Tribunal Tributário de Lisboa, na Unidade Orgânica 3, sob processo n.º 1473/24.1BELRS - porquanto a AT, em manifesta desconformidade com o decidido arbitral, reembolsou os Requerentes apenas no montante de €23.971,68 e não no montante total €70.825,08, que estes haviam pago em 2023, sem todavia apresentar a fundamentação subjacente.
1.36. As novas liquidações de IRS de 2018 são destituídas de fundamento legal para o efeito, seja pela falta de fundamentação formal, seja pela vinculação da AT à sentença arbitral transitada em julgado, seja pela preclusão do direito de efectuar novas liquidações de imposto (em virtude da inexistência de factos supervenientes que a possam fundamentar).
1.37. A emissão dos actos tributários em crise não foram precedidos de quaisquer decisões finais proferidas no âmbito de procedimentos em que os Requerentes tenham sido notificados para o exercício do direito de audição prévia, nem, por maioria de razão, da notificação dos respectivos fundamentos.
1.38. O dever de fundamentação previsto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT, a que a AT está vinculada, tem, necessariamente, de ser prévio ao acto de liquidação do imposto, não se consentindo que a fundamentação venha a ser feita subsequentemente.
1.39. Sucede que os Requerentes não entendem os cálculos efectuados pela AT, nem o modo pelo qual esta chegou aos acréscimos à matéria coletável em certo montante, nem tão pouco ao valor do imposto liquidado, razão pela qual os actos tributários postos em crise enfermam do vício de falta de fundamentação, o que consubstancia uma ilegalidade, por violação do disposto nos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, 153.º, nº.2, do CPA e 77.º, n.º 2, da LGT.
1.40. A decisão arbitral prolatada no processo n.º 516/2023-T “julga totalmente procedentes os pedidos formulados pelos Requerentes, pelo que, em execução de sentença, deverá a AT: a) Reformular a liquidação impugnada e respetivo “acerto de contas”, considerando, para efeitos do disposto no 10º, n.º 5 do CIRS, que os Requerentes haviam efetuado, em 2017, por pagamento de parte do preço do imóvel adquirido, sem recurso a crédito, um reinvestimento parcelar de 1.300.000 euros e não de 700.000 euros (valor erroneamente declarado). b) Restituir o imposto que se venha a apurar ter sido pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados, atentas as prestações em que se desdobrou o pagamento, desde 16/04/2023.”
1.41. A alínea d) do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT impõe à AT que, anulado o acto de liquidação, liquide conforme a sentença arbitral, ou se abstenha de o fazer.
1.42. Acontece que, se com base na consideração de reinvestimento parcelar no valor de €700.000,00, a AT liquidou, adicionalmente, em 2022, imposto no valor de € 70.825,08, a consideração de um reinvestimento parcelar no valor de €1.300.000,00, por referência à totalidade do imóvel objecto do reinvestimento, jamais poderia originar a liquidação de IRS no valor de €65.780,41, como sucedeu.
1.43. Acresce que a AT não restitui aos Requerentes a totalidade do valor do imposto liquidado adicionalmente em 2022 e pago em 2023, €70.825,08, mas somente €23.971,60, em ostensiva violação do dever de obediência à sentença arbitral transitada em julgado, previsto no artigo 24.º, n.ºs 1 e 4, 1ª parte, do RJAT, o que inquina a validade dos actos tributários ora impugnados.
1.44. A AT não poderia conformar novamente a situação jurídico-tributária subjacente ao julgado arbitral referente ao Processo n.º 516/2023-T, salvo se em termos compatíveis com este, o que, em absoluto, não sucedeu.
1.45. O Ofício n.º DFLisboa ...´24-09-20, sob epígrafe, “PROJETO DE DECISÃO”, notificado a 23.09.2024, refere ser “intenção deste serviço promover a correção das suas declarações de rendimentos dos anos de 2018 e 2019, no sentido de ser considerado um reinvestimento parcial do valor de realização, no montante de € 1.167.274,49, sendo:
· € 927.719,00 (= € 1.300.000,00 x 713,63%0) respeitante ao valor reinvestido nos 24 meses anteriores à data da alienação;
· € 76.148,65 (= €106.706,07 x 713,63%0 (a título do valor reinvestido no ano da alienação;
· O remanescente, € 163.406,84 (= €228.979,78 x 713,63%0), correspondente ao valor reinvestido no ano seguinte ao da alienação.”
1.46. Para este efeito, a AT alicerçou o seu projeto de decisão “na informação constante dos anexos G das declarações modelo 3 referentes aos anos de 2018 e 2019, no alegado no processo de reclamação graciosa n.º ...2022..., na decisão arbitral proferida no processo n.º 516/2023-T e nos demais elementos disponíveis” e, ainda, na circunstância de ter o prédio reabilitado sido “inscrito sob o artigo 2929, passando a ser composto por 2 andares ou divisões com utilização independente, identificados como “Piso 0” e “Piso 1”, cabendo-lhes as permilagens de 286,37 e 713,63, respectivamente”, deixando o Piso 0 de estar afecto à habitação do agregado familiar dos Requerentes por ter sido “posteriormente objecto de arrendamento”.
1.47. Constitui violação do dever de acatar o julgado arbitral [processo n.º 516/2023-T, transitado em julgado], a consideração, pela AT, de somente uma fracção (713,63%0) do referido valor de reinvestimento, ou seja, a não consideração pela AT da totalidade do reinvestimento parcelar de 1.300.000 euros e na totalidade do imóvel objecto daquele reinvestimento.
1.48. De resto, o contrato de arrendamento do Piso 0 foi celebrado em 15.07.2022, e iniciada a sua vigência em 01.08.2022, ou seja, após o termo final dos 36 meses posteriores à data da realização (2017) e até essa data a habitação própria permanente dos Requerentes era composta pelos “Piso 0” e “Piso 1”.
1.49. Não pode deixar de se concluir pela inexistência de facto tributário superveniente que viabilize as liquidações efectuadas em 2024, no valor total de € 65.780.41, enquanto novo acto de liquidação de imposto, sob pena da violação do n.º 3 artigo 13.º e, principalmente, do n.º 4 do artigo 24.º, ambos do RJAT, que veda à AT a possibilidade de, transitada em julgado a decisão arbitral sobre o mérito do pedido, “praticar novo acto tributário relativamente ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário e período de tributação, salvo nos casos em que este se fundamente em factos novos diferentes dos que motivaram a decisão arbitral”.
1.50. Ora, não há, tanto do ponto de vista objectivo como subjectivamente, quaisquer factos novos que legitimem a prática dos actos tributários ora em crise, porquanto todos eram já conhecidos ou cognoscíveis pela AT.
1.51. Contudo, mesmo que se entendesse que haveria fundamento para a prática de novos actos de liquidação, certo é que foram praticados depois do prazo de que a AT dispunha para praticá-los, uma vez que o exercício do direito de liquidação (e a notificação do seu conteúdo ao contribuinte) tem de que ocorrer dentro do prazo de quatro anos contados do facto tributário, findo o qual caduca o direito de liquidação.
C – Posição da Requerida
1.52. A Requerida não apresentou, em sentido próprio, resposta, ainda que tenha apresentado requerimento no dia 20.02.2025, como adiante se verá, exercendo o contraditório relativamente a um requerimento apresentado pelos Requerentes a 06.02.2025.
D – Conclusão do Relatório e Saneamento
1.53. Por requerimento de 06.02.2025, o Requerente marido informou os autos de que “com data de acerto de contas de 24.12.2024, a Requerida remeteu aos Requerentes a “Demonstração de Acerto de Contas” com o n.º 2024 ..., da qual resulta ter sido efectuado a) o estorno da liquidação 2024 ..., no valor de €59.589,36, e b) acerto da liquidação 2024 ..., no valor de €6.191,05, e “Regularização total de doc. Anterior, Nota 2024 ..., no valor de €- 65.780,41”.
1.54. Por não haver uma notificação da AT que explique os movimentos efectuados, deduziram os Requerentes que a Requerida havia procedido à anulação das liquidações impugnadas nos presentes autos, pedindo que a Requerida viesse aos autos esclarecer a situação, inclusive para a eventual mobilização do instituto da inutilidade superveniente da lide, por facto imputável àquela, para efeitos da responsabilização em sede das custas.
1.55. A constituição do tribunal arbitral [ocorrida no dia 10.02.2025] preclude o exercício da faculdade prevista no art.º 13.º do RJAT, mas não pode impedir que, já na pendência do processo, iniciado nos termos do art.º 15.º do RJAT, ocorra a revogação, ratificação, reforma ou conversão do acto tributário, com consequências jurídicas quanto à utilidade, ou inutilidade, superveniente do litígio. Assim, por despacho de 11.02.2025, o tribunal ordenou a notificação do dirigente máximo do serviço da AT para, no prazo de 15 dias, exercer o contraditório quanto ao requerimento apresentado pelos Requerentes em 06.02.2025, nomeadamente esclarecendo o alcance dos actos a que alude esse requerimento.
1.56. Por requerimento de 20.02.2025, veio a Requerida exercer o contraditório relativamente ao requerimento apresentado pelos Requerentes a 06.02.2025, o que fez nos seguintes termos:
1.56.1. O processo nº 516/2023-T mereceu decisão favorável aos Requerentes, transitou em julgado a 15.04.2024, tendo o tribunal entendido que a AT deveria reformular o ato tributário do ano de 2018 com os necessários acertos de contas devidos, por forma a ser considerado o reinvestimento parcelar de €1.300.000, ao invés dos €700.000 por lapso inscritos, no pagamento de parte do preço do imóvel adquirido em 2017 e que igualmente visava constituir a habitação própria e permanente do agregado familiar, tendo sido igualmente ordenada a restituição do imposto que se viesse a apurar ter sido pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios;
1.56.2. Na decorrência do procedimento da execução da referida decisão arbitral, em 23.09.2024, os Requerentes foram notificados do Ofício n.º DF Lisboa ...´24-09-20, da Divisão de Liquidação do Imposto S/Rendimento e Despesa, sob epígrafe, “PROJETO DE DECISÃO”, através do qual a AT comunicou a sua “intenção de promover a correção das suas declarações de rendimentos dos anos de 2018 e 2019, no sentido de ser considerado um reinvestimento parcial do valor de realização, no montante de € 1.167.274,49, ao invés do reinvestimento total do valor de realização;
1.56.3. Na sequência da concretização, em 14.10.2024, os Requerentes foram notificados da Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024..., de 04.10.2024, referente ao IRS de 2018, com o valor a pagar de €59.589,36 e com o NR ACERTO DE CONTAS n.º 2024..., com o saldo apurado e valor a pagar de € 65.780,41, tendo como data limite de pagamento de 26.11.2024;
1.56.4. Os Requerentes interpuseram, em 05.11.2024, a acção de execução da sentença arbitral proferida no processo nº 516/2023-T, estando a mesma a ser tramitada no Tribunal Tributário de Lisboa, na Unidade Orgânica 3, sob processo n.º 1473/24.1BELRS, que ainda não obteve sentença;
1.56.5. Apesar da interposição da acção de execução de sentença acima referida, os Requerentes, no dia 28.11.2024, solicitaram a constituição do tribunal arbitral a que se referem os presentes autos, impugnando as liquidações;
1.56.6. Estando a decorrer o processo de execução de julgado, interposto a 05.11.2024, em que a AT tem vindo a concretizar o julgado relativamente à decisão arbitral proferida no processo n.º 516/2023-T, sem apresentação de réplica ou requerimento espelhando a sua discordância perante a sua execução, vieram os Requerentes, a 28.11.2024, solicitar a constituição do tribunal arbitral, relativamente a liquidações que deixaram de existir na ordem jurídica no dia 21.12.2024, data em que foi emitida, no âmbito da concretização da decisão e no decorrer do processo de Execução de Julgados, a liquidação nº 2024..., com apuramento final de € 6.191,05 a reembolsar, o qual ainda não obteve sentença;
1.56.7. Assim, o presente processo arbitral configura uma total impropriedade de meio processual, porquanto estando a ser cumprida a execução da decisão proferida no processo n.º 516/2023-T, no âmbito do processo n.º 1473/24.1BELRS, interposto pelos ora Requerentes, sendo que as liquidações ora impugnadas, desde 21.12.2024, nem sequer existem na ordem jurídica.
1.57. No dia 28.02.2025, os Requerentes pronunciaram-se sobre o Requerimento da AT de 20.02.2025, nos termos seguintes:
1.57.1. Os presentes autos foram iniciados em Novembro de 2024 e, como refere a Requerida, “as liquidações ora impugnadas, desde 21 de dezembro de 2024, nem sequer existem na ordem jurídica”, o que configura uma inutilidade superveniente da lide, não estando em causa a “impropriedade do meio processual” a que a AT faz alusão;
1.57.2. Não obstante a impugnação junto do CAAD, a Requerida, em 13.12.2024, emitiu ao Requerente o ofício de citação para a execução fiscal n.º ...2024..., com valor total a pagar de €66.140,94, sendo €65.780,41 a título de quantia exequenda, ou seja, justamente o valor total das liquidações impugnadas nos presentes autos arbitrais;
1.57.3. A Requerente desencadeou o presente procedimento arbitral após a data limite de pagamento e em virtude da Requerida não ter procedido às respectivas anulações e para que estas não se consolidassem na ordem jurídica.
1.58. O tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar o pedido de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de impostos, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a) do RJAT.
1.59. As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade nos termos do art.º 4.º e do n.º 2 do art.º 10.º do RJAT, e do art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, estão regularmente representadas, não padecendo o processo de qualquer nulidade.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com interesse para a prolação da presente decisão arbitral, mostram-se provados os seguintes factos:
2.1.1. Em Julho de 2023, os Requerentes requereram ao CAAD a constituição de Tribunal Arbitral Colectivo para a emissão da pronúncia arbitral sobre o indeferimento tácito de uma reclamação graciosa por eles apresentada, que correu termos sob o n.º 516/23-T, no qual foi proferida decisão arbitral em 22.02.2024, com trânsito em julgado em 15.04.2024, tendo sido julgados “totalmente procedentes os pedidos formulados pelos Requerentes, pelo que, em execução de sentença, deverá a AT: a) Reformular a liquidação impugnada e respetivo “acerto de contas”, considerando, para efeitos do disposto no 10º, n.º 5 do CIRS, que os Requerentes haviam efetuado, em 2017, por pagamento de parte do preço do imóvel adquirido, sem recurso a crédito, um reinvestimento parcelar de 1.300.000 euros e não de 700.000 euros (valor erroneamente declarado). b) Restituir o imposto que se venha a apurar ter sido pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios contados, atentas as prestações em que se desdobrou o pagamento, desde 16/04/2023.”
2.1.2. No dia 23.09.2024, os Requerentes foram notificados do Ofício n.º DFLisboa ...´24-09-20, Divisão de Liquidação do Imposto S/Rendimento e Despesa, sob epígrafe, “PROJETO DE DECISÃO”, através do qual a AT comunicou a sua “intenção de promover a correção das suas declarações de rendimentos dos anos de 2018 e 2019, no sentido de ser considerado um reinvestimento parcial do valor de realização, no montante de € 1.167.274,49, uma vez que o prédio reabilitado tinha sido inscrito sob o artigo 2929, passando a ser composto por 2 andares ou divisões com utilização independente, identificados como “Piso 0” e “Piso 1”, cabendo-lhes as permilagens de 286,37 e 713,63, respectivamente, tendo posteriormente o “Piso 0” sido objecto de arrendamento.
2.1.3. A 08.10.2024, ou seja, no prazo legal para o exercício do direito da audição relativo ao projecto de decisão referido em 2.1.2., os Requerentes foram notificados do acto tributário de liquidação n.º 2024..., referente ao IRS de 2018, com o VALOR A REEMBOLSAR de € 6.191,08, conforme Demonstração de Liquidação de IRS n.º 2024... .
2.1.4. O acto de liquidação objecto da presente acção arbitral, referente ao IRS de 2018, com n.º 2024..., no montante de € 59.589,36, foi praticado no dia 04.10.2024 e notificado aos Requerentes em 14.10.2024.
2.1.5. No dia 15.10.2024, os Requerentes foram notificados da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2024..., datado de 09.10.2024, referente ao IRS de 2018, com o saldo apurado e valor a pagar de € 65.780,41, tendo como data limite de pagamento 26.11.2024.
2.1.6. Os Requerentes interpuseram, em 05.11.2024, a acção de execução da sentença arbitral proferida no processo nº 516/2023-T, estando a mesma a ser tramitada no Tribunal Tributário de Lisboa, na Unidade Orgânica 3, sob processo n.º 1473/24.1BELRS, que ainda não obteve sentença.
2.1.7. Os Requerentes solicitaram a constituição do presente tribunal arbitral no dia 28.11.2024;
2.1.8. Os actos tributários objecto da presente ação arbitral, desde 21.12.2024, não existem na ordem jurídica.
2.1.9. Com data de acerto de contas de 24.12.2024, a AT remeteu aos Requerentes a “Demonstração de Acerto de Contas” com o n.º 2024..., da qual resulta ter sido efectuado: a) o estorno da liquidação 2024..., no valor de €59.589,36, e b) o acerto da liquidação 2024..., no valor de €6.191,05, e “Regularização total de doc. Anterior, Nota 2024..., no valor de €- 65.780,41.
2.2. Factos não provados
Não ficou provado:
2.2.1. Que a Requerida tenha notificado o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão [a revogação dos actos tributários postos em crise], nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT.
2.2.2. Que o dirigente máximo do serviço da administração tributária tenha procedido à notificação do sujeito passivo, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 13.º do RJAT.
Não há outros factos relevantes para a prolação da decisão que tenham sido dados como não provados.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de pronunciar-se sobre tudo quanto é alegado pelas partes, cabendo-lhe, antes, o dever de seleccionar os factos que se mostrem relevantes para a prolação da decisão, identificando os factos que se consideram provados e os que, por seu turno, não se acham demonstrados (artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”) e artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4, do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Assim, os factos que importam para a decisão são apurados em função do objecto do litígio, delimitado em função do pedido e da causa de pedir (artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos aos autos pelas Partes e nas posições que assumiram nos articulados e requerimentos por si apresentados.
3. Matéria de direito
3.1. Questões a decidir
Como afirmado pela Requerida e intuído pelos Requerentes, os actos tributários objecto da presente ação arbitral, desde 21.12.2024, não existem na ordem jurídica. Ora, não existindo na ordem jurídica, fica prejudicada a solicitada pronúncia arbitral, já que os Requerentes pretendiam fosse declarada a ilegalidade desses mesmos actos, com a consequente anulação.
Assim, impõe-se a apreciação das seguintes questões:
a) A de saber se a revogação do acto de liquidação controvertido acarreta a inutilidade superveniente da lide;
b) A de dilucidar quem deve suportar as custas do presente processo arbitral.
3.2. A revogação do acto de liquidação controvertido e a inutilidade superveniente da lide
O artigo 13.º, n.º 1 do RJAT prescreve o seguinte:
“Nos pedidos de pronúncia arbitral que tenham por objeto a apreciação da legalidade dos atos tributários previstos no artigo 2.º, o dirigente máximo do serviço da administração tributária pode, no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”
Por sua vez, no n.º 2 do mesmo preceito pode ler-se:
Quando o acto tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último acto se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse.
A Requerida afirmou que os actos tributários objecto da presente ação arbitral, desde 21.12.2024, não existem na ordem jurídica. Terão sido, pois, revogados. O n.º 1 do artigo 13.º do RJAT confere à AT a possibilidade de “no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada”. Mas não basta à AT proceder à revogação do acto tributário cuja ilegalidade foi suscitada. É preciso “notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º”.
O que se pretende com esta disposição, claro está, é evitar que se constitua o tribunal arbitral, na ausência de litígio. Sendo eliminado da ordem jurídica o acto cuja ilegalidade foi suscitada, com a sua revogação, em princípio, o autor do pedido de pronúncia arbitral vê satisfeita a sua pretensão, aceitando o não prosseguimento dos autos.
Ora, não resulta dos autos que a Requerida tenha notificado “o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão”, ou seja, que tinha procedido à revogação dos actos impugnados, nem que tenha disso notificado os Requerentes, para que eles pudessem declarar se tinham, ou não, interesse no prosseguimento da acção arbitral. Assim, não podia deixar de ser constituído o tribunal arbitral, o que se deu no dia 10.02.2025.
Parece manifesto haver inutilidade superveniente do litígio. Como é evidente, a Requerida poderá, dentro do prazo a que se refere o n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, proceder à revogação do acto tributário. Dessa revogação têm de extrair-se todos os efeitos processuais e jurídico-tributários que ela implica, nomeadamente no que se refere à restituição das quantias exigidas pelo acto revogado, caso hajam sido pagas, ao pagamento de juros indemnizatórios, se isso se justificar, e bem assim à extinção dos processos executivos que visam cobrar coercivamente o que se entendeu não ser devido.
O n.º 2 do dito artigo 13.º do RJAT, concede aos sujeitos passivos o direito de imporem o prosseguimento dos autos. Aliás, para que eles não prossigam é preciso que os sujeitos passivos declarem expressamente que não se opõem à extinção do procedimento. Ora, no caso vertente, os Requerentes não foram colocados na situação de poderem declarar a sua vontade, por não terem sido notificados da revogação.
Por força da revogação do acto tributário, deixa de haver objecto do litígio, devendo ser tida por extinta a instância quanto ao pedido formulado pelos Requerentes, nos termos do disposto nos artigos 277.º, alínea e) e 611.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT[1], se a sua pretensão tiver sido integralmente satisfeita com a dita revogação, como parece ser o caso.
Importa agora apurar por conta de quem devem correr as custas da presente acção arbitral. Ainda que a Requerida tenha revogado os actos tributários impugnados antes da constituição do tribunal arbitral, certo é que não diligenciou, conforme era sua obrigação legal, no sentido de tanto o CAAD como os Requerentes tomarem conhecimento dessa revogação. Assim, como não podia deixar de ser, o procedimento prosseguiu, e essa circunstância é alheia à vontade ou ao capricho dos Requerentes. Por isso, não há dúvidas de que foi a Requerida que deu azo a este processo arbitral. Independentemente da sucessão de actos tributários promovidos pela Requerida, uns incompreensíveis e contraditórios outros, os Requerentes reagiram contra actos tributários que entenderam ilegais, recorrendo à justiça arbitral. Poderia a Requerida, se tivesse cumprido os seus deveres legais, ter evitado a constituição do presente tribunal arbitral e se essa constituição não fosse evitada provavelmente esse facto não lhe seria imputável. Contudo, atentas as vicissitudes do presente caso, há que responsabilizar a Requerida pelas respectivas custas.
4. Decisão
Assim, nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide:
a) Declarar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT;
b) Condenar a Requerida nas custas.
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no n.º 4 do art.º 299.º e no n.º 2 do art.º 306.º, ambos do CPC, no art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 65.780,41 (sessenta e cinco mil, setecentos e oitenta euros e quarenta e um cêntimos).
6. Custas
Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 5 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar, como se disse, integralmente pela Requerida.
Lisboa, 17 de Setembro de 2025
Os Árbitros
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Fernando Araújo
(Presidente)
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Alberto Amorim
(Vogal)
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Nuno Pombo
(Vogal)
[1] V. CARLA CASTELO TRINDADE, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária – anotado, Almedina, 2016, pág. 337.