Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 811/2024-T
Data da decisão: 2025-08-27  IVA  
Valor do pedido: € 302.612,94
Tema: Pedido de revisão oficiosa; regularização de IVA referente a sujeitos passivos com actividade cessada; fundamentação a posteriori.
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SUMÁRIO: 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I.              RELATÓRIO

 

1.     No dia 27 de Junho de 2024, A..., S.A., NIPC ..., com sede na ..., n.º ...,  ..., ...,-..., Lisboa (Requerente), apresentou requerimento de constituição de tribunal arbitral e pedido de pronúncia arbitral (PPA), nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, nos n.os 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT) e nos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

2.     Pretendia:

 a) A declaração da ilegalidade do acto de indeferimento (tacitamente presumido) do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com fundamento em erro imputável aos serviços;

b) A anulação parcial dos actos tributários de autoliquidação de IVA, referentes aos períodos de Dezembro de 2019 a Abril de 2021;

c) O reembolso do valor do IVA pago no montante de € 302.612,94, acrescido de juros indemnizatórios.

3.     O Tribunal Arbitral ficou constituído em 2 de Setembro de 2024.

4.     Seguindo-se os normais trâmites, em 7 de Outubro a AT apresentou resposta.

5.     Em 28 de Fevereiro foi proferido despacho a conceder prazo para a junção aos autos do processo administrativo (PA) que a AT tinha protestado juntar e a prorrogar o prazo para a decisão arbitral.

6.     Em 3 de Março a AT juntou o PA.

7.     Em 22 de Abril, foi proferido despacho a, entre o mais, dispensar a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, a determinar a produção de alegações e, por via disso, a prorrogar mais uma vez o prazo de decisão.  

8.     Em 7 de Maio, a Requerente juntou as suas alegações.

9.     A AT não se pronunciou.

10.  Em 30 de Junho, por atraso na apresentação do projecto de decisão, foi proferido novo despacho de prorrogação do prazo de decisão.

 

 

II.           PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

11.  O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

12.  Requerente e Requerida gozam de personalidade e de capacidade judiciárias, são legítimas, e encontram-se regularmente representadas.

13.  O pedido apresentado foi tempestivo.

14.  Expressamente, não foram invocadas excepções – muito embora a Requerente, a título preventivo, tenha cuidado de discutir diferentes segmentos da competência do Tribunal que poderiam levar à absolvição da instância[1].

15.  Resta apurar se o pedido de pronúncia se contém no âmbito das atribuições do Tribunal – o que, nos termos do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi da alínea c)do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, “é de ordem pública”, e precede o conhecimento de qualquer outra matéria.

16.  Ora, ainda que do ponto de vista de aplicação das normas do n.º 1 do artigo 78.º da LGT e da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, a questão seja de manifesta simplicidade – como o demonstra a decisão arbitral proferida no processo n.º 997/2024-T –, o presente Tribunal considera que a acumulação de desvios jurisprudenciais tornou actualmente indesejável o caminho directo percorrido nessa decisão entre as normas e os factos. Qualquer que seja o juízo sobre isso, a aplicação das normas não se faz numa página em branco, desconsiderando o seu entendimento anterior. Assim, respeitando a mediação jurisprudencial (e doutrinal) – e, consequentemente, a path dependency da dinâmica das normas – tem o presente Tribunal de reconhecer que, nesta matéria (como em outras) se lhe reconhecem poderes que não derivariam estritamente das normas aplicáveis, e que a correcção de tal deriva só pode resultar da intervenção do STA, que a legitimou.  

17.  Neste enquadramento, considerem-se então os pedidos que a Requerente dirige a este Tribunal arbitral:

18.  Preliminarmente, e considerando o primeiro pedido da Requerente[2], o Tribunal entende que não tem competência para declarar a ilegalidade do acto de indeferimento tacitamente presumido do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Como se tem pelo melhor entendimento, e se escreveu na decisão do processo n.º 395/2024-T,

diremos que, após a revisão do CPA em 2015, se deixou de poder falar em atos de indeferimento tácito: o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Nesse sentido, é hoje afirmado no art. 129.º do CPTA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados[3].”. 

19.  No mesmo sentido, escreveu-se no processo n.º 1072/2024-T,

O Tribunal reconhece que não tem competência para apreciar (alegados) vícios próprios da decisão administrativa (do pedido) de revisão oficiosa. Esse primeiro problema é, porém, um falso problema: não estando tais vícios em causa (nenhum foi invocado pela Requerente), a interferência do Tribunal com tal decisão depende estritamente do juízo que proferir sobre os actos de (auto)liquidação que tiver competência para apreciar: na medida em que tal decisão administrativa se revele incompatível com o subsequente juízo jurisdicional, terá necessariamente de se tornar ineficaz (de outro modo, a mera existência de um acto administrativo de 2.º – ou de 3.º – grau inutilizaria o recurso à jurisdição arbitral)[4].”.

20.  Assim, em cumprimento das atribuições legais dos tribunais arbitrais, vai a AT absolvida da instância quanto ao primeiro pedido da Requerente face à natureza não-jurídica da omissão de decisão do recurso hierárquico (acto de 3.º grau) sem prejuízo da ineficácia do acto jurídico de 2.º grau (a decisão da revisão oficiosa) em caso de – e na medida da – incompatibilidade com o que vier a ser decidido por este Tribunal arbitral).

21.  Resta saber se, considerando o segundo pedido da Requerente[5], não tem de se concluir exactamente o mesmo. É que o que ela pretende não é a anulação de actos de (auto)liquidação, mas o reconhecimento de determinados direitos: os de recuperar IVA entregue ao Estado por conta de facturas que não vieram a ser pontualmente pagas. Como a própria reconheceu, o seu pedido de revisão oficiosa “foi também influenciada pela decisão arbitral proferida no processo arbitral n.º 480/2021-T do CAAD, de 6 de maio de 2022, em que se discutiu o direito à regularização do IVA relativo a créditos sobre clientes cessados” (acrescentando em nota “Bem como as decisões arbitrais do processo 460/2022-T, de 7 de dezembro de 2022 e 54/2023-T de 15 de setembro de 2023.”). Porém, ao contrário do que aconteceu nestes dois últimos processos[6], não foi a AT a proceder a uma liquidação adicional que depois foi impugnada, mas sim a Requerente a pretender que a AT repare o que ela própria autoliquidou. Ou seja, usando terminologia que tem curso em outra área do Direito, trata-se de saber se a posição da Requerente com a espada (ie, em posição de agressão à AT) é idêntica à de quem a usou como escudo (ie, em posição de defesa contra a agressão da AT)[7]

22.  Certamente porque isso não era evidente, a pretensão da Requerente de fazer apreciar pela jurisdição arbitral a (i)legalidade da recuperação do IVA liquidado e entregue relativamente a facturas não pagas pelos seus clientes, foi sujeita a várias objecções. Na Resposta, a AT centrou a sua argumentação na intempestividade do procedimento, porquanto 

1.              a possibilidade de regularização está condicionada (…) ao limite temporal dos dois anos exigido na lei (no art.º 78.º, n.º 3 do Código do IVA), e que à data do pedido de revisão oficiosa, em 2023-11-29, já tinha sido ultrapassado.”;

2.              “não é possível reconhecer a existência de qualquer erro que seja de imputar aos serviços, não havendo fundamental legal para sustentar a revisão oficiosa dos atos tributários ao abrigo do art.º 78.º da LGT, e, a revogação da decisão contestada.”.

23.  Começando por esta segunda questão (que foi a única a ser tratada pela Informação n.º 203- ISC/2023, de 14 de Dezembro de 2023, que sustentou o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa): alega a AT que, perante a inexistência de prova da ocorrência de qualquer erro nas autoliquidações de IVA e da sua imputabilidade à AT, o prazo para o pedido de revisão oficiosa – que seria o da primeira parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, ou seja, o da reclamação graciosa – teria sido excedido.  

24.  Isto porque (na tese da dita Informação) a listagem de facturas com o número de identificação fiscal dos destinatários, datas de emissão e vencimento, valor tributável e do IVA a regularizar e mensagem alegadamente constante do Portal das Finanças, não o poderia comprovar porque, sendo um documento meramente interno, “o mesmo não se mostra suficiente e idóneo a verificar da veracidade dos elementos que dele fez constar”, e porque “não faz prova da alegada impossibilidade de submissão dos PAP’s, nem de qualquer diligência efetuada nesse sentido, da qual resulte a concorrência de um comportamento comissivo da AT[8].  

25.  Em primeiro lugar, afigura-se a este Tribunal que a AT deveria saber que não era possível submeter Pedidos de Autorização Prévia (PAP) na sua plataforma quando os números de identificação fiscal em causa estavam associados a entidades com actividade cessada. Portanto, não é aceitável que invoque a falta de prova do que constitui um dos parâmetros do seu sistema[9].

26.  Em segundo lugar, afigura-se a este Tribunal que a AT deveria saber que, quando não era possível submeter PAP na sua plataforma, tais tentativas não deixavam registo (excepto através dos tais documentos internos de quem o tentasse fazer). Portanto, também não é aceitável que invoque a falta de prova disso.

27.  Entende o presente Tribunal, pois, que a argumentação da Informação n.º 203- ISC/2023 não era idónea a afastar o erro imputável aos serviços (fosse ele comissivo ou omissivo).

28.  Mais ainda: a menos que o erro que esteja em causa seja manifestamente inimputável à AT – como será o caso de estar em causa uma alegada desconformidade das normas aplicadas pela AT com o Direito da União ou com a Constituição, situações em que ela está legalmente impossibilitada de se afastar de tais normas e em que, portanto, os meios graciosos são manifestamente ineptos para a poder levar a alterar a sua posição – o diagnóstico da própria AT sobre a verificação, ou não, de tal erro não impede que se considere que tal apreciação comportou a avaliação da legalidade dos actos de liquidação impugnados[10]. Quer dizer que não pode ser a argumentação que a AT usa no caso concreto para recusar o pedido de revisão oficiosa que deve servir para verificar se os actos de autoliquidação foram ou não precedidos de recurso à via administrativa para efeitos de preenchimento dos requisitos de recurso à jurisdição arbitral[11] (que, em situações de autoliquidação, exige um acto de 2.º grau que “comporte a apreciação da legalidade do acto de liquidação”): é, sim, a natureza dos vícios – consoante se imputem às liquidações, ou às normas que sustentam essas liquidações.  

29.  Daqui resulta que – admitindo que se continue a parificar a posição dos contribuintes (ou dos sujeitos passivos…) com a posição da AT no que diz respeito ao prazo (de 4 anos) para desencadear um procedimento de revisão oficiosa nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT[12] – a fundamentação adoptada na decisão de tal pedido não obsta a que o presente Tribunal arbitral se pronuncie sobre o pedido da Requerente.

30.  Antes de se poder passar à ponderação das questões de mérito, importa apurar, porém, se – como se afirma na Resposta da AT –, não se encontra verificado “nenhum dos requisitos formais (…) que presidem à regularização do IVA nos termos gerais do art.º 78.º, n.º 3 do Código do IVA” porque “o Código do IVA consagra normas especiais que definem o exercício do direito à regularização e que se encontram previstas no art.º 78.º e seguintes.” pelo que a “possibilidade de regularização está condicionada, quer à emissão de notas de crédito, quer ao limite temporal dos dois anos exigido na lei (no art.º 78.º, n.º 3 do Código do IVA), e que à data do pedido de revisão oficiosa, em 2023-11-29, já tinha sido ultrapassado.”. 

31.  Ou seja, é preciso avaliar esta outra tese da intempestividade do recurso ao mecanismo de revisão oficiosa que foi introduzido na Resposta da AT: a da existência de uma norma específica para efeitos de regularização de IVA. 

32.  Pode certamente debater-se se se trata de fundamentação a posteriori – o que logo permitiria desconsiderá-la. E pode-se discuti-lo porque não se trata aqui de fundamentação dos actos de liquidação, a propósito dos quais se desenvolveu a argumentação que afasta a sua admissibilidade, mas sim das condições de verificação de um requisito procedimental do recurso à arbitragem tributária. Ora, é evidente que a exigência de fundamentação contextual daqueles actos de liquidação não se deve aplicar às razões de aferição dos pressupostos do recurso à via administrativa para efeitos de preenchimento dos requisitos de recurso à jurisdição arbitral – até porque isso cabe nos próprios poderes dos Tribunais, que terão de recusar decidir sobre o mérito em caso de incumprimento desses pressupostos, quer isso tenha sido invocado, quer não.

33.  Do que resulta esta coincidência: ainda que a AT tenha invocado um prazo de dois anos na Informação de indeferimento do pedido de revisão oficiosa (porque só dentro de tal limite temporal não teria de demonstrar erro dos serviços) e na Resposta (por causa da norma do Código do IVA que limita as regularizações de facturas inexactas a esse prazo), o primeiro prazo constitui um pressuposto para o accionamento daquele pedido, ao passo que o segundo prazo delimita materialmente o direito que se pretende exercer. 

34.  Assim, é entendimento do Tribunal que prescrutar se é, ou não, aplicável ao caso o alegado “limite temporal dos dois anos exigido no art.º 78.º, n.º 3 do Código do IVA” já envolve a apreciação de mérito, ainda que, em rigor, essa questão só tenha sido suscitada na Resposta da AT[13] e, portanto, em termos de fundamentação da rejeição da pretendida regularização do IVA só possa constituir (inadmissível) fundamentação a posteriori[14].

35.  Vai-se então passar a essa perquisição, mas não sem antes fazer uma breve alusão a mais uma cautela da Requerente: argumentou ela que a interposição de um recurso hierárquico da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que desembocou numa presunção de indeferimento não alterava a competência do Tribunal arbitral, citando a propósito o decidido pelo STA no Acórdão de 2 de Fevereiro de 2005, proferido no processo n.º 01171/04[15] e Carla Castelo Trindade[16], o que não suscita dúvidas: tendo já sido estabelecida a competência do Tribunal arbitral para apreciar os actos de liquidação (que não o acto de 2.º grau), não poderia tal competência perder-se por desse acto de 2.º grau ter sido interposto recurso hierárquico, quer tal recurso hierárquico tivesse sido decidido, quer não.

 

III.        MATÉRIA DE FACTO

III.1. FACTOS PROVADOS

a)    A Requerente dedica-se, essencialmente, ao estabelecimento, gestão e exploração de infraestruturas e a prestação de serviços de telecomunicações, bem como ao exercício de actividades complementares ou acessórias;

b)    A Requerente é um contribuinte de elevada relevância económica e fiscal, na acepção prevista no artigo  68.º-B da Lei Geral Tributária, e, por isso, consta  do elenco definido no Despacho n.º 7048/2022, de 2 de Junho;

c)     A Requerente factura os serviços de telecomunicações prestados aos seus clientes com liquidação de IVA, que mensalmente entrega nos cofres do Estado;

d)    O universo desses clientes abrange sujeitos passivos do IVA e consumidores finais, não sujeitos passivos de IVA;

e)     A Requerente depara-se recorrentemente com um nível considerável de incumprimento por parte dos seus clientes, já que uma parte relevante das facturas por si emitidas nunca chega a ser paga;

f)      A falta de pagamento pelos serviços prestados pela Requerente resulta numa quantidade avultada de créditos em mora ou incobráveis, gerando discrepâncias entre os valores facturados e os valores efectivamente recebidos pela Requerente, sendo o montante de IVA constante dessas facturas suportado pela Requerente quando esta o entrega ao Estado sem que tenha recebido a contrapartida pela disponibilização dos seus serviços aos clientes inadimplentes;

g)    Consequentemente, e ocorrendo a manutenção da não liquidação da dívida, a Requerente procede à regularização do IVA, como crédito incobrável ou como crédito de cobrança duvidosa, de acordo com as regras estipuladas no Código do IVA;

h)    Tendo em vista a regularização do IVA a seu favor ao abrigo do regime dos créditos de cobrança duvidosa, a Requerente submetia, mensalmente, no Portal das Finanças (vários) Pedidos de Autorização Prévia (PAP), nos termos do disposto no artigo 78.º-B, n.º 1 e 10 do Código do IVA, preenchendo os respectivos campos exigidos na referida plataforma[17];

i)      Para efeitos de submissão de cada PAP, a plataforma do Portal das Finanças requer que seja disponibilizada a seguinte informação: i) número de identificação fiscal do devedor; ii) número de identificação fiscal do emitente da factura; iii) número de identificação fiscal do Revisor Oficial de Contas ou do Contabilista Certificado que efectuou a certificação; iv) número da factura da qual consta o crédito de cobrança duvidosa; v) data da emissão da factura; vi) data de vencimento da factura; vii) período de imposto em que foi entregue a declaração periódica contendo o valor do IVA da factura; viii) base tributável constante da factura; ix) valor total do imposto liquidado na factura; e x) valor do imposto a regularizar a favor da Requerente;

j)      Ao tentar submeter o PAP para os créditos considerados de cobrança duvidosa de clientes que se encontravam com a actividade cessada, via plataforma do Portal das Finanças, a Requerente deparou-se com a impossibilidade de submissão dos respectivos pedidos, uma vez que tal plataforma apresentava a mensagem de erro “Factura inválida – adquirente cessado à data da factura”;

k)     Em 26 de Agosto de 2015, a Requerente submeteu um pedido de esclarecimento via e-balcão tendo, em 23 de Setembro seguinte, obtido a resposta de que “se à data da fatura o cliente se encontra cessado, não é possível efetuar a regularização para clientes cessados”;

l)      Em 12 de Março de 2020, a propósito de mais uma factura cujo devedor não constava no Portal da Justiça como tendo cessado actividade, a Requerente submeteu nova consulta, que foi respondida no dia seguinte com a informação de que o cliente em causa tinha cessado actividade em 10 de Outubro de 2018, mas retomara-a em 15 de Fevereiro de 2020;

m)   Em 16 de Março de 2020, a Requerente voltou a inquirir a AT sobre o local onde poderia consultar o “histórico de cessação de atividade”, tendo obtido, dois dias depois, a informação de que “reencaminhámos a sua questão para o serviço competente no sentido de obter esclarecimento.”;

n)    Em 30 de Abril de 2020 a AT repetiu a resposta referida supra em l);

o)    Assim, a Requerente não logrou proceder à entrega dos PAP referentes aos créditos de cobrança duvidosa e, consequentemente, não procedeu à regularização do imposto relativo aos créditos gerados entre Dezembro de 2019 e Abril de 2021 que listou em documento de 38 páginas junto com o PPA;

p)    A 17 de Novembro de 2023, a Requerente deduziu pedido de revisão oficiosa das referidas autoliquidações junto da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), que receberia o n.º ...2023..., no valor total de € 302.612,94;

q)    A 15 de Dezembro de 2023, a UGC indeferiu liminarmente o pedido de revisão oficiosa com fundamento em extemporaneidade;

r)     Em 31 de Janeiro de 2024, a Requerente apresentou Recurso Hierárquico desse indeferimento para o Ministro das Finanças, que recebeu o n.º ...2024..., de que presumiu o indeferimento em 31 de Março de 2024, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 66.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT);

s)     Tendo presumido o indeferimento de tal recurso, em 27 de Junho a Requerente apresentou no CAAD pedido de constituição de Tribunal Arbitral e o correspondente PPA.

 

         III.2. FACTOS NÃO PROVADOS

            Tendo em conta as posições das partes e, consequentemente, a matéria relevante para a decisão da presente causa. 

 

         III.3. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, quanto à matéria de facto, na sua íntima e prudente convicção, formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo, e de acordo com as regras da experiência de vida (artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados (que, na generalidade, não diferem dos que foram estabelecidos em processos idênticos), tendo por base a análise crítica dos documentos juntos aos autos.

 

IV.         DIREITO

IV.1. Questões a decidir

Afastada a tese do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com o fundamento de ela não se apresentar “como idónea a fazer valer a pretensão da Requerente, por não se encontrarem preenchidos diversos pressupostos legalmente previstos para o efeito” e tendo ficado estabelecido que para clientes, sujeitos passivos de IVA, com actividade cessada era impossível à Requerente submeter os correspondentes PAP, a questão essencial a decidir é a de saber se a Requerente tem ou não direito à regularização do IVA relativamente a créditos sobre esses seus clientes inadimplentes.

Dados os termos em que Requerente e Requerida expuseram as suas posições a este Tribunal, porém, tal questão transmuta-se numa outra: a Requerida recusou o pedido de revisão que lhe foi dirigido sem incorrer em erro? É que se sim, o Tribunal terá de concluir que tal recusa foi legítima, e nada mais haverá que apurar. Se não, o Tribunal terá de concluir que tal recusa foi ilegítima, qualquer que seja agora a sua defesa.

Da decisão que vier a ser proferida decorrerão as consequências indemnizatórias e a responsabilidade pelas custas arbitrais.

 

IV.2. Quanto à aplicação das regras dos artigos 78.º e seguintes do Código do IVA (artigos 118.º a 161.º do PPA e números 17. a 28. da Resposta da AT)

IV.2. 1. As normas invocadas na Informação n.º 203- ISC/2023 

Como se viu supra, a única razão da “Rejeição Liminar” do pedido de revisão oficiosa foi a sua alegada intempestividade, tendo a Informação n.º 203- ISC/2023 invocado, a mais do regime do artigo 78.º da LGT (que já foi abordado em sede de verificação dos pressupostos processuais), os artigos 78.º - A a D do Código do IVA “onde se determina quais os créditos se encontram abrangidos, bem como, os pressupostos e procedimento tendente à sua regularização.”. Em passagem alguma da fundamentação dessa decisão é mencionado o artigo 78.º do Código do IVA e, portanto, em momento algum antes da Resposta da AT foi a Requerente confrontada com a redacção do seu n.º 3 (destaque aditado) – que constituiu o principal arrimo da Resposta da AT: 

Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.”.

 

IV.2. 2. Posição da Requerente no PAP

A Requerente entendeu, essencial e resumidamente, que a jurisdição arbitral – e, designadamente, a decisão proferida no processo n.º 480/2021-T, de 6 de Maio de 2022, baseada na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) – tinha reconhecido que as condições em que podia ser restringido o direito de regularizar o valor tributável e a obrigação de regularizar o montante de IVA dedutível não podiam depender da manutenção da qualidade de sujeito passivo, tando do credor como do devedor. Como aí se escrevera, 

“[r]esulta desta jurisprudência não basta para indeferimento pedidos de reembolso de IVA que se constate que o imposto dedutível é referente a um sujeito passivo com número de identificação fiscal inexistente ou inválido ou que tenha suspenso ou cessado a sua atividade no período a que se refere o reembolso, sendo necessário também «que o sujeito passivo em causa sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução estava implicado numa fraude cometida pelo emissor da factura ou por outro operador interveniente a montante da cadeira de prestações» (ponto 1 da decisão referida). Designadamente, não basta, para recusar o direito à dedução, constatar «que o sujeito passivo não se certificou de que o emitente da factura correspondente aos bens em relação aos quais o direito a dedução é requerido tinha a qualidade de sujeito passivo» (ponto 2 da decisão referida)

(…) 

para além de a obrigação de apurar se todos os fornecedores de bens ou serviços têm registo de atividade não estar explicitamente prevista na lei, é inquestionável que uma eventual informação obtida através do Portal das Finanças no sentido de o detentor de um determinado número de identificação fiscal não ter registo de actividade nunca permitiria concluir com segurança que não pudesse legalmente praticar a operação em causa, uma vez que a lei permite a prática de operações isoladas, com apresentação da declaração respectiva em qualquer serviço de finanças até ao último dia do mês seguinte ao da conclusão da operação

(…) 

[a]ssim, como se decidiu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 20-1-2010, processo n.º 974/09, «se é certo que à luz, da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º do CIVA a condição de sujeito passivo do prestador de bens e serviços constitui um requisito essencial do direito à dedução, a verdade é que tal condição não se define em função de um “estatuto” que se adquira com a declaração de início de atividade nos termos do artigo 30.º, n.º 1 do CIVA e se perca como decorrência da declaração de cessação de actividade ao abrigo sequente artigo 32.º» e «antes a condição de sujeito passivo se pode definir em função de cada acto tributável e daí que o adquirente de serviços sempre tenha direito à dedução do montante do IVA mencionado na respectiva factura»

(…)

[p]or isso, a recusa do direito à dedução, com este fundamento de falta de registo de actividade do prestador ou fornecedor, terá de limitar-se os casos em que se possa concluir que o adquirente «sabia ou devia saber que a operação invocada como fundamento do direito a dedução estava implicado numa fraude cometida pelo emissor da factura ou por outro operador interveniente a montante na cadeia de prestações», como se entendeu no referido acórdão do TJUE, com elementos que não sejam a mera possibilidade de apuramento do registo de actividade”.

 

E rematava:

 

Concluindo, a este respeito, o Tribunal Arbitral, atendendo à jurisprudência citada, que “[f]ica assim claro entendimento jurisprudencial – não só do STA e deste CAAD, como inclusivamente do TJUE – relativamente à admissibilidade, por princípio, do direito à dedução do valor tributável do imposto pelos sujeitos passivos, mesmo nas situações em que o devedor (e até o credor) já não mantenha a qualidade de sujeito passivo de imposto, sem que de tal perda de qualidade não decorra, automaticamente, qualquer especial ou acrescido risco de fraude ou evasão fiscais”* [nosso realce e sublinhado].”.

 

Por outro lado 

 

no que concerne ao facto de a submissão dos PAP ter sido inviabilizada, através da plataforma eletrónica da AT, concluiu o Tribunal Arbitral (posição que aqui acolhemos) –, que “analisado o teor das respetivas normas legais em que se enforma o regime de regularização do IVA no ordenamento nacional, enquanto «créditos de cobrança duvidosa», não resulta qualquer menção expressa ou implícita que estabeleça enquanto requisito da regularização do imposto sobre tais créditos enquanto de cobrança duvidosa, da manutenção, seja à data da fatura, seja à data da regularização, da qualidade de sujeito passivo por parte dos clientes devedores”(realce nosso)”.

 

Invocou ainda o decidido em outros dois processos que correram no CAAD:

 

Em sentido idêntico, veja-se igualmente a decisão arbitral proferida no processo 460/2022-T, de 7 de dezembro de 2022, em que relativamente às regularizações relativas a créditos sobre sociedades dissolvidas concluiu o Tribunal Arbitral que “é errada a interpretação do artigo 90.º da Directiva IVA n.º 2006/112/CE em que assentou a correcção relativa a créditos sobre sociedades dissolvidas, no sentido de que «no que diz respeito ao regime da regularização de créditos incobráveis, verifica-se que as alíneas do n.º 7 do artigo 78.º e do n.º 4 do artigo 78.º -A, ambos do Código do IVA, devem ser entendidas, no sentido de que, fora daquelas situações previstas, não têm suporte legal para a dedução dos créditos em causa por parte do sujeito passivo credor»

 

(…)

 

E, ainda, a decisão arbitral proferida no processo 54/2023-T, de 15 de setembro de 2023, que tendo seguindo a interpretação explanada na decisão acima mencionada, concluiu, quanto às regularizações relativas a créditos sobre sociedades que cessaram atividade que “[c]om respaldo na decisão vinda de transcrever também o presente Coletivo considera que a Requerente tinha direito a regularizar o IVA relativo a créditos sobre clientes cessados, donde, as liquidações sindicadas enfermam de violação de lei na parte em que estão influenciadas por aquela correção, o que igualmente justifica a sua anulação”* [realce e sublinhado nosso].”.

 

Invocou ainda que 

 

não estamos perante créditos inferiores a € 750, e que cujo devedor seja particular ou sujeito passivo que realize exclusivamente operações isentas que não confiram direito à dedução – conforme visa a alínea b) do n.º 2 do 78.º-A do Código do IVA.

 

E que

 

a Requerente também não vislumbra a possibilidade de enquadrar os créditos em apreço como créditos incobráveis, à luz do n.º 4 do 78.º-A do Código do IVA.”.

 

IV.2. 3. Posição da Requerida na Resposta

            Por sua vez, a Requerida defendeu (inovadoramente) na sua Resposta que 

a.     “O art.º 78.º do Código do IVA estatui o mecanismo idóneo para a correção, pelo sujeito passivo do IVA, de erros nas faturas que emitiu”;

b.     “o n.º 3 do art.º 78.º do Código do IVA, concede a possibilidade, ao sujeito passivo do imposto, de, no prazo nele previsto, retificar faturas inexatas, que tenham sido registadas na contabilidade, quando houver imposto liquidado a mais.”;

c.     “Não existe uma definição legal do conceito de «faturas inexatas», utilizado no n.º 3 do art.º 78.º do Código do IVA, porém, decorre da leitura conjugada com o n.º 1, que se reporta à incorreção no valor tributável da operação, ou do respetivo imposto, que tenha determinado uma liquidação em excesso.”;

d.     “constitui entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira que as regularizações, previstas no n.º 3 do art.º 78.º, abrangem situações resultantes da retificação ou substituição de faturas já registadas, conforme a doutrina administrativa do Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, da Direção de Serviços do IVA (ponto 9.2).”;

e.     “considera-se abrangida pelo termo «fatura inexata», interpretado em sentido lato, a inexatidão do NIF do adquirente dos serviços, indicado na fatura emitida pelo prestador de serviços, como elemento obrigatório que é elencado no art.º 36.º, n.º 5, al. a) do Código do IVA.”;

f.      “O n.º 7 do art.º 29.º do Código do IVA determina que deve ser emitido documento retificativo de fatura quando o valor tributável de uma operação ou imposto correspondente sejam alterados por qualquer motivo, incluindo inexatidão.”;

g.     “a possibilidade de regularização está condicionada, quer à emissão de notas de crédito, quer ao limite temporal dos dois anos exigido na lei (no art.º 78.º, n.º 3 do Código do IVA), e que à data do pedido de revisão oficiosa, em 2023-11-29, já tinha sido ultrapassado.”;

h.     “A que acresce o cumprimento da condição do n.º 5 do art.º 78.º do Código do IVA, nomeadamente a posse da tomada de conhecimento pelo adquirente da retificação efetuada.”;

i.      “A demonstração deste pressuposto essencial de procedência da regularização a favor do sujeito passivo tem de se encontrar plenamente satisfeita, através, por exemplo, da posse das faturas originais e das notas de crédito emitidas em virtude da retificação.”;

j.      “no caso em apreço nenhum dos requisitos formais e materiais que presidem à regularização do IVA nos termos gerais do art.º 78.º, n.º 3 do Código do IVA – meio idóneo a fazer vale a sua pretensão – se encontram verificados, por falta de esforço probatório por parte da Requerente, como refere a decisão impugnada.”.

 

 IV.2. 4. Posição da Requerente nas alegações

Justamente porque as razões apontadas pela AT na sua Resposta não coincidiam com as que a AT tinha anteriormente invocado, foi determinada a produção de alegações, tendo então a Requerente argumentado que[18]:

1.      “o que está em causa no litígio são situações de não pagamento, por parte dos clientes, dos serviços prestados pela Requerente, o que gera situações frequentes de créditos em mora ou incobráveis.”;

2.     “precisamente para estas situações de créditos em mora ou incobráveis, prevê o Código do IVA que, tratando-se de créditos vencidos a partir de 1 de janeiro de 2013, como são os da Requerente, será de aplicar o regime estabelecido nos artigos 78.º - A a 78.º - D do Código do IVA.”;

3.     “perante o exposto, não tem cabimento algum a AT vir alegar que o procedimento para esta situação seria o de, por se estar perante faturas inexatas, nos termos do artigo 78.º, n.º 3 do Código do IVA, emitir notas de créditos (desde que no limite temporal dos dois anos aí previstos).”;

4.     “a regularização relativa às faturas inexatas prende‑se com situações em que há uma inexatidão do NIF do adquirente dos serviços ou quando o valor tributável de uma operação seja alterado por qualquer motivo.”;

5.     “no caso da Requerente, a situação sub judice prende-se com o facto dos seus adquirentes possuírem NIF válido no momento do fornecimento do prestado, contudo, e por desconhecimento da Requerente, os mesmos encontravam-se sem atividade/com atividade cessada, para efeitos do IVA, no momento da emissão da fatura (não obstante, note-se que os serviços da Requerente continuaram sempre a serem prestados)”;

6.     “perante a factualidade descrita, afigura-se-nos claro que situação não tem lugar na norma evocada pela AT, relativa ao n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA, porquanto não se trata de qualquer inexatidão no preenchimento/emissão da fatura.”;

7.     “aquilo que a AT alega ser o procedimento correto seria até ilegal, porquanto não se está perante uma situação de uma fatura inexata, mas antes de uma falta de pagamento por parte do cliente, para a qual o Código prevê um regime específico.”;

8.     “perante a impossibilidade gerada pelo sistema, a Requerente apresentou um pedido de esclarecimento via e-balcão por forma a averiguar como poderia recuperar o IVA em questão, tendo obtido a resposta por parte da AT de que “se à data da fatura o cliente se encontra cessado, não é possível efetuar a regularização para clientes cessados” (cf. Documento 2 junto em sede de Pedido de Pronúncia Arbitral)”;

9.     “Atendendo ao exposto, e contrariamente ao alegado pela AT na sua resposta, não tem igualmente razão quando diz que “não é possível reconhecer a existência de qualquer erro que seja de imputar aos serviços”, porquanto, desde logo, a plataforma eletrónica do Portal das Finanças é gerada pela AT e, perante os esforços da Requerente para os ultrapassar, a AT limitou-se a reconhecer que a regularização do IVA para clientes com NIF cessado não é uma possibilidade.”;

10.  “Assim, e conforme melhor detalhado no Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado, na medida em que casos com contornos totalmente similares à situação aqui exposta pela Requerente já foram objeto de apreciação no CAAD, em que ficou provado que o sistema do Portal das Finanças impossibilitava a submissão de PAPs relativos a créditos de cobrança duvidosa de clientes com atividade cessada, não se compreende como é que a AT pode colocar em causa a veracidade das provas apresentadas em sede de Pedido de Revisão Oficiosa.”.

 

IV.2. 5. Decidindo

Antes de mais, e ainda que como obiter dictum, diga-se que a (única) tese da Resposta da AT, segundo a qual o pagamento, pela Requerente, de valores de IVA respeitantes a facturas não cobradas se poderia reconduzir à hipótese das “facturas inexactas” prevista no n.º 3 do artigo 78.º do Código do IVA é inconvincente. Não apenas porque há nesse Código – logo de seguida – normas que tratam especificamente das situações de não pagamento (pontual ou definitivo), mas também porque a inexactidão tem de ser, para fazer sentido, contemporânea da emissão das facturas, ao passo que as falhas de pagamento são necessariamente supervenientes e não há inexactidão alguma em emitir uma factura que não vem a ser paga, ou em mencionar nela o número de identificação fiscal de uma entidade que entretanto cessou a sua actividade.

Em todo o caso, e como já se adiantou, tal tentativa de dar uma fundamentação material à “Rejeição Liminar” do pedido de revisão oficiosa constituiria inadmissível fundamentação a posteriori (não do indeferimento do pedido de revisão oficiosa por razões formais, mas da impossibilidade de obter a restituição dos montantes de IVA que não tinham sido recebidos dos clientes cessados). Ainda que a Resposta da AT se tenha procurado manter no plano da inadmissibilidade do pedido de revisão oficiosa, o que realmente fez foi providenciar um fundamento material para não alterar o statu quo. Ora, como o fez posteriormente à rejeição de tal pedido (e até da argumentação desenvolvida pela Requerente no PPA), não poderia este Tribunal usar tal fundamentação – mesmo que ela fosse plausível.

Nesse sentido podem ver-se, a título exemplificativo, 

- o Acórdão do STA de 22 de Março de 2018, proferido no proc. 0208/17, cujo Sumário refere que

A fundamentação dos actos administrativos e tributários à posteriori não é legalmente consentida, cfr. os acórdãos do STA, de 26/3/2014, proc. nº 01674/13 e de 23/4/2014, proc. nº 01690/13, sendo que a validade do acto terá necessariamente que ser apreciada em função dos fundamentos de facto e de direito que presidiram à sua prática, irrelevando os que posteriormente lhe possam ser “aditados”.”,

 

- o Acórdão do STA de 11 de Dezembro de 2019, proferido no proc. 0859/04.2 BEPRT, cujo Sumário é

A fundamentação do acto tributário deve ser contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objectivamente existentes, não constam da motivação expressa do acto.”.

- o Acórdão do STA de 28 de Outubro de 2020, proferido no proc. 02887/13.8BEPRT, cujo primeiro ponto do Sumário é

            “I - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial previsto no art. 99.º e segs. do CPPT, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori.”.

 

Porque assim é, dispensam-se as considerações doutrinais e as referências jurisprudenciais que determinaram as decisões dos Tribunais Arbitrais do CAAD nos casos invocados como análogos, designadamente as proferidas nos processos n.os 480/2021-T[19], 460/2022-T[20] e 54/2023-T[21], mas que – tirando (por via de transcrições dessa jurisprudência arbitral) no PPA – estiveram ausentes da discussão perante o presente Tribunal. 

 

IV.3. Quanto às consequências da decisão 

A Requerente pede que “Seja a AT condenada a reembolsar à Requerente o valor de IVA liquidado e pago em excesso, no montante de € 302.612,94, acrescido de juros indemnizatórios, com as demais consequências legais.”. Porém, como se reconheceu no processo n.º 480/2021-T, “ao Tribunal Arbitral não assistem os poderes para emitir as injunções condenatórias formuladas pela Requerente no seu pedido arbitral.”.

Justamente por isso, o que aí se decidiu, e se transcreve, tem aqui plena aplicação, substituindo apenas a referência ao “Documento n.º 2” pelo Documento 4 junto aos presentes autos com o PPA:

Assim sendo, e porquanto o apuramento da quantificação do montante do IVA a regularizar a seu favor consiste numa tarefa cuja competência é atribuída por lei à AT, devem os atos de autoliquidação de IVA arbitralmente impugnados (…), ser parcialmente anulados, cabendo à AT a posterior quantificação, tendo por referência o teor do Documento n.º 2, se necessário em sede de execução de julgados, de modo a conformar os atos de autoliquidação impugnados com os termos da presente decisão arbitral anulatória, da qual decorre o aumento do quantum do IVA a regularizar a favor da Requerente.”.

Quanto aos juros indemnizatórios, eles são devidos mas, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, começam a contar-se apenas passado um ano desde a apresentação do pedido de revisão oficiosa (que ocorreu em 17 de Novembro de 2023), conforme é actualmente pacífico[22]. Como se lembrou na decisão arbitral acabada de citar, “Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.”.

 

V.           DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide o presente Tribunal Arbitral:

a)     Absolver a AT da instância quanto ao pedido de declaração da ilegalidade do acto de indeferimento (tacitamente presumido) do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;

b)    Dar provimento ao pedido de anulação parcial dos actos tributários de autoliquidação de IVA, referentes aos períodos de imposto compreendidos entre Dezembro de 2019 e Abril de 2021 e identificados no Documento 4 junto com o PPA, perfazendo um montante global de € 302.612,94 (trezentos e dois mil, seiscentos e doze euros e noventa e quatro cêntimos), com devolução à Requerente do que vier a ser apurado em execução de sentença, acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios, contados desde 17 de Novembro de 2024; 

c)     Condenar a AT ao pagamento das custas do processo, nos termos fixados abaixo.

 

VI.         VALOR DO PROCESSO

Competindo ao Tribunal fixar o valor da causa (artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT) e devendo ele corresponder à utilidade económica do pedido, fixa-se o valor do processo em € 302.612,94 (trezentos e dois mil, seiscentos e doze euros e noventa e quatro cêntimos). 

 

VII.      CUSTAS

Custas a cargo da Requerida, no montante de € 5.508,00 (cinco mil, quinhentos e oito euros), nos termos da Tabela I do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e do disposto no seu artigo 4.º, e no artigo 12.º, n.º 2, do RJAT. 

Lisboa, 27 de Agosto de 2025

A redacção da presente decisão segue a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990 excepto em transcrições que o sigam. 

 

 

O árbitro presidente e relator

 

 

 

Victor Calvete

 

O árbitro adjunto

 

 

 

António de Barros Lima Guerreiro

 

O árbitro adjunto

 

Fernando Marques Simões

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Discordo da absolvição  da instância quanto ao pedido de declaração da ilegalidade do ato de indeferimento , segundo a presente Decisão Arbitral tacitamente presumido,  do recurso hierárquico interposto da decisão de rejeição do pedido de revisão oficiosa, com fundamento na ausência de  competência do Tribunal Arbitral  para declarar a ilegalidade desse indeferimento.

Com efeito, sobre a pretensão da Requerente, deduzida a 27/11/2023, dando origem ao procedimento nº ...2023..., recaiu um ato de indeferimento liminar integralmente reproduzido no PA datado de 14/12/2023, manifestamente incompatível com qualquer ficção de indeferimento e sobre  cujos fundamentos deveria ter incidido a apreciação do Tribunal Arbitral, sob pena de omissão de pronúncia. 

Tal ato é   expresso e não tácito. Sendo que o presente recurso hierárquico recaí sobre um indeferimento presumido de reclamação graciosa , a verdade é que, supervenientemente ao recurso hierárquico,  a Requerida se pronunciou de modo expresso sobre a pretensão da Requerente, rejeitando-a, e é essa rejeição o objeto do presente processo arbitral. 

 Nesse sentido,  não procede a ausência de competência do Tribunal Arbitral para conhecer do indeferimento presumido de pedido de revisão oficiosa, com fundamento em o  fato de   “com a revisão do CPA em 2015, se deixou de poder falar em atos de indeferimento tácito, com a o incumprimento, no prazo legal, do dever de decidir os requerimentos que lhe sejam submetidos não dá lugar à formação de qualquer ato tácito, mas é tratado como omissão pura e simples que efetivamente é, ou seja, como um mero facto. Nesse sentido, é hoje afirmado no art. 129.º do CPTA que a falta de decisão administrativa dentro do prazo legal confere  ao interessado a faculdade de utilizar os meios de tutela administrativa e jurisdicional adequados, não tem qualquer relevância para  a decisão do presente processo arbitral”.

As normas do CPA, que não é uma lei reforçada,  não prevalecem sobre as normas da LGT ou do CPPT, a não ser indiretamente quando constituam a emanação de  princípios constitucionais, o que não é o caso. São direito especial, como resulta da alínea d) do art. 2º do CPPT.

Tal tese não é sequer  sustentada pela Requerente, que se limita a fundamentar a sua pretensão com um erro imputável aos serviços na autoliquidação, que resulta , no caso , de estar ter sido condicionada por uma aplicação informática arbitrária, . Assim , a presente Decisão Arbitral deveria ter-se limitado a apreciar esse fundamento, abstendo-se de outras considerações . Na verdade, a omissão do dever legal de decidir continua a ser juridicamente uma ficção de indeferimento, como resulta da alínea d) do nº 1 do art. 102º do CPPT, que não foi expressa ou tacitamente revogado, mantendo toda a atualidade , por exemplo, o acórdão do TCA Sul de 22/6/023, proc. 725/20.7BESNT, sendo o Tribunal Arbitral plenamente competente para conhecer a legalidade dessa omissão.

 

O árbitro 

 

(António Lima Guerreiro)

 

 

 



[1] O que constituía toda a Secção II do PPA, desdobrada em três epígrafes:

“Competência do CAAD para a apreciação da (i)legalidade de atos de primeiro e de segundo grau

Competência do CAAD para a arbitrabilidade de pretensões relativas à legalidade de atos de autoliquidação de tributos, precedidas da apresentação de Pedido de Revisão Oficiosa 

Competência do CAAD para apreciar “decisões” de indeferimento tácito de Recursos Hierárquicos interpostos de anteriores decisões de indeferimento de Pedidos de Revisão Oficiosa, nas quais a AT tenha apreciado a legalidade de atos de liquidação de tributos”.

[2] “Seja declarada a ilegalidade do ato de indeferimento (tacitamente presumido) do recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, com fundamento em erro imputável aos serviços;

 

[3] Reproduz-se a nota do original:

Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo, 2017, pág. 220 ss.”.

 

[4] Reproduz-se a nota do original:

Ou, na concepção tradicional (consignada, vg, na decisão do processo n.º 48/2012-T, e sintonizada com o que é a solução lógica no âmbito da jurisdição dos tribunais tributários, mas algo incongruente com a competência limitada dos tribunais arbitrais), a competência jurisdicional dos tribunais arbitrais do CAAD quanto a matérias de autoliquidação dependeria da prévia anulação dos actos de 2.º grau (poder que a lei não lhes reconhece):

“A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.”.”

 

[5] “Sejam parcialmente anulados os atos tributários de autoliquidação de IVA, referentes aos períodos de dezembro de 2019 a abril de 2021”.

[6] O caso do processo n.º 480/2021-T é algo diferente, como se deixou consignado no seu Relatório:

Na sequência das correções tributárias levadas a efeito pela Autoridade Tributária no âmbito do RIT, as quais não admitiram a regularização enquanto créditos incobráveis do IVA relativo a clientes devedores cuja atividade se mostrava cessada, veio a Requerente a tentar proceder à regularização a seu favor do IVA ao abrigo do regime dos créditos de “cobrança duvidosa”.”.

Quer dizer que o pedido de revisão oficiosa constituiu aí uma 2.ª via:   

Em tal Revisão, a Requerente invocou que, não tendo possibilidade de regularizar a seu favor o IVA relativo a créditos sobre clientes ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 4 do CIVA – créditos incobráveis – em resultado das correções efetuadas pelo RIT, poderia proceder a tal regularização ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 2 do CIVA, isto é, enquanto créditos de cobrança duvidosa.”. 

 

[7] Embora sempre a propósito de facturas sobre clientes cessados, enquanto as Requerentes nos processos n.os 480/2021-T, 460/2022-T e 54/2023-T se defendiam de liquidações efectuadas pela AT (que levaram a pagamentos de IVA que só por isso existiram e pretendiam anular), o que a Requerente pretende nos presentes autos é que lhe seja reconhecido o direito de corrigir as autoliquidações que fez (e reaver o que pagou, ou seja, obter da AT um comportamento positivo).

 

[8] Negrito aditado porque na transcrição feita desta passagem na Resposta da AT o comportamento é dito “omissivo”.

 

[9] Ou constituía na altura, uma vez que a Requerente invoca que 

à presente data, a Requerente já não está impossibilitada de submeter os PAPs relativos a créditos de cobrança de duvidosa de entidades cessadas na plataforma do Portal das Finanças, o que demonstra que a AT procedeu à alteração do procedimento e reconheceu o erro, tendo resolvido a situação em apreço.”. 

 

[10] Para se dar como preenchida uma das hipóteses – a da alínea d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT: “A impugnação dos actos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação;” – que, no âmbito do “processo judicial tributário”, se enquadram na “impugnação judicial” (sendo que “a outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação” cabe antes a “acção administrativa especial”). Cfr., por exemplo, o Acórdão do STA de 13 de Janeiro de 2021 no processo n.º 01958/13, onde se escreveu:

A impugnação judicial é o meio processual adequado para discutir a legalidade do ato de liquidação – artigo 99.º do CPPT - independentemente de ter sido ou não precedida de meio gracioso e, no caso de assim ter acontecido, independentemente do teor da decisão que sobre ele recaiu, ou seja, de ser uma decisão formal ou de mérito – acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18/11/2020, proferido no processo 0608/13.4BEALM 0245/18.”,

e a decisão no processo arbitral n.º 167/2022-T, em cujo Sumário se escreveu:

Tendo um pedido de revisão oficiosa sido, liminarmente, indeferido com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, tal ato comporta a apreciação da legalidade do ato de liquidação que deu origem a tal pedido, sendo, por isso, o meio idóneo de reação o processo de impugnação judicial, para o qual os tribunais arbitrais são competentes em razão da matéria.”.

 

[11] O que, evidentemente, violaria a igualdade de tratamento dos reclamantes/peticionantes e colocaria na discricionariedade da AT, em função da argumentação utilizada, a delimitação dos meios de reacção ao dispor daqueles. Por isso é que este Tribunal não valora um dos argumentos da Requerente: o de que, ao considerar que “a documentação junta pela Requerente não foi considerada suficiente para se considerarem verificados os pressupostos legalmente estabelecidos para a regularização do IVA peticionada”, a Informação que sustentou a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa já se estava a pronunciar sobre a legalidade dos actos de tributação.

 

[12] Quaisquer que sejam as reservas que tal tese mereça, e que também foram sublinhadas na decisão do processo n.º 1072/2024-T: 

se trata de um desvio pretoriano ao que consta da norma (e que alguma jurisprudência arbitral recente pretende corrigir – decisões nos processos n.os 840/2021-T, 778/2023-T e 1000/2023-T*), mas não considera que as razões invocadas nessas decisões (menos ainda o que parece ser uma invocação enviesada do Acórdão do STA de 9 de Novembro de 2022, proferido no Processo n.º 087/22.5BEAVR) sejam de molde a dever inverter um entendimento que se consolidou na jurisprudência arbitral e na do TCAS*” (notas suprimidas). 

Cfr., por exemplo, o Acórdão do STA de 9 de Novembro de 2022 no processo n.º 087/22.5BEAVR, onde se escreveu:

na linha da jurisprudência pacífica deste STA, a revisão dos atos tributários por iniciativa da Administração Tributária no prazo de 4 anos após a liquidação pode ser suscitada pelo contribuinte, pelo que, verificados os demais requisitos, a AT não pode recusar a apreciação dessa revisão oficiosa – cfr. a este propósito os acórdãos do STA de 20/03/2002, processo nº 026580, de 12/07/2006, processo 0402/06, e de 29/05/2013, processo nº 0140/13”,

e a decisão no processo arbitral n.º 1072/2024-T, em cujo Sumário se escreveu:

O entendimento prevalente do disposto na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa para lá do prazo da reclamação graciosa.”.

 

[13] O artigo 78.º do Código do IVA nem sequer é mencionado na Informação n.º 203- ISC/2023 que sustentou a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente. E compreensivelmente, uma vez que só pela reconfiguração da situação dos autos como um caso de “facturas inexactas” é que tal norma podia ser convocada – e isso só aconteceu na Resposta da AT.  

 

[14] Aparentemente, há uma insanável incompatibilidade entre a não pronúncia sobre o fundo nos actos de 2.º grau (e de 3.º grau) e a impossibilidade de fundamentação a posteriori. Se ocorrer a primeira, é impossível não acontecer a segunda. O que também levanta a curiosa questão de saber quais podem ser as questões de mérito a discutir no processo arbitral se a posição da AT no acto de 2.º grau (e no de 3.º, se o houver) for estritamente sustentada, por exemplo, na intempestividade da reacção do contribuinte... 

 

[15] Citado, sem data, como “processo n.º 01174/04” (e acrescentando, aliás, uma parte da decisão do CAAD onde ela tinha sido reproduzida, a proferida em 9 de Outubro de 2014 no processo n.º 147/2014-T): 

ao deixar de se pronunciar sobre a pretensão da recorrente, a autoridade recorrida indeferiu-a, ou seja, não reconheceu, no acto de liquidação em causa, as ilegalidades que a requerente lhe imputava. Em causa está, pois, mediatamente, a legalidade do acto tributário de liquidação: apreciar o acto recorrido – saber se a pretensão da recorrente, de que fosse revisto aquele acto, merecia, ou não, ser indeferida (ainda que presumidamente) – implica sindicar a legalidade da liquidação.”.

 

[16] Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 101 e ss.

[17]  Afirmando a Requerente que hoje o faz através da funcionalidade webservice.

[18] Destaques da Requerente.

[19] Que tem o seguinte Sumário:

No domínio do regime da regularização de IVA, enquanto créditos de cobrança duvidosa, previsto nos artigos 78º a 78º-D do CIVA, a circunstância de o adquirente devedor perder a qualidade de sujeito passivo do imposto não determina de per seuma acrescida limitação ao exercício de tal direito por banda do emitente, conquanto tal circunstância não seja indutora de um uso abusivo ou fraudulento do funcionamento do sistema do IVA.”.

 

[20] Onde se escreveu o seguinte:

é errada, por incompatibilidade com o Direito da União, designadamente os artigos 90.° e 273.° da Diretiva IVA, a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ao efectuar as correcções relativas a créditos da Requerente sobre empresas cuja actividade cessara.”.

 

[21] Cujo Sumário se reproduz:

I. Nos termos do artigo 90.º, n.º 1 da Diretiva IVA, que tem efeito direto, os Estados-Membros são obrigados a admitir a redução e regularização do valor tributável das operações caso se verifique o não pagamento total ou parcial do respetivo preço, o que abrange os créditos de cobrança duvidosa e os créditos incobráveis.

II. A derrogação prevista no artigo 90.º, n.º 2 da Diretiva IVA, que visa prevenir a utilização abusiva do direito à regularização do valor tributável das operações, apenas se aplica a situações de simples ou mero não pagamento do preço, e já não a situações que revelam, com um razoável grau de probabilidade, uma incobrabilidade certa e definitiva.

III. Aos créditos sobre sociedades dissolvidas, sobre sociedades cessadas e sobre clientes isentos ou particulares, relativamente aos quais foi demonstrada a incobrabilidade definitiva, não é aplicável a derrogação prevista no artigo 90.º, n.º 2 da Diretiva IVA.

[22] Para não ir mais longe, pelo menos desde que o acórdão do Pleno da 2.ª Secção do STA de 30 de Setembro de 2020 no processo n.º 40/19.6BALSB uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos: “Só são devidos juros indemnizatórios decorrido um ano após o pedido de promoção da revisão oficiosa e até à data da emissão das respetivas notas de crédito a favor da Recorrida.”.