SUMÁRIO:
- Das normas da União Europeia não resulta a proibição da concessão de auxílios de estado, como é o caso do RFAI, às indústrias cuja atividade consista na transformação de “produtos agrícolas” em “produtos agrícolas”, salvo ocorrendo uma das situações expressamente por elas excecionadas, o que não foi alegado no presente caso.
- São elegíveis para o RFAI, no ano da sua entrada em funcionamento, as aquisições de “caldeira de vapor”, “equipamentos de rotulagem” e investimento em automação de paletizadores, quando não esteja em causa a substituição de equipamentos existentes, uma vez que são suscetíveis de contribuir para aumentos de produção.
DECISÃO ARBITRAL
A..., LDA., NIPC..., com sede na ..., ..., ...-..., ..., veio, nos termos legais, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
I- RELATÓRIO
A) O pedido
A Requerente peticiona a anulação parcial da autoliquidação de IRC nº 2023 ..., de 20.06.2023, emitida na sequência da entrega da declaração mod. 22 de substituição nº..., no segmento relativo ao crédito de imposto RFAI, por forma a serem considerados investimentos, tidos por elegíveis, no montante de € 256.652,00.
B) O litígio
Estão em causa consequências a extrair da ação inspetiva realizada relativamente a 2020, na qual foram efetuadas correções, algumas das quais implicando, no entender da Requerente, “correções simétricas” em 2021.
Em concreto, estão em causa os investimentos, adiante melhor descritos, em “Rotulagem – Máquina para latas”, “Rotulagem – Etiquetadora”, “Rotulagem – Otimização de automação em paletizadores” e “Caldeira Nova”.
A Requerente entende que, devendo tais investimentos ser considerados em 2021 (e não em 2020, como havia declarado), devem relevar, neste exercício, para efeitos de RFAI.
A AT entende que na inspeção relativa a 2020 não foram aceites como elegíveis tais investimentos, sustentando que as deduções que a Requerente pretende ver consagradas, relativamente a 2021, não podem ser aceites por a atividade exercida pela Requerente se encontrar excluída do âmbito do RFAI e, em qualquer caso, tais investimentos, em concreto, não serem elegíveis.
C) Tramitação processual
O pedido foi aceite em 26/12/2024.
Os árbitros foram nomeados pelo Conselho Deontológico do CAAD, aceitaram as nomeações, as quais não foram objeto de oposição.
O tribunal arbitral ficou constituído em 05/03/2025.
A Requerida apresentou resposta e juntou o PA.
Em 27/06/2025, teve lugar a reunião a que se refere o art. 18º do RJAT e audição das declarações de parte. Foi também prorrogado, por mais dois meses, o prazo para prolação da decisão.
As partes apresentaram alegações escritas nas quais reiteraram as suas posições.
D) Saneamento
O processo não enferma de nulidades ou irregularidades
Não foram alegadas exceções nem detetadas outras questões suscetíveis de impedir o conhecimento do mérito.
II -PROVA
II.1 - Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente tem como atividade principal a preparação e conservação de frutos e produtos hortícolas por outros processos, complementada pela transformação de cereais e leguminosas, bem como pela produção de polpa de tomate e molhos. A Requerente realiza a transformação industrial destes produtos, que são posteriormente comercializados sob a forma de conservas de leguminosas prontas a consumir, polpa de tomate e molhos de tomate.
b) A sua atividade está classificada no CAE principal 10395 e nos CAE secundários 10320 e 10613.
a) Na sua declaração de IRC mod. 22 relativa a 2020, a Requerente deduziu à coleta, no campo 714 – Dotação do período ‐ € 356.736,62 e no campo 715 – Dedução do período – € 307.958,48 e no campo 716 – Saldo que transita para período seguinte ‐ €48.778,14.
b) No seguimento de procedimento de inspeção relativo a 2020, foi desconsiderada toda a dotação de RFAI declarada nesse período, com os efeitos subsequentes, como sejam, o expurgo do valor de RFAI a reportar para 2021.
c) A fundamentação de tal correção assentou, em primeiro lugar, no entendimento de que, uma vez que a Requerente se dedica à transformação de produtos agrícolas em produtos agrícolas, a sua atividade se encontra excluída do âmbito do RFAI por força do disposto no artigo 1.º da Portaria n.º 282/2014, aplicável ao RFAI por remissão do n.º 1 do artigo 22° do CFI, que na sua parte final, exceciona do âmbito de aplicação do referido regime as atividades excluídas do âmbito setorial de aplicação das OAR.
d) Foi expressamente considerado como não elegível para poder beneficiar do RFAI, mesmo na hipótese de se vir a considerar a atividade da Requerente abrangida, entre outros, o montante relativo a adiantamentos a fornecedores feitos em ordem à aquisição de equipamentos (“Rotulagem – Máquina para latas”, “Rotulagem – Etiquetadora “Rotulagem – Otimização de automação em paletizadores” e “Caldeira Nova”.
e) A razão invocada para a não aceitação de uma parte tais valores foi o estar em causa, em 2020, o pagamento de adiantamentos. Segundo a AT (nº 19 da resposta) encontrando‐se aqueles investimentos automaticamente excluídos pelo facto de os valores respeitarem exclusivamente a adiantamentos, não foi analisada a substância do investimento.
f) A Requerente impugnou a liquidação adicional, relativa a 202O, resultante de tal ação inspetiva, em processo que correu no CAAD sob o nº 897/2023.
g) Em tal processo, a Requerente apenas colocou em causa a não elegibilidade da sua atividade para efeitos de RFAI e a desconsideração da aquisição de veículos de transporte, considerados equipamentos de substituição, não tendo sido objeto de tal ação os adiantamentos a fornecedores atrás referidos.
h) A ação foi julgada procedente no tocante à abrangência pelo RFAI da atividade da Requerente, pelo que, no seguimento, foi alterada a dotação de RFAI de 2020 para o montante de 267.726,78 €, valor que foi deduzido na íntegra no período de 2020, sendo nulo o saldo a deduzir para o período seguinte.
i) Em 16/10/2020, a Requerente efetuou o pagamento de € 124.950,00 ao fornecedor de uma caldeira industrial, a título de princípio de pagamento para fabrico e fornecimento do equipamento.
j) A referida caldeira foi entregue apenas em 2021.
k) O investimento na caldeira teve como objetivo aumentar a capacidade de produção de vapor necessário aos processos de estabilização e pasteurização de produtos alimentares nas linhas de produção da Requerente, tendo uma capacidade de 16 toneladas de vapor por hora, em substituição da anterior caldeira com capacidade limitada a 10 toneladas por hora.
l) A substituição da caldeira anterior decorreu da necessidade de expansão produtiva, não tendo sido possível manter simultaneamente as duas caldeiras por limitações de espaço nas instalações fabris.
m) A nova caldeira permitiu suprir o estrangulamento existente na capacidade de geração de vapor, essencial para o funcionamento contínuo das linhas de embalamento e tratamento térmico dos produtos.
n) Em 2/10/2020, a Requerente procedeu ao pagamento de €37.352,00 ao fornecedor de uma máquina de rotulagem para latas, também a título de princípio de pagamento.
o) Em 23/10/2020, a Requerente procedeu ao pagamento do valor € 76.500,00, a título de princípio de pagamento da das máquinas de rotulagem /etiquetadora.
p) As máquinas de rotulagem e etiquetadora foram entregues apenas no ano de 2021, não tendo sido instaladas nem utilizadas em 2020.
q) A etiquetadora tem capacidade para cerca de 24.000 frascos por hora, integrada numa linha de frascos destinada à aplicação de etiquetas em embalagens de produtos alimentares, utilizando tecnologia de impressão direta.
r) A Requerente adquiriu também uma máquina rotuladora para latas, destinada à aplicação de rótulos em papel com cola quente em latas de produtos alimentares, a qual opera de forma automática com uma linha própria de produção.
s) As referidas máquinas foram adquiridas com o objetivo de aumentar a capacidade de rotulagem e etiquetagem da unidade fabril, em virtude do crescimento da produção e da exigência de trabalhar em simultâneo com várias marcas de diferentes cadeias de distribuição, nacionais e estrangeiras.
t) Antes deste investimento, a Requerente dispunha de máquinas com funções semelhantes, mas com limitações técnicas e operacionais, nomeadamente quanto à alternância entre formatos de embalagens (por exemplo, entre latas de 1 kg e de 0,5 kg), o que obrigava a paragens demoradas para ajustes.
u) As novas máquinas permitiram duplicar a capacidade de rotulagem, uma vez que funcionam em paralelo com as anteriores, tendo sido instaladas sem substituir os equipamentos preexistentes, que continuam a operar nas mesmas instalações.
v) A Requerente, em 17/10/2020, efetuou o pagamento do montante €17.850,00, a título de princípio de pagamento de um paletizador automático, utilizado para automatização da operação final de paletização das embalagens de produtos acabados.
w) O paletizador foi entregue e instalado nas instalações da Requerente em 2020, encontrando-se afeto à atividade produtiva da empresa.
x) O investimento na otimização da automação dos paletizadores já existentes, teve como objetivo aumentar a capacidade de produção e a fluidez das linhas de embalamento, mitigando os estrangulamentos verificados na fase final do processo produtivo, o que resultou numa redução substancial do tempo de paletização por unidade de carga.
y) Com esta otimização, a capacidade produtiva aumentou, uma vez que, anteriormente, a lentidão dos paletizadores provocava interrupções frequentes nas linhas de produção, comprometendo a fluidez do processo.
z) A Requerente deduziu, tempestivamente, reclamação graciosa necessária da liquidação que ora impugna, a qual não foi expressamente decidida no prazo legal.
A prova dos factos relativos às características dos equipamentos adquiridos, necessidade da sua aquisição e aumento da capacidade produtiva daí decorrente (k), l), p), q), r) s), v) e w)) decorreu essencialmente do depoimento de parte. No entender do tribunal, o depoente, não obstante o seu interesse pessoal, falou com verdade e conhecimento direto dos factos. O seu depoimento, minucioso e rigoroso, foi, no entender do tribunal, totalmente esclarecedor.
Os demais factos constam do RIT e documentação anexa aos autos, não tendo originado qualquer divergência entre as partes.
II.2 - Factos não provados
Não existem factos dados como “não provados” relevantes para a decisão da causa.
III- O DIREITO
A Requerida conclui pelo indeferimento do pedido com base em duas ordens de razões:
1 - Atividade exercida excluída do âmbito do RFAI
A AT mantém o entendimento, que há muto perfilha, de que o setor de transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no Anexo I do Tratado, na qual a atividade da Requerente se insere, está excluído do âmbito do RFAI, o que decorreria não só das situações previstas no artigo 1.º, n.º 3 alínea c) do RGIC, mas, também, das disposições aí mencionadas, nomeadamente das OAR.
Apesar de o tema já ter sido apreciado, no contexto de liquidações relativas a outros exercícios, por vários tribunais arbitrais e estes terem concluído, com trânsito em julgado, que a atividade da, também ora, Requerente está abrangida pelo RFAI, o certo é que tais decisões não formaram caso julgado formal, a ser obrigatoriamente aqui respeitado, por cada processo ser dirigido à anulação de uma ou mais liquidações em concreto, ou seja, não há identidade dos pedidos. Isto sem prejuízo da chamada “autoridade do caso julgado material”, o respeito que deve merecer a jurisprudência anterior, especialmente estando em causa o mesmo sujeito passivo e os mesmos factos.
Não subscrevemos a posição da AT porquanto entendemos:
1.1 – A lei nacional
A fundamentação invocada pela Requerida assenta, essencialmente, no disposto na Portaria n.º 282/2014, de 30 de dezembro, a qual, no seu artigo 2.º, enumera os códigos da Classificação Portuguesa de Atividades Económicas (CAE- Rev. 3) identificativos das atividades elegíveis para efeitos de RFAI.
Começamos por salientar que em tais códigos se incluem os relativos às indústrias transformadoras, entre os quais os correspondentes à atividade da Requerente aqui em causa).
O que aqui releva é a parte final do nº 1 do art. 1º de tal portaria: (…) não são elegíveis para a concessão de benefícios fiscais os projetos de investimento que tenham por objeto (…) a transformação e comercialização de produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (…).
Estando em causa a transformação de frutos, produtos hortícolas, cereais e leguminosas (produtos enumerados no anexo I do Tratado), temos resumida a fundamentação, factual e de direito, em que se sustenta a Requerida.
Só que, tal como dispõe a parte inicial de tal norma, a mesma (melhor, o disposto no regime nacional do RFAI) tem que ser entendida em conformidade com as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020, publicadas no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013 e com o Regulamento (UE) n.º 651/2014, de 16 de junho de 2014, publicado no Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014 (Regulamento Geral de Isenção por Categoria).
Mais esclarecedora é a redação no n.º 1 do artigo 22.º do CFI: o RFAI é aplicável aos sujeitos passivos de IRC que exerçam uma atividade nos setores especificamente previstos no n.º 2 do artigo 2.º, tendo em consideração os códigos de atividade definidos na portaria prevista no n.º 3 do referido artigo, com exceção das atividades excluídas do âmbito sectorial de aplicação das OAR [Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020] e do RGIC [Regulamento Geral de Isenção por Categoria].
Em resumo, o RFAI apenas não é aplicável a empresas dos sectores de atividade enumerados no seu art. 2º, entre os quais se conta o de atividade da Requerente, se existir uma exclusão resultante das OAR ou do RGIC.
O facto de a portaria n.º 282/2014 expressamente excluir do âmbito de aplicação do RFAI os projetos de investimento que tenham por objeto a transformação de produtos agrícolas não pode relevar.
Uma portaria, com a natureza de regulamento de execução, não pode inovar (no caso, ser mais restritiva) relativamente à lei que regulamenta. Mais, estando em causa matéria que integra a reserva relativa de competência da AR (a definição do âmbito de aplicação de um benefício fiscal), fica liminarmente excluído, sob pena de inconstitucionalidade, qualquer poder regulamentar que se traduza numa alteração do conteúdo de um elemento essencial de um imposto ou de um benefício fiscal.
Resta, pois, saber se a atividade da requerente é abrangida por alguma exclusão resultante das OAR ou do RGIG.
1.2 - Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020 (OAR)[1]
Temos, em primeiro lugar, o disposto no seu ponto 10: A Comissão aplicará os princípios estabelecidos nas presentes orientações aos auxílios com finalidade regional em todos os setores de atividade económica, com exceção da pesca e da aquicultura, da agricultura e dos transportes, que estão sujeitos a regras especiais previstas em instrumentos jurídicos específicos, suscetíveis de derrogar total ou parcialmente as presentes orientações (…).
Importa, ainda, ter em atenção o disposto na nota de rodapé 11: Os auxílios estatais à produção primária, transformação e comercialização de produtos agrícolas que deem origem a produtos agrícolas enumerados no anexo I do Tratado [é o caso] e à silvicultura estão sujeitos às regras estabelecidas nas Orientações para os auxílios estatais no setor agrícola.
Há, pois, que concluir, à luz das OAR, que a admissibilidade da concessão de auxílios estatais (no caso, a aplicabilidade do RFAI) à atividade da Requerente tem que ser apreciada à luz das Orientações para os Auxílios Estatais no Setor Agrícola[2].
O ponto 33 de tais Orientações dispõe o seguinte: em virtude das especificidades do setor, não se aplicam aos auxílios à produção de produtos primários as Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020. Aplicam-se, no entanto, à transformação de produtos agrícolas e à comercialização de produtos agrícolas, dentro dos limites fixados nas presentes orientações.
No ponto (168) da secção 1.1.1.4 destas Orientações consta o seguinte: Os Estados-Membros podem conceder auxílios a investimentos relacionados com a transformação de produtos agrícolas e a comercialização de produtos agrícolas, desde que satisfaçam as condições de um dos seguintes instrumentos de auxílio: a) Regulamento (UE) n.º 651/2014 da Comissão, de 17 de junho de 2014, que declara certas categorias de auxílios compatíveis com o mercado interno, em aplicação dos artigos 107.º e 108.º do Tratado; (b) Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para 2014-2020; (c) As condições estabelecidas na presente secção.
Não consta da fundamentação das liquidações impugnadas o entendimento de que o regime legal do RFAI, quando aplicado à atividade de transformação de produtos agrícolas, resulte incompatível com todos os normativos que acabámos de referir.
Pelo contrário, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, que aprovou o novo Código Fiscal do Investimento (CFI) e procedeu à revisão global dos regimes de benefícios ao investimento e à capitalização, teve em vista, como ressalta da nota preambular, adaptar o regime legal ao novo quadro legislativo europeu aplicável aos auxílios estatais para o período 2014-2020 e, por outro lado, reforçar os diversos regimes de benefícios fiscais ao investimento, em particular no que se refere a investimentos que proporcionem a criação ou manutenção de postos de trabalho e se localizem em regiões menos favorecidas.
Portanto, há que concluir que das Orientações para os Auxílios Estatais no Sector Agrícola não resulta a proibição da aplicação de um sistema de Auxílios de Estado como o RFAI à atividade de transformação industrial de “produtos agrícolas” em novos “produtos agrícolas”.
1.3 -Regulamento Geral de Isenção por Categoria[3]
Entende a Requerida que a atividade da Requerente se integra no conceito de «transformação de produtos agrícolas» e, como o produto final desta atividade é um produto agrícola (porque enumerado no Anexo l do Tratado), esta atividade encontra-se excluída do RGIC, de acordo com o disposto nos seus pontos 10 e 11.
Tal não é exato.
Por força do disposto no artigo 1.º, n.º 3, alínea c), do RGIC, só não é permitida a concessão de auxílios estatais à atividade de transformação e de comercialização de produtos agrícolas se se verificar qualquer das situações indicadas nas suas subalíneas i) ou ii), isto é, «sempre que o montante dos auxílios for fixado com base no preço ou na quantidade dos produtos adquiridos junto de produtores primários ou colocados em empresas no mercado pelas empresas em causa» ou «sempre que o auxílio for subordinado à condição de ser total ou parcialmente repercutido nos produtores primários».
Não se verificando qualquer destas situações no presente caso (tal alegação não consta da fundamentação das liquidações impugnadas), há que concluir que a aplicação do benefício fiscal RFAI aos investimentos realizados pela Requerente também não é afastada pelo RGIC.
Mais, o artigo 13.º, alínea b), do RGIC, que define o «âmbito de aplicação dos auxílios com finalidade regional», confirma a sua aplicação à atividade de transformação e comercialização de produtos agrícolas, quando exclui do seu âmbito de aplicação os «auxílios com finalidade regional sob a forma de regimes orientados para um número limitado de setores específicos de atividade económica», mas clarificando que não é como tal considerada «a transformação de produtos agrícolas».
1.4- Em resumo:
- O âmbito de aplicação do RFAI, tal como configurado pelo art. 22º do Código Fiscal do Investimento, não exclui a aplicabilidade de tal benefício fiscal (RFAI) às indústrias cuja atividade consista na transformação de produtos agrícolas em “produtos agrícolas”.
- Seria inconstitucional sustentar tal exclusão com o disposto no nº 1 do art. da Portaria n.º 282/2014, dada a natureza regulamentar de tal diploma. Para mais está em causa a configuração de um benefício fiscal, a qual só pode ser feita por lei ou decreto-lei autorizado.
- Das normas da União aplicáveis não resulta a proibição da concessão de auxílios de estado, como é o caso do RFAI, às indústrias cuja atividade consista na transformação de produtos agrícolas em “produtos agrícolas”, salvo ocorrendo exceções que não foram suscitadas no presente caso.
Improcede, pois, este argumento da Requerida.
2 A elegibilidade dos investimentos em causa para efeitos de RFAI
Em primeiro lugar, aceita-se que os investimentos em causa, cujos adiantamentos não relevaram em 2020, apesar de incluídos na declaração de IRC relativa a esse exercício (decisão com que, ao que entendemos, a Requerente se conformou), possam relevar para efeitos de RFAI, se para tal reunirem as condições, em 2021, em nome do princípio da especialização dos exercícios, uma vez que, como provado, foi neste exercício que tais equipamentos passaram a integrar o ativo firme da Requerente e a ser por ela utilizados no seu processo produtivo.
Segunda consideração inicial: a Requerida absteve-se de cumprir o seu dever de apreciar e decidir a reclamação graciosa apresentada, não tendo levado a cabo a atividade instrutória que a decisão implicaria.
Não podem ser aceites, por equivalerem à defesa de uma total inversão do ónus da prova, afirmações, constantes da resposta, como “Não existe nos autos qualquer prova de que, no valor que a Requerente já considerou na (auto) liquidação de IRC de 2021 como dotação de RFAI de 2021 no montante de 425.803,42 €, que corresponde a um investimento no montante total de 1.703.213,68 €, já não esteja incluído o crédito de imposto RFAI ora ambicionado no montante de €64.163,00; nem da relevação contabilística do alegado investimento que pretende considerar elegível para efeitos de e a Requerente não apresentou qualquer comprovação de se encontrarem observadas todos as condições previstas no CFI (artigos 22.º a 26.º) e na Portaria n.º 297/2015, de 21 de setembro RFAI”.
As declarações dos sujeitos passivos gozam de presunção legal de verdade, que cumpre à AT ilidir, sendo o caso. O que no caso não foi feito, desde logo por inércia dela, AT, primeiro quando expressamente se absteve de conhecer destas questões no momento em que apreciou a declaração de 2020 (na qual estava incluída parte dos montantes relativos aos investimentos ora em causa), e, também, relativamente à (auto)liquidação de 2021 ao nada dizer em sede de reclamação – reclamação necessária, repete-se.
Justificando a não relevância de tais investimentos para efeitos do RFAI, afirma a AT na sua resposta:
a) Quanto à “Caldeira Nova” consta nas faturas de suporte (páginas 93, 95, 97 e 99 da PI de RG) que se trata de “AQUISIÇÃO DE CALDEIRA NOVA PARA SUBSTITUIÇÃO DE CALDEIRA ANTIGA”, pelo que, tratando‐se de um investimento de substituição, não poderá o mesmo beneficiar do RFAI, porquanto o mesmo não é um INVESTIMENTO INICIAL;
b) Quanto à “Rotulagem ‐ Máquina para latas, Etiquetadora e Otimização de automação em paletizadores” estaremos, também, perante investimentos de substituição, não tendo sido demonstrado esse carater de investimento inicial nem, tão pouco, quaisquer dos demais pressupostos para concluir que estamos perante investimento no âmbito do RFAI. De facto, será senso comum que a rotulagem de embalagens não significa aumento de produção. O processo de rotulagem está fora da cadeia produtiva. Tão pouco, consta que a Requerente, antes da compra daquelas maquinas não efetuava a rotulagem das suas embalagens, de forma a poder ser considerado investimento inicial e não equipamento de substituição.
Estes argumentos foram totalmente abalados pelo depoimento de parte, como já referido[4]:
- o investimento na caldeira teve como objetivo aumentar a capacidade de produção de vapor necessário aos processos de estabilização e pasteurização de produtos alimentares nas linhas de produção da Requerente, tendo uma capacidade de 16 toneladas de vapor por hora, em substituição da anterior caldeira com capacidade limitada a 10 toneladas por hora, cuja operação se tornara insuficiente face ao aumento da produção, não tendo sido possível manter simultaneamente as duas caldeiras por limitações de espaço nas instalações fabris.
- as outras máquinas foram adquiridas com o objetivo de aumentar a capacidade de rotulagem e etiquetagem da unidade fabril, em virtude do crescimento da produção e da exigência de trabalhar em simultâneo com várias marcas de diferentes cadeias de distribuição, nacionais e estrangeiras. Antes deste investimento, a Requerente dispunha de máquinas com funções semelhantes, mas com limitações técnicas e operacionais, nomeadamente quanto à alternância entre formatos de embalagens (por exemplo, entre latas de 1 kg e de 0,5 kg), o que obrigava a paragens demoradas para ajustes. As novas máquinas permitiram duplicar a capacidade de rotulagem, uma vez que funcionam em paralelo com as anteriores, tendo sido instaladas sem substituir os equipamentos preexistentes, que continuam a operar nas mesmas instalações.
O investimento na otimização da automação dos paletizadores já existentes, teve como objetivo aumentar a capacidade de produção e a fluidez das linhas de embalamento, mitigando os estrangulamentos verificados na fase final do processo produtivo, o que resultou numa redução substancial do tempo de paletização por unidade de carga.
Com esta otimização, a capacidade produtiva aumentou, uma vez que, anteriormente, a lentidão dos paletizadores provocava interrupções frequentes nas linhas de produção, comprometendo a fluidez do processo.
Não estamos, pois, perante “investimentos de substituição, mas sim por perante “investimentos iniciais” realizados com o objetivo (e tendo como resultado) aumentos da capacidade produtiva da Requerente.
3- Juros indemnizatórios
Dada a procedência da presente ação, a Requerente terá direito a receber juros indemnizatórios, a serem calculados em execução de sentença.
Porém, uma vez que a existência de “erro imputável aos serviços” apenas aconteceu em razão do não cumprimento do dever de decidir a reclamação graciosa apresentada (a liquidação reclamada é da autoria do sujeito passivo) a contagem de tais juros apenas deve ter início na data em que foi ultrapassado o prazo legal de decisão, tal como decorre da alínea c) do n.º 3 do art.º 43.º da LGT.
IV -DECISÃO
Anula-se parcialmente a liquidação de IRS impugnada, IRC relativo a 2021, a qual deve ser reformulada de forma a serem considerados investimentos declarados como elegíveis para o benefício fiscal RFAI no montante de € 256.652,00.
Reconhece-se o direito da Requerente ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos legais, atrás expostos, a serem quantificados em execução de sentença.
VALOR: € 256.652,00
CUSTAS, no montante de € 4.896,00, a cargo de Requerida por ter sido total o seu decaimento.
15 de setembro de 2025
Os árbitros
Rui Duarte Morais
Sérgio Pontes
Nuno Pombo
[1] Jornal Oficial da União Europeia n.º C 209, de 27 de julho de 2013.
[2] Jornal Oficial da União Europeia C 204, de 1 de Julho de 2014.
[3] Jornal Oficial da União Europeia n.º C 187, de 26 de junho de 2014
[4] Para além do ilógico de algumas afirmações da Requerida, como seja a de que a rotulagem não integra o processo produtivo.