Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1349/2024-T
Data da decisão: 2025-07-23   Outros 
Valor do pedido: € 537.847,48
Tema: Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário. Princípio da proibição do arbítrio e princípio da capacidade contributiva.
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SUMÁRIO: 

Os artigos 1º nº 2, 2º e 3º a) do regime jurídico do ASSB são inconstitucionais, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13º da CRP e do princípio da capacidade contributiva, contido nos artigos 13º e 103º nº 1, parte final, da CRP.

 

 

ACÓRDÃO ARBITRAL

 

Os árbitros Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente), Dr. Alberto Amorim Pereira (Adjunto e relator) e Dr. Vítor Braz (Adjunto), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, decidem o seguinte:

 

I.               RELATÓRIO:

A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa coletiva..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º nº 1 a) e 10º nº 1 a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação do ato de autoliquidação do Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário (doravante ASSB) relativo ao ano de 2022, no valor de € 537.847,48 e a consequente condenação da Requerida a reembolsar a Requerente do montante pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.

 

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

a)    O ASSB viola o princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio e proibição de criação de impostos desproporcionais e não genéricos;

b)    O ASSB viola ainda o princípio constitucional da igualdade na dimensão da capacidade contributiva, impondo apenas ao sector bancário o ónus de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, tendo por base exclusivamente a despesa fiscal associada à isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras;

c)    O ASSB não respeita o critério da incidência sobre a totalidade dos contribuintes de forma igualitária, nem tributa de acordo com a capacidade contributiva dos contribuintes;

d)    Existem muitos outros sectores, para além do bancário, que beneficiam de isenção de IVA e aos quais não é aplicável nenhum imposto equiparável ao ASSB;

e)    Não existe um nexo causal entre o objeto da tributação suportada pelos sujeitos passivos do ASSB e um efetivo e real aumento da sua capacidade contributiva;

f)      O ASSB viola o princípio da proporcionalidade, impondo uma dupla tributação aos sujeitos passivos da CSB e do ASSB, como é o caso da Requerente;

g)    O ASSB viola ainda a Lei de Enquadramento Orçamental, concretamente, o princípio da especificação e da não consignação de receitas, porquanto as receitas do ASSB se destinam exclusivamente ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, não se enquadrando em nenhuma das exceções a este princípio previstas no artigo 16º da Lei de Enquadramento Orçamental, nem tendo carácter excecional e temporário;

h)    O ASSB viola o direito europeu, concretamente a liberdade de estabelecimento;

i)      As sucursais de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português não têm personalidade jurídica, não detendo, assim, nem capital social nem capitais ou fundos próprios;

j)      Pelo que se encontram impossibilitadas, ao contrário do que sucede com as entidades residentes, de deduzir ao seu passivo quaisquer montantes a este título;

k)    O ASSB trata as sucursais de forma discriminatória, face às entidades residentes;

l)      Uma medida que constitua uma violação à liberdade de estabelecimento apenas é considerada compatível com o direito da União se for justificada por uma das derrogações previstas nos artigos 52º e 65º do TFUE ou por razões imperiosas de interesse geral e se, em qualquer caso, respeitar o princípio da proporcionalidade, o que não sucede in casu.

A Requerente juntou 6 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foram designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa os signatários, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 25 de fevereiro de 2025.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:

 

a)    A opção do legislador de sujeitar as instituições de crédito ao ASSB assenta num critério distintivo objetivo, razoável e materialmente justificado, pelo que não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio e proibição de criação de impostos desproporcionais e não genéricos;

b)    A tributação das instituições de crédito em sede de ASSB não configura qualquer diferenciação arbitrária em desfavor do setor financeiro em geral;

c)    O ASSB não viola a Lei de Enquadramento Orçamental, em nenhuma das vertentes sindicadas pela Requerente;

d)    O ASSB respeita o princípio da capacidade contributiva, incidindo sobre o valor do passivo e dos derivados fora do balanço;

e)    As sucursais abrangidas pelo ASSB não se encontram impedidas de deduzir as rubricas do capital próprio ou elementos do passivo equiparáveis;

f)      Os fundos alocados às sucursais pela sede, não remunerados, que constituem o capital afeto são, por natureza, equiparados a capital próprio, pelo que não entram para o cálculo da base de incidência do ASSB;

g)    Pelo que não se verifica qualquer discriminação das sucursais de instituições não residentes em relação às instituições residentes;

h)    O ASSB não viola o direito europeu.

 

A Requerida juntou 4 documentos e não arrolou testemunhas, tendo junto o processo administrativo.

Atenta a posição assumida pelas partes e não existindo necessidade de produção adicional de prova, foi, por despacho de 08/04/2025, dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, tendo as partes sido notificadas para, querendo, apresentarem alegações escritas.

Na sequência do despacho proferido, a Requerida juntou requerimento aos autos reiterando tudo o anteriormente alegado na resposta apresentada.

II.             SANEAMENTO:

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.

Não existem nulidades que invalidem o processado.

As partes têm personalidade e capacidade judiciária e são legitimas, não ocorrendo vícios de patrocínio.

Não existem exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito e de que cumpra oficiosamente conhecer.

III.            QUESTÕES A DECIDIR:

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre determinar se o ASSB viola:

a)    o princípio constitucional da igualdade, na vertente da proibição do arbítrio;

b)    o princípio constitucional da capacidade contributiva;

c)    o princípio constitucional da proporcionalidade;

d)    a Lei de Enquadramento Orçamental;

e)    o direito europeu, na vertente da liberdade de estabelecimento.

 

IV.           MATÉRIA DE FACTO:

a.  Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

1.    A Requerente é a sucursal portuguesa de uma entidade espanhola que exerce a sua atividade no setor bancário, encontrando-se devidamente autorizada a atuar como intermediária financeira em Portugal;

2.    A Requerente autoliquidou, em 14/06/2022, o ASSB relativo ao ano de 2022, no montante de € 537.847,48;

3.    Valor que a Requerente pagou na mesma data;

4.    A Requerente deduziu reclamação graciosa contra o ato de autoliquidação de ASSB relativo ao exercício de 2022, a qual foi indeferida por despacho notificado à Requerente por ofício datado de 11/09/2024;

5.    O pedido de constituição do tribunal arbitral em matéria tributária e de pronúncia arbitral foi apresentado em 16/12/2024.

b.  Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

c.  Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base os elementos constantes dos autos, a prova documental junta pelas partes e cuja adesão à realidade não foi questionada, bem como a matéria alegada e não impugnada.

V.             DO DIREITO:

A Requerente entende que o ASSB viola o princípio da igualdade na dimensão da proibição do arbítrio, por introduzir discriminações entre contribuintes desprovidas de qualquer fundamento racional, criando impostos desproporcionais e não genéricos.

Defende ainda a Requerente que o ASSB viola o princípio da capacidade contributiva, impondo apenas ao sector bancário o ónus de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, tendo por base exclusivamente a despesa fiscal associada à isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras.

Por último, defende a Requerente que o ASSB viola o princípio da proporcionalidade, impondo uma dupla tributação aos sujeitos passivos da CSB e do ASSB, como é o caso da Requerente.

A Requerida contesta o alegado pela Requerente, defendendo que o regime jurídico do ASSB não viola qualquer disposição jurídico-constitucional.

Cumpre decidir.

A questão da constitucionalidade do regime jurídico do ASSB tem vindo a ser sucessivamente debatida na jurisprudência, sendo uniforme, ainda que não unânime, o entendimento do Tribunal Constitucional no sentido da inconstitucionalidade deste regime.

Tal sucessão de decisões motivou a recente prolação, por parte do Tribunal Constitucional, do Acórdão nº 478/2025, proferido em 03 de junho de 2025 no âmbito do processo 899/24, publicado na Iª Série do DR de 10/07/202, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1º nº 2, 2º e 3º a) do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no anexo VI da Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho, por violação do princípio da proibição do arbítrio, enquanto exigência de igualdade tributária, decorrente do artigo 13º da CRP e do princípio da capacidade contributiva, contido nos artigos 13º e 103º nº 1, parte final, da CRP.

Este entendimento já havia sido afirmado em outros arestos do Tribunal Constitucional, designadamente nos Acórdãos nºs 469/2024, 192/2025 e 334/2025, cujo entendimento foi seguido de perto por este mais recente acórdão.

Em suma, no que diz respeito à violação do princípio da proibição do arbítrio, entendeu o Tribunal Constitucional, seguindo o já anteriormente defendido no Acórdão nº 469/2024 que “a criação do ASSB como um imposto especial incidente sobre o setor bancário, como forma de compensar a isenção de IVA, configura-se como uma diferenciação arbitrária na medida em que o critério utilizado não apresenta um mínimo de coerência nem se encontra materialmente justificado”.

Relativamente à violação do princípio da capacidade contributiva, defendeu-se no mesmo aresto que “no caso do ASSB, não se denota qualquer relação entre a incidência real do imposto e os fatores que possam revelar uma maior capacidade contributiva, quando é certo, como se deixou dito, que o critério de repartição do imposto, na hipótese, corresponde a uma lógica de solidariedade assente no falso pressuposto de que as instituições de crédito poderão suportar um agravamento da carga fiscal porque se encontram isentas de IVA relativamente aos serviços financeiros que prestam”.

Tal entendimento, como já exposto, tem sido uniforme na jurisprudência do Tribunal Constitucional, contra ele não valendo, nas palavras do citado Acórdão 478/2025, “designadamente, argumentos fundados nas vantagens decorrentes da isenção de IVA (pelas razões expressamente afirmadas no Acórdão n.º 469/2024), na qualificação do tributo como imposto sobre o consumo (qualificação que já se distanciaria das primeiras decisões do Tribunal e o Acórdão n.º 192/2025, em especial, afastou) ou na presunção de que os elementos do passivo são aptos a revelar a capacidade contributiva (seja porque se trata de factos tributários já cobertos pela Contribuição sobre o Setor Bancário, seja porque o fundamento em que o legislador fez assentar o tributo é outro).

Motivo pelo qual, reiterando o sentido da jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas contidas nos artigos 1º nº 2, 2º e 3º a) do Regime que cria o Adicional de Solidariedade sobre o Sector Bancário, contido no anexo VI da Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho.

Conforme resulta expressamente do disposto no artigo 282º nº 1 da CRP, tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional.

Donde, sem necessidade de mais considerações, resulta a ilegalidade da liquidação impugnada, porque emitida com base em normas declaradas inconstitucionais com força obrigatória geral.

Em qualquer caso, parece-nos útil enfatizar que sempre a liquidação impugnada padeceria de ilegalidade, por violação do direito europeu.

Com efeito,

O ASBB foi criado pelo artigo 18º da Lei nº 27-A/2020, de 24 de julho, com o objetivo de reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

Prescreve o artigo 2º do respetivo regime jurídico que são sujeitos passivos do ASSB:

a) As instituições de crédito com sede principal e efetiva da administração situada em território português;

b) As filiais, em Portugal, de instituições de crédito que não tenham a sua sede principal e efetiva da administração em território português;

c) As sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efetiva fora do território português.

Incidindo, conforme resulta do artigo 3º do regime jurídico, sobre o passivo apurado e aprovado pelos sujeitos passivos, deduzido, quando aplicável, dos elementos do passivo que integram os fundos próprios e sobre o valor nocional dos instrumentos financeiros derivados fora do balanço apurado pelos sujeitos passivos.

Quanto à sua base de incidência, prescreve o artigo 4º do respetivo regime jurídico que se entende por passivo o conjunto dos elementos reconhecidos em balanço que, independentemente da sua forma ou modalidade, representem uma dívida para com terceiros, com exceção dos seguintes:

a) Elementos que, segundo as normas de contabilidade aplicáveis, sejam reconhecidos como capitais próprios;

b) Passivos associados ao reconhecimento de responsabilidades por planos de benefício definido;

c) Os depósitos abrangidos pelo Fundo de Garantia de Depósitos e pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo relevam apenas na medida do montante efetivamente coberto por esses Fundos;

d) Passivos resultantes da reavaliação de instrumentos financeiros derivados;

e) Receitas com rendimento diferido, sem consideração das referentes a operações passivas; e

f) Passivos por ativos não desreconhecidos em operações de titularização.

De acordo com a Requerente, o facto de as sucursais, não detendo personalidade jurídica (cfr. alínea rr) do artigo 2º -A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), não terem, por natureza, elementos que possam ser reconhecidos como capitais próprios e instrumentos equiparáveis que possam ser deduzidos à base tributável de ASSB é discriminatório face às instituições de crédito residentes e às filiais de instituições não residentes.

Com efeito, ao contrário do que sucede com as sucursais, as instituições de crédito residentes e as filiais de instituições não residentes detêm personalidade jurídica, pelo que podem deduzir à sua base tributável de ASSB os capitais próprios e instrumentos equiparáveis.

É certo que, como defende a Requerida, há elementos que as sucursais podem reconhecer como capitais próprios e, assim, deduzir à base tributável do ASSB. É o caso do capital afeto, caso exista.

Mas tal possibilidade não afasta a evidência de que existe um vasto conjunto de elementos que podem ser reconhecidos como capitais próprios e que as instituições de crédito residentes e as filiais não residentes podem deduzir à base tributável, o que não sucede com as sucursais, por apenas serem admitidos às entidades com personalidade jurídica. É o que sucede, por exemplo, com as obrigações convertíveis, as obrigações participantes e as ações preferenciais remíveis.

E assim sendo dúvidas não restam de que o regime jurídico do ASSB cria, de facto, uma distinção entre entidades residentes e entidades não residentes, colocando estas últimas numa situação mais desfavorável face às primeiras.

Dito isto, nos termos do artigo 49º do TFUE são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro, prescrevendo, por seu turno, o artigo 18º do mesmo Tratado a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

E o regime jurídico do ASSB, conforme exposto, cria, de facto, uma restrição à liberdade de estabelecimento, na medida em que diferencia entidades residentes e não residentes, discriminando as entidades em função da sua nacionalidade.

Sobre a questão pronunciou-se o TJUE, no Acórdão C-340/22, de 21/12/2023.

É certo que este acórdão não foi proferido em sede de reenvio prejudicial no âmbito dos presentes autos, pelo que, em rigor, não se encontra este tribunal vinculado às suas conclusões.

No entanto, tal vinculação parece, no caso, evidente.

Quer porque o dito acórdão foi proferido em processo em tudo semelhante ao dos autos, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, quer em face do princípio do primado do direito comunitário, que impõe a prevalência do direito da União sobre o direito nacional.

Pelo que, por razões de uniformidade jurisprudencial, sempre teriam as conclusões do Acórdão do TJUE proferido no processo C-340/22 de ser seguidas por este tribunal.

Assim, começou aquele TJUE por considerar que a liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49º e 54º TFUE abrange, no que se refere às sociedades constituídas segundo a legislação de um Estado-Membro e que tenham a sua sede social, administração central ou estabelecimento principal na União, o direito de exercerem a sua atividade noutros Estados-Membros por intermédio de uma filial, sucursal ou agência – cfr. ponto 37. 

Prossegue o acórdão referindo que o artigo 49º do TFUE deixa expressamente aos operadores económicos a possibilidade de escolherem livremente a forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades noutro Estado-Membro, não devendo esta livre escolha ser limitada por disposições fiscais discriminatórias – cfr. ponto 38.

No caso dos autos, parece evidente que o regime jurídico do ASSB, ao diferenciar as entidades residentes das entidades não residentes, não permite aos operadores económicos a livre escolha da forma jurídica apropriada para o exercício das suas atividades.

De acordo com o TJUE, uma cobrança obrigatória que prevê um critério de diferenciação aparentemente objetivo, mas que, na maioria dos casos desfavorece, tendo em conta as suas características, as sociedades que têm a sua sede noutro Estado-Membro e que estão numa situação comparável à das sociedades com sede no Estado-Membro de tributação constitui uma discriminação indireta em razão do lugar da sede das sociedades, proibida pelos artigos 49º e 54º do TFUE – cfr. ponto 42 do Acórdão a que se vem de fazer referência.

Conforme resulta dos pontos 45 e 46 do referido Acórdão do TJUE, afigura-se que o regime jurídico do ASSB não permite às sucursais das instituições de crédito não residentes exercer as suas atividades nas mesmas condições que se aplicam às filiais de instituições de crédito não residentes.

Com efeito - prossegue o TJUE -, ao onerar indistintamente o passivo das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, esta regulamentação permite que as filiais reduzam a base de incidência através da dedução dos capitais próprios e dos instrumentos de dívida equiparáveis aos capitais próprios, embora essa dedução pareça ser legalmente inadmissível para as referidas sucursais.

É certo que, conforme defende a Requerida, o TJUE conclui que é ao órgão jurisdicional de reenvio, in casu, este tribunal arbitral, que incumbe verificar se efetivamente as premissas que estão na base das conclusões do TJUE se encontram corretas. Isto é, é a este tribunal arbitral que incumbe verificar se de facto, ao contrário das entidades residentes e das filiais não residentes, as sucursais não residentes se encontram impedidas de deduzir ao seu passivo, base tributável do ASSB, os capitais próprios e outros instrumentos financeiros equiparáveis.

No caso dos autos, como já exposto, embora se possa defender a possibilidade de dedução, pelas sucursais não residentes, do capital afeto, tendencialmente terão muito menos possibilidades de o fazerem do que as entidades com personalidade jurídica, desde logo por lhes estar vedado, em face da ausência de personalidade jurídica, o acesso a alguns tipos de capitais próprios.

Donde não se possa defender que as sucursais de instituições não residentes podem exercer a sua atividade nas mesmas condições que as entidades residentes e as filiais de instituições não residentes.

Existe, assim, no regime jurídico do ASSB, uma diferença de tratamento entre entidades residentes e não residentes, diferença essa suscetível de limitar a livre escolha da forma jurídica adequada para o exercício de uma atividade noutro Estado-Membro, o que constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento garantida nos artigos 49º e 54º TFUE.

Nem se diga que, sendo as instituições de crédito residentes e as filiais e sucursais de instituições de crédito não residentes tratadas pelo regime jurídico do ASSB de forma idêntica, não haverá qualquer discriminação, provindo a distinção das normas de incidência do ASSB apenas e só natureza jurídica das sucursais.

Isto porque, como se defendeu no Acórdão do TJUE a que se vem de fazer referência, desconsiderando o regime jurídico do ASSB as diferenças existentes entre os respetivos sujeitos passivos, decorrentes da sua natureza jurídica e as consequências daí decorrentes, verifica-se de facto uma discriminação, violadora da liberdade de estabelecimento.

Tal diferença de tratamento pode, ainda assim, ser compatível com o TFUE. Para que tal suceda, impõe-se que respeite a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral.

O que, in casu, e como veremos, não sucede.

Desde logo, não resulta do regime jurídico do ASSB, para efeito da sua incidência subjetiva, qualquer distinção entre as instituições de crédito residentes e as filiais e sucursais de instituições de crédito não residentes, sendo este aplicável, transversalmente, a todas estas entidades.

O regime jurídico do ASSB não procede, para efeito da sua aplicação, a qualquer distinção entre entidades residentes e entidades não residentes, nada resultando do respetivo regime que permita concluir pela existência de qualquer distinção entre a atividade exercida por uma instituição de crédito residente e a atividade desenvolvida por uma instituição de crédito não residente, através de uma sucursal ou filial.

Por outro lado, conforme resulta expressamente do artigo 1º do regime jurídico do ASSB, este tem por objetivo reforçar os mecanismos de financiamento do sistema de segurança social, como forma de compensação pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras, aproximando a carga fiscal suportada pelo setor financeiro à que onera os demais setores.

Ora, conforme resulta do ponto 55 do Acórdão do TJUE, para que se possa defender a existência de uma razão imperiosa de interesse geral, é necessário que se demonstre a existência de um nexo direto entre a vantagem fiscal em causa e a compensação da mesma através de uma determinada cobrança fiscal.

No caso dos autos, a Requerida adiantou diversos argumentos que, no seu entender, justificam a tributação, em sede de ASSB, das instituições de crédito, alegando, desde logo, que tal tributação tem como fundamento a reposição da igualdade através da distribuição do esforço tributário entre os diversos operadores económicos, reduzindo assim a discrepância entre a carga fiscal suportada pelo setor financeiro e a que onera os demais setores de atividade, atenta a isenção de IVA de que os serviços e operações financeiras beneficia.

Mas não avançou qualquer argumento suscetível de justificar a diferença de tratamento, em sede de ASSB, entre as entidades residentes e as filiais e as sucursais não residentes, designadamente que tal diferença de tratamento se justificasse por razões imperiosas de interesse geral. 

Donde, não se encontrando demonstrado nem que a diferença de tratamento respeite a situações que não sejam objetivamente comparáveis nem que seja justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, terá, necessariamente, de se concluir que a diferença de tratamento, que é evidente, não é compatível com o TFUE.

Nesse sentido, e conforme decidido no Acórdão do TJUE C-340/22:

“a liberdade de estabelecimento garantida noºs artigos 49º e 54º do TFUE deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma regulamentação de um Estado-Membro que cria um imposto cuja base de incidência é constituída pelo passivo das instituições de crédito residentes, bem como das filiais e das sucursais das instituições de crédito não residentes, uma vez que a referida regulamentação permite deduzir capitais próprios e instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios, que não podem ser emitidos por entidades sem personalidade jurídica, como essas sucursais.”

Donde, dúvidas não restam de que o ato de liquidação de ASSB impugnado viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49º e 54º do TFUE.

A ilegalidade da liquidação impugnada impõe a sua anulação, que a final será determinada.

Fica, pois, prejudicado, em face da procedência destas questões, o conhecimento das demais questões elencadas.

Peticiona ainda a Requerente a condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.

Quanto aos juros indemnizatórios, prescreve o artigo 43º da LGT:

“1 - São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 - Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 - São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

d) Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.”

No caso dos autos, pese embora não se possa concluir pela existência de um erro imputável aos serviços, que em rigor apenas se limitaram a aplicar a lei em vigor à data dos factos, a verdade é que a Requerente, em face da decisão dos presentes autos e da consequente anulação da liquidação impugnada, se viu forçada a pagar um tributo em montante superior ao devido.

Assim, são devidos juros indemnizatórios, a pagar pela Requerida à Requerente, calculados sobre o imposto liquidado em montante superior a devido, calculados às taxas legais desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 61º nº 5 do CPPT.

Procede, assim, o pedido formulado relativamente à anulação da liquidação de ASSB impugnada, devendo a Requerida reembolsar a Requerente do valor pago e pagar os correspondentes juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, às taxas legais, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito.

 

VI.           DISPOSITIVO:

Em face do exposto, decide-se julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência:

a)    declarar ilegal e anular a liquidação de ASSB relativa ao exercício de 2022, no valor de € 537.847,48;

b)    condenar a AT a reembolsar à Requerente o valor do imposto pago;

c)    condenar a AT no pagamento à Requerente de juros indemnizatórios, calculados sobre o valor indevidamente pago, às taxas legais, desde a data do pagamento indevido até à data da emissão da correspondente nota de crédito.

***

Fixa-se à causa o valor de € 537.847,48, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 8.262,00, nos termos da Tabela I da Tabela Anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como do disposto no nº 2 do artigo 12º e do nº 4 do artigo 22º, ambos do RJAT, e do nº 1 do artigo 4º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida, por ser a parte vencida.

 

Lisboa, 23 de julho de 2024.

Notifique-se 

Os Árbitros,

 

 Fernanda Maçãs  (Presidente)

 

Alberto Amorim Pereira  (Adjunto e relator)

 

Vítor  Braz  (Adjunto)