Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 355/2014-T
Data da decisão: 2015-07-09  Selo  
Valor do pedido: € 22.620,20
Tema: IS – Verba 28 da TGIS – Terreno para construção
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Decisão Arbitral

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo nº 355/2014 – T

 

I.     RELATÓRIO

 

1.      A… - SOCIEDADE DE EDIFICAÇÕES, LDA. (adiante, abreviadamente, “Sujeito Passivo” ou “Requerente”), NIPC …, vem requerer, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e do artigo 102.º, n.º 2, do CPPT requerer a CONSTITUIÇÃO DE TRIBUNAL ARBITRAL SINGULAR com vista à declaração de ilegalidade da Liquidação de Imposto de Selo referente ao ano de 2012, verba 28.1 da TGIS, datada de 21/03/2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, no montante de € 22.620,20 (vinte e dois mil seiscentos e vinte euros e vinte cêntimos)

2.      Pede a Requerente a anulação do acto tributários de liquidação do Imposto de Selo e fundamenta sinteticamente o pedido, alegando no essencial:

- A Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra a liquidação, que foi indeferida por despacho de 23/10/2013;

- Daquele despacho apresentou Recurso Hierárquico, que mau grado ter decorrido o prazo de 60 dias previsto pelo n.º 5 do art. 66.º do CPPT, ainda não obteve qualquer decisão expressa;

- O Recurso Hierárquico foi apresentado em 27/11/2013, pelo que se considerou tacitamente indeferido no dia 26/01/2014;

- A Requerente teve conhecimento da Liquidação apenas através da Nota de Cobrança n.º 2013 ..., no montante de € 7.540,08 (sete mil quinhentos e quarenta euros e oito cêntimos), nota essa destinada à cobrança da 1.ª Prestação do dito Imposto do Selo (cfr. Documento 1 da Reclamação Graciosa);

- O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a totalidade do Imposto de Selo – liquidado ao abrigo da verba 28.1, com referência ao ano de 2012, no montante indicado de € 22.620,20 – e não apenas a 1.ª prestação, no valor de €7.540,08;

- Em consequência, o presente pedido de pronúncia arbitral vale, para todos os efeitos, também quanto às Notas de Cobrança entretanto já emitidas em nome da Requerente para cobrança das 2.ª e 3.ª prestações do imposto liquidado em 21/03/2013 – Nota de Cobrança n.º 2013 ..., no valor de €7.540,06 (2.ª prestação), e Nota de Cobrança n.º 2013 ..., no valor de €7.540,06 (3.ª prestação).

- Uma análise rápida da Nota de Cobrança notificada à Requerente mostra logo que aquela Nota não contém todos os elementos que deveriam ser obrigatoriamente notificados ao contribuinte nos termos do art. 36.º, n.os 1 e 2, e 39.º, n.º 12, do CPPT, nomeadamente a indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data (esta última falha determina a nulidade da notificação – art. 39.º, n.º 12 do CPPT);

- A certidão que a Requerente recebeu em 12/06/2013  refere como autor do acto de liquidação os “Serviços Centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira”, mas não identifica qual destes Serviços Centrais é que o praticou;

- Um acto sem autor não pode valer como acto tributário, pois carece de um dos seus elementos essenciais (cfr. art. 123.º, n.º 1, a) e g) do Código de Procedimento Administrativo - CPA);

- Não contendo a Liquidação a indicação do seu autor e a respectiva assinatura, ainda que mecanográfica, tal Liquidação viola o art. 123.º, n.º 1, a) e g) do CPA, sendo nula nos termos dos arts. 133.º, n.º 1 do CPA e 99.º, alínea d) do CPPT, nulidade cuja declaração desde já se requer;

- A Liquidação supra identificada não se encontra fundamentada;

- Ainda que se considere que a Liquidação não carece de absoluta motivação, o que se admite por mera hipótese de raciocínio, sempre se dirá que a mesma não contém qualquer motivação de facto nem de direito, e não apresenta a regularidade lógica e formal indispensável à apreensão clara, suficiente e congruente das razões da decisão;

- Não contendo o acto de liquidação a fundamentação devida, nem sequer por remissão, esta violou o disposto no art. 36.º, n.ºs 1 e 2, do CPPT e o art. 77.º, n.º 1, da LGT, sendo por isso anulável em conformidade com o disposto no art. 99.º, alínea c,) do CPPT;

- Refere ainda a Requerente que a liquidação controvertida não foi precedida de audição prévia, consubstanciando-se assim a preterição de uma formalidade essencial que constitui um vício e fundamenta a anulação do acto de liquidação por violação da alínea a) do nº 1 do artigo 60º da LGT;

- Por impugnação, defende-se a Requerente alegando que o acto tributário sindicado padece de ilegalidade, duplicação de colecta e viola os princípios constitucionais de igualdade, capacidade contributiva e progressividade;

- Começando por alegar que, no caso da liquidação, considerou-se, segundo se julga, que o prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ... da freguesia de ... era um prédio urbano com afectação habitacional, o que não corresponde à sua natureza jurídica pois trata-se de um terreno para construção onde não existe qualquer edificação;

- O prédio da Requerente sobre o qual recaiu a Liquidação é um lote de terreno com o n.º 2001/… sito na Rua … e Rua …, na freguesia de ..., concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz sob o art. ...;

-A Requerente desenvolve a actividade de compra de edifícios e compra e venda de imóveis;

- O terreno em causa não está a ser utilizado para habitação não existindo quaisquer edificações ou construções no mesmo;

- O terreno em causa destina-se a construção, sendo fiscalmente um prédio da espécie ou tipo “terreno para construção”, conforme foi, aliás, declarado na escritura pela qual a Requerente o adquiriu e se encontra também indicado na caderneta predial respectiva (cfr. cópia de escritura que juntou como Documento 7 da Reclamação Graciosa e o Documento 5 da Reclamação Graciosa);

- O art. 67º, n.º2 do CIS estabelece que às matérias não reguladas naquele Código respeitantes à verba nº28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI;

- Tendo presente este quadro legal, temos que, quanto à incidência objectiva do imposto, a verba 28.1 incide sobre prédios urbanos com afectação habitacional;

- O CIS não define directamente o que sejam prédios urbanos e muito menos o que seja afectação habitacional;

Mas segue a definição usada CIMI; o art. 1.º, nº6 do CIS é claro ao estabelecer que, para efeitos do CIS, o conceito de prédio é definido no CIMI;

- Assim, para a interpretação do que sejam prédios urbanos com afectação habitacional, podemos e devemos atender ao CIMI, em particular aos arts. 2º (que define prédio), 4.º (que define prédios urbanos) e 6.º (que divide os prédios urbanos em espécies), todos do CIMI;

- Importa reter, desde já, que “afectar” significa destinar a uso ou propósito específico, aplicar a um fim determinado;

- Assim os prédios urbanos habitacionais ou com afectação habitacional são os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, mesmo quando não tenham licença de habitação, tenham como destino normal a habitação (art. 6º, nº2, do CIMI);

- A Requerente alega que só existe prédio urbano com afectação habitacional quando existam edifícios ou construções); adicionalmente que os prédios urbanos habitacionais têm de estar licenciados para utilização habitacional ou terem como destino normal a habitação;

- Ora, no caso do prédio propriedade da Requerente, bem como no dos demais terrenos para construção, verifica-se, por um lado, que os mesmos não são por natureza edifícios ou construções e, por outro, que detêm por destino normal a construção;

- Na substância, a verba 28.1 da TGIS pretende tributar a capacidade contributiva evidenciada pelos sujeitos passivos que sejam proprietários, usufrutuários ou titulares do direito de superfície de prédios urbanos para habitação cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a 1 milhão de euros;

- Ora um terreno para construção não tem, atendendo à sua substância económica, as características e funções de um prédio habitável, pelo que não pode deixar de entender-se que não está abrangido pela norma de incidência tributária prevista na verba 28.1 da TGIS;

- Ao pressupor que o terreno para construção da Requerente é um prédio com afectação habitacional, a AT faz errada interpretação do art. 1º, nº1, do CIS e da Verba 28.1 da TGIS, bem como do art. 6º, n.º1, alínea f) (i), da citada Lei n.º55-A/2012, ou se preferimos, comete o chamado “erro de direito acerca dos factos”, o que constitui fundamento da anulação da Liquidação nos termos do artigo 99.º do CPPT;

- De resto, são já várias as pronúncias em sede de arbitragem tributária no sentido da ilegalidade da tributação dos terrenos para construção à luz da Verba 28 do TGIS (cfr. as diversas decisões em http://www.caad.org.pt/content/show/id/35/s/3);

- A prova acabada de que os terrenos não estavam abrangidos nem na letra nem no espírito do legislador quando criou a Verba 28 do Imposto de Selo é dada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014, que alterou a redacção da verba 28.1 da TGIS que estava anteriormente em vigor, tendo passado a ser a seguinte: “Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos no Código do IMI”;

-A Requerente fundamenta também o seu pedido na duplicação de colecta;

- O prédio da Requerente é um terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., conselho de Lisboa, sob o art. ..., com um VPT de €2.262.019,75 (dois milhões duzentos e sessenta e dois mil e dezanove euros e setenta e cinco euros);

- Como tal, o referido prédio foi sujeito a IMI relativamente ao ano 2012, imposto este que foi liquidado à Requerente e foi por ele pago – cfr. as respectivas Nota de Cobrança de IMI, duplicados de duas reclamações para rectificação da Nota de Cobrança. Nota de Cobrança para pagamento parcial do IMI de 2012 e cópia de comprovativo de pagamento parcial do IMI de 2012, juntos como Documentos 8 a 12 da Reclamação Graciosa;

- Ou seja, o facto tributário é a titularidade (enquanto proprietário, usufrutuário ou superficiário) de um prédio em 31 de Dezembro, de um prédio urbano com um VPT superior a € 1.000.000;

- Assim, mais uma vez, no caso concreto, o facto tributário sobre que incidiu o IS foi a titularidade, pela Requerente, como proprietária, em 31 de Dezembro de 2012, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., conselho de Lisboa, sob o art. ..., com um VPT de € 2.262.019.75;

- Efectivamente, nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º 1 do CPPT “Haverá duplicação de colecta (…) quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”.

- Em anotação ao referido preceito legal, identifica JORGE LOPES DE SOUSA os seguintes requisitos cumulativos da duplicação de colecta: “a) unicidade dos factos tributários; b) identidade da natureza entre o tributo pago e o que de novo se exige; c) coincidência temporal do tributo pago e o que de novo se pretende cobrar;

- Na verdade, ambos os impostos são de idêntica natureza, incidem sobre a totalidade do VPT, mesmo facto, mesmo período, mesmo titular, pelo que, estando pago o IMI, como se comprova pelos Documentos 8 a 12 da Reclamação Graciosa,

- E fazendo um exercício de abstracção teórica em que se iria considerar um terreno para construção como um prédio com afectação habitacional – o que, como já referido, é um puro disparate -, sempre se diria que estaríamos perante uma situação de duplicação de colecta , que dever ser apreciada e, em consequência, deve a liquidação de IS ora em questão ser anulada, como todas as consequências legais daí decorrentes;

- A duplicação de colecta configura um vício gerador de ilegalidade do ato tributário, como aliás decorre do artigo 78.º, n.º 6 da LGT e, por esse motivo, pode também ser invocada através de qualquer meio gracioso, judicial ou arbitral;

- Finalmente a Requerente fundamenta a ilegalidade da liquidação na violação dos princípios constitucionais da igualdade e capacidade contributiva;

- a tributação nos termos visados com a liquidação sub judice configura uma violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º, 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 1 e n.º 3, todos da CRP.

 - A Requerente termina requerendo que a liquidação seja considerada nula ou anulada com base na violação de princípios legais e constitucionais citados. 

 

3.      Resposta da AT

       A Autoridade Tributária veio defender na resposta a manutenção dos ato tributários sindicados, pedindo a absolvição do pedido com reafirmação, no essencial, dos argumentos que fundamentaram a decisão de manutenção desses actos.

Em resumo alegou o seguinte:

- Por excepção veio alegar que o pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a anulação da nota de cobrança de Imposto de Selo nº 2013 ... no montante de € 7.540,08.

 - Sendo que a Requerente veio associar a este pedido o pedido de anulação das notas de cobrança nº 2013 ... e nº 2013 ... as quais reconhece que ainda não lhe foram notificadas.

- Pelo que deve a pretensão da Requerente ser considerada improcedente.

- Por impugnação a Autoridade Tributária contesta todos os argumentos da Requerente mantendo a posição que tem vindo sustentadamente a ser seguida pela AT em processos similares submetidos à decisão dos tribunais tributários arbitrais, que resumidamente se sustenta na seguinte argumentação:

- Refere a Administração Tributária  “É entendimento da autoridade tributária (AT) que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeito a imposto do selo (…).”

- No que respeita à invocada duplicação de colecta sustenta a administração tributária que também não assiste razão à ora Impugnante, uma vez que “(…) a Constituição da República obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, que não tenham fundamento matéria bastante.

-A diferente aptidão dos imóveis (habitação, comércio, serviços) sustenta o diferente tratamento, tendo constituído opção do legislador, por razões políticas e económicas, da incidência de IS os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.

 

 II.  SANEAMENTO

      

4.      Este Tribunal Arbitral foi regularmente constituído em 09-07-2014, tendo sido o árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respectivas formalidades legais e regulamentares (cfr artigos 11º-1/a) e b), do RJAT e 6º e 7º, do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.

5.      A reunião prevista no artigo 18º, do RJAT foi realizada no dia 22-01-2015 tendo estado presente apenas o representante legal da Requerente e tendo a representante da Requerida comunicado que não se opunha à mesma.

6.      O Tribunal designou o dia 6 de Março para a prolação da decisão, tendo a mesma sido prorrogada até dia 9 de Julho.

7.      As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

8.      Não foram identificadas nulidades no processo

 

III FUNDAMENTAÇÃO

 

9.      Discute-se na presente acção a liquidação de imposto de selo, acto tributário consubstanciado na liquidação de Imposto do Selo (IS) referente ao ano de 2012, verba 28.1 da TGIS, datada de 21/03/2013, relativa ao prédio urbano inscrito na matriz sob o art. ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, no montante de € 22.620,20 (vinte e dois mil seiscentos e vinte euros e vinte cêntimos) – (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), conforme cópias daquelas liquidações (documentos juntos ao processo), sendo imputados ao respectivo ato tributário vários vícios formais, e ainda os vícios de ilegalidade, duplicação de colecta e violação dos princípios constitucionais de igualdade, capacidade contributiva e progressividade.

 

MATÉRIA DE FACTO

 

Factos Provados

 

10.  Para apreciação destas questões importa ter em conta os seguintes factos provados e que são basicamente os alegados pela Requerente, considerando não terem sido eles postos em causa pela AT:

11.  A Requerente é uma sociedade comercial que, no âmbito da sua actividade, se dedica à promoção imobiliária, nomeadamente à realização e desenvolvimento de negócios e projectos imobiliários.

12.  A Requerente era proprietária, à data a que os factos se reportam, i.e., no ano de 2012, do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ..., da freguesia de ..., concelho de Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 2.262.019,75 o qual era composto por um terreno para construção, conforme cópia da caderneta predial e escritura de aquisição do mesmo, juntas com a petição inicial [documento n.º 5 e 7 respectivamente[1]].

13.  À data dos factos, o identificado terreno não tinha qualquer construção nem existia licença de utilização para habitação.

14.  No seguimento da entrada em vigor da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro [que introduziu alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (Código do IRS), ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), ao Código do Imposto do Selo (Código do IS) e à Lei Geral Tributária (LGT)], a Requerente foi notificada da liquidação de IS n.º 2012 001872172, de 07.11.2012, a qual apurou IS a pagar sobre a propriedade do identificado prédio urbano, no montante de € 11.310,10, em resultado da aplicação da taxa transitória de 0,5% – “Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI” – (cf. artigo 6.º, n.º 1, alínea f), subalínea i), da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro) [cfr cópia daquela liquidação - documento n.º 4].

15.   Posteriormente, foi a Requerente notificada da liquidação de IS, ascendendo a colecta ao montante total de € 22.620,20, em resultado da aplicação da taxa de 1% prevista na verba 28.1 – “Por prédio com afectação habitacional” – da TGIS, na redacção conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, materializada na liquidação para pagamento da primeira prestação [documento n.º 1].

16.  A ora Requerente foi igualmente notificada da liquidação para efeitos de pagamento da segunda prestação e da liquidação para pagamento da terceira prestação [docs. juntos ao processo pela Requerente posteriormente à apresentação da petição inicial], sendo que a legalidade das mesmas se encontra necessariamente dependente da liquidação para pagamento da primeira prestação (cf. doc. n.º 1).

17.  Esta notificação para pagamento da segunda e terceira prestações foi efectuada anteriormente à data da apresentação do pedido de constituição do tribunal arbitral.

18.  A Requerente deduziu contra o mesmo acto tributário de liquidação reclamação graciosa a 23.07.2013 (junta ao processo administrativo).

19.  Como fundamentos da reclamação graciosa invocou diversos vícios formais da liquidação.

20.   Igualmente em termos materiais a ora Requerente, invocou, em síntese, que o prédio urbano em apreço se encontra qualificado como terreno para construção, pelo que não se enquadra na categoria de prédio urbano com afectação real e, consequentemente, não está sujeito a IS; que a liquidação de IS incorre em vício de duplicação de colecta e, por fim, que a liquidação de IS é manifestamente violadora dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, tal como do princípio da progressividade, pelo que é materialmente inconstitucional a norma em apreço prevista na Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro.

21.  A administração tributária refutou todos os vícios formais da liquidação deduzidos pela Requerente.

22.  Em termos substanciais refere a administração tributária no projecto de indeferimento que “É entendimento da autoridade tributária (AT) que os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenha sido atribuída afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeito a imposto do selo (…).”3.1.14 Para a administração tributária “O facto de se ter positivado, na norma de incidência (verba 28.1 da TGIS), o prédio com afetação habitacional, faz apelo ao coeficiente de afetação (art.º 41 do CIMI), que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.” (cf. página 3 do doc. n.º 7).

23.  Já no que concerne às invocadas inconstitucionalidades refere a administração tributária naquele projecto que “(…) a inconstitucionalidade da lei não é em sede de procedimento de reclamação graciosa que poderá ser apreciada.

24.  A Reclamação Graciosa foi indeferida e notificado o indeferimento em 29.10.2013, tendo deste indeferimento sido apresentado Recurso Hierárquico em 27.11.2013, o qual foi não foi apreciado expressamente pela administração tributária no prazo fixado pela lei pelo que a Requerente o considerou tacitamente indeferido em 26.01.2014 (junto ao processo administrativo).

 

                 Factos não provados

 

25.  Não se constataram factos essenciais, com relevo para a apreciação do mérito da causa, que não se tenham provado.

 

                 Motivação

 

26.  O Tribunal fundou a sua convicção no processo administrativo anexo aos autos e nos elementos documentais juntos ao processo pela Requerente, designadamente os supra indicados, em conjugação com a inexistência de controvérsia das partes quanto aos factos essenciais considerados provados.

                

Fundamentação (cont)

                 O Direito

 

27.  O acto tributário impugnado é a liquidação de imposto de selo no ano de 2012 e relativa a um terreno para construção, propriedade da Requerente, efectuada pela AT nos termos da verba 28.1, da TGIS e do artigo 6º, da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro.

28.  A Requerente aponta vários vícios formais, bem como que tal liquidação foi efectuada com violação da lei na medida em que, segundo alega, para além de padecer de vício nos pressupostos [os terrenos para construção não são passíveis de liquidação de IS nos termos do artigo 28º, da TGIS], a interpretação dada pela AT ao citado artigo 28º, viola os princípios constitucionais da igualdade, progressividade e capacidade contributiva.

29.   Vejamos cada uma das questões suscitadas.

30.  Por facilidade expositiva, transcrevem-se as principais disposições legais essenciais para, seguidamente, se apreciar o acto tributário à luz dos vícios invocados pelo requerente

 

- Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro [altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o Código do Imposto do Selo e a Lei Geral Tributária]:

                 Artigo 3.º

                 Alteração ao Código do Imposto do Selo

Os artigos 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 22.º, 23.º, 44.º, 46.º, 49.º e 67.º do Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de setembro, passam a ter a seguinte redação:

       (…)

       Artigo 2.º

       [...]

       1 - ...

       2 - ...

       3 - ...

4 - Nas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, são sujeitos passivos do imposto os referidos no artigo 8.º do CIMI.

 

       Artigo 23.º

       [...]

       1 - ...

       2 - ...

       3 - ...

       4 - ...

       5 - ...

       6 - ...

7 - Tratando-se do imposto devido pelas situações previstas na verba n.º 28 da Tabela Geral, o imposto é liquidado anualmente, em relação a cada prédio urbano, pelos serviços centrais da Autoridade Tributária e Aduaneira, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.

 

       Artigo 67.º

       [...]

       1 - (Anterior corpo do artigo.)

2 - Às matérias não reguladas no presente Código respeitantes à verba n.º 28 da Tabela Geral aplica-se, subsidiariamente, o disposto no CIMI.»

       Artigo 4.º

       Aditamento à Tabela Geral do Imposto do Selo

É aditada à Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, a verba n.º 28, com a seguinte redacção:

  «28 - Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

       28.1 - Por prédio com afectação habitacional - 1 %;

       28.2 - Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável.

 

       Artigo 6.º

       Disposições transitórias

1 - Em 2012, devem ser observadas as seguintes regras por referência à liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral:

       a) O facto tributário verifica-se no dia 31 de Outubro de 2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20 de Dezembro de 2012;

       f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

       i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;

       ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5 %.

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

3 - A não entrega, total ou parcial, no prazo indicado, das quantias liquidadas a título de imposto do selo constitui infracção tributária, punida nos termos da lei.

       Artigo 7.º

       Entrada em vigor e produção de efeitos

       1 - A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

2 - As alterações ao artigo 72.º do Código do IRS e ao artigo 89.º-A da Lei Geral Tributária produzem efeitos desde 1 de Janeiro de 2012.

 

31.  Relativamente á excepção apresentada pela Requerida a mesma não deve ser acolhida.

32.  A AT refere que deve improceder o pedido uma vez que o pedido tem por objecto a anulação da nota de cobrança de imposto de selo identificada no pedido de pronúncia arbitral, no montante de € 7. 540,08.

33.  E que a Requerente associou a este pedido a anulação das notas de cobrança referentes à segunda e terceira prestação, que reconhece que ainda não foram notificadas.

34.  Contudo, a Requerente, já quando apresentou reclamação graciosa, a dirigiu com vista a obter a anulação da liquidação de IS, datada de 21-03-2013, cuja colecta corresponderia ao montante total de € 22.620,20.

35.  Tendo a segunda e terceiras prestações sido notificadas nos termos da lei, em Junho e Outubro de 2013, para pagamento em Julho e Novembro de 2013.

36.  Pelo que se encontravam devidamente notificadas todas as prestações até à data da entrada do pedido de pronúncia arbitral, em 28-04-2014.

37.  O que a Recorrente impugna é a liquidação e não a cobrança do imposto.

38.  O procedimento de liquidação do IMI do ano de 2012 decorre, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 113º do Código do IMI, durante os meses de Fevereiro e Março do presente ano, tendo por base os valores patrimoniais tributários que constam das matrizes prediais em 31 de Dezembro de 2012.

39.  Já a cobrança do IMI decorrerá nos termos do disposto no n.o 1 do artigo 120.° do Código do IMI, com a redacção dada pela Lei n º 66-B/2012, de 31 de Dezembro de 2012, pelo que o imposto deve ser pago:

a.       Em uma prestação, no mês de Abril, quando o seu montante seja igual ou inferior a (euro) 250;

b.      Em duas prestações, nos meses de Abril e Novembro, quando o seu montante seja superior a (euro) 250 e igualou inferior a (euro) 500;

c.       Em três prestações, nos meses de Abril, Julho e Novembro, quando o seu montante seja superior a (euro) 500.

40.  A Requerente vem solicitar ao tribunal a declaração de ilegalidade do acto de liquidação do IMI de 21-03-2013.

41.  Pelo que deve a excepção alegada pela Requerida não ser considerada procedente.

42.  A Requerente aponta em resumo os seguintes vícios formais e materiais para solicitar a anulação da liquidação de IS:

a)      Desconhecimento do autor do acto

b)      Falta de fundamentação devida.

c)      Omissão de audição prévia

d)     Inexistência de prédio edificado

e)      Duplicação de colecta: para o mesmo facto tributário, mesmo período, mesmo titular, há 2 (dois) impostos da mesma natureza- IMI e IS

f)       Inconstitucionalidade: o acto tributário padece de vícios de forma e de lei, geradores de ilegalidades e inconstitucionalidades

 

a)      Desconhecimento do autor do acto de liquidação

43.  A Requerente alega que a liquidação não contém a indicação do seu autor e a respectiva assinatura, pelo que tal liquidação viola o art. 123.º, n.º 1, a) e g) do CPA, sendo nula nos termos dos artigos 133.º, n.º 1, do CPA e 99.º, alínea d), do CPPT.

44.  Nos termos do nº 3 do art.º 11º do DL nº 191/99, de 5 de Junho, é emitido um DUC – Documento Único de Cobrança, que exprime a relação pecuniária estabelecida entre o Estado e o devedor.

45.  Este documento deve conter: 

a.       Identificação do organismo ou serviço processador;

b.      Período a que respeita;

c.       Número atribuído ao documento;

d.      Identificação da entidade devedora, incluindo o número de identificação fiscal;

e.       Natureza da receita;

f.       Montante da receita;

g.      Data limite de pagamento

46.  Ora, como se pode verificar no documento (anexo 1), todos estes constam da nota de cobrança nº …2013 …:

a.       Identificação do organismo ou serviço processador- AT autoridade tributária e aduaneira;

b.      Período a que respeita- Ano de 2012;

c.       Número atribuído ao documento- 2013 ...

d.      Identificação da entidade devedora, incluindo o número de identificação fiscal- …;

e.       Natureza da receita-Imposto de Selo

f.       Montante da receita- 7.540,08€

g.      Data limite de pagamento- Abril/2013.

47.  Consta ainda do documento: a liquidação do imposto (identificação do prédio e seu valor patrimonial tributário (VPT), taxa aplicada e valor apurado, meios de defesa e prazos para reagir.

48.  Para além de que, este vício arguido pela Requerente é um vício que, a ser considerado procedente, afecta não a liquidação impugnada, mas sim o acto de notificação da liquidação, tendo, por conseguinte, como consequência a nulidade do ato de notificação, nos termos do artigo 39.º, n.º 12, do CPPT e a ineficácia do acto tributário subjacente.

49.  Conforme jurisprudência (veja-se Acórdão do STA no processo nº 0251/2012, de 26-09-2012, que determina que” …nos casos em que não foi efectuada notificação da liquidação e foi instaurada execução fiscal, se está perante uma situação de ineficácia do acto de liquidação, que constitui fundamento de oposição enquadrável na al. i) do nº 1 do artº 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário (cf. neste sentido, por mais recentes, os acórdãos 02.02.2011, recurso 803/10, de 28/09/2011, recurso 473/11, e de 20.06.2012, recurso 378/12, todos in www.dgsi.pt).e doutrina maioritária,  a ser demonstrado o vício arguido pela Requerente, a consequência seria a ineficácia da liquidação impugnada e não a sua invalidade.

50.  A competência deste Tribunal Arbitral está, nos termos do artigo 2.º do RJAT, limitada à apreciação das seguintes pretensões:

a.       A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b.      A declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais;

c.       A apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior.

51.  Assim, resulta que o presente Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar questões relativas à ineficácia da liquidação impugnada

.

Falta de fundamentação

 

52.  Nos termos do estatuído no artigo 77.º da LGT, a decisão de procedimento deve ser fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

53.  Nos termos do n.º 2 de tal artigo a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo.

54.  De acordo com o artigo 125.º/1 do CPA, a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso, parte integrante do respectivo acto, equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

55.  Ou seja, a fundamentação é suficiente quando proporcione aos destinatários do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.1 [ Acórdão do STA, de 2009.04.15, proferido no recurso n.º 065/09, disponível no sítio da internet www.dgsi.pt]

56.  Ora, como resulta assente a fundamentação do acto em crise é a constante do próprio documento de notificação que corresponde ao documento 1.

57.  Da fundamentação constam todos os elementos elencados supra nos pontos 46 e 47.

58.  Da recensão de peças processuais atrás efectuada forçoso é concluir que não subsistem dúvidas de que o Requerente teve possibilidade de conhecer das razões de facto e de direito que estão na base pressupostos em que assentou a liquidação do IS impugnado e bem assim de conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo de quem tomou tal decisão.

59.  Teve oportunidade de participar, e participou, no procedimento de reclamação graciosa.

60.  Não há, pois, qualquer obscuridade, contradição ou insuficiência na exposição dos fundamentos de facto e de direito do acto impugnado, que não padece de falta de fundamentação.

61.  Assim, verifica-se que os citados elementos são suficientes para que o contribuinte conheça a razão da liquidação reclamada na sua extensão e natureza, pelo que se conclui que foi dado cumprimento às exigências legais de fundamentação previstas no artigo 77º da Lei Geral Tributária (LGT) e artigo 37º do CPPT.

 

 

 

 Falta de audiência prévia

62.  Quanto à alegada falta de audiência prévia antes da liquidação, o tribunal entende que tal fase não é obrigatória, tendo em conta que estamos na presença de um ato praticado no exercício de poderes estritamente vinculados.

 

Impugnação por vícios de lei

 

63.  Sobre a aplicação da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo aos terrenos para construção, já se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do CAAD proferidos nos processos número 53/2013-T, 49/2013-T, 42/2013-T, 180/2013-T, 75/2013-T, 215/2013-T, 240/2013-T, 310/2013-T e 284/2013-T.

64.  Da mesma forma, o Supremo Tribunal Administrativo tomou posição sobre a questão, designadamente nos acórdãos dos processos n.º 0467/14 de 02-07-2014 em, n.º 0676/14 de 09-07-2014, n.º 0395/14 de 28-05-2014, n.º 01871/13 de 14-05-2014 e n.º 055/14 de 14-05-2014 , n.º 0425/14 de 28-05-2014, n.º 0396/14 de 28-05-2014, n.º 0274/14 de 14-05-2014 e n.º 046/14 de 14-05-2014.

65.  O Tribunal irá seguir a orientação estribada nestes acórdãos, conforme se segue.

 

Afectação do imóvel: A – Os conceitos de “prédio com afectação habitacional” e de “prédio habitacional”

 

66.  A questão essencial reside, pois, em saber qual o âmbito de aplicação da norma de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS, nomeadamente quanto à determinação do âmbito da definição de “prédios urbanos com afectação habitacional”, uma vez que se afigura pacífica in casu a questão do VPT igual ou superior a € 1 000 000.

67.  Sobre as dificuldades da interpretação e aplicação do conceito de “afectação”, especificamente no âmbito da verba 28 da TGIS, seguimos o raciocínio e argumentação do acórdão do CAAD no processo 66/2014 – T.

68.  A palavra «afectação», neste contexto de utilização de um prédio, tem o significado de «acção de destinar alguma coisa a determinado uso».

69.  «Quando, como é de regra, as normas (fórmulas legislativas) comportam mais que um significado, então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio a ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. É que, de entre os sentidos possíveis, uns corresponderão ao significado mais natural e directo das expressões usadas, ao passo que outros só caberão no quadro verbal da norma de uma maneira forçada, contrafeita. Ora, na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento».

70.  A relevância do texto da lei é especialmente acentuada em matéria de interpretação de normas de incidência do Imposto do Selo, que se reconduzem a uma amálgama, sob uma denominação comum, de um conjunto incongruente de tributos de naturezas completamente distintas (sobre o rendimento, sobre a despesa, sobre o património, sobre actos, etc.), que não deixa margem apreciável para aplicação do critério interpretativo primordial, que é a unidade do sistema jurídico, que reclama a sua coerência global.

71.  A reconhecida falta de coerência do Imposto do Selo é particularmente exuberante no caso desta verba n.º 28.1, apressadamente incluída à margem do Orçamento Geral do Estado, por um legislador fiscal sem orientação fiscal global perceptível, que vai implementando sucessivamente normas de agravamento fiscal à medida dos revezes da execução orçamental, das imposições dos credores institucionais internacionais (representados pela «troika») e da fiscalização do Tribunal Constitucional.

72.  Na verdade, embora na «Exposição de Motivos» da Proposta de Lei n.º 96/XII/2.ª, em que se baseou a Lei n.º 55-A/2012, se faça referência à louvável preocupação do Governo de «reforçar o princípio da equidade social na austeridade, garantindo uma efectiva repartição dos sacrifícios necessários ao cumprimento do programa de ajustamento» e ao seu empenho «em garantir que a repartição desses sacrifícios será feita por todos e não apenas por aqueles que vivem do rendimento do seu trabalho», é manifesto, por um lado, que essas razões de equidade, decerto existentes, não começaram a valer em meados de 2012, já existindo no início do ano, quando entrou em vigor o Orçamento Geral do Estado e, por outro lado, que o alcance da verba n.º 28.1, ao tributar acrescidamente os prédios com afectação habitacional e não também os prédios que a não têm, deixa entrever que as preocupações de equidade social e a proclamada intenção de repartição dos sacrifícios por todos, atinge muito mais alguns do que propriamente todos.

73.  Neste contexto, não existindo elementos interpretativos seguros que permitam detectar coerência legislativa na solução adoptada na referida verba n.º 28.1 ou o acerto ou desacerto da solução adoptada (relevante para efeitos interpretativos à face do n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), o teor do texto legal tem de ser o elemento primacial da interpretação, em conformidade com a presunção, imposta pelo mesmo n.º 3 do artigo 9.º, de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

74.  À face daqueles significados das palavras «afectação» e «afectar», que são «dar destino» ou «aplicar», a fórmula utilizada naquela verba n.º 28.1 da TGIS, abrange, manifestamente, os prédios que já estão aplicados a fins habitacionais, pelo que importa indagar se abrangerá também os prédios que, apesar de não estarem ainda aplicados a fins habitacionais, estão a estes destinados e aqueles cujo destino é desconhecido.

75.  À face do teor literal da verba n.º 28.1, é de afastar do âmbito de incidência do Imposto do Selo aí previsto os terrenos para construção de algumas requerentes que ainda não têm definido qualquer tipo utilização, pois ainda não estão aplicados nem destinados a fins habitacionais. Isto é, os terrenos para construção que não têm utilização definida não podem ser considerados prédios com afectação habitacional, pois não têm ainda nenhuma afectação nem outro destino que não seja a construção de tipo desconhecido. Uma interpretação no sentido de que a verba n.º 28.1 se reporta a prédios cuja afectação é desconhecida não tem o mínimo de correspondência verbal na letra daquela norma, pelo que um hipotético pensamento legislativo desse tipo não pode ser considerado pelo intérprete da lei, em face da proibição que consta do n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.

76.  Mas, isto não basta para esclarecer a situação daqueles terrenos para construção que, não estando ainda aplicados a fins habitacionais, já têm um destino determinado.

77.  Por isso, haverá que esclarecer quando é que se pode entender que um prédio está afectado a fim habitacional, designadamente se é quando lhe é fixado esse destino num ato de licenciamento ou semelhante, ou apenas quando a efectiva atribuição desse destino é concretizada.

78.  Desde logo, o confronto da verba n.º 28.1 da TGIS com n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, que define o conceito de prédios habitacionais, aponta manifestamente, no sentido de ser necessária uma afectação efectiva.

79.  Na verdade, um edifício ou construção licenciado para habitação ou, mesmo sem licença, mas que tenha como destino normal a habitação, é, à face do n.º 2 daquele artigo 6.º um prédio habitacional.

80.  Por isso, no pressuposto de que o legislador da Lei n.º 55-A/2012 soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como impõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil que se presuma), se pretendesse reportar-se a esses prédios já licenciados para habitação ou que tenham a habitação como destino normal, decerto teria utilizado o conceito de «prédios habitacionais», que expressaria perfeita e claramente o seu pensamento, à face da definição dada por aquele n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.

81.  Consequentemente, deve presumir-se que o uso de uma expressão diferente tem em vista uma realidade distinta, pelo que, em boa hermenêutica, «prédio com afetação habitacional», não poderá ser um prédio apenas licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um «prédio habitacional»), tendo de ser um prédio que tenha já efetiva afetação a esse fim. (Neste sentido veja-se também o acórdão do CAAD n.º 53/2013-T, em que são relatores o Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, a Sra. Dra. Conceição Pinto Rosa e o Sr. Dr. Alberto Amorim Pereira).

82.  Por outro lado, no acórdão do STA de 09-07-2014, proferido no processo n.º 0676/14, em que é relatora a Conselheira Dulce Neto, refere-se que “a afectação habitacional surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6º do CIMI).“

83.  De resto, o texto da lei ao adoptar a fórmula «prédio com afectação habitacional», em vez de «prédios urbanos de afectação habitacional», que aparece na referida «Exposição de Motivos», aponta fortemente no sentido de que se exige que a afectação habitacional já esteja concretizada, pois só assim o prédio estará com essa afectação.

84.  No que concerne ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios apenas indicando os factores a ponderar na avaliação de terrenos para construção. O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI, não implica afectação e ocorre antes desta.

85.  Por isso, é de concluir que os elementos interpretativos disponíveis, inclusivamente as «circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apontam claramente no sentido de não se ter pretendido abranger no âmbito de incidência da verba n.º 28.1 as situações – como a dos autos - de prédios que ainda não estão afectos à habitação, nomeadamente os terrenos para construção detidos por empresas.

86.  Veja-se também a esse propósito o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14-05-2014, processo n.º 046/14, em que é Relator Ascenção Lopes, onde se lê que “não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.”

87.  Pelo exposto, considera-se que a expressão “prédio urbano com afectação habitacional” prevista no Verba 28.1 da TGIS reconduz-se ao de prédio urbano habitacional, previsto no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI.

88.  Nessa medida, sendo o prédio urbano em questão um terreno para construção, o mesmo não cai no âmbito da norma de incidência objectiva da Verba 28.1 da TGIS, o que fere de ilegalidade a liquidação objecto do presente processo arbitral, e torna procedente o pedido da Requerente.

89.  A Requerente levantou questões de duplicação de colecta e questões de inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, no pressuposto de esta incluir “terrenos para construção”. Não tendo sido essa a interpretação dessa norma na presente Decisão Arbitral, deixa de fazer sentido, e de ter utilidade, a apreciação dos outros vícios legais ou da (in)constitucionalidade da norma.

 

IV. DECISÃO

 

De harmonia com o exposto, este Tribunal Singular decide:

 

Declarar a ilegalidade da liquidação objecto destes autos, por carência de base legal e violação dos artigos 4º e 6º, da Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro e da verba 28 da TGIS e, em consequência, julgando procedente o pedido com esse fundamento, decide anular o acto de liquidação fundado nessa mesma norma;

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 22.620,20 (vinte e dois mil, seiscentos e vinte euros e vinte cêntimos.).

 

 

VI. CUSTAS

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, totalmente a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 9 de Julho de 2015

 

 

O Árbitro de Tribunal Arbitral Singular

 

 

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] A referência a documentos sem menção do articulado, referem-se a documentos juntos com a Reclamação Graciosa apresentada pela Requerente e que constam do processo administrativo enviado pela Requerida..