Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1083/2024-T
Data da decisão: 2025-07-16  IRS  
Valor do pedido: € 325.120,29
Tema: Artigo 12.º-A do IRS – Regime Ex-Residentes
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SUMÁRIO:

 

I - O Requerente alterou o seu domicílio fiscal para o Reino Unido, com produção de efeitos à data de 22-05-2016. Em consequência, à luz do artigo 16.º do Código do IRS, no ano 2016, o Requerente não se presume residente fiscal, visto que não esteve em Portugal mais de 183 dias (artigo 16.º, n.º 1 a) e n.º 14 do Código do IRS);

II - Para a condição de residente fiscal se verificar, nos termos do n.º 8 do artigo 13.º do Código do IRS, e para efeitos do regime do seu artigo 12.º-A, a situação relevante do contribuinte é a que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeita independentemente do dia exacto em que no decurso desse ano obteve o estatuto de residente;

III – O facto alegado de existirem liquidações impugnadas por pagar não configura por si uma “situação tributária não regularizada”, atentas as possibilidades legais de suspender os processos executivos;

 

IV – Do artigo 12.º-A do Código do IRS resulta que o legislador faz depender a obtenção do direito à tributação segundo o regime dos Ex-Residentes exclusivamente dos requisitos cumulativos ali previstos, que não incluem o exercício da opção pela tributação de acordo com aquele regime especial;

 

V – A obrigação de selecionar a opção pela tributação como Ex-residente, aquando da entrega do modelo 3 do IRS, constitui uma mera obrigação declarativa, não sendo constitutiva de direitos. 

 

DECISÃO ARBITRAL

As árbitras, Fernanda Maçãs, (árbitro presidente), Dra. Magda Feliciano (árbitro Adjunta- Relatora) e Dr.ª Maria Alexandra Mesquita (árbitra Adjunta) designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o presente Tribunal Arbitral coletivo, acordam no seguinte:

I.               RELATÓRIO

A..., maior, contribuinte n.º..., residente na ..., ..., ... - ... ...-Cacém, doravante Requerente, apresentou pedido de constituição do Tribunal Arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com vista a obter a anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2024..., referente ao ano de 2021, no montante de €302.190,85 de IRS e €21.923,32 de juros compensatórios, no valor total de €324.114,17.

 

A 3 de Outubro de 2024, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente, com a notificação à AT, em 9 de outubro de 2024.

 

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, as aqui signatárias, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

As partes, notificadas dessa designação em 22 de novembro de 2024, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

O Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 10 de dezembro de 2024.

 

A 22 de Janeiro de 2025, a AT apresentou a sua Resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, concluindo pela improcedência do pedido.

 

A 24 de Janeiro de 2025, foi a Requerente notificada para exercer, querendo, e no prazo de dez dias, o contraditório quanto às excepções deduzidas pela AT. 

 

A Requerente não deu resposta a este pedido do tribunal arbitral.

 

A 28 de Fevereiro, o TA notificou as partes da dispensa de realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do tribunal arbitral a fim de promover a celeridade e simplificação e informalidade na condução do processo, nos termos conjugados artigos 19.º, n.º 2 e artigo 29.º, n.º 2 do RJAT e ainda notificando as partes para produzirem alegações escritas, sendo que concedeu à AT a faculdade de juntar as suas alegações com carácter sucessivo.

 

Nem o Requerente, nem a Requerida apresentaram alegações escritas junto deste TA.

 

Por despacho de 28 de Maio de 2025, o Requerente e a Requerida foram notificados para exercer o contraditório.

 

A 11 de Junho de 2025, o TA notificou a AT para exercer o contraditório e fazer prova da data da liquidação de IRS impugnada.

 

A 23 de Junho de 2025, a AT respondeu ao TA, juntando documentação e informando que, ao abrigo do princípio da cooperação e da boa-fé, na pendência do presente P.P.A foi emitida nova liquidação relativamente ao IRS de 2021, ou seja, a liquidação n.º 2024..., de 29-11-2024, conforme demonstração de liquidação de IRS que se anexa, bem como se anexa o print com os números de registo das notificações referentes à liquidação nº 2024... . Mais esclareceu que a situação não se altera nem a fundamentação. 

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (e estão devidamente representadas. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades, mas foram invocadas várias excepções pela AT, que cumpre apreciar prioritariamente.

 

II.     MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Com relevância para a Decisão consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)    A 27 de Maio de 2009, o Requerente inscreveu-se no cadastro na situação de residente fiscal, em Portugal;

b)    O Requerente residiu no Reino Unido em 2016, 2017, 2018;

c)    O Requerente regressou a Portugal em 2019;

d)    A 18 de Outubro de 2019, o Requerente alterou a residência para o estrangeiro (Reino Unido), com produção de efeitos à data de 2016-05-22;

e)    A 18 de Outubro de 2019, o Requerente alterou a sua situação para residente em Portugal, com produção de efeitos à data de 1 de Julho de 2019;

f)      O Requerente não assinalou a pretensão de tributação, segundo o regime do artigo 12-A, do Código do IRS, na declaração Modelo 3 de IRS de 2019;

g)    Foi emitido pela AT o acto de liquidação n.º 2024..., em 27 de Abril de 2024;

h)    O Requerente foi notificado daquele acto em Julho de 2024, por consulta das notificações electrónicas, no portal das finanças;

i)      A 3 de Outubro de 2024, o Requerente apresentou pedido arbitral quanto ao acto de liquidação n.º 2024..., referente ao ano de 2021, no montante de €302.190,85 de IRS e €21.923,32 de juros compensatórios, no valor total de €324.114,17;

j)      Por requerimento de 23 de Junho, a Requerida informou o tribunal que o acto de liquidação n.º 2024... foi substituído por nova liquidação, relativa ao IRS de 2021, com o n.º 2024..., de 29-11-2024, sem que se tenha alterado a situação e a respetiva fundamentação;

k)    Por despacho de 27 de Junho, o Requerente foi notificado para se pronunciar sobre o novo acto de liquidação e o seu interesse em prosseguir com o PA;

l)      A 30 de Junho, o Requerente respondeu, concordando com a substituição do acto de liquidação impugnado.

 

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto 

 

Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [Cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT]. 

 

A matéria de facto foi selecionada de acordo com o disposto no artigo 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) e artigo 607.º, n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1 do RJAT.

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo junto pela AT e considerando as regras quanto ao ónus da prova.

 

Relativamente à data da notificação do acto de liquidação impugnado, o Requerente alegou que apenas foi notificado em Julho de 2024, via portal das finanças. Este facto não foi directamente impugnado pela AT.

Tendo a AT sido notificada pelo TA para esclarecer tal facto, juntou ao processo, no âmbito do princípio da colaboração, os registos postais de alguns actos de liquidação de IRS remetidos ao Requerente, que não são objecto do presente PA. No que respeita ao acto impugnado, a AT juntou com o seu requerimento de 23 de Junho apenas a prova do registo da data de emissão da liquidação, de autorização e de transferência.

Ora, tem sido entendido que O ónus da prova da notificação da liquidação recai sobre a Administração Tributária e deve ser observado através da junção de elementos externos à mesma que comprovem o ingresso da carta de notificação na esfera de cognoscibilidade efetiva do contribuinte. (CAAD, Proc. 763/2021-T, de 7.09.2022, TCA Sul, proc. 1439/12.4 BESNT, de 4.05.2023, STA, Proc. 1139/13, de 3.12.2014).

Considerou-se, por isso, provado que o Requerente foi notificado em Julho de 2024, sendo em consequência o PA tempestivo.

 

No que concerne à prova da residência do Requerente no estrangeiro durante os anos 2016 a 2018, consideram-se tais factos fundamentados pelo registo como não residente do Requerente aceite pela AT, com efeitos a 22 de Maio de 2016, a cópia das declarações “P11D Expenses and Benefits 2017 to 2018” e “P11D Expenses and Benefits 2018 to 2019” entregues pela entidade patronal à “HM Revenue & Customs”, respeitante a despesas e benefícios pagos por aquela, a cópia das declarações “P60 End of Year Certificate” respeitante ao “Tax Year to 5 April” dos anos de 2017 e 2018, que correspondem às declarações emitidas pela entidade patronal do Requerente para efeitos de posterior declaração dos rendimentos à autoridade fiscal competente, a declaração do “C...”, que demonstra que o Requerente iria frequentar o “... College”, durante o período entre setembro de 2014 a julho de 2015, adeclaração do “B... Limited”, onde informa da cessação do contrato celebrado com o Requerente a 27-06-2019, cujo início remontava a 10-07-2017.

 

 

III.          SANEAMENTO 

 

III.1. Questão-Prévia

 

Por requerimento de 24 de Junho de 2025, a AT veio informar que o acto impugnado nestes autos foi substituído pelo acto de liquidação n.º 2024..., de 29 de Novembro de 2024, tendo o Requerente sido notificado de tal novo acto, que mantêm os fundamentos do acto de liquidação impugnado inicialmente neste PA.

 

Em consequência, o acto impugnado inicialmente foi revogado pela AT, prosseguindo este PA contra o novo acto n.º 2024..., de 29 de Novembro de 2024.

 

III.2. Excepções

 

Nos termos do art. 13.º do CPTA, aplicável à arbitragem tributária por via do art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento da competência precede o de todas as demais matérias. 

 

Cabe então conhecer das seguintes excepções suscitadas pela Requerida, segundo a ordem da respectiva precedência lógica:

 

A)   Incompetência Material

 

Relativamente ao pedido do Requerente de fixação da base tributável em 50% relativamente às declarações de IRS de 2022 e ss, ainda não liquidadas, a AT defende que “Não estamos perante qualquer ato que seja imediatamente lesivo dos direitos do Requerente, nem existe disposição legal expressa que permita a impugnação contenciosa de declarações “modelo 3 (…)ainda não liquidadas.”

 

Entende a AT que aquele pedido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo o TA conhecer e/ou pronunciar-se sobre a legalidade de declarações modelo 3 e 2022 e seguintes, ainda não liquidadas”, ou seja, de alegadas futuras liquidações”.

 

Como resulta do disposto nos artigos 16.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) e 101.º do Código de Processo Civil (“CPC”), subsidiariamente aplicáveis ex vi do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, a determinação da competência material dos tribunais é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria.

 

Em consequência, tendo em conta que a procedência da excepção invocada pela AT, a verificar-se, obsta ao conhecimento dos actos de liquidação de IRS de 2022 e ss, importa delimitar o âmbito de competência da jurisdição arbitral tributária e aferir se a competência do tribunal abrange, ou não, os actos de liquidação de IRS futuros (2022 e ss).

 

Tem sido abordada em diversos processos arbitrais julgados no âmbito do CAAD, a questão da incompetência material dos tribunais arbitrais – Veja-se a este propósito os acórdãos proferidos no âmbito dos processos n.ºs 48/2012, de 06.07.2012, 73/2012, de 23.10.2012 e 76/2012, de 29.10.2012, cujas decisões acompanhamos.

 

Assim, antes de mais, importa atender ao disposto no n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, segundo o qual o Governo foi autorizado “a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária», devendo, segundo o seu n.º 2, “constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária.”

 

Concretizando a referida autorização legislativa, o Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, “instituiu a arbitragem tributária limitada a determinadas matérias, arroladas no seu art. 2.º” fazendo “depender a vinculação da administração tributária de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça” (vide a fundamentação do acórdão arbitral proferido no Processo n.º 76/2012 acima referido).

 

O âmbito da jurisdição arbitral tributária ficou, assim, delimitado, em primeira linha, pelo disposto no artigo 2.º do RJAT que enuncia, no seu n.º 1, os critérios de repartição material, abrangendo a apreciação de pretensões que se dirijam à declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos (alínea a)).

 

Através da Portaria de Vinculação (Portaria n.º 112-A/2011, de 20 de Abril), o Governo, pelos Ministros de Estado e das Finanças e Justiça, vinculou os serviços da Direcção-Geral de Impostos e da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, sendo que a estes serviços corresponde, presentemente, a Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de Dezembro, que aprova a estrutura orgânica desta Autoridade, resultante da fusão de diversos organismos.

 

Nesta Portaria, estabelecem-se condições adicionais e limites de vinculação tendo em conta a especificidade das matérias e o valor em causa.

 

Dispõe o artigo 2.º da Portaria de Vinculação:

 

Artigo 2.º

Objecto da vinculação

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:

 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.”

 

Sucede que o pedido apresentado pela Requerente quanto aos actos de liquidação futuros não respeita à declaração de ilegalidade de um acto de liquidação de imposto, como se impunha em face do disposto no artigo 2.º do RJAT, pois, os actos não existem à data do pedido.

 

Ora, o processo arbitral circunscreve-se aos “actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária.”

 

Em face do exposto, encontrando-se o pedido de anulação dos actos de liquidação de IRS futuros (2022 e ss) fora da competência deste TA, procede a excepção suscitada pela AT, nessa parte do pedido. 

 

B)    Litispendência

 

Invoca a AT que a Requerente apresentou em 2023 um PPA (106-2023-T) no CAAD, cuja decisão foi impugnada junto do TCA Sul, estando actualmente a correr termos com o n.º de processo 145/23.9BCLSB, com o mesmo pedido e causa de pedir.

 

Consultada a Decisão do CAAD invocada, verifica-se que tal respeita à discussão da legalidade de liquidação de IRS do ano 2019, sendo pedida também a anulação das liquidações futuras dos anos 2020 e 2021, que como vimos não cabe no âmbito da Decisão do TA.

 

Assim, a decisão do CAAD em causa tem como objecto o acto de liquidação referente ao IRS do ano 2019 e não ao do ano 2021, como sucede nos presentes autos. Em consequência não há identidade de objecto nos processos em causa.

 

Improcede assim, a excepção dilatória invocada pela AT, por não se verificarem os pressupostos previstos na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

 

IV.           MATÉRIA DE DIREITO

 

A.    DO MÉRITO

 

Tendo em conta o pedido formulado, cabe a este TA esclarecer se o acto de liquidação de IRS referente ao ano 2021 identificado nos autos, deve ser anulado por vicio de violação de Lei, em especial do artigo 12.º-A do Código do IRS.

Para tal, considerando os factos alegados, importa determinar se, nos termos da Lei aplicável, o Requerente era não ou residente fiscal, em Portugal, em 2016.

 

Vejamos os argumentos das partes.

 

1.     POSIÇÃO DAS PARTES

 

·       Do Requerente

­

a)     O sujeito passivo residiu no Reino Unido em 2016, 2017, 2018, tendo regressado a Portugal em 2019.

b)    O SP não atualizou o seu cadastro fiscal, nem o registo no cartão de cidadão;

c)     Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 12.º-A do CIRS, são excluídos de tributação 50% dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais profissionais dos sujeitos passivos que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições de acesso:

·       Tornar-se residente fiscal em Portugal em 2019, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º do CIRS;

·       Não ter sido considerado residente em território português em qualquer dos três anos anteriores, isto é, em 2016, 2017 e 2018; 

·       Ter sido residente em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

·       Ter a situação tributária regularizada;

·       Não ter solicitado a inscrição como residente não habitual. 

 

d)      O artigo 12º - A do Códido do IRS não contém qualquer norma injuntiva que determine que a existência de rendimentos de um não residente constitua factor de exclusão do acesso ao benefício nele contido. 

e)     A doutrina e a jurisprudência têm entendido que não existe uma identidade entre “domicílio fiscal” e “residência permanente” admitindo que o contribuinte comprove a sua residência permanente apresentando “factos justificativos” de que aí fixou de forma habitual e permanente o centro da sua vida pessoal.

f)      O domicílio fiscal é, assim, um domicílio especial, pelo qual se expõe a um lugar determinado o exercício dos direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias. 

g)     Considerando que a alínea b) do artigo 16.º, do Código do IRS exige três requisitos de cuja verificação cumulativa depende a qualificação como residente, fica desde já claro que o Requerente não reunia os pressupostos necessários para tal, não podendo ser considerado residente fiscal, em Portugal, com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 16.º, do Código do IRS;

h)    Também Rui Duarte Morais escreve a este propósito, «A questão de saber se alguém é ou não residente em Portugal é independente da do domicílio fiscal. Aquele que efetivamente transferiu a sua residência para o estrangeiro não pode mais ser considerado residente em Portugal, mesmo que nos registos da administração fiscal continue a figurar como domiciliado em Portugal (mesmo que por omissão dele, sujeito passivo, em promover a necessária alteração).» Articulado 14.º da PI.

i)      Antecipando que no direito Tributário Internacional, a residência e domicílio são conceitos que não se confundem com o conceito de direito interno. Ainda sobre o conceito de domicílio fiscal pronunciou-se o TCA Sul em acórdão de 07/04/2011, proferido no proc. 04550/11, cujo sumário se transcreve:

«I) -«O conceito de domicílio fiscal estatuído no disposto no artigo 19° da LGT,

nomeadamente no seu n°1 é um domicílio especial que se refere a um lugar     determinado para o exercício de direitos e o cumprimento dos deveres previstos nas normas tributárias o qual, sendo especial, é independente do estipulado no artigo 82. °do Código Civil, embora, ideologicamente e na sua essência o disposto naquele primeiro inciso legal se conecte com a necessidade de o sujeito passivo e a A.F. estarem em contacto sempre que o for necessário para o exercício dos respectivos direitos e deveres, em homenagem ao princípio da colaboração ínsito no artº 59º da LGT. (…)» 

j)      A AT está vinculada aos princípios do dispositivo e da legalidade não lhe sendo lícito extrapolar condições que não constem expressamente da letra da lei, ou não resultem de forma evidente do sistema fiscal visto no seu conjunto.

k)    Ora é claro da letra do art.º 12º-A do Código do IRS cujo fim é apoiar o regresso e reintegração de cidadãos portugueses residentes no estrangeiro que pretendam regressar a Portugal e aqui exercerem actividade produtiva, sendo irrelevante se obtiveram rendimento ou não enquanto não residentes.

l)       A este respeito, cabe ainda uma nota para o exercício probatório com violação do principio do inquisitório, levado a cabo pela AT, ao desconsiderar os elementos factuais juntos pelo Requerente, com o argumento de que os mesmos não provam de forma inequívoca a não residência fiscal em Portugal, não observando assim os requisitos documentais estabelecidos pela própria Administração Tributária por via de “direito circulatório”;

m)   No caso vertente, o SP era menor até 2017 pelo que não pôde obter nenhum certificado de residência fiscal no reino Unido pelo simples facto, aliás alegado e sancionado pela AT, de que não desenvolvia nenhuma actividade remunerada nesse país até 2017, apenas aí residindo, estudando e treinando na academia do clube de futebol ... . 

n)    Do que antecede resulta como consequência, que a liquidação de IRS referente ao ano de 2021 enferma do vicio por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito e violação de norma substantiva – art.º 12-A do CIRS, devendo ser anulada e substituída por outra que considere o previsto no art.º 12º - A do CIRS, considerando apenas 50% do rendimento tributável obtido pelo requerente no ano de 2021;

o)     Nos termos do disposto no art.º 61º n.º 1 alínea d) do CPPT, o direito a juros indemnizatórios é reconhecido “pela entidade competente para a decisão sobre o pedido de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte, quando não seja cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário”. 

p)    Do que antecede resulta como consequência, que a liquidação de IRS referente ao ano de 2021 enferma vicio por erro quanto aos pressupostos de facto e de direito e violação de norma substantiva – art.º 12-A do CIRS, devendo ser anulada e substituída por outra que considere o previsto no art.º 12º-A do CIRS, considerando apenas 50% do rendimento tributável obtido pelo requerente no ano de 2021.

q)     A liquidação de IRS 2024... referente ao ano de 2021 viola o art.º 12-A do CIRS por erro dos serviços quanto aos pressupostos de facto e de direito, devendo ser anulada e substituída por outra que considere o previsto no art.º 12º - A do CIRS, - 50% do rendimento tributável obtido pelo requerente.

r)     Peticiona, por fim, o Requerente relativamente às declarações modelo 3 de 2022 e ss, ainda não liquidadas, pela fixação da base tributável em 50% do rendimento do sujeito passivo.

 

·       Da  Requerida

 

a)     Relativamente ao pedido de fixação da base tributável em 50% relativamente às declarações de IRS de 2022 e ss, ainda não liquidadas, a AT defende que “Não estamos perante qualquer ato que seja imediatamente lesivo dos direitos do Requerente, nem existe disposição legal expressa que permita a impugnação contenciosa de declarações “modelo 3 (…)ainda não liquidadas.” ;

b)     Defende a AT que aquele pedido está excluído do âmbito da competência material deste Tribunal Arbitral, não podendo o TA conhecer e/ou pronunciar-se sobre a legalidade de “declarações modelo 3 e 2022 e seguintes, ainda não liquidadas”, ou seja, de alegadas futuras liquidações”;

c)     Mais invoca a AT a excepção de litispendência: “O Requerente apresentou em 2023 um PPA (106-2023-T) no CAAD, cuja decisão foi impugnada junto do TCA Sul, estando atualmente a correr termos com o n.º de processo 145/23.9BCLSB, com o mesmo pedido e causa de pedir;

d)     Pelo que considera haver litispendência «quando se repete uma ação, estando uma anterior ainda em curso». Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 581.º do CPC, "Repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”;

e)     Por Impugnação, entende a AT que a pretensão do Requerente, centra-se na aplicação do regime estipulado no artigo 12º-A, do CIRS, que implica aferir da não residência em território português, durante os anos de 2016, 2017 e 2018;

f)      Para efeitos de clarificação da aplicação daquele regime, foi elaborado o Ofício-Circulado nº 20206, de 2019/02/28, que transcrevemos:“2. Para usufruição deste regime devem estar preenchidos cumulativamente todos os pressupostos e condições previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 12.º-A do Código do IRS, a saber, têm direito ao regime de benefício fiscal os sujeitos passivos de IRS que, cumulativamente:

g)     Consultado o “Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes”, a AT alega que:

·       Em 2009-05-27, o Requerente inscreveu-se no cadastro na situação de residente;

·       Em 2019-10-18, o Requerente alterou a residência para o estrangeiro (Reino Unido), com produção de efeitos à data de 2016-05-22;

·       Em 2019-10-18, o Requerente alterou a sua situação para residente em Portugal, com produção de efeitos à data de2019-07-01.

h)     Nesta medida, ao alegar no PPA que se tornou, de novo, residente em Portugal em 2019, o requerente não pode ter sido residente em Portugal (total ou parcialmente) nos três anos imediatamente anteriores, isto é, 2016, 2017 e 2018, sendo este um critério objectivo;

i)      Por outro lado, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19.º da LGT, o domicílio fiscal do sujeito passivo é o local da residência habitual da pessoa singular, sendo ineficaz a mudança de domicílio enquanto não for comunicada à administração tributária, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito, sendo, contudo, esta presunção ilidível (articulados 44.º 45.º e 46.º da Resposta);

j)      Nesta medida, e conforme consta no Sistema de Gestão e Registo de Contribuintes, podemos constatar que o Requerente, em 2019-10-18 alterou retroativamente a sua residência para o estrangeiro (Reino Unido) com efeitos à data de 2016-05-22, o que significa que, de acordo com aquela informação, se presume a sua residência em território nacional até àquela data;

k)     O Requerente não fez prova do local de residência durante o ano de 2016, sendo certo que declarou rendimentos da categoria A, em Portugal, nesse ano;

l)      Acresce que, compulsada a declaração modelo 3 n.º ... - 2019 - ...– ..., do período de tributação de 2019 (ano do regresso), o Requerente não assinalou a pretensão de tributação, segundo o regime do artigo 12-A, do Código do IRS ;

m)   Analisada a base de dados da AT, não assomam motivos que permitam aferir que, relativamente aos valores computados na liquidação contestada, a situação tributária encontra-se regularizada;

n)     Deste modo, não se verificando os pressupostos para aplicação do regime fiscal previsto para os ex-residentes para o ano de 2021 (e seguintes), nos termos do artigo 12.º - A do Código do IRS, nomeadamente, a não residência em território nacional na totalidade do ano de 2016, deve improceder o peticionado no presente PPA (cfr. articulados 72.º e 73.º da Resposta).

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

2.      REGIME FISCAL - Ex- Residentes

 

O regime fiscal aplicável a ex-residentes vem regulado pelo artigo 12.º-A do Código do IRS.

A norma em causa foi aditada ao Código do IRS pelo artigo 258.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2019, com a seguinte redacção:

 

Artigo 12.º - A Regime fiscal aplicável a ex-residentes

1 - São excluídos de tributação 50 % dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais dos sujeitos passivos que, tornando-se fiscalmente residentes nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 16.º em 2019 ou 2020:

a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores;

b) Tenham sido residentes em território português antes de 31 de dezembro de 2015;

c) Tenham a sua situação tributária regularizada.

2 - Não podem beneficiar do disposto no presente artigo os sujeitos passivos que tenham solicitado a sua inscrição como residente não habitual.

 

Trata-se de uma norma que, embora inserida no Código do IRS, consubstancia um benefício fiscal automático e temporário, enquanto medida de caráter excepcional instituída tendo em vista incentivar o regresso “daqueles que tiveram de sair do país em consequência da crise económica que afetou Portugal”, enquadrada no Programa Regressar (de acordo com as “Medidas Fiscais de Apoio às Famílias” incluídas no Relatório do Orçamento do Estado para 2019 – pág. 42), interesse público extrafiscal, cuja protecção o legislador considerou superior ao da própria tributação que impede.

 

Com base na referida norma, a AT considera que o Requerente não reúne o requisito enunciado em a) por ter sido residente fiscal parcialmente em Portugal, no ano 2016 (até Maio de 2016), invocando, também, desconhecimento quanto à regularização da situação tributária do Requerente encontrar-se ou não verificada.

 

Relativamente à alínea a) Não tenham sido considerados residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores:

 

Considera a AT provado que  o Requerente alterou o seu estatuto de residente para não residente fiscal em PT, em 22.05.2016. Em consequência, entende a Requerida que o Requerente foi residente fiscal em PT, até 22.05.2016 e por isso não pode beneficiar do regime fiscal em análise.

 

Sucede que, para efeitos de interpretação da base legal em causa – artigo 12.º-A – devemos considerar os princípios gerais de interpretação da lei, em especial, os que impõem a interpretação estrita das normas com carácter excecpional, como a que está em análise.

 

 

Assim, ao dispor que os beneficiários do apoio ao regresso não podem ter sido residentes em território português em qualquer dos três anos anteriores, sem que seja feita nenhuma distinção entre residência total ou parcial, entende-se que o critério para aferir a qualidade de residente ou não residente, em cada ano fiscal, deve ser encontrado na própria Lei fiscal.

 

Sobre o estatuto de residente e não residente fiscal dispõe o artigo 16.º do Código do IRS o seguinte:

Artigo 16.º
Residência

1 - São residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos:

a) Hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa;

b) Tendo permanecido por menos tempo, aí disponham, num qualquer dia do período referido na alínea anterior, de habitação em condições que façam supor intenção atual de a manter e ocupar como residência habitual;

c) Em 31 de dezembro, sejam tripulantes de navios ou aeronaves, desde que aqueles estejam ao serviço de entidades com residência, sede ou direção efetiva nesse território;
d) Desempenhem no estrangeiro funções ou comissões de carácter público, ao serviço do Estado Português.


2 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se como dia de presença em território português qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida no mesmo.

3 - As pessoas que preencham as condições previstas nas alíneas a) ou b) do n.º 1 tornam-se residentes desde o primeiro dia do período de permanência em território português, salvo quando tenham aí sido residentes em qualquer dia do ano anterior, caso em que se consideram residentes neste território desde o primeiro dia do ano em que se verifique qualquer uma das condições previstas no n.º 1.


4 - A perda da qualidade de residente ocorre a partir do último dia de permanência em território português, salvo nos casos previstos nos n.os 14 e 16.

5 - A residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado.
(…)


14 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, um sujeito passivo considera-se residente em território português durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições:

a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e
b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.


Tendo em conta o facto D) do probatório, o Requerente alterou o seu domicílio fiscal para o Reino Unido, com produção de efeitos à data de 22-05-2016. Em consequência, à luz do artigo 16.º, n.º 1 a) do Código do IRS, no ano 2016, o Requerente não se presume residente fiscal, visto que não esteve em Portugal mais de 183 dias (artigo 16.º, n.º 1 a) e n.º 14 do Código do IRS).

Na falta de alegação e prova de outros factos pela AT que subsumissem a situação do Requerente nos factos que atribuem o estatuto de residente fiscal previstos nas alíneas b) ou outra do artigo 16.º do Código do IRS, o Requerente não se qualifica como residente fiscal, em Portugal, em 2016.

Até porque, para a condição de residente fiscal se verificar, nos termos do n.º 8 do artigo 13.º do Código do IRS, e para efeitos do regime do seu artigo 12.º-A, a situação relevante do contribuinte é a que se verificar no último dia do ano a que o imposto respeita independentemente do dia exacto em que no decurso desse ano obteve o estatuto de residente.

Deste modo, constituindo facto assente que, em 31 de Dezembro de 2016, o Requerente não estava registado como residente fiscal em Portugal – facto aceite pela AT, considera-se que, para efeitos do artigo 12.º-A do Código do IRS, o Requerente preenche o requisito previsto na alínea a) do art. 12.º-A, não tendo sido residente fiscal, em Portugal, de 2016 a 2018.

Ademais, também os documentos trazidos aos autos pelo Requerente quanto à sua residência efectiva fora de Portugal, no período em discussão, revelam com bastante certeza que o Requerente esteve a viver e a jogar fora de Portugal no período em causa, cumprindo o requisito legal.

 

Relativamente ao requisito c) Tenham a sua situação tributária regularizada:

 

O Requerente alegou ter a sua situação tributária regularizada. Por sua vez, a AT não invocou nem demonstrou quaisquer factos que permitam concluir que o Requerente não tinha a sua situação tributária regularizada. Sendo do conhecimento da AT esse facto – saber se o Requerente tem ou não a sua situação tributária regularizada, a mera alegação de desconhecimento desse facto pela AT, não constitui facto relevante para efeitos de contra-prova, atendendo também ao princípio do inquisitório que recai sobre a AT, que não actua neste processo como parte, mas como garante do Estado de Direito Democrático.

 

Também o facto alegado de existirem liquidações impugnadas por pagar não configura por si uma “situação tributária não regularizada”, atentas as possibilidades legais de suspender os processos executivos, sendo por isso a alegação de tais factos insuficiente para fundamentar a recusa de aplicação do regime previsto no artigo 12.º-A do Código do IRS, neste caso concreto.

 

Por fim, invoca, também, a AT a impossibilidade de o Requerente beneficiar do regime do artigo 12.º-A do Código do IRS, por não ter seleccionado essa opção, quando entregou o modelo 3 do IRS 2021.

 

Ora, do artigo 12.º-A do Código do IRS resulta que o legislador faz depender a obtenção do direito à tributação segundo o regime dos Ex-Residentes exclusivamente dos requisitos cumulativos ali previstos, que não incluem o exercício da opção pela tributação de acordo com aquele regime especial.

 

Consequentemente a obrigação de selecionar tal opção aquando da entrega do modelo 3 do IRS constitui uma mera obrigação declarativa, não sendo constitutiva de direito. Pelo que em caso de incumprimento, a consequência nunca poderá ser a não obtenção do direito à tributação como Ex-Residente, mas tão somente um infracção susceptível de ser punida pelo artigo 116.º do RGIT (Vide a este propósito entre outras Decisões - CAAD n.º 928/2024, de 4.03.2024 e CAAD n.º 188/2020).

 

 

Assim, em face dos factos provados e do enquadramento de direito aplicável à situação sub judice, considera-se a PA totalmente procedente relativamente ao pedido de anulação do acto de liquidação de IRS n.º 2024... e juros compensatórios, substituído no decorrer do processo arbitral pelo acto de liquidação de IRS n.º 2024... .  

 

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide:

a)     Julgar totalmente procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto de liquidação n.º  2024..., no valor de €325.120,29 (Trezentos e vinte e cinco, cento e vinte Euros e vinte e nove cêntimos);

b)     Condenar a AT no reembolso do imposto devido, em conformidade com o artigo 12.º-A do Código do IRS;

c)     Condenar a AT nas custas do processo.

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €325.120,29.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €5.814 conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.

Lisboa, 16 de Julho de 2025

 

 

 

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Fernanda Maçãs -Árbitro presidente 

 

 

 

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Árbitro – Relatora- Magda Feliciano

 

 

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Árbitro – Adjunta- Maria Alexandra Mesquita

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)