SUMÁRIO:
1. As comissões cobradas a título de Taxa Multilateral de Intercâmbio e as comissões interbancárias pela utilização de TPA, ATM, homebanking e App estão sujeitas a Imposto do Selo, concretamente na verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
2. A sujeição à verba 17.3.4. da TGIS da TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de TPA e ATM não viola quaisquer princípios constitucionais, não sendo consequentemente inconstitucional.
3. No que diz respeito ao ato de liquidação de juros compensatórios, a jurisprudência tem vindo a entender que a fundamentação mínima exigível para esses atos de liquidação (juros) deve indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio ato de liquidação ou por remissão para documento anexo
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório
A..., S.A., sociedade com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., com sede na ... n.º..., ...-... ... (doravante designado por “Requerente”), notificado por Ofício n.º .../2024 da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pelo ora Requerente contra o ato de liquidação de Imposto do Selo (“IS”) n.º 2024 ... e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2024 ... a 2024 ..., referentes ao exercício de 2020, através da demonstração de liquidação de IS n.º 2024 ... para efetuar o pagamento do montante total de EUR 692.608, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes, todos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), em conjugação com o n.º 1, do artigo 102.º, do Código de Procedimento e Processo Tributário (“CPPT”), aplicável ex vi alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º do RJAT apresentou Pedido de Pronúncia Arbitral em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT).
1.1. Do Pedido
O Requerente Banco a final formula o seu pedido:
NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO QUE V.EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE O PRESENTE PEDIDO DE PRONÚNCIA ARBITRAL PROCEDER, POR PROVADO E FUNDADO E, CONSEQUENTEMENTE, SEREM ANULADOS OS ACTOS TRIBUTÁRIOS DE LIQUIDAÇÃO DE IS E DE JUROS COMPENSATÓRIOS, REFERENTES AO ANO DE 2020, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.
Embora o Requerente no artº 189 do PPA refira: “Em face do exposto, da anulação dos atos tributários de liquidação, deverá resultar o reembolso ao Requerente do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios calculados à taxa legal em vigor.”, não o faz no Pedido.
A Requerente não identifica expressamente a entidade Recorrida, apenas o fazendo no formulário de submissão do Pedido: “Autoridade Tributária e Aduaneira - Serviços Tributários”.
1.2. Tramitação Processual
O Requerente apresentou em 26-12-2024 o pedido de pronúncia arbitral (PPA) o qual foi aceite pelo Exmo. Senhor presidente do CAAD em 30-12-2024 e nessa data foi automaticamente notificada à AT.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD em 12-02-2025 designou como árbitros do Tribunal Arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Na mesma data as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
Em conformidade com o disposto no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo ficou constituído em 05-03-2025, o qual foi nessa data comunicado às partes.
Por despacho de 05-03-2025, notificado em 06-03-2025, a Requerida foi notificada para apresentar Resposta e juntar o Processo Administrativo, (PA).
Em 07-04-2025 a Requerida apresentou a Resposta e juntou o PA, junção que foi notificada em 08-05-2025.
Por despacho de 09-05-2025, notificado em 10-05-2025, o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal arbitral na condução do processo, da celeridade, simplificação e informalidade processuais previstos nos artigos 19.º, n.º 2 e 29.º, n.º 2, todos do RJAT. Foi ainda decidido facultar às partes a possibilidade de, querendo, apresentarem, alegações escritas no prazo simultâneo de 20 dias, contados da notificação do presente despacho.
Por e-mail remetido em 12-05-2025, notificado a 13-05-2025, o Requerente apresentou as suas alegações defendendo-se por impugnação reiterando os argumentos invocados no PPA.
A AT apresentou as suas alegações por e-mail de 14-05-2025 notificado a 15-05-2025, em que remeteu e deu por integralmente reproduzido o aduzido em sede de Resposta e aí peticionado.
2. Posição das partes
2.1. Posição do Requerente
Em síntese, defende o Requerente que não é devido o imposto do selo e juros compensatórios, liquidados adicionalmente após o processo de inspeção realizado pelos SIT ao abrigo da OI2023... e de que resultou a aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4 TGIS, sobre taxas e comissões cobradas pelo Sujeito Passivo em operações de utilização de Terminais de Pagamentos Automáticos e Caixas Automáticos ou ATM, porquanto entende ser manifesta a ilegalidade da liquidação contestada por padecer de vício de violação de lei, por errónea interpretação do n.º 2 do artigo 1.º do CIS e da verba 17.3.4 da TGIS. O Requerente invoca ainda várias inconstitucionalidades que a proceder alguma determinaria a anulação das liquidações em causa.
Também põe em causa a liquidação adicional de juros compensatórios invocando a falta de fundamentação dessa liquidação.
2.2. Posição da Requerida
Entende a Requerida:
“B) Enquadramento em sede de IVA das comissões em apreço [comissões interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos em operações efetuadas com cartões bancários e outras comissões e contraprestações por serviços financeiros]
Sendo o IVA um imposto geral sobre o consumo que pretende tributar toda a atividade económica, então as operações bancárias e financeiras - que pela sua natureza são normalmente desenvolvidas por entidades bancárias: prestações de serviços exercidas/efetuadas por sujeitos passivos - são operações sujeitas a IVA.
Relativamente às operações financeiras, “(…) a regra acolhida no regime comum do IVA, constante do artigo 13.º, B, alínea d) da Sexta Diretiva44 77/388/CEE, do Conselho, de 17 de Maio de 1977, transposta para o direito português através do n.º 28 [atual alínea 27)] do artigo 9.º do Código do IVA, é a da isenção, sem direito a dedução do imposto suportado a montante.
(...)
temos de concluir que, quer a comissão intitulada “Taxa Multilateral de Intercâmbio” cobrada a outras instituições financeiras pela utilização dos cartões do A..., quer as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários, quer as comissões cobradas a outras instituições financeiras relativas a operações de pagamento de serviços realizadas pelos clientes do A... através de Homebanking ou APP, são prestações de serviços (remuneradas como comissões) enquadráveis na isenção prevista na subalínea c) da alínea 27) do artigo 9.º do CIVA, a qual isenta deste imposto as “(…) operações, compreendendo a negociação, relativas a depósitos de fundos, contas correntes, pagamentos, transferências, recebimentos, cheques, efeitos de comércio e afins, com exceção das operações de simples cobrança de dívidas”.
Sujeição a Imposto do Selo das comissões interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos em operações efetuadas com cartões bancários e outras comissões e contraprestações por serviços financeiros.
De acordo com o n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
Por sua vez o n.º 2 do artigo 1.º do mesmo normativo estabelece que “Não são sujeitas a imposto as operações sujeitas a imposto sobre o valor acrescentado e dele não isentas”, afastando deste modo da incidência deste tributo as operações sujeitas ao IVA e dele não isentas.
Pelo que, em concreto, as comissões interbancárias em análise (cobradas pela utilização de Caixas Automáticos e outras comissões e contraprestações cobradas por serviços financeiros), encontram-se sujeitas a Imposto do Selo nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do respetivo código (não sendo de aplicar o n.º 2 do artigo 1.º do CIS).
Assim, constituindo normas de incidência objetiva do imposto de Selo as verbas previstas na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), importa primeiramente analisar as verbas aí constantes.
E, dessa análise, rapidamente se conclui que a verba “17 – Operações financeiras”, mais concretamente a verba “17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas nas operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras. Deste modo, este normativo prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas (tal como as aqui em apreço) pela entidade prestadora do serviço (no caso, o A...).
Como bem referem João Espanha e Marta Gaudêncio50 são sujeitas a imposto “(...) b) as comissões auferidas em razão da prestação de serviços financeiros; c) todas as demais contraprestações auferidas em razão da prestação de serviços financeiros, desde que as comissões e contraprestações sejam relativas a operações praticada por instituições de crédito ou sociedades financeiras (e ainda entidades legalmente equiparadas e, bem assim, quaisquer outras instituições financeiras) ou por elas intermediadas”.
Ainda a propósito da verba 17.3.4 da TGIS, convém referir que “diversamente do que dispunha o artigo 120-A da Tabela anterior, que limitava o âmbito de incidência às comissões, a norma atual alarga-o, pois, a todas e quaisquer contraprestações por serviços financeiros, desde que, naturalmente, não se trate de serviços sujeitos ao imposto sobre o valor acrescentado e não isentos deste imposto.
Estando preenchidos tanto o pressuposto de natureza objetiva que se prende com a natureza de “serviços financeiros” atribuída às comissões aqui em crise, como o pressuposto de natureza subjetiva que tem a ver com a qualificação de “instituição de crédito” que resulta do artigo 3.° do RGICSF, de que gozam os prestadores de serviços de pagamento/transferências (instituições de crédito e instituições de pagamento), não subsistem quaisquer dúvidas de que encontram cabimento na verba 17.3.4 –“Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, da TGIS.
Estando sujeitas a Imposto do Selo, também se dirá que estas comissões não se encontram isentas.
Com efeito, no que respeita a estas comissões, estando as mesmas sujeitas à verba 17.3.4 da TGIS como vimos supra, às mesmas não é aplicável a isenção a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS na medida em que as comissões em apreço, embora cobradas por e entre instituições financeiras não estão diretamente relacionadas com a concessão de crédito entre elas. [como o impõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS].”
3. Saneamento
O Tribunal Arbitral coletivo foi regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer do pedido, que foi tempestivamente apresentado nos termos dos artigos 5.º e 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas, em conformidade com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, ambos do RJAT.
O processo não enferma de nulidades, nem existem exceções ou questões prévias que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
Analisada a prova produzida nos presentes autos, com relevo para a decisão da causa consideram-se provados os seguintes factos:
a) O Requerente é uma instituição de crédito que se dedica principalmente à atividade de comércio bancário, sujeito à supervisão do Banco de Portugal de acordo com o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (“RGICSF”), previsto no Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro; (facto não controvertido – artº 5 do PPA e artº 7 da Resposta e RIT).
b) No cumprimento da Ordem de Serviço nº OI2023..., com início a 25-06-2023, foi realizado pelos serviços de inspeção tributária (SIT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), um procedimento inspetivo de âmbito externo relativo ao ano de 2020; (cfr. PA)
c) O Requerente notificado por Ofício de 28 de novembro de 2023, do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária (PRIT), exerceu por escrito o correspondente Direito de Audição no dia 22 de dezembro de 2023; (cfr. PPA e RIT)
d) O Requerente foi notificado por carta registada em 28-12-2023, do Relatório de Inspeção Tributária (RIT); (cfr. PA).
e) Dessa Inspeção tributária resultou, para o que aqui importa, uma correção em sede de IS referente a “comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM e outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” - n.º 1 do art.º 1.º, n.º 1 do art.º 9.º e n.º 1 do art.º 22.º todos do CIS e verba 17.3.4 da TGIS, no valor de € 609.736,85, para além dos juros compensatórios no valor de € 82.817,48; (cfr. PPA e RIT)
f) Na sequência da correção em apreço, o Requerente foi notificado do ato de liquidação de IS acima melhor identificado, do qual resulta imposto em falta no montante de € 609.736,85 e, bem assim, do ato de liquidação de juros compensatórios no montante de € 82.871,48, pelo que foi apurado um total a pagar de € 692.608,33, (cfr. doc. 2 junto com o PPA).
g) O termo do prazo para pagamento do imposto considerado em falta foi fixado para 26 de fevereiro de 2024; (cfr. doc. 2 junto com o PPA e PA).
h) Em 23 de fevereiro de 2024, o Requerente procedeu ao pagamento do montante acima indicado (cfr.doc. 3 junto com o PPA e PA).
i) Em 25 de junho de 2024, o Requerente apresentou Reclamação Graciosa contra os atos de liquidação em apreço; (cfr. doc. junto com o PPA e RIT).
j) Por Ofícios n.ºs DJT-... e DJT-..., datados de 08 de agosto de 2024, o Requerente foi notificado do projeto de decisão da Reclamação Graciosa e, bem assim, para exercer o competente direito de audição prévia, tendo o Requerente exercido esse direito apresentado por escrito em 2 de setembro de 2024; (cfr. RIT)
k) O Requerente foi notificado através de carta registada com data de 23-09-2024, do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa objeto dos presentes autos em (cfr. doc. 1 junto com o PPA e PA).
l) Como consta do RIT as correções de Imposto de Selo (IS) relativas ao exercício de 2020 relativas à cobrança de IS com base no “17.3.4 da TGIS por estarem diretamente relacionadas com serviços financeiros.
m) Mais refere o RIT nomeadamente:
Para validar a liquidação de Imposto do Selo sobre a comissão designada por Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI) também conhecida por Multilateral Interchange Fee, bem como sobre as comissões cobradas pelos bancos detentores dos caixas automáticos (adiante também designadas por caixas multibanco ou ATM) aos bancos emissores de cartões bancários, relativamente às operações com cartões bancários, efetuadas pelos clientes dos bancos emissores dos cartões nos ATM, foram solicitados ao A... diversos elementos, através do ponto 5 do pedido de elementos n.º 234, que se transcreve:
“5. Tendo presente as operações efetuadas com cartões (conforme definidas no Caderno n.º 10 do Banco de Portugal – “Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos”), relativamente a pagamentos de bens e/ou serviços que são efetuados através da utilização de cartões bancários em caixas automáticos (caixas multibanco ou ATM) e as correspondentes comissões cobradas pelos serviços prestados, solicita- se, relativamente ao período de tributação de 2020, os seguintes elementos:
5.1 Quanto às operações realizadas através dos Caixas Automáticos (ATM) detidos pelo A..., relativamente aos quais é cobrada uma comissão pelo serviço prestado ao Banco detentor do cartão bancário, relativas a pagamentos com cartões (de débito e de crédito), levantamentos em numerário, e todas as outras operações (como sejam consultas de saldos, transferências, consulta de NIB, cancelamento de débitos diretos, etc.), indicar, por mês de cobrança, o valor das comissões cobradas pelo A...;
5.2 Relativamente ao Imposto do Selo sobre as comissões antes referenciadas, liquidado e pago, tendo por base a taxa de 4% prevista na verba 17.3.4 da TGIS, comprovar a respetiva entrega mensal nos cofres do Estado, discriminando por mês de cobrança e por tipo de comissão;
5.3 Caso não tenha ocorrido a liquidação do Imposto do Selo sobre as comissões referidas no ponto 1.1, discriminar, por mês de cobrança, e por tipo de comissão, o valor do Imposto do Selo que seria apurado pelo banco, caso tivesse considerado que aquelas comissões estavam sujeitas a Imposto do Selo e não isentas;
5.4 Indicar as contas de rédito onde são refletidas as comissões referidas no ponto 1.1 e apresentar um exemplo de contabilização e de faturação;
5.5 Indicar o enquadramento fiscal em sede de IVA e Imposto do Selo considerado pelo Banco.”
Em resposta ao ponto 5.1 do pedido de elementos n.º 2, o Banco apresentou as discriminações mensais das comissões cobradas em 2020 a outras instituições financeiras por operações realizadas nos ATM por si detidos, que se encontram registadas nas contas contabilísticas 8139920 –
“COM.INTERB-ATM-LEVANT-CARTOES OIC” e 8139924 – “COM.INTERB-ATM-OUT.OP.-CARTOES OIC”.
No que diz respeito às operações em ATM, em resposta aos pontos 5.2 e 5.3, o Banco informou que: “Tendo o Banco A... considerado, no exercício em questão, que as taxas discriminadas, se encontram fora do âmbito de incidência de imposto do selo, não foi efetuado qualquer calculo relativo ao apuramento do imposto correspondente.
Note-se que a legislação tributaria não prevê qualquer obrigação de calculo de imposto sobre realidades não sujeitas. Nesse sentido, não é possível providenciar o calculo solicitado.”.
Quanto à solicitação formulada no ponto 5.4, nomeadamente a apresentação de um exemplo de contabilização, o Banco referiu o seguinte: “Dado já não ser possível aceder, nos sistemas, a um exemplo de contabilização de 2020, anexa-se um exemplo (…) de 2023, que é idêntico” e apresentou um ficheiro denominado “Exemplo SIIC ATM_Ano 2023” com os lançamentos contabilísticos associados às contas #8139920 e #8139924 de registo contabilístico das comissões cobradas em operações em ATM detidos pelo A... (Anexo 8).
Por fim, em resposta ao ponto 5.5, relativamente a ambas as comissões aqui em análise, informou que “Consideramos que as realidades em causa não se encontram sujeitas nem a IVA nem a Imposto do Selo.”.
Relativamente às comissões cobradas às instituições de crédito pela utilização de outros canais (Homebaking e APP), foi solicitado através do ponto 6 do pedido de elementos n.º 2 o seguinte:
“6. Relativamente à conta 8139923 – “COM.INTERB-ATM-PREST.SERV-CANAL INTERNET”:
6.1 Apresentar extrato de conta;
6.2 Descrição das realidades relevadas contabilisticamente na referida conta;
6.3 Cópia de um documento de suporte e respetivo lançamento contabilístico completo;
6.4 Indicar o enquadramento fiscal em sede de IVA e Imposto do Selo considerado pelo Banco.”
Em resposta ao ponto 6.1, o Banco apresentou o respetivo extrato de conta, onde constam as discriminações mensais das comissões cobradas em 2020 bem como as comissões processadas com IVA incluído, constantes da folha excel designada "#54883211 x IAS 8139923".
Quanto à resposta ao ponto 6.2 o A... informou: “As realidades relevadas nesta conta são proveitos decorrentes de operações processadas em ATMs e em canal internet”
Em relação ao ponto 6.3, referiu que “este tipo de lançamento é feito informaticamente, ou seja, os ficheiros chegam-nos informaticamente e são tratados informaticamente, não existindo suporte físico para o efeito”.
E ao ponto 6.4, o Banco esclareceu que “as operações incluídas no ficheiro enviado tiveram um de dois enquadramentos fiscais:
a. as constantes da folha "#54883211 x IAS 8139923" foram processadas com IVA incluído, tendo o Banco A... feito a respetiva separação diária de valores e entregue ao Estado o IVA em causa (IVA entregue ao Estado num total de 37.352,06 €);
b. entendemos que as operações remanescentes não se encontram sujeitas a IVA nem a Imposto do Selo.”
Foi, ainda, solicitado o seguinte esclarecimento adicional, através do ponto 8 da notificação n.º 2, de 12 de setembro de 2023:
“8. Em sequência da Vossa resposta ao ponto 6.2 do pedido de elementos n.º 2, solicita-se a explicação pormenorizada das prestações de serviços subjacentes às operações (natureza da operação) sujeitas a IVA e às operações não sujeitas a qualquer imposto bem como, efetuar a distinção entre ambas as operações.”
Em resposta37, o A... veio esclarecer o seguinte:
“Na conta 8139923 – “COM.INTERB-ATM-PREST.SERV-CANAL INTERNET” são registados proveitos decorrentes de operações processadas em ATM e em canal internet.
Os proveitos em causa respeitam a fluxos de tarifas interbancárias, os quais são geridos diretamente pela rede SIBS, responsável pelo processamento de pagamentos eletrónicos e pelas funções de Câmara de Compensação entre as várias instituições bancárias.
Os fluxos de tarifas interbancárias registados pelo Banco A... nesta conta correspondem a operações em que este tem direito a receber determinado valor na qualidade de entidade bancária que detém a conta que foi usada (via A... Net ou A... app) pelo cliente para determinada operação ou de entidade de apoio ao terminal.
As operações subjacentes a tais fluxos são diretamente geridas pelas entidades do grupo SIBS, as quais administram e gerem a rede e os canais, limitando-se as instituições bancárias (e o Banco A..., neste caso) a um papel passivo de recebimento dos montantes cobrados aos clientes finais. Tal significa igualmente que o enquadramento fiscal dos referidos fluxos é a priori definido pela SIBS em função do tipo de operação em causa, remetendo esta, numa base diária, a cada instituição bancária o montante total (compensado) desse dia.
Nos casos em que os serviços em causa são sujeitos a IVA - os quais correspondem, no essencial, a operações de compra de títulos de transporte (metro, comboios) efetuadas através dos canais digitais e/ou ATM - a SIBS remete às instituições bancárias os respetivos montantes com o IVA incluído cobrado ao cliente e, nessa sequência, o Banco A... segrega o respetivo imposto e entrega-o ao Estado.
Os restantes fluxos de tarifas interbancárias correspondem a outras compras de bens ou pagamento de serviços efetuados através dos mesmos canais.”
Relembre-se que as comissões em análise foram registadas nas contas #8139920, #8139924 e # 8139923 e têm, no balancete, os descritivos de “COM.INTERB-ATM-LEVANT.-CARTOES OIC”; “COM.INTERB-ATM-OUT.OP.-CARTOES OIC”; “COM.INTERB-ATM-PREST.SERV-CANAL INTERNET”, respetivamente e, de acordo com as respostas do Banco, estas são as contas contabilísticas onde se encontram registados os movimentos relativos à Interchange Fee (IF) cobrada pelos levantamentos em ATM, pelos pagamentos de serviços e outras operações em ATM, bem como pelas operações em ATM - Canal internet.
Do exposto resulta que estamos perante comissões cobradas a “diversas instituições de pagamento e instituições financeiras relativamente a operações de pagamento”, que têm pleno enquadramento na parte inicial da verba 17.3.4 da TGIS por estarem diretamente relacionadas com serviços financeiros.
Desta forma, tendo por base os elementos disponibilizados, apresenta-se no quadro abaixo um resumo mensal de todas as comissões em causa na presente correção, registadas nas contas de registo contabilístico anteriormente referenciadas:

Importa referir que, da conta 8139923 – “COM.INTERB-ATM-PREST.SERV-CANAL INTERNET”, excluíram-se as operações sujeitas a IVA.”
A) Taxa Multilateral de Intercâmbio (TMI), comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações efetuadas com cartões bancários e outras comissões e contraprestações por serviços financeiros
Atento os factos descritos, estamos perante comissões auferidas pelo A... na qualidade de detentor de Caixas Automáticos com operações de compras, pagamentos, levantamentos (a débito, crédito e internacionais), pagamentos (de serviços, ao Estado, compra de bilhetes, ou outros) e outros serviços (por exemplo, consultas, transferências), bem como de outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, designadamente as auferidas pela utilização do canal Internet, que têm a particularidade de terem instituições financeiras como contrapartes nas operações.
O A..., conforme já referido, não liquidou Imposto do Selo sobre qualquer uma destas comissões, nem efetuou o apuramento do imposto sobre as mesmas conforme solicitado, caso não tivesse considerado que as comissões referidas nos pontos 5.1 e 6.4 do pedido de elementos n.º 2, estavam (i) isentas de Imposto do Selo ao abrigo do artigo 7.º do respetivo Código ou (ii) fora do âmbito de aplicação e/ou sujeição deste imposto.
Por forma a ter uma melhor compreensão das comissões/taxas cobradas pelo detentor dos ATM [A...] ao banco emissor do cartão bancário (relativamente às operações efetuadas com cartões bancários junto dos referidos ATM, pelos clientes do banco emissor do cartão bancário), dever-se-ão ter presentes os seguintes aspetos:
i) Caixas automáticos (CA)
O Banco de Portugal (BdP) como entidade de supervisão e de regulação das instituições de crédito e outras entidades financeiras, publicou no seu sítio na área de “Publicações” os “Cadernos do Banco de Portugal” que têm por finalidade exclusiva prestar informações específicas do setor bancário ao público em geral, o Caderno n.º 10, intitulado “Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos”.
Um Caixa Automático (CA), também vulgarmente designado de ATM, de acordo o Caderno n.º 10 – “Terminais de pagamento e Caixas Automáticos”, do Banco de Portugal, é “um terminal de uma rede do sistema bancário que permite ao cliente efetuar diversos tipos de operações40 em regime de autosserviço, sem necessidade de recorrer aos balcões das agências bancárias.
Os Caixas Automáticos permitem que operações correntes, como levantamentos, consultas, pagamentos e depósitos, ou outras operações normalmente realizadas junto do caixa do banco, possam ser realizadas pelos clientes, mesmo que o banco não esteja aberto. Isso possibilita o acesso a esses serviços de forma mais rápida e cómoda, evitando filas de espera nos balcões.
Em Portugal existem dois tipos de CA: os pertencentes a redes partilhadas (como a Rede Multibanco41) e os pertencentes a redes privativas. Nos CA de redes partilhadas, o acesso faz-se através de um cartão de pagamento de uma marca aceite no terminal (Multibanco, American Express, Maestro, MasterCard, Visa, Visa Electron, entre outros), emitido por qualquer entidade devidamente autorizada para tal. Na maioria das operações é exigida a introdução do código secreto.
Nos CA pertencentes a redes privativas, a utilização é restrita aos clientes do banco proprietário do Caixa Automático, podendo o acesso ser efectuado através de um cartão emitido pelo próprio banco ou, em alguns bancos e para alguns CA, através de caderneta. Na maioria das operações é exigida a introdução do código secreto.”.
Refira-se que no Glossário do Banco de Portugal, consta, para Caixa Automático, a seguinte definição:
“Equipamento automático que permite aos titulares de cartões bancários com banda magnética e/ou chip aceder a serviços disponibilizados a esses cartões, designadamente, levantar dinheiro de contas, consultar saldos e movimentos de conta, efetuar transferências de fundos e depositar dinheiro. Os caixas automáticos podem funcionar em sistema real-time, com ligação ao sistema automático da entidade emitente do cartão, ou em on line, com acesso a uma base de dados autorizada que contém informação relativa à conta de depósitos à ordem associado ao cartão de débito.”
ii) Comissões interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticos em operações efetuadas com cartões bancários
Nas operações em que existe um pagamento (por exemplo, da água, da eletricidade, ou de qualquer outro bem e/ou serviço) efetuado através dos ATM, é cobrada uma comissão pelo banco detentor do ATM ao banco emissor do cartão bancário (seja de débito seja de crédito) pelo serviço prestado; e, de igual modo, quando o cliente de um banco procede ao levantamento de numerário numa caixa automática (ou ATM) pertencente a outro banco [banco detentor do ATM], este cobra uma comissão ao banco emissor do cartão bancário pelo serviço prestado com aquela operação43. Estas são, pois, as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações de pagamentos com cartões, de levantamento de numerário, de consultas de saldosou de movimentos, de carregamentos de telemóveis, de compra de bilhetes, de adesões a serviços, etc.”
4.2. Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
4.3. Fundamentação da decisão da matéria de facto
O juiz (ou o árbitro) não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria de facto alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa à decisão, tendo em conta a causa de pedir que suporta o pedido formulado pelo autor, e decidir se a considera provada ou não provada (artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, a) e), do RJAT).
Por outro lado, segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal deve basear a sua decisão em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas e da envolvência.
Assim, o presente Tribunal Arbitral formou a sua convicção quanto à factualidade provada tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, como prevê o artigo 110.º do CPPT, a prova documental produzida.
5. Questão de direito
São as seguintes as questões a decidir neste processo arbitral:
- Da inexistência de incidência objetiva, nos termos da verba 17.3.4. da TGIS, da taxa multilateral de intercâmbio (“TMI”) e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM;
- Da inexistência de incidência objetiva, nos termos da verba 17.3.4. da TGIS, quanto às comissões e contraprestações por serviços financeiros realizados através de homebanking e App;
- Da violação dos princípios da coerência sistemática e da justiça tributária;
- Da violação do princípio da capacidade contributiva na autoliquidação do IS quanto à TMI e comissões interbancárias cobradas, bem como, as comissões e contraprestações por operações realizadas através do homebanking e App
- Da violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento líquido - da base tributável da taxa multilateral de intercâmbio (“TMI”) e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM e outras comissões referentes a operações realizadas através do homebanking e App
- Da violação do princípio da proporcionalidade (nas vertentes de proibição do excesso e da adequação).
5.1. - Da inexistência de incidência objetiva, nos termos da verba 17.3.4. da TGIS, da taxa multilateral de intercâmbio (“TMI”) e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM;
- Da inexistência de incidência objetiva, nos termos da verba 17.3.4. da TGIS, quanto às comissões e contraprestações por serviços financeiros realizados através de homebanking e App
Entende o Requerente que a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATMs não se reconduzem a contraprestações de serviços financeiros, não se encontrando por isso sujeitas a IS, contrariamente ao sustentado pelos serviços da AT.
O Requerente alega: “Em primeiro lugar, cumpre referir que é errónea a interpretação dada pela Autoridade tributária à norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do Código do IS, dela se extraindo que as operações que estejam isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a IS - como se estes fossem impostos alternativos –, utilizando esta premissa como ponto de partida para a sujeição a IS da TMI e das comissões interbancárias cobradas pela utilização de caixas automáticas.
A TMI e comissões interbancárias cobradas não se tratam de uma contraprestação de um serviço financeiro relativo à utilização de ATMs e não têm a mesma causa que as comissões cobradas pelas prestações de serviços relacionadas com os terminais de pagamento automático, no âmbito das quais é liquidado IVA.”
(…)
“Começando pela TMI e pelas comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATMs, entende o Requerente que não correspondem a remuneração de prestações de serviços de pagamento, desde logo porque são realizadas entre bancos.
E porque, segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IS, as “entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações” são sujeitos passivos de IS, pelo que alegadamente estão preenchidas as normas de incidência necessárias para sujeitar as operações em causa a IS.”
(...)
Ou seja, o banco não realiza qualquer operação onerosa de prestação de serviços ao realizar uma ordem de pagamento perante o banco adquirente ou, por exemplo, ao disponibilizar numerário num ATM.
(...)
Assim, conclui-se que a operação em causa não corresponde a uma prestação de serviços na sua substância económica, nem preenche os requisitos impostos pela lei para ser classificada como tal, razão pela qual não se compreende qual a base legal ou fundamento para sujeitar esta operação à invocada norma de incidência de Imposto do Selo - a saber, a verba 17.3.4. da TGIS.
E considera o Requerente com base na doutrina citada no PPA, “que não restam dúvidas de que as quantias pagas pelo banco emitente ao banco detentor do ATM não configuram a remuneração por uma prestação de serviços financeiros; são sim decorrentes de convenção interbancária de colaboração recíproca e visam repartir custos suportados por toda e qualquer instituição bancária, associados à tecnologia utilizada para pôr à disposição dos seus clientes operações automatizadas.
O estabelecimento de um mecanismo com tal natureza é inerente ao funcionamento do sistema de cooperação recíproca interbancária estabelecida entre todas as entidades bancárias.
Deste modo, não deve colher o entendimento da AT de que as “taxas” interbancárias cobradas pela utilização de ATMs correspondem a comissões pela prestação de um serviço, uma vez que, como vimos, não há sequer qualquer vínculo jurídico que ligue uma entidade bancária a outra entidade bancária e, bem assim, não há sequer um facto, acto, situação ou outro evento jurídico suscetível de recair na incidência do imposto do selo nos termos da verba 17.3.4. da TGIS.
Em face do exposto, não poderão as operações em apreço ser tributadas em sede de IS por ser ilegal, por violação de lei e errónea subsunção da realidade jurídica em apreço à previsão das supracitadas normas de incidência de IS, devendo, por tal motivo, ser anuladas.”
Vejamos
5.2. Das inconstitucionalidades invocadas
O Requerente invoca vários vícios que levariam à declaração de inconstitucionalidade das normas sobre a incidência de TMI, que de modo sintético reproduzimos a seguir:
De acordo com o disposto na verba 17.3.4 da TGIS incide IS sobre o valor cobrado quanto a “17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”.
Ora, se atendermos ao elemento histórico – mais concretamente até 30 de março de 2016 – a redação da verba supra indicada não continha na previsão a última parte – “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” –, cujo aditamento decorreu através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março de 2016.
A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março de 2016 estabeleceu, no seu artigo 154.º, que o aditamento em apreço tinha natureza meramente interpretativa.
Sucede que não foi este o entendimento que veio a ser sufragado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 566/2020 de 21 de outubro de 2020, nos termos do qual julgou inconstitucional a natureza interpretativa dada à redação da verba 17.3.4 da TGIS que veio a ser aprovada pelo artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março de 2016.
(...)
Neste contexto, entendeu o Tribunal Constitucional que a alteração acima referida tinha um carater inovador, pelo que as operações baseadas em cartão, realizadas entre instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras, apenas com aquela previsão legal passaram a estar sujeitas a IS – entendimento este com o qual o Requerente não se conforma conforme foi acima exposto e será adiante melhor demonstrado.
No que se refere ao âmbito de aplicação da Verba 17.3.4 da TGIS, a Autoridade tributária considerou no âmbito da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que “este normativo prevê expressamente a incidência de Imposto do Selo em comissões cobradas (tal como as aqui em apreço) pela entidade prestadora do serviço (no caso, a Reclamante), independentemente da posse e uso de cartão bancário, pois a verba «17.3.4 – Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões», inclui não só as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões, mas também todas as «Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros», na qual se incluem as comissões e contraprestações por serviços financeiros realizados através de Homebanking e App
Ora tal argumentação não poderá desde logo proceder na medida em que, conforme resultou da jurisprudência do Tribunal Constitucional supra citada, a introdução da parte final da atual Verba 17.3.4 da TGIS em 2016 – leia-se, “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões” – não teve natureza interpretativa, mas sim um carater inovador,
Ou seja, se até 2016 as taxas de operações de pagamento baseadas em cartão não estavam sujeitas a imposto do selo, por falta de previsão legal, isto é, não lhes era a estas aplicável a parte inicial da Verba 17.3.4 da TGIS.
Tomando a mesma linha de argumentação, não se poderá entender que as operações realizadas através de homebanking e App – i.e. operações de pagamento remotas – estão sujeitas a imposto do selo, atento o disposto na Verba 17.3.4 da TGIS, pois para isso será necessário o legislador o prever expressamente, tal como sucedeu em 2016 conforme foi supra referido.
Daqui decorre necessariamente que:
1. Até 31 de Março de 2016, data de entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, não se encontravam sujeitas a Imposto do Selo as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias – sem envolver os seus clientes – para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos (como é o caso da TMI e das as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automática, abordadas na jurisprudência acima indicada do Tribunal Constitucional);
E, de 31 de Março de 2016 em diante, e em obediência ao princípio da legalidade fiscal, que as comissões e contraprestações cobradas entre entidades bancárias – sem envolver os seus clientes – para repartirem entre si as despesas necessárias para suportar o funcionamento do sistema de pagamentos automáticos apenas se encontram sujeitas a IS na medida em que sejam abrangidas pela estatuição da nova redação da verba 17.3.4 da TGIS – ou seja, na medida em que correspondam a “taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”
Em face do exposto, podemos concluir que a redação atual da verba em apreço se aplica somente às comissões e contraprestações cobradas no âmbito de operações de pagamento baseadas em cartão, não estando por isso abrangidas outras realidades, em especial, as operações de pagamento remotas.
ii. Dos conceitos operações baseadas em cartão Vs. operações de pagamento remotas:
No que se refere ao conceito de operações baseadas em cartão, cumpre ter presente que nos termos do Decreto-lei n.º 91/2018, de 12 de novembro de 2018, que aprovou o Novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica, se define no artigo 2.º, alínea jj), que operações baseadas em cartão são “um serviço baseado na infraestrutura e nas regras comerciais de um sistema de pagamento com cartões para efetuar operações de pagamento por meio de cartões, dispositivos ou programas de telecomunicações, digitais ou informáticos, que dá origem a uma operação com cartões de débito ou de crédito. As operações de pagamento baseadas em cartões excluem as operações baseadas noutros tipos de serviços de pagamento” (Realce do Requerente).
Por sua vez, quanto ao conceito de “operação de pagamento remota”, entende-se como “uma operação de pagamento iniciada através da Internet ou através de um dispositivo que possa ser utilizado para comunicação à distância”, conforme decorre do artigo 2.º, alínea kk), do Decreto- lei n.º 91/2018, de 12 de novembro de 2018, que aprovou o Novo Regime Jurídico dos Serviços de Pagamento e da Moeda Eletrónica.
Neste contexto, verifica-se que a legislação foi clara ao distinguir estes dois tipos de operações de pagamento.
Assim, não se compreende como podem os serviços de inspeção tributária ter considerado que às operações de pagamento realizadas através do homebanking e da App se aplica a Verba 17.3.4 da TGIS, quando esta se refere apenas às operações baseadas em cartão, não se podendo entender como estando abrangidas pelo disposto na parte inicial deste normativo, conforme foi já acima exposto.
É inequívoco que o entendimento da Autoridade tributária padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito.
Ora, retomando ao disposto na verba 17.3.4 da TGIS verifica-se que está expressamente prevista a sua aplicação às operações baseadas em cartão, não tendo sido estabelecida qualquer equiparação a outro tipo de operações de pagamento.
Com efeito, entende o Requerente que não poderão as operações realizadas através do homebanking e da App serem entendidas como operações baseadas em cartão e, bem assim, serem sujeitas ao mesmo tratamento fiscal, isto é, sujeitas a tributação nos termos da verba 17.3.4 da TGIS.
Vejamos
A incidência do IS nesta situação resulta dos artigos. 1.º, n.º1, 2.º, n.º1, c) e 3.º, n.ºs 1 e 3, h), todos do CIS, que dispõem o seguinte:
“Artigo 1º Incidência objectiva
1 – O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”. “Artigo 2º Incidência subjectiva 1 – São sujeitos passivos do imposto: (…)
b) Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações; c) Instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestação de garantias ou juros, comissões e outras contraprestações devidos por residentes no mesmo território a instituições de crédito ou sociedades financeiras não residentes;”
“Artigo 3º
Encargo do imposto
1 – O imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º (…)
3 – Para efeitos do n.º 1, considera-se titular do interesse económico: (…)
h) Nas operações de pagamento baseadas em cartões, previstas na verba 17.3.4. da Tabela Geral do Imposto do Selo, as instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras a quem aquelas forem devidas;”
Por seu lado a verba 17.3.4. da TGIS determina que se incluem na incidência do imposto de selo:
“17.3. Operações financeiras - Operações realizadas por ou com a intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras - sobre o valor cobrado (…):
17.3.4. Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4%”.
Esta argumentação do Requerente tem sido, no entanto, objeto de rejeição uniforme na jurisprudência deste Centro de Arbitragem, de que se salientam as decisões proferidas nos processos 763/2020-T, 516/2021-T e 358/2022-T que se acompanharão. Na verdade, no acórdão proferido no processo 763/2020-T escreveu-se o seguinte: "Como se referiu, a Lei n.º 7-A/2016 deu à verba 17.3.4. da TGIS a seguinte redação: 17.3.4 - Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões ... 4%.
Atendendo a esta nova redação, as «taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões» passaram a estar incluídas no âmbito de incidência desta norma, sendo englobadas no conceito de «outras comissões».
A fórmula utilizada aponta no sentido de o único elemento relevante para determinar a incidência objetiva é a relação das «taxas» ou «comissões» com operações de pagamento baseadas em cartões. Afigura-se que essa relação existe quer quanto à TMI, que tem subjacente o pagamento com cartões em TPA’s, quer quanto às comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários. Por isso, é de concluir que as comissões referidas estão sujeitas a Imposto do Selo desde a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que ocorreu em 31-03-2016 (artigo 218.º desta Lei).
No mesmo sentido se pronunciou as decisões arbitrais proferidas nos Processos: 1197/2024-T; 977/2024-T; 318/2024-T; 600/2023-T entre outros proferidos com referência à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.
Dada esta atual redação das normas do IS, entende este Tribunal Arbitral, que não assiste razão ao Requerente. A norma jurídica constante da verba 17.3.4. da TGIS não é restritiva como o Requerente afirma pelo que tal como defende a AT e que é claro o enquadramento da TMI e das comissões pela utilização de terminais ATM no âmbito da incidência objetiva e subjetiva do IS.
Sobre a violação da capacidade contributiva entende o Requerente:
“Sem prejuízo do supra exposto, e caso se entenda que a TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM, bem como, as comissões e contraprestações por operações realizadas através do homebanking e App têm enquadramento na incidência objetiva nos termos acima contestados – o que por mero dever de patrocínio se concebe – subsidiariamente invoca-se para os devidos efeitos legais que a norma vertida na verba 17.3.4. da TGIS se revela materialmente inconstitucional, por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), quando interpretada no sentido de que a sua previsão inclui no seu escopo objetivo as realidades acima contestadas.
Conforme foi acima referido, para a tributação da TMI e comissões interbancárias, bem como, as comissões e contraprestações por operações realizadas através do homebanking e App em apreço é necessária a existência de uma realidade económica de base que a sustente e se reconduza à tributação de despesa ou consumo de serviços financeiros.
(...)
não existe verdadeiramente um consumo ou despesa, porquanto o que se verifica é que a TMI e outras comissões interbancárias, são cobradas com a finalidade de compensar e equilibrar os custos de processamento tidos no âmbito das operações realizadas em ATM, homebanking ou App, pelo que não há qualquer manifestação de capacidade contributiva que seja sujeita a tributação nos termos do Código do IS.
No que ao princípio da capacidade tributária diz respeito, enquanto princípio geral da tributação e corolário do princípio da igualdade no âmbito fiscal, cumpre referir que se trata do pressuposto, limite e critério da tributação, conforme decorre do disposto nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP.
(...)
Isto porque conforme resulta do artigo 104.º da CRP, e concretizado pelo artigo 4.º, n.º 1, da LGT, a capacidade contributiva em que assentam os impostos é revelada pelo rendimento, a sua utilização (i.e., consumo) ou pelo património.
Ora, como se viu acima, não se está perante um índice de património nem do consumo,
Mas também não será rendimento, na medida em que se trata de uma mera compensação e equilíbrio os custos de processamento tidos no âmbito das operações realizadas em ATM, homebanking e App…
Pelo que estamos perante uma forma de tributação não prevista na Constituição, que prevê
somente a tributação sobre o rendimento, o património e o consumo.
(...)
Termos em que deverá ser anulada a presente liquidação atenta a manifesta inconstitucionalidade da norma vertida na verba 17.3.4. da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 13.º, 103.º e 104.º da CRP, quando interpretada no sentido de que a sua previsão inclui no seu escopo objetivo a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATMs, bem como, as comissões e contraprestações por operações realizadas através do homebanking e App, inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais.”
Considera ainda o Requerente o seguinte, sobre a violação do princípio da capacidade contributiva na autoliquidação do IS quanto à TMI e comissões interbancárias cobradas, bem como, as comissões e contraprestações por operações realizadas através do homebanking e App:
No seguimento do que foi supra referido, e tendo em consideração uma clara violação do principio da capacidade contributiva, verifica-se que neste caso, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea b), do Código do IS são sujeitos passivos as “Entidades concedentes do crédito e da garantia ou credoras de juros, prémios, comissões e outras contraprestações”,
E, de acordo com o artigo 3.º, n.º 3, alínea h), do Código do IS, o encargo recai sob o Requerente, ao invés de recair sob os clientes.
Ou seja, destas disposições verifica-se uma correspondência entre o sujeito passivo e o responsável pelo encargo do IS, o que é claramente uma exceção face à maioria das realidades sujeitas a IS.
Consequentemente, conclui-se que estamos perante um imposto autoliquidado, uma vez que o Requerente é simultaneamente sujeito passivo e titular do encargo legal do imposto.
In casu, o Requerente é simultaneamente sujeito passivo e titular do encargo legal do imposto, o que leva a concluir que o que está em causa não é uma tributação indireta, mas sim uma tributação direta adicional ao IRC, que será adiante melhor exposto no que se refere à violação do princípio da coerência sistemática.
O que está em causa é um verdadeiro imposto autoliquidado, que contraria de forma inequívoca a ratio e sistemática subjacente à tributação em sede de IS.
(...)
Em face do exposto, verifica-se que o que está verdadeiramente em causa é uma tributação adicional do rendimento, ao invés de uma verdadeira tributação indireta em sede de IS, pelo que se revela inconstitucional por violação do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 103.º da CRP.
Termos em que deverá ser anulada a presente liquidação atenta a manifesta inconstitucionalidade da norma vertida na verba 17.3.4. da TGIS, por violação do princípio da capacidade contributiva, designadamente no artigo 103.º, n.ºs 2 e 3 da CRP, quando interpretada no sentido de que da sua estatuição resulta uma tributação adicional do rendimento, inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais.”
(...)
Nos termos do artigo 104.º, n.º 2, da CRP, “A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.
O rendimento real significa que a tributação deve incidir sobre o rendimento subtraído da despesa necessária à sua formação, ou seja, sobre o rendimento líquido.
A concretização do princípio constitucional do rendimento real está intrinsecamente ligada com o princípio da capacidade contributiva o que implica o reconhecimento de que todas as componentes do rendimento, positivas e/ou negativas, têm de ter relevância tributária no âmbito do cálculo do lucro tributável a tributar em sede de IRC.
Neste contexto, vem o Requerente apresentar os custos agregados tidos com a obtenção, do alegado rendimento, da TMI e comissões interbancárias cobradas pelo Requerente, no âmbito de levantamentos efetuados em ATM, bem como, das operações realizadas através de Homebanking e App
(...)
Em face do exposto, verifica-se que o ato de liquidação objeto dos presentes autos deverá ser anulado atenta a manifesta inconstitucionalidade da norma constante da verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de que da sua previsão abranger rendimentos brutos e não líquidos, por violação do princípio do rendimento real ínsito no artigo 104.º, n.º 2, do CRP, que se invoca para todos os efeitos legais.
(...)
Na sequência do que foi supra referido a respeito de existir uma dupla tributação interna da TMI e das comissões interbancárias contestadas nos presentes autos, em sede de IS e de IRC, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade (na vertente de proibição do excesso e da adequação), consagrado no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, devendo por isso o acto de liquidação ser anulado.”
Ora, não obstante não existir qualquer princípio ou regra constitucional que proíba a dupla tributação interna, não pode tal dupla tributação (como de resto, qualquer outra tributação) deixar de se submeter aos princípios constitucionais fiscais aplicáveis, entre os quais os princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade (incluindo nas vertentes de proibição do excesso e da adequação).
Adicionalmente, há que recordar que os princípios da capacidade contributiva e da proporcionalidade integram o bloco de legalidade a que a atuação da AT se deverá sujeitar, atentos os artigos 4.º, n.º 1, e 55.º da LGT, motivo pelo qual a violação destes princípios gera também um vício de violação de lei geradora de anulabilidade invocável perante a própria Administração, nos termos do artigo 163.º, n.º 1 e n.º 3 do CPA.
Desta forma, a norma de incidência objetiva prevista na verba 17.3.4 da TGIS e nos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 3.º, n.º 3, alínea h), do Código do IS, ao tributarem a TMI e as outras comissões ora contestadas, como se de um imposto autoliquidado sobre o rendimento estivesse em causa, viola o princípio da proporcionalidade (nas vertentes de proibição do excesso e da adequação), previsto no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais, incluindo para a anulação do acto de liquidação de IS.
Vejamos
Esta argumentação do Requerente foi igualmente oportunamente rejeitada na decisão proferida no processo 572/2023-T que transcreve o que a este respeito consta do Processo763/2020-T:
"Incidindo o Imposto do Selo, à face da nova redacção da verba 17.3.4. da TGIS, sobre a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM’s, a sua aplicação poderá ser afastada pela inconstitucionalidade, por violação dos artigos 103º e 104º da CRP, sendo isso que o Requerente defende, pelas seguintes razões, em suma:
- na tributação nesta cédula das operações financeiras é necessária a existência de uma realidade económica de base que a sustente e se reconduza à tributação de “despesa” / “consumo” de serviços financeiros;
- não existe verdadeiramente um consumo ou despesa, pelo menos no que se circunscreve ao elemento da compensação, pelo que não se verifica a materialidade que sustenta o pressuposto impositivo concreto do IS; - não se está em presença de uma especial manifestação de capacidade contributiva que seja visada pelo CIS quando se trate de uma mera compensação de custos de processamento com as operações em causa.
Esta tese do Requerente assenta em pressupostos errados
Na verdade, inserem-se no âmbito de incidência do Imposto de Selo situações de natureza completamente distinta, que inviabilizam que seja qualificado como imposto sobre o consumo, como pretende o Requerente.
Com efeito, a norma geral de incidência estabelece que «o imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstas na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens» (n.º 1 do artigo 1.º do CIS), e as situações incluídas na Tabela Geral do Imposto do Selo nem se limitam sequer a situações desses tipos, como sucede, por exemplo, com a mera detenção de património (verbas 28. e 29., vigentes em 2016, relativas à detenção de património imobiliário e mobiliário).
Incluindo tributação de realidades manifestamente heterogéneas, o Imposto do Selo tem sido generalizadamente qualificado como um imposto de natureza residual, que inclui todas as situações reveladoras de capacidade contributiva que legislativamente se pretendem tributar que não são, como tal, incluídas no âmbito de incidência de outros impostos. Isto é, «através do imposto do selo, propriamente dito, visa-se tributar circulações de riqueza, de bens, de valores; sobretudo quando tais valores, ou bens, não tenham podido ser tributados por outra via». Por isso, não valem em relação ao Imposto do Selo preocupações de coerência sistemática a que alude o Requerente, designadamente derivadas do facto de a tributação destas comissões não ser tributação do consumo, pois o âmbito de incidência objectiva do Imposto do Selo não se restringe a este tipo de tributação. Por outro lado, como se disse, embora o Imposto do Selo seja utilizado sobretudo para tributar valores ou bens que não tenham podido ser tributados por outra via, não há qualquer obstáculo constitucional a que seja utilizado para tributar factos que podiam ser tributados por outras vias. No que concerne ao princípio da tributação, tendo em atenção a capacidade contributiva, que é afloramento do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), o Tribunal considera que não é violado pela tributação das referidas comissões, pois elas revelam que quem as aufere dispõe de uma capacidade contributiva superior a quem não as recebe. Por outro lado, não há qualquer indício de que o montante dessas comissões seja estritamente limitado aos custos suportados para realizar as operações. Neste contexto, não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na capacidade contributiva. No que concerne ao artigo 104.º da CRP, não se coloca a questão da violação dos seus n.ºs 3 e 4, pois reportam-se à tributação do património e do consumo.
No caso destas comissões, incidindo o Imposto do Selo sobre os proventos que advêm da realização de operações com cartões, está-se perante uma forma especial de tributação de rendimento. Ora, esta tributação não é incompaginável com o n.º 2 do artigo 104.º da CRP, pois estabelece que «a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real», não proibindo outras formas de tributação do rendimento, não baseadas no lucro tributável, inclusivamente com natureza de impostos de sobreposição. Pelo exposto, a norma constante da verba 17.3.4, quando interpretada no sentido de que inclui no seu escopo a TMI e as comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM´s, não é materialmente inconstitucional".
O Requerente defende também que se verifica violação do princípio da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento líquido em virtude de a base tributável da TMI, das comissões pela utilização de ATM e das outras comissões referentes a operações de homebanking e e App incidir sobre os valores brutos da mesma, e não sobre valores líquidos, ao contrário do que exigiria o art. 104.º, n.º 2 da CRP.
Nas operações sub judice, o IS recai, não sobre o lucro tributável, mas sobre um rendimento bruto, não deduzido dos encargos necessários à sua obtenção, que é um valor diferente.
Por outras palavras, o princípio da tributação do rendimento real não impõe que a contraprestação referida na verba 17.3.4 seja deduzida dos custos suportados para obtenção do rendimento, como se o IS fosse o IRC; tal solução contrariaria a lógica de funcionamento do IS, que permite que o encargo do imposto suportado seja custo para efeitos de IRC, mas não do próprio IS.
No CIS não se prevê essa possibilidade, e há muito que se aceita que, até no próprio âmbito da tributação em IRC, o princípio da tributação segundo o lucro real, que deve ser “fundamentalmente” observado por imperativo constitucional, possa ser ponderado conjuntamente com outras considerações (por exemplo, dificuldades de quantificação técnica do imposto, ou dificuldades de inserção da despesa na esfera empresarial ou na atividade lucrativa, ou, ainda, dificuldades de desenho de deduções específicas), daí resultando um respeito mitigado pela consideração exclusiva do rendimento líquido.
Em conclusão, inexiste fundamento legal para aplicar a taxa de IS prevista na verba 17.3.4. da TGIS sobre o montante “líquido” das comissões e contraprestações cobradas.
Cabendo citar, aqui, o Acórdão arbitral do Proc. n.º 516/2021-T:
“Sobre o valor que constitui a base de incidência de Imposto do Selo, retira-se do disposto na verba 17.3 da TGIS que o mesmo corresponde ao valor cobrado das comissões e contraprestações e não a um valor “líquido” compensado de comissões e contraprestações pagas. Assim, em linha com o decidido nas ações arbitrais n.ºs 433/2020-T e 763/2020-T, inexiste suporte textual para aplicar a taxa de imposto [4%] apenas à compensação líquida que o Requerente aufere com as comissões recebidas “depois de saldados os diversos feixes de taxa multilateral de intercâmbio entre os diversos bancos”.
Acresce salientar não se retirar do Regulamento (UE) 2015/751 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões, que a compensação a considerar deva ser, para efeitos de Imposto do Selo, líquida. O artigo 2.º, ponto 10) deste diploma delimita a “taxa de intercâmbio”, como a taxa paga, “direta ou indiretamente (ou seja, através de terceiros), por cada operação realizada entre o emitente e o adquirente das operações de pagamento baseadas em cartões”, referindo de forma expressa que “[a] compensação líquida ou qualquer outra remuneração acordada faz parte da taxa de intercâmbio”. Assim, a contraprestação acordada integra a TMI, devendo ser nesse sentido, sujeita a tributação integral.
Devendo, portanto, concluir-se que não somente não há qualquer base legal para se considerar os valores de TMI incorridos pelo Requerente como custos necessários à formação desse rendimento (não sendo possível recorrer à analogia para aplicar, ao IS, normas do CIRC), como o regime legal de incidência de IS sobre valores “ilíquidos” não implica, por si mesmo, qualquer interferência “fundamental” no preenchimento dos pressupostos de tributação do rendimento das pessoas coletivas, não sendo, por isso, violadora dos correspondentes princípios constitucionais.
Acresce, nesta parte, que embora o Requerente alegue a existência de gastos, não junta aos autos qualquer elemento probatório revelador desse facto. Cabendo ao Requerente o ónus da prova desse facto (art. 74º, n.º 1 da LGT), esta alegação está também, por esta via, condenada à improcedência.
O Requerente argumenta ainda sobre a violação dos princípios de coerência sistemática e da justiça tributária, alegando:
“Assim, a incidência de IS sobre os proveitos que advém da realização de operações em ATMs, homebanking e App, significa que está em causa uma forma especial de tributação de rendimento, o que é contrário ao disposto no n.º 2, do artigo 104.º, da CRP.
Importa ainda referir que não poderá ser admissível o entendimento de que o IS tem uma natureza assistemática e por esse motivo é possível tributar, também, o rendimento, pois tal entendimento coloca em causa o princípio da legalidade previsto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP.
(...)
Em face do exposto, ficou claramente demonstrado que a norma constante da verba 17.3.4 da TGIS e dos artigos 2.º, n.º 1, alínea b) e 3.º, n.º 3, alínea h), ambos do Código do IS, segundo a interpretação da AT, em que a tributação da TMI e demais comissões interbancárias em sede IS revela somente que houve uma intenção de tributar tais rendimentos independentemente de tal não se inserir na ratio do IS (enquanto tributação indireta), viola o princípio da coerência sistemática constitucionalmente consagrado, atento o disposto nos artigos 103.º e 104.º da CRP, inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais.
Vejamos
O Imposto do Selo tem já uma história longa: introduzido em 1926, e complementado em 1932 pela Tabela Geral do Imposto de Selo, começou por incidir exclusivamente sobre a formalização de atos jurídicos, como um imposto indireto incidente sobre documentos e atos documentados, configurando-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. A partir de 1999, o IS passou a configurar-se como um tributo que recai sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza – incindindo nalguns casos sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, tornando-se num meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, tendendo, assim, a assumir uma função residual (ver Acórdão do STA de 04.05.2022, proc. n.º 01711/15.1 BEPRT, Acórdão do STA de 18.05.2022, proc. n.º 1670/15.0 BELRS, Ac. do STA de 08.06.2022, proc. n.º 01826/15.6 BELRS e Ac. do STA de 29.05.2024, Proc. nº 451/19.7 BELRS).
Isso retira validade a inferências que usem como premissa uma alegada natureza exclusiva do IS como imposto sobre o consumo ou despesa – uma premissa inválida desde 1999.
Pela mesma razão, são inválidas as inferências que assentem em preocupações de coerência sistemática, relativamente a uma forma de tributação que é assumidamente orientada por outras prioridades.
Sempre se dirá que, não obstante, o IS deve atender ao princípio da capacidade contributiva, já porque ele pode ser considerado afloramento do princípio constitucional da igualdade (art. 13.º da CRP), já porque a LGT identifica tal princípio como pressuposto de todos os impostos (art. 4.º, 1 da LGT).
No caso ora analisado, não se demonstra violação dos princípios da igualdade e da tributação com base na simples capacidade contributiva – na medida em que as comissões tributadas são reveladoras de incrementos patrimoniais de quem as recebe, nada indiciando que esses incrementos patrimoniais sejam nulos, isto é, sejam absorvidos por custos de valor igual ou superior (ou, mais rebuscadamente, nada indicando que se trate de mera cobertura de despesas incorridas no processamento das operações realizadas). O recebimento das comissões constitui um rendimento, e esse rendimento incrementa a capacidade contributiva, pelo que aquele é tributável em sede de IS sem violação deste princípio constitucionalmente protegido.
E trata-se, efetivamente, de tributação de rendimento, como é hoje possível em sede de IS – dada a amplitude da letra do art. 1.º, 1 do CIS, e dada a notória variedade de situações abarcadas na TGIS –; e se, nesse caso, o imperativo constitucional é o de que a tributação incida sobre o rendimento real (art. 104.º, 2 da CRP), não deve perder-se de vista o advérbio “fundamentalmente” que qualifica essa norma, do qual resulta que a simples consideração do lucro tributável pode não ser exclusiva, não impedindo até tributos de sobreposição – como tributações autónomas em IRC, derramas (municipais e estadual), e várias contribuições especiais sobre determinados sectores de atividade.
E a confirmá-lo está o art. 2.º da Lei n.º 22/2017, de 23 de Maio, quando esta veio a estabelecer uma regulamentação específica para as operações com cartões, tributadas nos termos da verba 17.3.4. da TGIS, que consta da nova redação da alínea h) do art. 3.º do CIS – aliás, na sequência da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que veio a abarcar na incidência de IS, através da nova redação do art. 7.º do CIS, as operações intra-bancárias, com exceção das diretamente destinadas à concessão de crédito.
No caso presente, o Requerente alega que a violação do princípio da capacidade contributiva decorre sobretudo de um fenómeno de dupla tributação – resulta do facto de o IS se converter (em violação do art. 103.º, 2 e 3 da CRP) num imposto sobreposto ao IRC, desrespeitando, com essa dupla oneração tributária, a incidência sobre o rendimento real da Requerente.
Sucede que há pressupostos totalmente distintos na incidência de IRC e de IS: o IRC está centrado no rendimento global que concorre, por acréscimo anual, para o lucro de pessoas coletivas (art. 3.º do CIRC), enquanto o IS incide sobre atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos, ou situações jurídicas, previstos na Tabela Geral, desde que não sujeitos a IVA, praticados indiferentemente por pessoas singulares ou coletivas (arts. 1.º e 2.º do CIS); e isto, independentemente de uma reponderação global aferida pelos resultados lucrativos, ou não-lucrativos, no final de cada exercício anual, de cada um dos pressupostos objetivos da incidência de IS.
O legislador onerou com o encargo do IS o Requerente, reportando-o às comissões cobradas por esta. Não cabe a este Tribunal emitir juízos de pertinência sobre soluções consagradas pela Lei.
Não ocorre, em suma, qualquer duplicação de tributos, já que IRC e IS têm objetos e pressupostos distintos, e nem mesmo uma tributação regular e volumosa em IS poderá constituir um pseudo-“rendimento global” suscetível de exonerar os tributados em IRC dos pagamentos devidos em IS – lembrando-se que o “fundamentalmente” do art. 104.º, 2 da CRP impede que sejam consideradas ipso facto inconstitucionais outras formas de tributação do rendimento não baseadas no lucro tributável, nem mesmo aquelas em que haja genuína sobreposição (relembrando tributações autónomas, derramas, e várias contribuições especiais).
Face ao exposto, não se nos afigura que a verba 17.3.4 do IS viole os princípios da legalidade (art. 266º, n.º2 da CRP), igualdade (art. 13º da CRP), capacidade contributiva nem da tributação do rendimento real (art. 104º, n.º2 da CRP).
6. Da ilegalidade da liquidação de juros compensatórios
O Requerente afirma: “Das liquidações de juros compensatórios acima melhor identificadas não consta qualquer menção aos motivos pelos quais tais juros se encontram a ser liquidados.
(...) no entanto, que em nenhum momento, no acto notificado, a AT demonstrou os pressupostos de que depende a liquidação de juros compensatórios.”
Entende que “a liquidação de juros compensatórios em análise é ilegal, por preterição de formalidade legal essencial, pelo que, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo, deverá ser anulada.”
A AT no PA (análise da Reclmação Graciosa) faz constar o seguinte:
Da inexistência de fundamentação da demostração da exigibilidade de juros compensatórios, nos termos do n.° 1 do art.° 77.° da LGT, "A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária"
Assim, verifica-se que o Reclamante foi notificado para, querendo, exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de relatório de inspeção tributária, tendo inclusive exercido essa faculdade.
(...)
Verifica-se que as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo exigidas pelo n.° 2 do art.° 77.° da LGT, bem como os meios de reação, estão mencionadas no documento de cobrança/nota de liquidação. É por isso perfeitamentè possível, a partir das informações disponibilizadas pela Administração Tributária, compreender o iter funcional cognoscitivo e valorativo da elaboração dos atos.
Parece, por isso, claro que, ao contrário do que afirma o Reclamante, não se verifica qualquer falta de fundamentação das liquidações controvertidas, sendo que qualquer destinatário normal,
especialmente depois de conhecer o relatório da inspeção tributária compreende as razões dessas liquidações.
(...)
Outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do ato, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta atuação administrativa.
Pelo que, os fundamentos do ato devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do ato, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas, ou seja, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida.
E a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final.
Sucede, porém, que importa distinguir a fundamentação dos atos, que consiste nas razões de facto e de direito que os sustentam, do ato de notificação dessa fundamentação ao contribuinte, sendo que essa notificação pode ocorrer com o ato de liquidação ou, como vem a ser no presente caso, ocorrer em momento anterior ao ato de liquidação porque foi efetuada com a notificação do relatório final da inspeção tributária.
Ou seja, a fundamentação de facto e de direito das liquidações controvertidas consta do teor do relatório final da inspeção tributária, facto que o Reclamante não pode desconhecer uma vez que a notificação do relatório menciona expressamente que dará origem à emissão de liquidações de juros compensatórios.
Não tem razão o Reclamante, pois não estamos perante uma fundamentação posterior ao ato de liquidação nem o Reclamante podia desconhecer que as correções promovidas pela inspeção tributária dariam origem àquelas liquidações, com os fundamentos de facto e de direito explicitados no relatório final com o maior detalhe possível.”
Sobre a fundamentação da liquidação de juros compensatórios, é de mencionar o decido no Acórdão do TCAS de 2025-06-05 proferido no Processo nº 2776/19.2BELRS), de 5 de junho:
“I – Está cumprido o dever legal de fundamentação se na liquidação de juros compensatórios estão explicitados o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo - arts. 89º do CIVA e 35º da LGT) e se constam a indicação do imposto em falta sobre o qual incidem os juros, o período a que se aplica a taxa de juro, a taxa de juro aplicável ao período (feita por remissão para a taxa dos juros legais fixada nos termos do art. 559º nº 1 do CCivil) e o valor dos juros;
II - Para que sejam devidos juros compensatórios exige-se um nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sendo certo que, a factualidade necessária ao preenchimento do referido conceito de culpa identifica-se com aquela que subjaz à correção da matéria tributável, ao próprio comportamento declarativo, e se o mesmo dimana inclusive de uma autoliquidação;
III - Dependendo a responsabilidade por juros compensatórios do nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a atuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua atuação, quer seja a título de dolo ou negligência, in casu, encontra-se, perfeitamente, patenteada e densificada essa culpa nos aludidos atos de liquidação;
IV - O facto é subjetivamente imputável ao sujeito passivo, recaindo, por conseguinte, um juízo de censura ou reprovação da conduta do agente, porquanto podia e devia, nas circunstâncias do caso, ter agido de forma diversa e em cumprimento dos prazos constantes na lei, logo inversamente ao aduzido nas alegações de recurso encontra-se patenteado, de forma suficiente e perfeitamente identificável, o iter inerente ao juízo de censura que legitimou a emissão dos atos em contenda. Ademais, nada foi alegado, com a devida substanciação fática, que permitisse inferir a inexistência de culpabilidade, logo, existindo retardamento do imposto e nexo de causalidade adequada entre o seu comportamento e a falta de recebimento pontual de prestação, sem qualquer causa de exclusão da culpa, e estando tais pressupostos objetivos e subjetivos densificados nos atos de liquidação, há que secundar o entendimento do Tribunal a quo;
V - Numa situação de autoliquidação, como é bom de ver, o conjuntamente liquidado não poderá ter o alcance de simultaneidade temporal, mas sim no sentido de ter uma expressão quantitativa alocada ao imposto, realidade que, in casu, se verifica. Aliás, estabelecer-se uma interpretação legal da parte final do normativo em contenda, no sentido de fazer precludir o direito da AT à liquidação dos juros compensatórios, atentaria contra a ratio do preceito e da finalidade dos referidos juros, que pretendem, justamente, sancionar o retardamento da liquidação de imposto. VI - O desiderato subjacente ao plasmado no nº 8 se coaduna com razões de segurança jurídica e igualdade, como explica JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, em anotação ao normativo em análise que “[r]efere o legislador que os juros compensatórios se liquidam conjuntamente com o imposto, estando integrados neste. Quer isto dizer que os juros compensatórios estão sujeitos aos mesmos prazos de caducidade e prescrição, gozam dos mesmos privilégios que o imposto ao qual se encontram associados e são imputáveis, não só ao devedor originário, como também aos responsáveis solidários e subsidiários nos mesmos termos que o próprio imposto”.
De referir ainda o decidido no Acórdão do TCAS de 24-01-2024, proferido no Processo n.º 933/20.8 BESNT:
“No que em particular respeita à fundamentação dos juros compensatórios, estabelece o art.º 35.º, n.º 1 da LGT, para que remete o art.º 91.º do CIRS, que «São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária».
No que diz respeito ao acto de liquidação de juros compensatórios, a jurisprudência tem vindo a entender que a fundamentação mínima exigível para esses actos de liquidação (juros) deve indicar a quantia sobre a qual os mesmos incidem, o período de tempo considerado para a liquidação e a taxa ou taxas aplicadas, com menção desses elementos no próprio acto de liquidação ou por remissão para documento anexo – vd. ac. do Supremo Tribunal Administrativo de 03/09/2016, tirado no proc.º 0805/15. Vertendo aos autos, constata-se (cf. ponto 15. do probatório), que a demonstração de liquidação dos juros menciona o motivo da liquidação (ter havido retardamento da liquidação de parte ou da totalidade do imposto por facto imputável ao sujeito passivo (art.º 91.º do CIRS e 35.º da LGT), o imposto e montante em falta sobre que incidem os juros, o período de cálculo, a taxa aplicável e o valor dos juros.
No que respeita ao juízo de culpa, seja na modalidade de dolo, seja na modalidade de negligência, ele radica no próprio apuramento tardio do imposto entendido em falta, por actuação reprovável do sujeito passivo consubstanciada em erros, inexactidões ou omissões declarativas.
Assim, quer na liquidação do imposto, quer na liquidação dos juros compensatórios, está cumprida a função essencial da fundamentação, que é a de dar a conhecer ao administrado as razões da decisão, permitindo-lhe optar esclarecidamente pela aceitação do acto ou pela sua impugnação contenciosa, improcedendo este segmento do recurso.”
Assim, pelo exposto, considera este Tribunal Arbitral, que os SIT no RIT, e no PA, (na análise da Reclamação Graciosa), fundamentaram devidamente a liquidação dos juros compensatórios. É evidenciado pela AT a conduta do Requerente no atraso da liquidação e pagamento do IS pelo que é possível ao sujeito passivo acompanhar o itinerário cognoscitivo seguido pela AT na sua tomada de decisão.
Improcede assim o pedido de anulação da liquidação dos juros compensatórios e conclui-se que a AT cumpriu com o dever de fundamentação que lhe era exigido, julgando-se improcedentes os vícios invocados a este respeito.
7. Do direito a juros indemnizatórios.
O Requerente requereu o pagamento de juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43º da LGT.
Decorre do número 1 desse artigo que existe direito a juros indemnizatórios “quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”. Nestes termos a atribuição de juros indemnizatórios encontra-se dependente da procedência da ilegalidade dos atos de liquidação contestados, o que não sucede nos presentes autos.
Dada a decisão de improcedência do pedido improcede também o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
8. Decisão
De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido e condenar o Requerente no pagamento das custas
9. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 692.608,33 indicado pelo Requerente sem oposição da Autoridade Tributária e Aduaneira.
10. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo do Requerente.
Notifique-se
Lisboa, 02-09-2025
Os Árbitros
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(Regina de Almeida Monteiro – Presidente e Relatora)
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(Tomás Castro Tavares – Adjunto)
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(André Festas da Silva – Adjunto)