Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 134/2025-T
Data da decisão: 2025-09-11  IRS  
Valor do pedido: € 27.828,37
Tema: IRS; mais-valias; valor de aquisição; caducidade; caso julgado
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SUMÁRIO: 

O valor de aquisição a considerar para efeito do cálculo de uma mais-valia imobiliária relativa a prédio herdado é valor o patrimonial tributário resultante de avaliação levada a cabo nos termos do CIMI e constante da matriz predial à data da transmissão, nos termos do artigo 45.º, n.º 1 do CIRS e do artigo 13.º, n.º 1, do CIS.   

DECISÃO ARBITRAL

O árbitro Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para constituir o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão

 

1. RELATÓRIO

 

1. A...NIF..., residente em ... Munique, Alemanha, veio, a 06.02.2025, nos termos dos artigos 95.º da Lei Geral Tributária (LGT), 99.º, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 2.º, n.º 1, alínea a),  e 10.° do Regime  Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, requerer a Constituição de Tribunal Arbitral Singular e apresentar o seguinte pedido de Pronúncia Arbitral, com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, respeitante à liquidação de IRS, especificamente no que se refere às mais-valias imobiliárias, referente ao ano de 2019 – Liquidação No 2024 ... . 

 

2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 10.02.2025. 

 

3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, alínea a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou o signatário como árbitro singular, em 01.04.2025. 

 

4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 22.04.2025. 

 

6.A AT, tendo para o efeito sido devidamente notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 21.05.2025, onde, por impugnação, sustentou a improcedência do pedido, por não provado, e a absolvição da Requerida.

 

7. Por ter não sido considerada necessária, a audiência prevista no artigo 18.º do RJAT foi dispensada por despacho proferido em 09.07.2025, tendo sido concedida a faculdade de produção de alegações finais simultâneas no prazo de 10 dias, tendo a Requerida apresentado as suas em 03.09.2025. 

 

1.1  Dos factos alegados pelo Requerente 

 

 

8. O Requerente em 2019 residiu e tinha domicílio fiscal na Alemanha, o que se mantém na presente data. Em fevereiro de 2019, o Requerente procedeu à venda de 50 % do imóvel, destinado a habitação, sito na Rua ..., n.º ... e ..., concelho de Oeiras, União das Freguesias de ..., ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...  da referida freguesia, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número ... da freguesia de ..., com a Licença de Utilização n.º ..., emitida pela Câmara Municipal de Oeiras a 24.07.1962, pelo valor de 250.000,00€. 

 

9. O Requerente apresentou atempadamente a sua declaração de IRS de 2019, a 30.06.2020, tendo declarado que o imóvel acima identificado havia sido adquirido por si em 1989, por 71.530,00€. Na quantificação da mais-valia tributária, a AT considerou o valor do resultado por 66.883,20€, nos termos do n.º 1, do artigo 43.°, do CIRS, desconsiderando o regime de exclusão de tributação de 50%, previsto no n.º 2 do mesmo artigo, motivo pelo qual a AT veio a emitir, ao Requerente, a liquidação de IRS n.º 2020 ..., no valor total de 18.727,29€.  

 

10. O Requerente pagou o imposto liquidado no dia 28.08.2020, tendo apresentado um pedido de pronúncia arbitral em 08.10.2020, o qual seguiu os seus termos sob o Processo n. ° 520/2020-T do CAAD. Em 31.05.2021, o tribunal arbitral decidiu: a) declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019determinando a sua anulação pela totalidade; b) condenar a Requerida na emissão de nova liquidação, expurgada do vício de que padece a liquidação anulada; c) condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pelo Requerente, pelo valor que viesse a ser apurado em execução da decisão arbitral; d) condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular nos termos legais, sobre o valor do imposto pago em excesso pelo Requerente.

 

11. O MP recorreu para o Tribunal Constitucional (TC), tendo este decidido não tomar conhecimento do objeto do recurso, por decisão datada de 06.06.2023. A decisão arbitral transitou em julgado em 22.06.2023. Em 23.08.2024, a AT efetuou a liquidação n.º 2024..., relativa ao exercício de 2019, e apurando o montante a pagar de 9.363,64€ (metade dos 18.727,29€), que já estava pago desde 28.08.2020. Em cumprimento da sentença arbitral, a AT devolveu ao Requerente a quantia de 9.363,44€. A sentença arbitral foi cumprida e foi aplicada a redução de 50% prevista no artigo 43.º, n.º 2, do CIRS. De seguida, por ofício datado de 20.09.2024, a AT notificou o contribuinte de um projeto de decisão onde propõe a correção do valor de aquisição do imóvel para 1.554,70€, correspondente à quota-parte detida pelo Requerente, por ser o valor constante da matriz à data da transmissão gratuita do imóvel.  

12. Alega a AT que esse valor corresponde ao VPT do imóvel à data da aquisição (1989). O imóvel foi avaliado à luz das regras do CIMI, em 2019, tendo o seu VPT, apurado em 2019 de acordo com as regras previstas no CIMI, sido de 143.060,00€. Notificado do projeto de decisão da AT, o Requerente exerceu o seu direito de participação em 02.10.2024, tendo alegado: a) caducidade; b) violação do caso julgado; c) que o valor de aquisição declarado pelo contribuinte correspondia à verdade. 

\           13. A AT notificou ao Requerente a decisão final, por ofício datado de 08.11.2024, mantendo o projeto de decisão. Em 27.11.2024 a AT efetuou a liquidação n.º 2024..., relativa ao exercício de 2019. Desta liquidação consta imposto relativo a tributações autónomas - 34.442,79€ e valor a pagar 37.192,01€, a que foi abatido o valor de 9.363,64€, constante da n.º 2024 ... emitida na sequência da decisão do Processo n. ° 520/2020-T do CAAD. Os juros compensatórios foram calculados desde 01.07.2020 até 01.10.2024 - 2.676,37€ - e desde 06.09.2024 até 15.11.2024 - 72,85€. O Requerente pagou a nota de cobrança (27.828,37€) no dia 01.01.2025. 

 

 

1.2  Argumentos das partes

14. O Requerente sustenta a ilegalidade da liquidação acima mencionada com os argumentos de facto e de direito que a seguir se sintetizam:

Caducidade

a)     Sendo o prazo de caducidade do direito à liquidação de quatro anos (artigo 46.° da LGT) e tendo a liquidação impugnada, relativa ao exercício de 2019, sido efetuada em novembro de 2025, o direito à liquidação caducou; 

b)    A liquidação agora sindicada não surge na sequência do procedimento arbitral nem do cumprimento da sentença, diferentemente do que sucede com a liquidação n.º 2024..., sendo uma liquidação nova, adicional, autónoma e diferente da anterior, visto que o valor de aquisição do imóvel é alterado, passando de 71.530,00€ para 1.554,70€, não se podendo dizer, relativamente a ela, que o prazo de caducidade esteve suspenso entre 08.10.2020 e 07.09.2023;  

c)     Tratando-se de uma liquidação nova, não beneficia da suspensão prevista no artigo 46.º, n.° 2, alínea d), da LGT, nem se trata de uma liquidação corretiva resultante da decisão arbitral; 

Violação do caso julgado 

d)    A decisão do CAAD do Processo n.° 520/2020-T declara a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, determinando a sua anulação pela totalidade e condenando a Requerida na emissão de nova liquidação, expurgada do vício de que a mesma padece, na restituição do imposto indevidamente pago pelo valor que vier a ser apurado em execução da decisão arbitral e no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular nos termos legais;  

e)     O Tribunal determina que a liquidação seja anulada na totalidade e que a nova seja expurgada do vício de que padece, consistindo na não aplicação do disposto no artigo 43.º, n. °1, do CIRS; 

f)     A AT pretende fazer uma nova liquidação alterando os valores de aquisição, questão que só seria relevante para efeitos da restituição do imposto pago indevidamente, o que não está aqui em causa e ficaria dependente do que se viesse a apurar em execução da sentença; 

g)    Deste modo, a liquidação adicional sub judice viola o caso julgado e contraria a sentença, nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC ex vi artigo 2.º alínea e), do CPC; 

h)    Não há conhecimento de que tenha sido encetado qualquer processo de execução de sentença, contrariando a AT, ao elaborar a liquidação impugnada, o determinado pelo Tribunal e o disposto nos artigos 100.º da LGT e 205.º, n.º 2, da CRP;  

i)      Nesta nova liquidação entende a AT que a aquisição do imóvel por parte do contribuinte ocorreu em janeiro de 1989 e que o valor de aquisição do imóvel passa de 71.530,00€ para 1.554,70€;  

j)      Este novo valor correspondia ao VPT do imóvel, apurado de acordo com a contribuição autárquica, mas a AT não indica porque considera corresponder o valor de aquisição ao VPT, padecendo de falta de fundamentação (artigo 77.º da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP); 

Valor de aquisição 

k)    Concomitantemente com a reforma da tributação do património, foram operadas alterações nos códigos tributários, harmonizando o sistema de tributação das transmissões de imóveis através da relevância do VPT apurado nos termos do CIMI, para efeitos de tributação em sede de todos os impostos; 

l)      Ao remeter para o VPT dos imóveis nos termos do CIS, o legislador do CIRS perspetivou a aplicação das novas regras de determinação do VPT constantes do CIMI, e não o valor que vinha de pregresso, determinado ao abrigo da Contribuição Autárquica; 

m)   Por indicação do artigo 28.°, n.°1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, as referências feitas em diplomas legais para o CCA consideram-se feitas para o CIMI, não havendo qualquer disposição expressa a impor o inverso, ou seja, uma referência ao CIMI considerando-se feita para o CCA; 

n)    O artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, relativo à liquidação do IS, estatui que este é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respetivo Código, no caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no n.º 1 do artigo 15.º do mesmo, que foi revogado pelo artigo 9.º, da Lei n.° 60-A/2011 de 30.11, tendo o artigo 10.º deste diploma repristinado aquele artigo 15.º, que remete para as regras do CIMI, nos casos em que a transmissão tenha ocorrido até 31.12.2011, o que sucedeu;  

o)    Caso se entenda que a aquisição ocorreu em 1989 a título gratuito, o valor a ter em conta é 73.530,00€, tal como declarado, porque o VPT do imóvel apurado á luz das regras do CIMI é de 143.060,00€;

Juros compensatórios   

p)    A AT integrou os juros compensatórios, de no valor de 72,85€, na liquidação adicional de IRS, que só são devidos se for devido o IRS. A decisão da AT que conduziu à elaboração da liquidação em julgamento nada refere quanto aos juros compensatórios. 

q)    Nos termos do disposto no artigo 35.º da LGT, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a demonstração clara e inequívoca do prejuízo do Estado e da sua imputabilidade à atuação culposa do sujeito passivo. Não sendo invocada como fundamento das liquidações de juros compensatórios, culpa do contribuinte, verifica-se, desde logo, falta de fundamentação substantiva, equivalente a erro sobre os pressupostos de facto. 

r)     A responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e, por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência). 

s)     No que diz respeito às causas que justificam as supostas correções e permitem a cobrança dos juros compensatórios, não se afigura que exista um juízo de censurabilidade do impugnante.

t)      Foi o MP que recorreu para o TC e o recurso foi julgado improcedente e este período é da exclusiva responsabilidade do MP, sendo que o prazo desde que a decisão arbitral transitou em julgado (22.06.2023) até à data em que foi efetuada a liquidação (27.11.2024) é da exclusiva responsabilidade da AT e não do contribuinte. 

Juros indemnizatórios

u)    A exigência de juros indemnizatórios a favor do contribuinte está prevista no artigo 43.º da LGT, concretizando de um direito com base constitucional, previsto no artigo 22.º da CRP, de reparação de danos causados pelas ações ou omissões do Estado e demais autoridades públicas.

v)    O pedido de pagamento de juros indemnizatórios decorre de um erro dos serviços que emanaram um ato de liquidação, que fica demonstrado quando se procedeu a reclamação graciosa ou a impugnação dessa mesma liquidação; 

 

 

15. A AT respondeu por impugnação com base nos fundamentos sinteticamente elencados: 

Caducidade

a)     Nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 46.º da LGT, o prazo de caducidade suspende-se em caso de litígio judicial – incluindo processos do CAAD – de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão; 

b)    O Requerente apresentou pedido de pronuncia arbitral no CAAD, em Processo n.º 520/2020-T, iniciado a 08.10.2020 e decidido a 31.05.2021, que também versava sobre a liquidação de IRS em seu nome efetuada originariamente com respeito ao ano de 2019, tendo o MP recorrido desta decisão para o TC, cujo Acórdão, proferido em 06.06.2023, transitou em julgado em 22.06.2023; 

c)     À data em que foi produzida, 22.112024, a liquidação n.º 2024..., objeto de contestação no presente processo, não havia ainda caducado o direito de liquidar IRS, em nome do ora requerente, concernente ao ano de 2019; 

d)    Nos termos do artigo 46.º da LGT, n.ºs1 e 4, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, contando-se o prazo de caducidade, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário; 

e)     Em causa está uma liquidação de um imposto periódico (IRS) respeitante ao ano de 2019, podendo ser emitida liquidação até 31.12.2023, não fora o respetivo prazo de caducidade ter estado suspenso entre 08.10.2020 e 22.06.2023, ou seja, durante dois anos, oito meses e catorze dias; 

f)     A liquidação nº 2024 ... impugnada data de 22.11.2024, menos de um ano depois daquele que seria o normal limite do direito de liquidar se não tivesse ocorrido a causa de suspensão consubstanciada pelo requerimento apresentado junto do CAAD; 

Violação do caso julgado

g)    Nos termos do artigo 580.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC), supletivamente aplicável por força do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, a exceção do caso julgado procede se a repetição de uma causa se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, visando evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, verificando-se essa repetição quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir;  

h)    Há identidade de sujeitos entre o presente processo (n.º 134/2025-T) e o invocado pelo sujeito passivo (n.º 520/2020-T) – em ambos os casos o Requerente é o mesmo – mas não há identidade de pedido nem de causa de pedir para os efeitos previstos no n.º 3 e 4 do artigo 581º do CPC, pois naquele processo, pedia-se a anulação parcial da liquidação de IRS nº 2020 ... e no presente processo o sujeito passivo vem requerer a anulação da liquidação de IRS de 2024 ...; 

i)      Na sequência da decisão do Processo n.º 520/2020-T, o que ficou abrangido pela exceção do caso julgado foi a questão de saber se a exclusão da tributação de 50% das mais valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes (artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do CIRS, na redação à data dos factos) é igualmente aplicável na tributação dos rendimentos da mesma natureza, se auferidos por sujeitos passivos não residentes, mas residentes em outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, não havendo violação do caso julgado;

Dever de fundamentação  

j)      Na sequência da decisão do CAAD, e de acordo com os seus termos, a AT anulou a liquidação n.º 2020..., efetuando, em 13.07,2024, nova liquidação de IRS, n.º 2024 ..., respeitante a 2019, com imposto a pagar de 9.363,64€, metade do apurado na liquidação n.º 2020..., efetuando nova liquidação IRS n.º 2024 ..., de 22.11.2024 – de acordo com o artigo 45.º do CIRS o n.º 1 do artigo 13.º do CIS – considerando janeiro de 1989 a data de aquisição do imóvel e 1.554,70€ como o respetivo VPT, correspondente à quota-parte (1/2) detida pelo Requerente;

k)    Não há violação do dever de fundamentação porque as normas e os cálculos relevantes foram explicitados de forma clara e compreensível na informação, elaborada na DLIRD da DF de Lisboa em 28.10.2024, sobre a qual foi aposto despacho concordante proferido pela Diretora da Direção de Finanças de Lisboa; 

Valor de aquisição  

l)      O artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, aplicável por remissão do n.º 2, do artigo 27.º, do mesmo diploma – que determinava que os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, enquanto não se proceder à avaliação geral – foi revogado pelo artigo 9.º da Lei n.º 60-A/2011 e não tendo mantido a sua vigência até ao final de 2011, nos termos previstos nos números 3 e 4 do respetivo artigo 10.º, ou seja, um mês, já que esta lei foi publicada em 30.11.2011, entrando em vigor no dia seguinte, conforme previsto no n.º 1 do seu artigo 10.º; 

m)   De acordo com os dados do sistema informático da AT, relativos ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Linda-a-Velha, concelho de Oeiras, sob o artigo ... (o qual deu origem ao inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Oeiras, sob o artigo ..., do qual o requerente alienou uma quota-parte), posto a extinção da freguesia de ... só ter ocorrido em 2013, logo após a revogação do mencionado n.º 1, do artigo 15º, a alteração do VPT que o elevou ao montante mencionado pelo requerente como valor de aquisição da quota-parte alienada – efetuada com base no disposto nos números 4 e 10 do artigo 15.º do Decreto-Lei nº n.º 287/2003, este último acrescentado pela já mencionada Lei n.º 60-A/2011 – teve lugar em 31.12.2012, subordinada ao motivo do código 67, de “avaliação geral da propriedade urbana”; 

n)    Durante o prazo de vigência do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 não teve lugar nenhuma avaliação do imóvel com fundamento na sua primeira transmissão após a entrada em vigor do CIMI, situação em que a mesma constaria do histórico do prédio com indicação do código 31 no sistema informático da AT (em sede de pesquisa por “avaliação”) ou com indicação de código 94 (se a transmissão fosse onerosa) ou 95 (se aquela fosse gratuita, agora se efetuada a pesquisa pelo histórico dos valores patrimoniais tributários do próprio prédio);

o)    À data de realização da avaliação, o regime previsto nos números 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11, já não estava em vigor no ordenamento jurídico, motivo pelo qual se tornou ineficaz a remissão para ele efetuada pela alínea a), do n.º 2, do seu artigo 27º, visto que o VPT que o Requerente defendia dever ser considerado como valor de aquisição da quota-parte transmitida apenas foi estabelecido no último dia de 2012, tendo sido apurado no âmbito da designada como avaliação geral do imobiliário urbano, não se aplicando a uma aquisição ocorrida em 1989; 

p)    Dos registos informáticos da AT consta que, já inscrito como artigo ... da matriz predial urbana da união de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Oeiras, o imóvel foi avaliado em 08.10.2019 pelo motivo correspondente ao código de avaliação 2, de “prédio modificado/melhorado”, na sequência de apresentação de declaração modelo 1 de IMI pelo seu novo proprietário; 

q)    Tendo a transmissão ocorrido em 11.02.2019, conforme contrato de compra e venda e respetivo termo de autenticação, não releva o VPT apurado nesta avaliação para efeitos de valor de aquisição da quota-parte do prédio inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de ..., ... e ..., concelho de Oeiras sob ao artigo ...; 

r)     em virtude de o novo VPT haver sido apurado em função de um procedimento realizado no âmbito da chamada “avaliação geral”, o mesmo apenas se tornou efetivo para futuro, não tendo retroagido à data da aquisição do imóvel para efeitos de IMI, não podendo ficcionar-se essa mesma retroatividade para efeitos de IRS;

Juros compensatórios 

s)     Alegando falta de fundamentação para a liquidação de juros compensatórios – por entender que a AT nada referiu quanto ao nexo de causalidade entre a sua atuação e o retardamento da liquidação, bem como quanto à censurabilidade da sua conduta – o Requerente não lançou mão do mecanismo previsto no artigo 37.º, n.º1, do CPPT,  antes cumpriu deficientemente a obrigação fiscal de declaração do valor de aquisição da quota-parte do imóvel (alienada em 2019) que adquirira a título de transmissão gratuita em 1989,  não restando dúvidas de que o retardamento na liquidação é consequência de facto imputável ao requerente; 

t)      Face ao que se observa pela consulta da demonstração de liquidação de juros compensatórios, constata-se constarem desta todos os elementos exigidos pelo n.º 9 do artigo 35.º da LGT, pelo que não colhe a argumentação segundo a qual a liquidação de juros compensatórios seria ilegal; 

u)    As únicas limitações temporais à liquidação de juros compensatórios são as constantes do n.º 7 do artigo 35.º da LGT, em nenhum delas estando contemplado o caso de recurso a tribunal (ainda que arbitral, como foi o caso) e hipotéticos subsequentes recursos, antes se dispõe, nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 46.º, da LGT, da suspensão do direito de liquidar impostos no caso de ser despoletado “litígio judicial de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão, não estando prevista qualquer consequência em matéria de juros compensatórios; 

Juros indemnizatórios 

v)     Não se mostra verificado o preenchimento do requisito, previsto no n.º 1, do artigo 43.º da LGT, que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços, pois não se descortinou ter sido cometida, por aqueles, qualquer ilegalidade.

 

1.3. Saneamento   

 

 

16. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT e as partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.

 

17. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).  

 

18. O processo não padece de nulidades podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa. 

 

2      FUNDAMENTAÇÃO

2.1       Factos dados como provados

19. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:

a)     Em 2019 o Requerente residiu e tinha domicílio fiscal na Alemanha, o que se mantém na presente data.

b)    Em fevereiro de 2019, o Requerente procedeu à venda de 50 % do imóvel, destinado a habitação, sito na Rua ..., n.º ... e..., concelho de Oeiras, União das Freguesias de..., ... e ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... da referida freguesia, descrito na ... Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número ... da freguesia de ..., com a Licença de Utilização nº ..., emitida pela Câmara Municipal de Oeiras a 24.07.1962 - pelo valor de 250.000,00€; (Doc. 1)

c)     Na DR M3 apresentada em 30.06.2020, o Requerente declarou que o supra identificado imóvel havia sido adquirido por si em 1989, por 71.530,00€, inteiro; (Doc. 2)

d)    Do imóvel inscrito no artigo ...-U-... (proveniente do artigo ...-U-..., e anterior artigo ...-U-1...) constava em 2014, como proprietário, o pai do requerente, B..., casado em comunhão geral de bens com a mãe do requerente; (PA)

e)     De uma comunicação da AT consta que o ano da aquisição do imóvel foi de 2014 visto nesse ano terem falecido ambos os pais do Requerente e da sua irmã, herdeiros, sendo o VPT nesse ano de 153.190,00€ correspondendo ao Requerente, 50%, o valor de 76.595,00€; (PA)

f)     Na quantificação da mais-valia tributária, a AT considerou o valor do resultado por 66.883,20€ nos termos do n.º 1 do artigo 43.°, do CIRS, desconsiderando o regime de exclusão de tributação de 50%, previsto no n.º 2 do mesmo artigo, motivo pelo qual, a AT veio a emitir, ao Requerente, a liquidação de IRS n.º 2020..., no valor total de 18.727,29 €, tendo a mesma sido paga no dia 28.08.2020; (Doc.3)

g)    Inconformado com a liquidação o contribuinte apresentou um pedido de pronúncia arbitral, em 08.10.2020, que seguiu os seus termos sob o Processo n.° 520/2020-T; (Doc. 4)

h)    O tribunal arbitral, em 31.05.2023, veio declarar a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019determinando a sua anulação pela totalidade; condenar a Requerida na emissão de nova liquidação, expurgada do vício de que padece a liquidação anulada; condenar a Requerida na restituição do imposto indevidamente pago pelo Requerente, pelo valor a ser apurado em execução de sentença e no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular nos termos legais, sobre o valor do imposto pago em excesso; (Doc. 4)

i)      O MP recorreu para o Tribunal Constitucional (TC), tendo este decidido não tomar conhecimento do objeto do recurso, por decisão datada de 06.06.2023; (Doc. 5) 

j)      A decisão arbitral transitou em julgado em 22.06.2023; (Doc. 6) 

k)    Em 23.08.2024, a AT efetuou a liquidação n.º 2024..., relativa ao exercício de 2019, e notificou o contribuinte, de onde consta a quantia de 9.363,64€ como imposto relativo a tributações autónomas e com mesmo valor a pagar, que já estava pago desde 28.08.2020; (Doc. 7) 

l)      Em cumprimento da sentença arbitral, a AT devolveu e o contribuinte recebeu a quantia de 9.363,44.€ aplicando a redução de 50% prevista no artigo 43º, n. °2, do CIRS e, por ofício datado de 20.09.2024, notificando o contribuinte de um projeto de decisão, onde propõe a correção do valor de aquisição do imóvel para 1.554,70€, alegando ser esse o valor correspondente ao VPT do imóvel à data de aquisição (1989);  (Doc. 8)

m)   O imóvel foi avaliado à luz das regras do CIMI em 2019, tendo o seu VPT apurado em 2019, com as regras previstas no CIMI, sido de 143.060,00€; 

n)    Notificado do projeto de decisão da AT, o contribuinte exerceu o seu direito de participação em 02.10.2024;

o)    A AT notificou ao contribuinte a decisão final, por ofício datado de 08.11.2024, mantendo o projeto de decisão (Doc. 11) 

p)    Em 27.11.2024 a AT efetuou a liquidação n.º 2024..., relativa ao exercício de 2019; (Doc.12) 

q)    Nesta liquidação consta imposto relativo a tributações autónomas - 34.442,79€ e valor a pagar 37.192,01€;

r)     Os juros compensatórios foram calculados desde 01.07.2020 até 01.10.2024, no montante de 2.676,37€ - e desde 06.09.2024 até 15.11.2024 - 72,85€; (Doc. 13)

s)     Requerente pagou a nota de cobrança de 27.828,37€ no dia 01.01.2025; (Doc. 14) 

 

 

2.2          Factos não provados

 

20. Com relevo para a decisão de mérito não existem factos essenciais não provados, uma vez que todos os factos relevantes para a apreciação da competência material do Tribunal foram considerados provados. 

 

 

2.3          Motivação

 

21. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

22. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

2.4              Questões a decidir 

 

23. A questão fundamental que cumpre decidir prende-se com a legalidade da liquidação de n.º 2024 ..., relativa ao exercício de 2019, que deu lugar à emissão de uma nota de cobrança de 27.828,37€, paga pelo Requerente no dia 01.01.2025, que tem na sua génese a correção do valor de aquisição do imóvel em causa para 1.554,70€, com as correspondentes consequências em sede de tributação de mais-valias em IRS, nos termos dos artigos 10.º, n.º1, alínea a), e n.º4, alínea a), e 45.º, n.º1, do CIRS e 13.º do CIS. No entanto, a mesma suscita várias questões, trazidas aos autos pelo Requerente, a que importa dar a devida atenção.    

 

Caducidade

24. A primeira questão a analisar diz respeito à caducidade do direito de liquidação. Alega o Requerente que, sendo o prazo de caducidade do direito à liquidação de quatro anos, nos termos do artigo 46.° da LGT, e tendo a liquidação impugnada, relativa ao exercício de 2019, sido efetuada em novembro de 2025, o direito à liquidação caducou. Em seu entender, a liquidação agora sindicada não surge na sequência do procedimento arbitral nem do cumprimento da sentença, diferentemente do que sucede com a liquidação n.º 2024..., sendo uma liquidação nova, adicional, autónoma e diferente da anterior, visto que o valor de aquisição do imóvel é alterado, passando de 71.530,00€ para 1.554,70€, não se podendo dizer, relativamente a ela, que o prazo de caducidade esteve suspenso entre 08.10.2020 e 07.09.2023. Tratando-se de uma liquidação nova, não beneficia da suspensão prevista no artigo 46.º, n.° 2, alínea d), da LGT, nem se trata de uma liquidação corretiva resultante da decisão arbitral. 

 

25. No entender deste tribunal, não assiste razão ao Requerente, procedendo os argumentos expendidos pela AT.  Nos termos da alínea a), do n.º 2, do artigo 46.º, da LGT, o prazo de caducidade suspende-se em caso de litígio judicial – incluindo processos do CAAD – de cuja resolução dependa a liquidação do tributo, desde o seu início até ao trânsito em julgado da decisão. 

 

26. Resulta dos autos que o Requerente apresentou pedido de pronuncia arbitral no CAAD, tramitado no Processo n.º 520/2020-T, tendo este iniciado a 08.10.2020 e sido decidido a 31.05.2021, versando o mesmo sobre a liquidação de IRS em seu nome efetuada originariamente com respeito ao ano de 2019, tendo o MP recorrido desta decisão para o TC, cujo Acórdão, proferido em 06.06.2023, transitou em julgado em 22.06.2023. 

 

27. Em 22.11.2024, data em que foi produzida a liquidação n.º 2024... objeto de contestação no presente processo – menos de um ano depois daquele que seria o normal limite do direito de liquidar se não tivesse ocorrido a causa de suspensão consubstanciada pelo requerimento apresentado junto do CAAD – ainda não havia caducado o direito de liquidar IRS, em nome do ora requerente, concernente ao ano de 2019.  Nos termos do artigo 46.º da LGT, n.º1 e 4, o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro, contando-se o prazo de caducidade, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. 

 

28. Em causa está uma liquidação de um imposto periódico (IRS) respeitante ao ano de 2019, podendo ser emitida liquidação até 31.12.2023, não fora o respetivo prazo de caducidade ter estado suspenso entre 08.10.2020 e 22.06.2023, ou seja, durante dois anos, oito meses e catorze dias. Desta forma, e face à duração da suspensão acima referida, só em meados de setembro de 2026 caducaria o direito de a AT liquidar o IRS devido pelo Requerente relativamente ao ano de 2019.

 

Violação do caso julgado 

29. O Requerente alega que a decisão arbitral do CAAD no Processo n.° 520/2020-T declara a ilegalidade da liquidação de IRS n.º 2020..., referente ao ano de 2019, determinando a sua anulação pela totalidade e condenando a AT na emissão de nova liquidação, expurgada do vício de que a mesma padece – consistindo na não aplicação do disposto no artigo 43.º, n. °1, do CIRS –, na restituição do imposto indevidamente pago pelo valor que vier a ser apurado em execução da decisão arbitral e no pagamento de juros indemnizatórios, a calcular nos termos legais. Em seu entender, a AT não pode emitir nova liquidação, alterando os valores de aquisição, questão que só seria relevante para efeitos da restituição do imposto pago indevidamente e ficaria dependente do que se viesse a apurar em execução da sentença, não havendo conhecimento de que o correspondente processo tenha sido encetado. 

30. No entender do Requerente, nesta nova liquidação a AT parte do princípio de que a aquisição do imóvel por parte do contribuinte ocorreu em janeiro de 1989 e que, por esse motivo, o valor de aquisição do imóvel deve ser corrigido de 71.530,00€ para 1.554,70€, correspondendo este novo valor ao VPT do imóvel, apurado de acordo com a contribuição autárquica, pelo que a mesma viola o caso julgado e contraria a sentença arbitral proferida no Processo n.°520/2020-T, nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC ex vi artigo 2.º alínea e), do CPC., infringindo o dever de reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT, decorrente dos princípios da obrigatoriedade e prevalência das decisões judiciais, consagrados no artigo 205.º, n.º 2, da CRP.   

31. Não se está aqui, evidentemente, perante a exceção dilatória do caso julgado, tanto mais que quem suscita a questão é o próprio Requerente na peça processual em que intenta um novo processo judicial contra um novo ato de liquidação, n.º 2024..., alegando que este viola o sentido da decisão do Processo n.º 520/2020-T, que, nos termos do artigo 619.º do CPC, subsidiariamente aplicável – ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea e), do RJAT –, tem força obrigatória dentro e fora do processo, nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do mesmo diploma. 

32. A relação material controvertida que esteve em causa no Processo n.º 520/2020-T do CAAD suscitava a questão de saber se a exclusão da tributação de 50% das mais-valias imobiliárias realizadas por sujeitos passivos residentes (artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do CIRS, na redação à data dos factos) é igualmente aplicável na tributação dos rendimentos da mesma natureza, se auferidos por sujeitos passivos não residentes, mas residentes em outro Estado Membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, tendo o tribunal arbitral do CAAD respondido de forma positiva, sendo que, nos termos do artigo 621.º, do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. 

32. Em face to exposto, não procede a alegação do Requerente segundo a qual a AT, ao emitir a liquidação em crise no presente processo violou o conteúdo da decisão proferida e transitada em julgado no Processo n.º 520/2020-T, na medida em que, em cumprimento da sentença arbitral aí proferida, a AT devolveu e o contribuinte recebeu a quantia de 9.363,44.€, por aplicação da redução de 50% prevista no artigo 43º, n.° 2, alínea b), do CIRS. 

33. De resto, no Processo n.º 520/2020-T o tribunal arbitral não deixou de salientar a importância da data de aquisição do imóvel, enquanto elemento relevante para o apuramento do rendimento coletável, e o modo de aquisição, pois, tratando-se de uma aquisição a título gratuito, o valor a considerar, nos termos do artigo 45.º, do CIRS, é o valor que tiver sido considerado para efeitos de liquidação do imposto do selo ou, caso não haja lugar à liquidação deste imposto, o valor que serviria de base á liquidação, caso este fosse devido. 

34. Acresce, como se disse anteriormente, que a AT podia emitir uma liquidação de imposto até 31.12.2023, não fora o respetivo prazo de caducidade ter estado suspenso entre 08.10.2020 e 22.06.2023, ou seja, durante dois anos, oito meses e catorze dias, pelo que só em meados de setembro de 2026 caducaria o direito de a AT liquidar o IRS devido pelo Requerente relativamente ao ano de 2019, o que fez por (dever de) ofício datado de 20.09.2024, em que notificou no contribuinte de um projeto de decisão, onde propôs a correção do valor de aquisição do imóvel para 1.554,70€, alegando ser esse o valor correspondente ao VPT do imóvel à data de aquisição (1989), questão que será objeto de apreciação a seguir. 

Valor de aquisição 

35. Alega o Requerente que, concomitantemente com a reforma da tributação do património, foram operadas alterações nos códigos tributários, harmonizando o sistema de tributação das transmissões de imóveis através da relevância do VPT apurado nos termos do CIMI, para efeitos de tributação em sede de todos os impostos.  Em seu entender, ao remeter para o VPT dos imóveis determinado nos termos do CIS, o legislador do CIRS perspetivou a aplicação das novas regras de determinação do VPT constantes do CIMI, e não o valor que vinha de pregresso, determinado ao abrigo da Contribuição Autárquica (CA). Argumenta o Requerente que, por indicação do artigo 28.°, n.°1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, as referências feitas em diplomas legais para o Código da CA consideram-se feitas para o CIMI, não havendo qualquer disposição expressa a impor o inverso, ou seja, uma referência ao CIMI que se considere feita para o CCA. 

36. Alega ainda o Requerente que o artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, relativo à liquidação do IS, estatui que este é liquidado, sem prejuízo das regras especiais previstas no respetivo Código, no caso de prédios urbanos, com base no valor da avaliação prevista no n.º 1 do artigo 15.º do mesmo, que foi revogado pelo artigo 9.º, da Lei n.° 60-A/2011 de 30.11, tendo o artigo 10.º deste diploma repristinado aquele artigo 15.º, que remete para as regras do CIMI, nos casos em que a transmissão tenha ocorrido até 31.12.2011, o que sucedeu, pelo que, caso se entenda que a aquisição ocorreu em 1989 a título gratuito, o valor a ter em conta é 73.530,00€, tal como declarado, porque o VPT do imóvel apurado á luz das regras do CIMI é de 143.060,00€. 

 

37. O Decreto-Lei nº 287/2003, de 12.11, aprovou o Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis (CIMI), constando do respetivo regime transitório que, no prazo de dez anos, contados desde a data da sua entrada em vigor – 01.12.2003 –, se deveria promover uma avaliação geral dos prédios urbanos. A necessidade de implementação emergencial de medidas impostas pelo “Memorando de Entendimento com a Troika” e de controlo do défice e da dívida pública, levaram o Governo a determinar – através da Lei n.º 60-A/2011, de 30.11 – a aprovação de alterações ao referido Decreto-Lei, tendo em vista a regulamentação do regime da Avaliação Geral de Prédios Urbanos e avançando, assim, com a avaliação de todos os prédios ainda não avaliados, no âmbito do CIMI, tendo a mesma iniciado em janeiro de 2012. 

 

 

38. O artigo 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, aplicável por remissão do n.º 2, do artigo 27.º, do mesmo diploma – que determinava que os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, enquanto não se proceder à avaliação geral – foi revogado pelo artigo 9.º da Lei n.º 60-A/2011. Nos termos do n.º 3 deste artigo 9.º, essa revogação produzia os seus efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012, embora o seu n.º 4 dispusesse que aos prédios inscritos na matriz e objeto de transmissão onerosa ou gratuita ocorrida até 31.12.2011 se aplica o disposto nos n.os 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11.

 

39. Decorre dos autos que, de acordo com os dados do sistema informático da AT, relativos ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., concelho de Oeiras, sob o artigo ... (o qual deu origem ao inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de..., ... e ..., concelho de Oeiras, sob o artigo ..., do qual o requerente alienou uma quota-parte), posto a extinção da freguesia de ... só ter ocorrido em 2013, logo após a revogação do mencionado n.º 1, do artigo 15º, a alteração do VPT que o elevou ao montante mencionado pelo Requerente como valor de aquisição da quota-parte alienada – efetuada com base no disposto nos números 4 e 10 do artigo 15.º do Decreto-Lei nº n.º 287/2003, este último acrescentado pela já mencionada Lei n.º 60-A/2011 – teve lugar em 31.12.2012, subordinada ao motivo a que corresponde o código 67, a saber, “avaliação geral da propriedade urbana”. 

 

40. Durante o prazo de vigência do n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003 – que estabelecia que os prédios urbanos já inscritos na matriz serão avaliados, nos termos do CIMI, aquando da primeira transmissão ocorrida após a sua entrada em vigor, enquanto não se procedesse à avaliação geral –  não foi realizada qualquer avaliação do imóvel com fundamento na sua primeira transmissão após a entrada em vigor do CIMI, situação em que a mesma constaria do histórico do prédio com indicação do código 31 no sistema informático da AT (em sede de pesquisa por “avaliação”) ou com indicação de código 94 (se a transmissão fosse onerosa) ou 95 (se aquela fosse gratuita, agora se efetuada a pesquisa pelo histórico dos valores patrimoniais tributários do próprio prédio), o que não se verificou.  

 

41. À data da realização da avaliação – 31.12.2012 – o regime previsto nos números 1 a 3 e 6 a 8 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12.11, já não estava em vigor no ordenamento jurídico, suscitando a AT a questão de saber se se tornou ineficaz a remissão para ele efetuada pela alínea a), do n.º 2, do seu artigo 27º. O VPT que o Requerente defende dever ser considerado como valor de aquisição da quota-parte transmitida apenas foi estabelecido no último dia de 2012, tendo sido apurado no âmbito de uma avaliação geral do imobiliário urbano, sendo de perguntar se se aplica a uma aquisição ocorrida, não em 1989, mas em 2014. 

 

42. No entender deste tribunal, a resposta a esta questão decorre dos artigos 45.º, n.º 1, do CIRS, e 13.º, n.º 1, do CIS, na redação em vigor em 2019, ano em que ocorreu o facto tributário. O primeiro dos preceitos referidos – nas suas alíneas a) e b) – dispõe que, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS considera-se como valor de aquisição, no caso de bens ou direitos adquiridos a título gratuito, o valor que tenha sido considerado para efeitos de liquidação de IS ou que serviria de base à liquidação de IS, caso este fosse devido, aplicando-se este último inciso, tendo em conta  a isenção de IS nas transmissões mortis causa entre ascendentes e descendentes, prevista no artigo 6.º, alínea a), do CIS à data dos factos. O segundo estabelece que o valor dos imóveis é o valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI à data da transmissão. A expressão “nos termos do CIMI” afigura-se decisiva. 

 

43. No caso, a primeira avaliação do imóvel, efetuada “nos termos do CIMI” foi a avaliação geral dos prédios urbanos, desencadeada em 31.12.2012 e efetuada em 2013. Na opinião deste Tribunal, é o VPT aí obtido que deverá servir de base ao valor de aquisição do imóvel para o apuramento do IS. Isto porque, tal como referido, de acordo com o artigo 13.º, n.º 1 do CIS, para onde remete o artigo 45.º do CIRS, o valor a ser considerado para efeitos de IS é o VPT constante da matriz “nos termos do CIMI”. Embora no momento da aquisição indicado pelo Requerente (1989) a matriz ainda não refletisse uma avaliação nos termos do CIMI, a avaliação geral ocorrida no último dia 2012 foi já efetuada de acordo com estas regras, ou seja, a utilização do VPT resultante será a única solução que respeita a letra e o espírito da lei (Código do IRS e do IS), ou seja, o seu teor literal e a sua teleologia. Decisiva é, para o legislador, a existência de uma avaliação efetuada nos termos do CIMI que reflita o estado do imóvel na data da transmissão[1].

 

44. Como se disse, a primeira avaliação do imóvel levada a cabo nos termos do CIMI foi a de 31.12.2012, tendo ocorrido antes mesmo da aquisição gratuita do imóvel pelo Requerente. É que, como resulta de uma comunicação da DF Lisboa – constante do processo administrativo[2] – a verdadeira data de aquisição do imóvel pelo Requerente e a sua irmã é 2014 (e não 1989), sendo o VPT então inscrito na matriz predial de 153.190,00€, como reconhecido pela DF Lisboa. É este, portanto, o valor de aquisição relevante para o cálculo da mais-valia tributável em sede de IRS. Quanto ao valor correspondente ao Requerente, sendo ele titular de 50%, o mesmo será de 76.595,00€, ulteriormente ajustável para a exclusão de 50% das mais-valias, por força do artigo 43.º, n.º 2, alínea b), do CIRS. 

 

45. Apesar de este valor ter sido apurado com base num procedimento realizado em 31.12.2012, no âmbito da chamada “avaliação geral”, a verdade é que, nos termos do artigo 45.º, n.º1, alínea b),  do CIRS e 13.º, n.º1, do CIS, nas redações em vigor em 2019, é com base nele, e não no valor de 2019, que se determina o valor de aquisição para efeitos de tributação das mais-valias, nos termos dos artigos 10.º, n.º1, alínea a), e n.º4, alínea a). 

 

Juros compensatórios

46. Alega o Requerente que a AT integrou os juros compensatórios, no valor de €72,85, na liquidação adicional de IRS, que só são devidos se for devido o IRS. Em seu entender, a decisão da AT que conduziu à elaboração da liquidação em julgamento nada refere quanto aos juros compensatórios, sendo que, no artigo 35.º da LGT, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a demonstração clara e inequívoca do prejuízo do Estado e da sua imputabilidade à atuação culposa do sujeito passivo. 

 

47. Não sendo invocada como fundamento das liquidações de juros compensatórios, culpa do contribuinte, verifica-se – argumenta ainda o Requerente – uma falta de fundamentação substantiva, equivalente a erro sobre os pressupostos de facto, sendo que a responsabilidade por juros compensatórios, por ter natureza de reparação civil, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação (a título de dolo ou negligência). 

 

48. Entende este tribunal, pelas razões expostas, que não há lugar à liquidação de juros compensatórios, posto que as razões anteriormente aduzidas demonstram que a liquidação do IRS n.º 2024 ... se baseou numa  série de erros imputáveis aos serviços (i.e. montante da mais-valia imobiliária a tributar em 2019, data da aquisição, valor de aquisição), não se podendo falar num atraso da liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, por facto imputável ao sujeito passivo, para efeitos da aplicação do artigo 35.º, n.º 1, da LGT, antes havendo lugar a devolução de imposto já pago. 

 

Juros indemnizatórios

49. Quanto à exigência de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, a mesma está prevista no artigo 43.º da LGT, concretizando um direito com base constitucional, previsto no artigo 22.º da CRP, de reparação de danos causados pelas ações ou omissões do Estado e demais autoridades públicas. 

 

50. O pedido de pagamento de juros indemnizatórios decorre de um erro dos serviços que emanaram a liquidação impugnada, que diz respeito à correção do VPT do imóvel em causa, sem atender ao VPT inscrito na matriz em 2014, data da aquisição hereditária do imóvel pelo Requerente. Como resulta da argumentação anteriormente exposta, no caso concreto considera-se verificado o preenchimento do requisito, previsto no n.º 1, do artigo 43.º da LGT, que exige a existência de um erro na liquidação imputável aos serviços.

 

3      DECISÃO 

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral: 

a)     Declarar a ilegalidade parcial e anular a liquidação de IRS de 2024..., com todas as consequências legais; 

b)    Condenar a AT na devolução ao contribuinte do montante despendido (27.828,37€) no pagamento da liquidação impugnada, a que deverão acrescer os juros indemnizatórios à taxa legal de 4% desde a data de pagamento, até à data do efetivo e integral reembolso. 

 

4      VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 27.828,37€, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, interpretados em conformidade com o artigo 10.º, n.º 2, alínea e), do RJAT. 

 

5      CUSTAS 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 1 530.00€, a cargo da Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e do artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 11 de setembro de 2025

 

O Árbitro

 

 

 

Jónatas Machado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Cfr., em sentido convergente, Decisão arbitral do CAAD do Processo n.º 188/2022-T, de 01.02.2023. 

[2] Comunicação da DF Lisboa n.º ..., 20.06.2024, dirigida à Divisão de Justiça Contenciosa (DJC): “Em resposta ao pedido de esclarecimento para execução da decisão arbitral, informa-se que: Relativamente ao contribuinte A..., contribuinte fiscal n.°...: Segundo as nossas aplicações, consulta à matriz predial, o artigo ...-U-... (proveniente do artigo ...-U-..., e anterior artigo ...-U-...) constava em 2014, como proprietário, o pai do requerente,  B..., NIF ..., casado em comunhão geral de bens com a mãe do requerente, NIF ... . Ora, ambos os pais faleceram no ano de 2014, (Firmino e esposa) sendo o aqui requerente, juntamente com a irmã, NIF ..., herdeiros da totalidade dos bens. No entanto, em consulta ao Imposto selo, o artigo urbano em causa não aparece mencionado, porém, tendo em atenção à matriz predial, o mesmo foi transmitido a título gratuito no ano de 2014, data do óbito dos ascendentes, para os dois irmãos. De realçar que os irmãos, colocam o custo de aquisição, o valor patrimonial de 2019. No ano de 2014 o VPT era o valor de 153.190,00€ correspondendo ao requerente, 50%, o valor de 76.595,00€. No ano de 2019 o VPT era o valor de 143.060,00€, correspondendo a cada o valor de 71.530,00, (valor que cada irmão indicou como de aquisição, porém no ano de 1989). Relativamente à questão, qual a data e o valor de aquisição do imóvel, será o valor de aquisição de 153.190,00€ e o ano de 2014. Quanto ao valor correspondente ao Requerente, sendo ele titular de 50%, corresponderá o valor de 76.595,00€. Para concretizar a decisão da decisão de exclusão de 50% das mais valias, devem os valores a inscrever na declaração ser reduzidos a metade: Realização, 2019-125.000,00; Aquisição, 2014- 38.297,50.”