SUMÁRIO:
1- A alteração de método de dedução por sujeitos passivos com enquadramento em IVA misto, no âmbito da sua autonomia, não constitui erro de direito para efeitos de dedução do n.º2 do artigo 98.º do CIVA.
2- Tendo o sujeito passivo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução para efeitos de dedução nos termos do Código do IVA.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. António Cipriano da Silva e Dr. Gonçalo Marquês de Menezes Estanque (Adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral no processo identificado em epígrafe, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. Em 13 de janeiro de 2025 o A..., SA, contribuinte fiscal nº ..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa (doravante “Requerente”) ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), do artigo 1º alínea a) e 2º da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de março, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral apresentando pedido de pronúncia arbitral (“PPA”) em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”), que tem por objeto imediato a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa nº...2024... e objeto mediato as liquidações adicionais: liquidação de IVA 2024..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 638.738,00, o qual após acerto de contas com a liquidação de IVA n.º
... oficiosamente estornada, gerou um valor adicional a pagar de €50.368,72; liquidação de IVA 2024..., referente a dezembro de 2020 com valor após não aceitação de correções, de €392.605,22, liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 7.628,44 e liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referente a dezembro de 2020 no valor de €218.268,46, no âmbito da qual a Requerente contestou a legalidade dos atos supra identificados peticionando:
i) A anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa aqui impugnada;
ii) A anulação parcial dos atos de liquidação adicional de IVA e de juros compensatórios aqui em crise, no montante de IVA de € 442.973,94, e proporcional de juros, por vício de violação de lei;
iii) O reembolso dos montantes indevidamente pagos, acrescidos do pagamento de juros indemnizatórios, calculados nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e do n.º 4 do artigo 61.º do CPPT, tudo com as demais consequências legais aplicáveis.
2. No dia 15 de janeiro de 2025 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.
3. No dia 25 de março de 2025 foi constituído o Tribunal Arbitral.
4. Em 31 de março de 2025, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
5. Em 12 de maio de 2025 a Requerida juntou aos autos o processo administrativo e a sua resposta. Nesta, a Requerida revogou parcialmente os atos tributários que vêm impugnados, no segmento referente à correção, no valor de 392.605,22 €, respeitante ao Campo 40 - “IVA Regularizações - Mensais a favor do sujeito passivo” da declaração periódica de IVA do período de dezembro de 2020, através de despacho do Sr. Subdiretor Geral, Dr. ..., com data de 09-04-2025. Em simultâneo, a Requerida contestou por impugnação o pedido da Requerente, referente à alteração retroativa de método de cálculo do direito à dedução relativamente ao IVA dedutível nos serviços de pagamento por multibanco, no montante de € 50.368,72, pugnando pela improcedência deste pedido.
6. Na sequência da revogação parcial efetuada pela Requerida, a Requerente manifestou o interesse no prosseguimento do processo arbitral quanto aos atos tributários não objeto de revogação da AT: a. Liquidação de IVA n.º 2024 ..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 638.738,00, o qual, após acerto de contas com a liquidação de IVA n.º 2022 ... oficiosamente estornada, gerou um valor adicional a pagar de € 50.368,72; b. Liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 7.628,44. Mais indicou a Requerente que prescindia do depoimento da testemunha arrolada.
7. Em 28 de maio de 2025 o Tribunal arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º RJAT, facultando-se às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias com carácter sucessivo
7. Em 17 de junho de 2025 a Requerente juntou aos autos as suas alegações escritas. A Requerida não apresentou alegações.
II. Posição das partes
II.1. Posição da Requerente
a) Por realizar simultaneamente operações que conferem direito à dedução do IVA e operações isentas que não conferem esse direito, a Requerente assume a natureza de sujeito passivo misto.
b) Assim, em conformidade com o estabelecido no artigo 23.º do Código do IVA, a Requerente, para o adequado apuramento do imposto incorrido no âmbito da sua atividade que é suscetível de dedução, recorre à utilização dos métodos do pro rata e da afetação real, consoante as operações e as áreas de negócio em causa.
Quanto ao ponto V.3.1. - Métodos de dedução relativamente a bens usados nos serviços de pagamento por multibanco (n.º 6 do artigo 23.º e n.º 6 do artigo 78.º, ambos do Código do IVA) - € 50.368,72
c) Em 2018, a Requerente apurou o IVA a deduzir na sua atividade de serviços de pagamento por multibanco com recurso ao disposto no n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, conjugado com o entendimento versado no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, utilizando, como critério de cálculo, o método do coeficiente de imputação específico aí determinado.
d) Porém, alega a Requerente que no ano de 2020, na sequência de uma revisão de procedimentos na área do IVA, concluiu, no que respeita a esta área de negócio, ser possível estabelecer uma relação direta e imediata entre os recursos adquiridos e os outputs gerados (tributados em IVA à taxa normal), afigurando-se, portanto, ser mais correta a aplicação de um critério de afetação real (entre inputs e outputs do negócio) para apuramento do IVA a deduzir nesta atividade.
e) Nessa sequência, tendo identificado os recursos (bens e serviços) próprios da área de serviços de pagamentos por multibanco, bem como os outputs tributados desse negócio, e estabelecida uma ligação direta e imediata entre ambos, procedeu a um recálculo do montante de imposto considerado dedutível, nesta área de negócio, em 2018, tendo então inscrito um montante de € 50.368,72 de IVA dedutível adicional no campo 40 da declaração periódica de IVA de janeiro de 2020 (data em que procedeu à mencionada revisão de procedimentos).
f) Esse montante de IVA dedutível adicionalmente apurado (€ 50.368,72) pela Requerente foi objeto de correção em sede de inspeção, uma vez que a AT considerou tratar-se de uma regularização indevida de imposto. Posição que a Requerente entende por incorreta.
g) Refere a Requerente que ao ter originariamente apurado IVA a deduzir com base no coeficiente de imputação específico (ao invés de ter aplicado o método de afetação real entre os inputs e os outputs tributados desta atividade) não utilizou o método de dedução mais adequado, o que originou uma dedução de imposto inferior à legalmente devida.
h) Defende a Requerente que está em causa um erro na interpretação das normas pertinentes do Código do IVA (e não um mero erro material ou de cálculo) o que configura um erro de direito. Devendo assim ter-se em atenção ao disposto nos artigos 22.º, 23.º e 98.º do Código do IVA, os quais têm aplicação direta ao caso em análise.
i) O artigo 22º do CIVA, no seu nº2 estabelece uma diretriz geral quanto ao momento em que pode ser concretizada a dedução (inicial) de IVA constante de faturas relacionadas com as aquisições de bens e serviços, não configurando, por si só, uma norma de caducidade do direito à dedução de imposto. Ou seja, não se retira do n.º 2 do artigo 22.º – ao contrário do alegado pela AT – que a dedução de imposto incorrido a montante apenas possa ser efetuada no período da receção das respetivas faturas (ainda que esse seja o período-norma).
j) Para determinar o limite temporal para a dedução do imposto, há que atentar ao prazo legal estabelecido no n.º 6 do artigo 78.º (2 anos) ou no n.º 2 do artigo 98.º (4 anos), consoante os casos.
k) As situações factuais que não tenham cabimento nas normas do artigo 78.º do Código do IVA – tipicamente, os casos de erros de direito – são reguladas pelo disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA. Assim, não se encontrando a situação em análise coberta pelo disposto no n.º 6 do artigo 78.º, por estar em causa um erro de direito, será aplicável o prazo geral de caducidade de quatro anos constante do n.º 2 do artigo 98.º.
l) Como tal, uma vez que a Requerente podia exercer o seu direito no prazo de 4 anos contado da dedução inicial (que ocorreu em 2018) e tal veio a ocorrer em janeiro de 2020, dúvidas não restam de que, na situação em apreço, a Requerente tem direito à recuperação dos valores de imposto em referência, dado que a dedução efetuada respeitou aquele prazo de caducidade.
m) Alega a Requerente que o entendimento da AT além de ser contrário ao princípio da neutralidade (princípio fundamental do sistema do IVA) é igualmente violador do princípio da igualdade entre sujeitos passivos, porquanto aqueles que têm integral direito à dedução podem, a todo o tempo, em 4 anos, regularizar IVA decorrente de erros de direito em que tenham incorrido, enquanto que os sujeitos passivos mistos (como a Requerente) estão, no entender da AT, limitados ao exercício desse direito no ano em causa (da dedução), em virtude da interpretação que a AT faz da norma do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.
n) Defende a Requerente que ao contrário do alegado pela AT, a norma do n.º 6 do artigo 23.º não impede os sujeitos passivos de promoverem alterações ao método de dedução de imposto inicialmente usado, porquanto esta norma apenas regula os procedimentos a adotar aquando da dedução inicial de IVA (a qual é efetuada de forma provisória durante o ano, e torna-se definitiva na última declaração de cada ano) e não eventuais procedimentos a adotar no âmbito da correção de erros ou retificações a efetuar em momento posterior.
o) A Requerente entende que ao contrário da posição defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que não era condição essencial que efetuasse as deduções do IVA na declaração de imposto relativa ao último período do ano em que ocorreram as situações que lhe deram origem, ou seja, no caso concreto, na declaração periódica de dezembro de 2018, sendo, para o efeito, suficiente a entrega de uma declaração periódica de IVA que inclua essa regularização de imposto no prazo de caducidade estabelecido pelo número 2 do artigo 98.º do Código do IVA, norma que, como vimos, é a única aplicável à situação vertente da Requerente, e a qual esta cumpriu.
p) Conclui a Requerente que as correções da AT em crise neste capítulo, no montante de IVA de € 50.368,72, estão feridas de erro nos pressupostos de direito, devendo, em consequência, as respetivas liquidações ser anuladas, por vício de violação de lei, o que se requer.
C. Reversão de regularizações de IVA efetuadas nos termos do artigo 10.º do Regime de Renuncia à Isenção do IVA (n.º 2 do artigo 10.º do Anexo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro) - € 392.605,22
q) A Requerente em dezembro de 2016, tendo entendido que as deduções por si efetuadas em relação a imóveis entretanto desocupados (por rescisões contratuais por incumprimento dos arrendatários e impossibilidade de arranjar novos, apesar dos esforços comerciais nesse sentido) eram, afinal, indevidas ao abrigo do disposto no referido artigo 10.º, a Requerente regularizou, a favor do Estado (campo 41) IVA respeitante a esses bens imóveis, no montante de € 392.605,22.
r) Nessa sequência, a Requerente concluiu que afinal lhe era permitida a dedução do IVA anteriormente efetuada e, como tal, não deveria ter promovido a regularização de imposto a favor do Estado operada em dezembro de 2016.
s) Pelo que, em dezembro de 2020, reverteu a regularização a favor do Estado efetuada em 2016 (inscrevendo esse montante no campo 40 daquela declaração periódica de 2020), operando, uma vez mais, a dedução que lhe era devida, por conta das regras gerais do sistema do IVA. Porém, a sede de inspeção, a AT corrigiu a reversão, efetuada pela Requerente em 2020, das regularizações de IVA de 2016.
t) Só por erro de interpretação dos factos ou do normativo legal aplicável se entendem as correções realizados pela AT, pois, em bom rigor, a regularização a seu favor realizada pela Requerente na declaração periódica de IVA de dezembro de 2020 (que é aqui objeto de correção pela AT) não consubstanciou uma regularização de IVA de bens do ativo imobilizado, abrangida pelo artigo 24.º do Código do IVA, nem pelo referido artigo 10.º. O que se pretendeu efetivar com a inclusão, no campo 41 da declaração periódica de IVA de 2020, do montante de € 392.605,22, foi a reversão das regularizações de IVA de bens do ativo imobilizado realizadas em dezembro de 2016.
u) Nestes termos, o procedimento adotado pela Requerente não está ferido de ilegalidade, razão pela qual as correções e as liquidações adicionais em causa não têm fundamento legal.
v) Assim, e dado que estamos perante um erro de direito, o qual foi corrigido no prazo de caducidade aplicável (4 anos), sendo a única divergência entre a posição da Requerente e a AT o meio utilizado para o efeito (a Requerente optou legitimamente por exercer o seu direito por via da entrega de declarações periódicas e a AT entende que aquela o deveria ter feito através de declarações de substituição e/ou de um pedido de revisão oficiosa), deveria sempre considerar-se, como defende o TJUE, que estão cumpridos os requisitos substanciais do direito à dedução não se pode inviabilizar a recuperação do IVA.
w) Entende a Requerente que ficou demonstrado que a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, bem como as liquidações adicionais em crise, são ilegais, por erro nos pressupostos de direito, violação da legislação e da jurisprudência nacionais e europeias.
II.2. Posição da Requerida
Por seu turno, a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:
a) Os serviços de inspeção apuraram que a ora Requerente regularizou indevidamente imposto a seu favor (no Campo 40 - “IVA Regularizações - Mensais a favor do sujeito passivo”) na Declaração Periódica de IVA do mês de janeiro de 2020, referente à revisão da metodologia do processo de apuramento do IVA dedutível através da aplicação do método de afetação real à área do pagamento de serviços multibanco respeitante ao período compreendido entre janeiro e dezembro de 2018, no montante de 50.368,72 €.
b) Tendo a Requerida concluído não existir suporte legal que permita ser autorizada uma alteração retroativa de método de cálculo do direito à dedução inicial relativamente aos bens e serviços de utilização mista.
c) Entende a Requerida que contrariamente ao que a Requerente pretende fazer crer, não está aqui em causa qualquer erro de enquadramento das operações tributáveis, para que se possa invocar “erro de direito” e o disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
d) No que respeita ao conceito de erro de direito, atualmente, o entendimento da Direção de Serviços do IVA mostra-se coerente com a jurisprudência dos Tribunais superiores, conforme consta na Informação n.º 2024001651, de 08-03-2024, da Direção de Serviços do IVA
e) Entende a Requerida que as circunstâncias particulares de erro de enquadramento das operações tributáveis, em que o TJUE admite a alteração de método de dedução, não se verificam no caso concreto.
f) A Requerente não alega, nem demonstra, haver erro no enquadramento das operações tributáveis que realizou, estando somente em causa a substituição do método de dedução por outro que lhe permitiria uma dedução adicional de IVA, no valor de 50.368,72 €.
g) Concluindo a Requerida que o ato tributário que vem contestado deve manter-se intacto na ordem jurídica.
h) Mais esclarece a Requerida que por razões de direito são parcialmente revogados os atos tributários que vêm impugnados, no segmento referente à correção, no valor de 392.605,22 €, respeitante ao Campo 40 - “IVA Regularizações - Mensais a favor do sujeito passivo” da declaração periódica de IVA do período de dezembro de 2020, através de despacho do Sr. Subdiretor Geral, Dr. ..., com data de 09-04-2025.
i) Mantendo a Requerida contudo a sua posição quanto à liquidação de IVA referente à revisão da metodologia do processo de apuramento do IVA dedutível através da aplicação do método de afetação real à área do pagamento de serviços multibanco respeitante ao período compreendido entre janeiro e dezembro de 2018,
j) Concluindo que deve improceder o pedido constante na petição inicial, referente à alteração retroativa de método de cálculo do direito à dedução inicial relativamente aos bens e serviços de utilização mista, no montante de € 50.368,72;
III. Saneamento
O PPA é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
IV. Questão a Decidir
Nos presentes autos tendo por presente a revogação parcial efetuada pela Requerida, está em causa decidir se a Requerente podia na declaração periódica de IVA de janeiro de 2020 proceder à regularização a seu favor, no campo 40, do montante de € 50.368,72 a título de imposto dedutível adicionalmente apurado, por via da aplicação do método da afetação real na área de meios de pagamentos, alterando de forma retroativa o método que havia utilizado em 2018 (no caso o método do coeficiente específico apurado nos termos do disposto no nº4 do artigo 23º do CIVA).
V. Matéria de Facto
V.1. Factos Dados como Provados
Com interesse para a decisão deram-se por provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma instituição financeira cuja atividade se encontra regulada pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro (cfr, artigo 7º e 8º do PPA) .
b) A Requerente encontra-se inscrita como sujeito passivo de IVA, com início de atividade em 04-08-2014, desenvolvendo simultaneamente operações que conferem direito à dedução do IVA e operações que não conferem esse direito, assumindo a natureza de sujeito passivo misto (cfr, artigo 8º e 9º do PPA, e artigo 2º da Resposta da AT).
c) Em 2020 a Requerente no âmbito de procedimento de revisão da metodologia de apuramento do IVA dedutível identificou áreas de negócio [serviços de cobrança através da rede Multibanco - Pagamento de Serviços Multibanco] suscetíveis da aplicação do método da afetação real, dado verificar-se a existência de uma relação direta e imediata entre os recursos adquiridos e os outputs gerados, condição essencial para a aplicação deste método de dedução (Cfr. artigos 39º e 40º do PPA).
d) A Requerente em 2020 na sequência da alteração do método de dedução para a área de “serviços de cobrança através da rede Multibanco - Pagamento de Serviços Multibanco” procedeu a um recálculo do montante de imposto considerado dedutível em 2018 para esta área de negócio (Cfr. artigo 40º do PPA).
e) A Requerente procedeu, na declaração periódica de IVA respeitante a janeiro de 2020, submetida em 10/03/2020, à regularização a seu favor (campo 40) do montante de € 50.368,72, a título de imposto dedutível adicionalmente apurado, por via da aplicação do método de afetação real na área de meios de pagamentos, (Cfr. declaração de IVA)
f) A Requerente foi objeto de procedimento inspetivo ao ano de 2020, pela Unidade de Grandes Contribuintes em cumprimento da ordem de serviço número OI2022... no âmbito do qual a AT corrigiu:
V.3.1. Regularizações indevidas a favor do sujeito passivo – campo 40 da declaração periódica – métodos de dedução relativamente a bens de utilização mista (n.º 6 do artigo 23.º e n.º 6 do artigo 78.º, ambos do Código do IVA)”, no montante de € 50.368,72;
“V.3.2. Regularizações indevidas a favor do sujeito passivo – campo 40 da declaração periódica – regime de renúncia à isenção (n.º 2 do artigo 10.º do Anexo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro de 2007 conjugados com os n.ºs 5 e 8 do artigo 24.º e artigo 98.º, ambos do Código do IVA e artigo 78.º da LGT)”, no montante de € 842.179,61 – este ponto divide-se em A1, no montante de € 449.574,39, e em A2, no montante de € 392.605,22;
“V.3.3. Regularizações a favor do Estado – campo 41 da declaração periódica – regime de renúncia à isenção (Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de agosto (revogado), artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro e n.os 5 e 8 do artigo 24.º do Código do IVA)”, no montante de € 1.087.761,98.
g) Consta do Relatório Final de Inspeção Tributária:




(Cfr. pag 232-234 do RIT junto ao Processo Administrativo)



(Cfr. pag 237-238 RIT junto ao Processo Administrativo)




(…)






(…)



(Cfr. Pag. 239-245 RIT junto ao processo administrativo)
h) Em função dessas correções fixadas no RIT, a Requerente foi notificada, em 15/01/2024, das respetivas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórias:
i) Liquidação de IVA n.º 2024..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 638.738,00, o qual, após acerto de contas com a liquidação de IVA n.º 2022 ... oficiosamente estornada, gerou um valor adicional a pagar de € 50.368,72;
ii. Liquidação de IVA n.º 2024..., referente a dezembro de 2020, no valor de € 1.929.941,59;
iii. Liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 7.628,44;
iv. Liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referente a dezembro de 2020, no valor de € 218.268,46.
i) A Requerente aceitou parte das correções de IVA, não se conformando contudo com:
“Com as correções respeitantes ao ponto “V.3.1” acima identificado, no montante adicional a pagar de € 50.368,72;
Com parte das correções identificadas no ponto “V.3.2” supra (correspondentes ao subponto A2), no montante de € 392.605,22. “
j) A Requerente não se conformando com as correções identificadas no ponto anterior apresentou em 28.06.2024 Reclamação Graciosa contra as supra identificadas correções, no montante total de € 442.973,94.
k) A Requerente procedeu em 29.02.2024 ao pagamento das Liquidações de IVA adicionais (cfr. doc nº3 do PPA).
l) A Reclamação Graciosa que correu sob o número ...2024... foi indeferida pelo ofício 1107-DJT/2024 datado de 2024.09.13 (cfr. doc nº1 do PPA) em que consta:


(…)

m) A Requerente efetuou pedido de pronúncia arbitral em 2025.01.13.
n) A Requerida por despacho de 04.04.2025 do Sr. Subdiretor Geral Fernando Campos Ferreira revogou parcialmente os atos tributários que vêm impugnados no segmento referente à correção no valor de €392.605,22, respeitante ao campo 40 – “Iva Regularizações efetuadas nos termos do Regime de Renúncia à Isenção de IVA. (cfr. artigo 55º da Resposta da AT) - Liquidação de IVA n.º 2024..., referente a dezembro de 2020, no valor total de € 1.929.941,59, tendo sido revogado o montante de € 392.605,22 e Liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., referente a dezembro de 2020, no valor de € 218.268,46.
o) A Requerente manifestou o interesse no prosseguimento do processo arbitral quanto aos atos tributários não objeto de revogação pela AT.
V.2. Factos que não se consideram provados
Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
V.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo Requerente, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos 596.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição, factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA, 5.º, n.º 2, e 411.º do CPC).
Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Somente relativamente a factos, para cuja prova a lei exija formalidade especial que só possam ser provados por documentos, e que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo. Além disso, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.
VI. Do Direito
Nos presentes autos a Requerente impugna a legalidade do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa nº...2024... que tinha como objeto mediato as liquidações adicionais de IVA e juros nº2024 ... e 2024... referentes a janeiro de 2020 e nº2024... e 2024..., referentes a dezembro de 2020.
Na sequência da revogação parcial efetuada pela Requerida, passou a estar em causa apenas as liquidações adicionais de IVA e juros nº2024 ... e 2024 ... .
Refere a Requerente que em 2020 na sequência de revisão de procedimentos na atividade de serviços de multibanco passou a ser possível estabelecer uma relação direta e imediata entre os recursos adquiridos e os outputs gerados, afirmando-se ser mais adequado e correto a aplicação do método da afetação real.
Entende a Requerente que podia proceder à regularização de IVA a seu favor no montante de €50.368,72 relativo à atividade de serviços de multibanco em 2020, na sequência de aplicação retroativa a 2018 do método da afetação real em substituição do método pro rata. Alega a Requerente que esta dedução resulta de uma modificação de enquadramento, constituindo um erro na interpretação das normas do Código do IVA, que deve ser considerado um erro de direito. Assim sendo, entende a Requerente que a questão sub Júdice consubstancia-se como um erro de direito sendo aplicável o prazo geral de caducidade do direito à dedução de quatro anos previsto no nº2 do artigo 98º do CIVA.
Em sentido oposto a AT, não colocando em causa a revisão de procedimento efetuada pela Requerida, entende que a eventual regularização de IVA apenas poderia ser efetuada até à última declaração periódica do ano em causa - 2018 por força do n.º6 do artigo 23.º CIVA (Cfr. ponto 51 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa).
O IVA foi construído sob um conjunto de princípios estruturantes, entre os quais o princípio da neutralidade. Com a neutralidade almeja-se que a tributação não deverá interferir nas decisões estratégicas e económicas dos agentes económicos, razão pela qual exige-se sob o funcionamento do método subtrativo indireto a extensão do imposto a todas as fases, da produção, da distribuição e prestação de serviços. Na decorrência deste dever de neutralidade, impõem-se que a carga fiscal sobre o consumo seja efetiva e exclusivamente suportada pelo consumidor final. Consequentemente, a maximização da neutralidade do IVA exige uma concessão abrangente do direito à dedução do imposto, a qual está na dependência do exercício de uma atividade económica.
Esta ideia de neutralidade é concretizada com um direito à dedução, que exige que o imposto incidente sobre os inputs de qualquer atividade económica tributável seja inteiramente deduzível.
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia afirma de forma irrefutável a prevalência do direito à dedução a fim garantir a realização do princípio da neutralidade.
Veja-se nesse sentido acórdão do Tribunal de Justiça da União processo C-8/17 de 12 de abril de 2018 (Biosafe):
“ A este respeito, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o direito de os sujeitos passivos deduzirem do IVA de que são devedores o IVA devido ou já pago sobre os bens adquiridos e os serviços que lhes foram prestados a montante constitui um princípio fundamental do sistema comum do IVA instituído pela legislação da União (Acórdão de 21 de março de 2018, Volkswagen, C‑533/16, EU:C:2018:204, n.° 37 e jurisprudência referida).
Nesse mesmo sentido acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia: processo C‑285/11 de 06.12.2012 (Bonik); processo C‑80/11 e C‑142/11 de 21.06.212 (Mahagében e Dávid); C-25/07 de 10.07.2008 (Sosnowska); processo C-271/12 de 8 de maio de 2013 (Petroma Transports SA);
Na Diretiva IVA (2006/112/CE de 28 de Novembro de 2006) o direito à dedução encontra-se previsto nos artigos 167º a 192º, estabelecendo a regra base de que “ o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível”. Esta regra foi transposta para a legislação nacional no artigo 22º do CIVA que estabelece que “o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”
No caso dos autos a Requerente encontra-se sob o enquadramento tributário em sede de IVA de sujeito passivo misto por desenvolver atividades económicas parte das quais isentas sem direito a dedução e parte tributada.
Aos sujeitos passivos com enquadramento misto é aplicável o regime do artigo 23º do CIVA:
Artigo 23.º CIVA - Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua atividade, efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afeto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afetação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afeto à realização de operações decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do ativo imobilizado que tenham sido utilizadas na atividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à atividade exercida pelo sujeito passivo.
6 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1, calculada provisoriamente com base no montante das operações realizadas no ano anterior, assim como a dedução efetuada nos termos do n.º 2, calculada provisoriamente com base nos critérios objetivos inicialmente utilizados para aplicação do método da afetação real, são corrigidas de acordo com os valores definitivos referentes ao ano a que se reportam, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.
7 - Os sujeitos passivos que iniciem a atividade ou a alterem substancialmente podem praticar a dedução do imposto com base numa percentagem provisória estimada, a inscrever nas declarações a que se referem os artigos 31.º e 32.º
8 - Para determinação da percentagem de dedução, o quociente da fracção é arredondado para a centésima imediatamente superior.
9 - Para efeitos do disposto neste artigo, pode o Ministro das Finanças, relativamente a determinadas atividades, considerar como inexistentes as operações que dêem lugar à dedução ou as que não confiram esse direito, sempre que as mesmas constituam uma parte insignificante do total do volume de negócios e não se mostre viável o procedimento previsto nos n.os 2 e 3.
Nestes termos o direito à dedução nos sujeitos passivos com enquadramento misto pode ser operacionalizado através do método pro rata ou da afetação real. Ambos os métodos são lícitos e adequados ao exercício do direito à dedução e à concretização do princípio da neutralidade. A escolha do método de dedução é uma decisão do sujeito passivo, condicionada às características internas da sua atividade, na medida que a opção pelo método da afetação real exige ser possível a definição de critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito.
A escolha do método deve alicerçar-se no juízo sobre qual o método que perante os condicionamentos internos da atividade do sujeito passivo possibilita uma realidade factual mais aproximada tendente à concretização do objetivo da neutralidade do imposto.
Como refere o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul processo nº 192/09.3BESNTde 24-02-2022:
“II. O método da afetação real pressupõe a possibilidade de determinar concretamente os inputs afetos às atividades tributadas e às atividades isentas, deduzindo-se integralmente o IVA suportado, no primeiro caso, e não se deduzindo no segundo.
III. No caso dos sujeitos passivos mistos, o método a utilizar, para cálculo do imposto dedutível, deverá ser o que assegure a maior neutralidade.”
Em tese o método da afetação real por exigir informação contabilística de suporte mais pormenorizada e por garantir um nível mais próximo da realidade da atividade do sujeito passivo seria o método de dedução idealmente mais desejável.
Veja-se nesse sentido a decisão arbitral nº 297/2016-T:
“O método da afetação real tem por base a dedução do IVA consoante a efetiva utilização de bens ou serviços mistos, o que pressupõe a autonomização do IVA dedutível, no âmbito do IVA total suportado pelo sujeito passivo, através da afetação dos inputs a cada uma das atividades (atividades que conferem direito a dedução e atividades que não conferem esse direito), não necessariamente numa correspondência individualizada com determinado output, mas em qualquer caso, com outputs específicos agrupados por sectores, e tendo por base a utilização de critérios objetivos, nos termos previstos no artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA.
Justamente porque o método da afetação real impõe maiores exigências na informação contabilística de suporte, mas também porque permite um maior nível de rigor quanto ao montante de IVA que o sujeito passivo tem direito a deduzir, entende a doutrina maioritária acompanhada pela jurisprudência dos tribunais superiores que seria desejável, que todos os sujeitos passivos optassem por esta via, sempre que possível, em detrimento do método do pro rata. Este método, apesar da maior simplicidade aplicativa, não deixa de constituir uma forma de cálculo indiciário.”
Todavia, a opção pela afetação real exige critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem esse direito, o que nem sempre é possível de estabelecer.
Refira-se que o Código de IVA não estabelece a técnica adequada à implementação do método da afetação real, devendo ser o sujeito passivo, que está em melhores condições, a estabelecer o mecanismo mais adequado para proceder à autonomização das suas atividades. No entanto, por via do Ofício-Circulado n.º 30103 de 23-04-2008, a AT oferece algumas pistas para uma melhor aplicação da afetação real, indicando a título exemplificativo, critérios objetivos assentes em pressupostos físicos como sejam a área ocupada, o número de elementos de pessoal afeto, a massa salarial, entre outros.
Assim sendo, em termos práticos, não se pode definir um método de repartição mais apropriado para a dedução de IVA nos sujeitos passivos com enquadramento misto. A decisão do contribuinte deve assentar numa análise casuística da sua estrutura de negócio.
No caso dos autos, a Requerente em janeiro de 2020, realizou estudo de revisão da metodologia do processo de apuramento do IVA dedutível através da aplicação do método da afetação real à área de pagamento de serviços multibanco. Concluiu a Requerente, no que respeita a esta área de negócio, ser possível estabelecer uma relação direta e imediata entre os recursos adquiridos e os outputs gerados (tributados em IVA à taxa normal), entendendo ser mais correto a aplicação de um critério de afetação real (entre inputs e outputs do negócio) para apuramento do IVA a deduzir nesta atividade.
Todavia, a Requerente optou pela aplicação do método de dedução de afetação real não apenas para as operações presentes e futuras, mas igualmente retroativamente ao ano de 2018 procedendo ao recálculo do montante de imposto considerado dedutível, inscrevendo um montante de € 50.368,72 de IVA dedutível adicional no campo 40 da declaração periódica de IVA de janeiro de 2020, relativo ao período de 2018.
Refira-se que a Requerida, não colocou em causa a licitude da opção pelo método de dedução de afetação real, mas tão somente a sua aplicação retroativa.
Coloca-se assim a questão determinar como se deve qualificar a decisão da Requerente de mudança de método de dedução.
Defende a Requerente que a alteração retroativa de método de dedução consubstancia um erro de direito, que possibilita o exercício do direito à dedução no prazo do n.º2 do artigo 98.º do CIVA.
Verifiquemos então se o caso dos autos se consubstancia numa situação de erro.
Conforme referem Afonso Arnaldo / Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança jurídica” in Cadernos IVA 2014, Reimpressão, Almedina, 2022, pp.39):
“Assim, por erro (para estes efeitos) deverá entender-se qualquer incorreta representação da realidade fáctica, quer jurídica que se materializará num ato diferente do que o sujeito passivo pretendia (poderia) realizar.
Encontramos no Código de IVA duas situações de erro: erro material e de cálculo (artigo 78.º n.º6 CIVA) e erro de enquadramento ou de direito (artigo 98.º n.º2 CIVA).
Conforme decisão arbitral nº117/2013-T:
“Assim, estar-se-á perante um erro material no preenchimento do montante de IVA dedutível numa declaração quando se pretendia escrever um determinado montante e, por descuido ou lapso, acabou por se escrever montante diferente ou quando o erro do preenchimento da declaração resulta de um erro anterior do mesmo tipo que exista na contabilidade ou em algum documento que sirva de base ao exercício do direito à dedução. Estar-se-á perante um erro de cálculo, quando as operações aritméticas para determinar o montante do IVA dedutível foram mal efetuadas, na própria declaração ou em algum dos documentos em que ela se baseou.”
Entendemos assim que o erro material ou de cálculo abrange as situações em que o sujeito passivo se engana na concretização do ato de dedução ou liquidação, nomeadamente por lapso na transcrição de valores ou por razões aritméticas.
No caso dos autos a Requerente não alega erro material ou de cálculo. Também a AT em sede de RIT nega a existência de erro material ou de cálculo, afastando a aplicação do artigo 78.º n.º6 do CIVA. Posição que é acompanhada pelo Tribunal Arbitral.
Como segunda tipologia encontramos o erro de enquadramento ou de direito, com consagração no n.º2 do artigo 98.º do CIVA.
Conforme Alexandra Martins / Pedro Moreira (“A alteração superveniente dos elementos da operação, o erro material ou de cálculo e o erro de enquadramento ou de direito” in Cadernos IVA 1014, Reimpressão, Almedina, 2022, pp.69):
“Por erro de enquadramento referimo-nos às situações em que os sujeitos passivos, por incorreta interpretação dos factos ou errónea aplicação do direito, liquidam ou deduzem imposto a mais ou a menos. Não estamos perante uma alteração superveniente da operação – o enquadramento, em IVA, que lhe está a ser aplicado é aquele que lhe foi conferido ab inicio – nem face a uma fatura inexata ou um erro de cálculo ou de escrita “.
Afonso Arnaldo / Tiago Albuquerque Dias (“Afinal qual o prazo para deduzir IVA? Regras de Caducidade e (In)segurança jurídica” in Cadernos IVA 1014, Reimpressão, Almedina, 2022, pp.45) referem que:
“Erro de direito as situações em que não obstante a correta representação da realidade factual, o sujeito passivo se equivoca na determinação da norma aplicável.”
Estamos assim perante erro de enquadramento ou de direito quando o sujeito passivo efetua uma errónea aplicação de uma norma legal.
Na questão decidenda é inequívoca que não existe qualquer erro de enquadramento. A Requerente encontrava-se fiscalmente enquadrada em IVA como sujeito passivo misto, por efetuar operações isentas e tributadas. O que ocorreu foi uma modificação do método de dedução, procedendo à sua substituição para certa parcela da sua atividade, diferente do que poderia resultar do enquadramento da atividade globalmente considerada. Existe assim uma alteração de método de dedução mantendo-se o enquadramento jurídico-tributário inicial.
A Requerida não se equivocou na determinação ou interpretação de norma jurídica. Em 2020 a Requerente por opção voluntária entendeu realizar estudo de revisão da metodologia do processo de apuramento de IVA através da aplicação da afetação real à área de pagamento de serviços de multibanco. Do estudo a Requerente determinou ser possível estabelecer uma relação direta e imediata entre os recursos adquiridos e os outputs gerados, na área de serviços de multibanco. O estudo e a decisão de aplicação do método de afetação real, não resultou de uma má/errónea interpretação ou aplicação de norma jurídica, mas tão somente de uma opção do sujeito passivo por método de dedução que após o estudo e a definição de critérios objetivos, passaram a permitir aplicar metodologia mais rigorosa e próxima do objetivo da neutralidade do tributo. Por conseguinte não estamos no âmbito de erro de direito na consagração do n.º2 do artigo 98.º do CIVA, mas apenas perante uma decisão legítima no âmbito da autonomia do sujeito passivo de modificação de metodologia de dedução, que nos termos do n.º6 do artigo 23.º do CIVA, por razões de estabilidade e segurança jurídica apenas pode dar origem a correções a efetuar até à última declaração periódica do ano em causa, e nunca retroativamente.
Vide nesse sentido decisão arbitral nº612/2022-T:
“Tendo o sujeito passivo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA”
(…..)
31. Contudo, resulta evidente de uma leitura atenta da lei que quaisquer correções ao cálculo do montante de dedução apurado provisoriamente durante um determinado ano civil, devem ser efetuadas no final desse mesmo ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas.
32. Aliás, não se vislumbra no artigo 23.º do Código do IVA qualquer entendimento que permita a um sujeito passivo que, tendo optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado nos também denominados “inputs promíscuos”, possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada. Permite, isso sim, que a dedução efetuada ao longo do ano possa ser corrigida na última declaração periódica do ano, mas apenas pela natureza provisória da dedução do imposto.
33. Assim, tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA.”
Pelo exposto, entende o Tribunal Arbitral julgar por improcedente os pedidos de anulação da liquidação adicional de IVA nº 2024 ... que gerou o valor a pagar de €50.368,72, bem com a consequente liquidação de juros n.º 2024 ... com valor de €7.628,44, por inexistência de vício de violação de lei
No PPA era igualmente colocado em crise a liquidação de IVA n.º 2024 ... e liquidação de juros compensatórios n.º 2024 ... . Por despacho de 14.04.2025 efetuado já na pendência do processo, a AT procedeu à revogação destes atos tributários, ficando assim prejudicado o pedido da Requerente, facto que determina nos termos do artigo 277.º, alínea e), do CPC (aplicável ex vi o artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT), a impossibilidade superveniente da lide no que diz respeito a este segmento do PPA.
VII. Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente a exceção de impossibilidade superveniente da lide em relação à liquidação de IVA n.º 2024 ... e liquidação de juros compensatórios n.º 2024..., revogada/anulada pela Requerida na pendência dos autos;
b) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos atos tributários não revogados pela AT na pendência do processo: a. liquidação de IVA n.º 2024..., referente a janeiro de 2020, o qual, após acerto de contas com a liquidação de IVA n.º 2022 ... oficiosamente estornada, gerou um valor adicional a pagar de € 50.368,72; b. liquidação de juros compensatórios n.º2024..., referente a janeiro de 2020, no valor de € 7.628,44.
c) Condenar as partes nas custas na proporção do respetivo decaimento.
VIII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em €442.973,93 (quatrocentos e quarenta e dois mil euros e novecentos e setenta e três euros e noventa e três cêntimos) nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IX. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 7.038,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos processos de Arbitragem Tributária.
Dado que o PPA foi julgado improcedente quanto aos atos tributáveis que não foram revogados e que a AT apenas comunicou a revogação/anulação da liquidação de IVA n.º 2024 ... e de juros compensatórios n.º 2024 ... após a constituição do Tribunal Arbitral (i.e., para além do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT), são as custas decorrentes do presente processo arbitral a cargo da Requerida e da Requerente na proporção do decaimento (88,63% das custas a cargo da Requerida e 11,37% a cargo da Requerente).
Lisboa, 02 de setembro de 2025
Os Árbitros
___________
(Maria Fernanda dos Santos Maçãs - Presidente)
___________________________
(Gonçalo Marquês de Menezes Estanque – Adjunto,
com declaração de voto que se anexa)
___________________________
(António Cipriano da Silva, Adjunto e Relator)
Declaração de Voto
do árbitro Gonçalo Marquês de Menezes Estanque
Acompanho o Acórdão Arbitral na sua decisão de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto aos atos tributários não revogados pela AT na pendência do processo mas não concordo com os seus fundamentos.
Na minha opinião, o Acórdão CTT do Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), processo n.º C-661/18, permite, em situações excecionais / específicas, a alteração do método de dedução, independentemente da questão de tal alteração ser ou não qualificada como erro de direito ou de enquadramento.
O referido Acórdão CTT do TJUE vem, clarificar, que:
“38 (...) o princípio da neutralidade fiscal não pode ser interpretado no sentido de que, em cada situação, deve ser procurado o método de dedução mais preciso, a ponto de exigir que se ponha sistematicamente em causa o método de dedução aplicado inicialmente, mesmo após a fixação do pro rata definitivo.
39 Por um lado, essa interpretação esvaziaria de sentido a prerrogativa dos Estados‑Membros, prevista no artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva IVA, de autorizar os sujeitos passivos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, uma vez que a autorização se tornaria, na prática, uma obrigação. Ora, a este respeito, basta recordar que a tomada em consideração dos princípios que regem o sistema do IVA, mas que o legislador pode validamente derrogar, não permite justificar, em todo o caso, uma interpretação que privasse de qualquer efeito útil uma derrogação expressamente pretendida pelo legislador (Acórdão de 14 de dezembro de 2016, Mercedes Benz Italia, C‑378/15, EU:C:2016:950, n.° 42).
40 Por outro lado, tal interpretação seria contrária à jurisprudência segundo a qual a Diretiva IVA não impõe ao sujeito passivo que pode escolher entre duas operações a obrigação de aplicar a que implica o pagamento do montante de IVA mais elevado. Pelo contrário, o sujeito passivo tem o direito de escolher a estrutura da sua atividade de forma a limitar a sua dívida fiscal (v., neste sentido, Acórdão de 21 de fevereiro de 2006, Halifax e o., C‑255/02, EU:C:2006:121, n.° 73).
41 Por fim, o princípio da segurança jurídica, quanto a ele, exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Tributária, não possa ser indefinidamente posta em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de fevereiro de 2014, Fatorie, C‑424/12, EU:C:2014:50, n.° 46, e de 17 de maio de 2018, Vámos, C‑566/16, EU:C:2018:321, n.° 51). Ora, como recorda acertadamente o Governo português, não se afigura razoável exigir às autoridades fiscais que aceitem, em qualquer circunstância, que um sujeito passivo possa modificar unilateralmente o método de dedução utilizado para a determinação dos montantes de IVA a deduzir.
42 Resulta do que precede que o artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da Diretiva IVA, lido à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da proporcionalidade, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro que, ao abrigo dessa disposição, autoriza os sujeitos passivos a efetuar a dedução do IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução proíba esses sujeitos passivos de alterar o método de dedução do IVA após a fixação do pro rata definitivo” (sublinhado e negrito nossos).
Ou seja, na minha opinião, o Acórdão CTT é claro ao concluir que, após a fixação do pro rata definitivo, a alteração do método de dedução do IVA apenas é permitida em determinadas circunstâncias.
De facto, existem circunstâncias em que, de acordo com o citado Acórdão do TJUE, a alteração do método de dedução do IVA é permitida. Quanto a isto refere o Acórdão CTT que:
“62 (...) os artigos 184.° a 186.° da Diretiva IVA, lidos à luz dos princípios da neutralidade fiscal, da efetividade e da proporcionalidade, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional por força da qual é recusada a um sujeito passivo que efetuou deduções de IVA que incidiu sobre a aquisição de bens ou de serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução, segundo o método baseado no volume de negócios, a possibilidade de, após a fixação do pro rata definitivo em aplicação do artigo 175.°, n.° 3, desta diretiva, retificar essas deduções aplicando o método da afetação, numa situação em que:
– ao abrigo do artigo 173.°, n.° 2, alínea c), da referida diretiva, o Estado‑Membro em causa autoriza os sujeitos passivos a efetuar deduções de IVA com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços utilizados para efetuar tanto operações com direito à dedução como operações sem direito à dedução;
– no momento em que optou pelo método de dedução, o sujeito passivo ignorava de boa‑fé que uma operação que considerava isenta, na realidade, não o estava;
– o prazo geral de caducidade fixado pelo direito nacional para regularizar as deduções ainda não terminou; e
– a alteração do método de dedução permite estabelecer com maior precisão a parte do IVA referente a operações com direito à dedução.”
Sendo que, no caso do Acórdão CTT, o TJUE dá particular ênfase ao facto de não ser evidente o enquadramento (isento de IVA ou não) das operações em crise:
“46 (...) a Comissão Europeia, nas suas observações escritas, e os CTT, na sua resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça, alegam que os serviços de cobrança de títulos em causa no processo principal poderiam constituir operações de cobrança isentas de IVA ao abrigo do artigo 135.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA. Além disso, os CTT acrescentaram que foi com este fundamento, e não com base no artigo 132.°, n.° 1, alínea a), desta diretiva, que foram considerados isentos de IVA na informação vinculativa de 2007. Por conseguinte, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esses serviços são abrangidos pelo âmbito de aplicação da isenção de IVA prevista no referido artigo 135.°, n.° 1, alínea d).
47 Ora, a fim de responder à segunda questão prejudicial, há que partir do pressuposto, que figura na decisão de reenvio, de que, embora essas prestações de serviços já não estivessem isentas de IVA a partir de 1 de janeiro de 2013, foi só em 2015 que essa alteração se tornou evidente, de modo que os CTT ignoravam, no momento em que optaram pelo método de dedução, que as operações que consideravam isentas, na realidade, não o estavam”.
Daqui, extrai-se, na minha opinião, que o TJUE permite, em situações específicas, a alteração do método de dedução após a fixação do pro rata definitivo. No entanto, julgo que no caso sub judice a Requerente não demonstra que estejam cumpridos os requisitos do Acórdão CTT para que tal alteração seja admitida (vide, n.º 62 do Acórdão CTT).
De facto, a Requerente invoca - como fundamentos para alteração do método de dedução - “uma análise de procedimentos internos (vide, por exemplo, art. 8.º da Reclamação Graciosa) e o facto de “ao ter originariamente apurado IVA a deduzir com base no coeficiente de imputação específico (ao invés de ter aplicado o método de afetação real entre os inputs e os outputs tributados desta atividade), a Requerente não utilizou o método de dedução mais adequado, o que originou uma dedução de imposto inferior à legalmente devida” (Art. 45.º do PPA) - negrito nosso.
Sucede, porém, que, considerando o Acórdão CTT (em particular o seu n.º 38) resulta claro que “(...) o princípio da neutralidade fiscal não pode ser interpretado no sentido de que, em cada situação, deve ser procurado o método de dedução mais preciso, a ponto de exigir que se ponha sistematicamente em causa o método de dedução aplicado inicialmente, mesmo após a fixação do pro rata definitivo”.
Assim, os fundamentos invocados pela Requerente não são, na minha opinião, suficientes para, à luz da jurisprudência do TJUE, permitir a alteração retroativa do método de dedução do IVA.
Termos em que, com fundamento no exposto acima, teria julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral.