Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1074/2024-T
Data da decisão: 2025-07-17  IVA  
Valor do pedido: € 98.246,31
Tema: IVA — Direito à dedução — Dedutibilidade do IVA suportado com a locação de lugares de estacionamento — Erro imputável aos serviços — Revisão oficiosa.
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DECISÃO ARBITRAL

 

SUMÁRIO: I—Uma vez decorrido o prazo para a reclamação graciosa (que, por iniciativa do contribuinte, pode ter por fundamento por qualquer ilegalidade, incluindo também aquela decorrente de meros vícios procedi­men­tais ou formais), a revisão oficiosa de um ato tributário tem de fundar-se na existência de vícios materiais ou substantivos que sejam diretamente imputáveis aos serviços da administração tributária, excluindo-se, portanto, não apenas as ilegalidades formais ou procedimentais, mas também todas aquelas causas de ilegalidade que, mesmo sendo de natureza substantiva, sejam imputáveis ao próprio contribuinte ou a terceiros.

II­—As informações vinculativas são prestadas a contribuintes determinados a partir de circunstâncias casuís­ticas que representam uma base factual específica e própria da situação que despoletou, a pedido do sujeito pas­sivo, a aná­lise jurídico-tributária por parte da administração fiscal, sendo o próprio legislador a afastar ex­pres­­samente qual­quer equiparação automática entre informações vinculativas e orientações ou circulares adminis­tra­ti­vas (art. 68.º-A, n.º 3, da LGT): uma informação vinculativa, casuística e especificamente dirigida a uma deter­mi­na­da situação concreta, mesmo depois de publicada não adquire, pelo mero efeito dessa publicação, a natureza de cir­cu­lar administrativa ou de uma orientação genérica dos serviços, não sendo assim possível invocar a doutrina di­ma­nada de uma informação vinculativa pedida por um terceiro para lhe imputar a causa da ilegalidade de atos de au­toli­quidação de autoria do sujeito passivo.

 

 

— I —

            A..., SP, RL, pessoa coletiva n.º ..., com sede na ..., n.º ..., em Lisboa (doravante “a requerente”), veio deduzir pedido de pronúncia arbitral tributária contra a AUTO­­RI­­DADE TRIBU­TÁ­RIA E ADUANEIRA (doravante “a AT” ou “a requerida”), peticionando a declaração de ilega­lidade dos atos de autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) refletidos nas declarações periódicas relativas aos períodos tributários de 2020/01 a 2021/12 (doravante “as liquidações impugnadas” ou “os atos impugnados”), bem como a declaração de ilegalidade e anulação da decisão tácita de indeferimento formada no procedimento de revisão oficiosa que tinha por objeto as liquidações impugnadas.

Para tanto alegou, em síntese, que é uma sociedade de advogados sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal com periodicidade mensal; que tem escritórios em Lisboa, Porto e Faro, tendo advogados e trabalhadores colocados em cada uma dessas instalações, onde também recebe clientes e fornecedores, todos essenciais para o normal exercício da sua atividade; que, no decurso dos anos de 2020 e 2021, tomou de arrendamento lugares de estacionamento nos prédios onde tem os seus escritórios e em parques contíguos a esses prédios, pelo montante total de rendas de € 427.157,87 (sem IVA); que, nesses mesmos anos e por referência aos lugares de estacionamento em causa, declarou (e entregou nos cofres do Estado) o montante de € 98.246,31 a título de IVA; que os referidos lugares de estacionamento são destinados aos advogados associados da requerente, bem como aos seus trabalhadores que operam a partir desses escritórios e, bem assim, a variados clientes e fornecedores que visitam diariamente os ditos escritórios; que, por sua vez, a requerente não procedeu à dedução do IVA suportado referente à locação dos lugares de estacionamento mencionados, o que fez seguindo o entendimento da Autoridade Tributária de que as despesas com lugares de estacionamento atribuídos a funcionários, colaboradores, titulares de cargos de direção ou outros estariam excluídas do direito à dedução, por aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA; que, na sequência da emanação de jurisprudência sobre o tema, apresentou, em 08-03-2024, um pedido de revisão oficiosa com vista à revisão das autoliquidações de IVA dos períodos de 2020/01M a 2021/12M, o qual não foi alvo de apreciação pela AT até à presente data, pelo que se terá formado ato tácito de indeferimento do pedido; que, ao abrigo da denominada cláusula standstill, enquanto o Conselho da União Europeia não determinar quais as despesas excluídas do direito à dedução em sede da tributação de IVA, o afastamento do direito à dedutibilidade é regulado pelo disposto na legislação nacional, sendo entendimento da jurisprudência dos tribunais tributários que as despe­sas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento utilizados indiscrimi­nada­men­te por funcionários, fornecedores e cliente são dedutíveis em sede de IVA; que as despesas em que incorreu com a locação de lugares de estacionamento nos edifícios dos seus escritórios estão relacionadas com o exercício da atividade da requerente, não se tratando de despesas de transporte ou despesas de viagens ou negócios; finalmente, que da ilegalidade parcial das liquidações impugnadas resulta ainda o direito da requerente a obter a restituição do imposto por si indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido.

Concluiu peticionando a anulação dos atos de liquidação impugnados na presente arbitragem e da decisão de indeferimento tácito formada no procedimento de revisão que os teve por objeto, bem como a condenação da requerida na restituição dos montantes de IVA indevidamente pagos pela requerente e no pagamento de juros indemnizatórios.

Juntou diversos documentos e declarou não pretender proceder à designação de árbitro. Atribuiu à causa o valor de EUR 98.246,31e procedeu ao pagamento da taxa de arbitra­gem inicial.

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            Constituído o Tribunal Arbitral nos termos legais e regulamentares aplicá­veis, foi proferido despacho arbitral a determinar a notificação da administração tributária requerida, na pessoa do seu dirigente máximo, para os efeitos previstos no art. 17.º do RJAT.

            Devidamente notificada, a requerida veio apresentar resposta defendendo-se por exceção e impugnação. Por exceção sustentou, em síntese, que, nos termos do art. 78.º, n.º 1, da LGT, a revisão dos atos tributários pode ser efetuada por iniciativa do sujeito passivo, dentro do prazo de reclamação administrativa, e pela administração tributária, no prazo de 4 anos após a liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) com fundamento em erro imputável aos serviços; que, com a revogação do n.º 2 do cit. art. 78.º da LGT, o erro cometido na autoliquidação deixou de ser legalmente equiparado ao erro imputável aos serviços; que, para a revisão do ato tributário poder ter lugar no prazo de 4 anos previsto na 2.ª parte do n.º 1 do art.º 78º da LGT, é necessário que se baseie num erro imputável aos serviços, erro esse que não se presume; que, isso não obstante, a mera existência de uma informação vinculativa, não especificamente dirigida à requerente, não constitui, ao contrário do que seria um ofício circulado ou uma informação vinculativa expressamente prestada à requerente, uma instrução que esta tivesse de seguir; que, a verificar-se algum erro nos pressupostos de facto e de direito das autoliquidações proferidas pela requerente, não se pode concluir sem mais que tais erros decorrem de uma informação vinculativa prestada a outro contribuinte ou de erro imputável aos serviços, pelo que, em consequência, inexistindo no caso qualquer erro imputável aos serviços o pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente terá de se haver como intempestivo.

Por impugnação sustentou a requerida, em síntese, que a pretensão da requerente assenta no pressuposto erróneo de que as exclusões previstas no art. 21.º do CIVA constituem presunções ilidíveis, quando na realidade tais exclusões devem ser havidas, não como verdadeiras presunções em sentido próprio, mas antes como juízos (legais) presuntivos que levam o legislador a, por razões de política legislativa relacionadas com o combate à evasão fiscal e com necessidades decorrentes da própria praticabilidade, fixar um conjunto de situações em que, pura e simplesmente, não há lugar ao direito à dedução; que no caso vertente fica por demonstrar que os lugares de estacionamento apenas foram por eles utili­za­dos para finalidades exclusivamente profissionais, já que tais lugares poderão facilmente ser utili­zados para finalidades pessoais; que, além do mais, a requerente não logra comprovar, atra­vés dos documentos que junta (que são apenas declarações periódicas e faturas), a efetiva utili­zação dos lugares de estacionamento por clientes, nem apresenta quaisquer elementos que permi­tam delimitar a parte correspondente à utilização do estacionamento pelo seu pessoal, sendo que é sobre o sujeito passivo que impende o ónus da prova da existência dos factos tribu­tários que alegou como pressuposto do direito à dedução do IVA; finalmente, que tão-pouco o ficou demonstrado que, relativamente às faturas apresentadas com o seu pedido de pronún­cia arbitral, o IVA nelas incorporado não tenha sido, total ou parcialmente, deduzido.

            Concluiu pela sua absolvição da instância arbitral ou, assim não se entendendo, pela im­­procedência do pedido principal e dos pedidos acessórios e sua consequente absolvição dos mesmos. Juntou um despacho de nomeação de mandatários forenses e um processo adminis­tra­tivo.

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            Notificada para, querendo, se pronunciar acerca da exceção suscitada no articulado de resposta da requerida, veio a requerente responder sustentando que quando o contribuinte atua em conformidade com o entendimento veiculado pela Autoridade Tributária no âmbito de uma informação vinculativa tornada pública através da sua publicação no portal das finanças, então, deverá entender-se que existe um erro imputável aos serviços que consente que o pedido de instauração oficiosa de procedimento de revisão oficiosa possa ser apresentado dentro do prazo de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, 2.ª parte, da LGT.

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            Teve lugar a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT no decurso da qual houve lugar à produção do depoimento da testemunha arrolada pela requerente, tendo a final o Tribu­nal Arbitral notificado as partes para, querendo, apresentarem alegações. Ambas as par­tes procederam à apresentação de alegações, nas quais reiteraram no essencial as posições por si já vertidas nos articulados da causa.

 

 

— II —

            Nos termos do art. 13.º do CPTA, aplicável à arbitragem tributária por via do art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento da competência precede o de todas as demais matérias. Porém, uma vez que, por um lado, o âmbito de atuação da jurisdição arbitral tributária está limitado em razão do valor da causa (art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2001) e, por outro lado, a competência funcional das formações, singulares ou colegiais, de julgamento está igualmente dependente do concreto valor fixado para cada arbitragem [art. 5.º, n.os 2 e 3, do RJAT], ter-se-á, primeiramente, de proceder à determinação do valor da causa que funciona assim como uma condição prévia à cognição da competência. 

Ora, nos termos do art. 97.º-A do CPPT, quando se impugnem atos de liquidação o valor atendível, para efeitos de custas, será o da importância cuja anulação se pretende. Tendo presente que a requerente peticiona a invalidação parcial de atos de liquidação num montante total de EUR 98.246,31 que alega ter indevidamente suportado a mais em sede de IVA e não se vislum­brando qualquer motivo para divergir dessa posição, há que aceitar o montante indicado na p.i., que aliás não foi impugnado pela requerida.

            Fixa-se assim à presente arbitragem o valor de EUR 98.246,31.

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Fixado que está o valor da causa, e uma vez que este excede o dobro do montante da alça­da dos tribunais centrais administrativos, é então possível concluir que o presente Tribu­nal Arbitral Coletivo dispõe de competência funcional (art. 5.º, n.º 3, al. a), do RJAT); atento o montante fixado, conclui-se que dispõe igualmente de competência em razão do valor para conhecer da presente arbitragem (art. 4.º, n.º 1, in fine, do RJAT e art. 3.º, n.º 1, da Port. n.º 112-A/2011). 

            Por outro lado, este Tribunal Arbitral é também competente em razão da matéria para conhecer da presente causa por força do art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT e da vinculação à arbitragem tributária institucionalizada do CAAD por parte da adminis­tração tributária requerida, tal como resulta da Portaria n.º 112-A/2011.

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            As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e estão devida­men­te patrocinadas nos autos. Têm também legitimidade ad causam.

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            Vem, porém, suscitada pela requerida a exceção dilatória de caducidade do direito de ação.

            Funda esta sua pretensão excetiva na circunstância de o pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente ser intempestivo na medida em que, por estar em causa a impugnação de atos de autoliquidação cuja ilegalidade não seria assacável a erros imputáveis aos serviços, não poderia ter sido deduzido no prazo de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT, mas somente dentro do prazo legal de reclamação graciosa, previsto na primeira parte daquele preceito legal, em que o procedimento de revisão oficiosa pode ser da iniciativa do sujeito passivo e ter por fundamento “qualquer ilegalidade.”

            Respondendo, sustentou a requerente que os atos de autoliquidação de IVA por si proferidos padecem de ilegalidade decorrente de erro imputável aos serviços na medida em que o vício por si invocado (violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito) é dire­ta­mente imputável aos serviços da AT, na medida em que a não dedução do IVA supor­tado com a locação de lugares de estacionamento se teria devido à circunstância de, ao proferir os atos impugnados, a requerida se ter limitado a observar as orientações genéricas da AT acerca dessa matéria.

            Importa decidir.

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            Para o conhecimento da presente exceção torna-se necessário proceder ao estabele­ci­men­to da seguinte factualidade relevante:

a)     Em 09-03-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/01M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 29.821,91 (doc. n.º 2 junto com a p.i.).

b)    Em 07-04-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2020/02M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 3.006,71 a entregar ao Estado (doc. n.º 3 junto com a p.i.). 

c)     Em 12-05-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/03M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 324.045,49 (doc. n.º 4 junto com a p.i.). 

d)    Em 12-06-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/04M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 237.288,84 (doc. n.º 5 junto com a p.i.).

e)     Em 10-07-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2020/05M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 40.275,78 (doc. n.º 6 junto com a p.i.). 

f)     Em 03-08-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2020/06M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 27.630,90 (doc. n.º 7 junto com a p.i.).

g)    Em 14-09-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/07M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 92.344,79 (doc. n.º 8 junto com a p.i.).

h)    Em 27-10-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/08M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 333.266,26 (doc. n.º 9 junto com a p.i.).

i)      Em 12-11-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/09M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 173.297,92 (doc. n.º 10 junto com a p.i.).

j)      Em 31-12-2020 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica (substituição) de IVA n.º..., referente ao período de 2020/10M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 139.970,54 a entregar ao Estado (doc. n.º 11 junto com a p.i.).

k)    Em 14-01-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/11M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 350.774,37 a entregar ao Estado (doc. n.º 12 junto com a p.i.).

l)      Em 15-02-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2020/12M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 306.189,07 a entregar ao Estado (doc. n.º 13 junto com a p.i.).

m)   Em 22-03-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2021/01M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 118.829,19 (doc. n.º 14 junto com a p.i.).

n)    Em 30-04-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica (substituição) de IVA n.º..., referente ao período de 2021/02M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 255.760,73 (doc. n.º 15 junto com a p.i.).

o)    Em 18-05-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n...., referente ao período de 2021/03M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 51.435,12 a entregar ao Estado (doc. n.º 16 junto com a p.i.).

p)    Em 08-06-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2021/04M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 218.170,75 a entregar ao Estado (doc. n.º 17 junto com a p.i.).

q)    Em 15-07-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2021/05M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 4.921,86 (doc. n.º 18 junto com a p.i.).

r)     Em 11-08-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2021/06M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 189.340,50 (doc. n.º 19 junto com a p.i.). 

s)     Em 17-09-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referentes ao período de 2021/07M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 174.653,22 (doc. n.º 20 junto com a p.i.). 

t)      Em 15-10-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2021/08M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado um crédito de imposto a recuperar no montante de EUR 109.630,32 (doc. n.º 21 junto com a p.i.).

u)    Em 15-11-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2021/09M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 216.613,99 a entregar ao Estado (doc. n.º 22 junto com a p.i.). 

v)    Em 17-12-2021 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º ..., referente ao período de 2021/10M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 108.825,84 a entregar ao Estado (doc. n.º 23 junto com a p.i.). 

w)   Em 07-01-2022 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2021/11M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 481.436,68 a entregar ao Estado (doc. n.º 24 junto com a p.i.). 

x)    Em 15-02-2022 a requerente procedeu à submissão eletrónica da declaração periódica de IVA n.º..., referente ao período de 2021/12M, na qual procedeu à autoliquidação do referido imposto, tendo apurado o valor de EUR 337.406,10 a entregar ao Estado (doc. n.º 25 junto com a p.i.).

y)    Em 08-03-2024 a requerente remeteu, através de correio eletrónico, ao Serviço de Finanças de Lisboa-... um pedido de interposição de procedimento de revisão oficiosa tendo por objeto os atos de autoliquidação identificados nos pontos a) a x) do probatório, ao qual, depois de autuado, foi atribuído o n.º ...2024... (fls. 318-319 do PA).

z)     A requerente não foi notificada de qualquer decisão expressa proferida no âmbito do procedimento tributário referido em y);

aa)  A presente arbitragem teve início com a apresentação, pela requerente, do pedido de pronúncia arbitral em 27-09-2024.

 

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Com relevância para o conhecimento da presente exceção inexistem quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou do conhecimento oficioso do Tribunal, que se devam considerar como não provados.

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Na decisão da matéria de facto relevante para a decisão desta exceção o Tribunal teve exclu­sivamente em consideração a prova documental junta aos autos, em especial aquela cons­tante dos documentos juntos com a p.i. da requerente e do Processo Administrativo, confor­me assinalado em cada um dos pontos do probatórios [factos a) a y)]. Quanto ao facto z) relevou em parti­cu­lar a ausência, nos autos do P.A. junto pela requerida, de quaisquer do­cu­­mentos que pudessem demonstrar a prolação de decisão administrativa expressa no mencio­na­do proce­di­men­to de revisão oficiosa e, por maioria de razão, a sua notificação à requerente.

Finalmente, o facto aa) resulta provado pelo confronto da ficha eletrónica dos presentes autos constante da plataforma informática de gestão processual em uso no CAAD.

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Em primeiro lugar, é forçoso constatar que, à luz do disposto no art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, a presente arbitragem é tempestiva, na medida em que tendo a requerente deduzido pedido de instauração oficiosa de procedimento de revisão em 08-03-2024 [facto y) do probatório] que não foi objeto de qualquer decisão expressa [facto z)], ter-se-á formado, nesse procedimento tributário, ato tácito de indeferimento em 08-07-2024, conforme resulta do art. 57.º, n.º 1, da LGT. Assim, aquando da propositura da presente arbitragem, em 27-09-2024 [facto aa) do probatório], não tinha ainda decorrido o prazo de 90 dias previsto no cit. art. 10.º, n.º 1, al. a), do RJAT, pelo que, nessa perspetiva, não se verifica a caducidade do direito de ação da requerente.

            Já no que diz respeito à tempestividade da apresentação do pedido de revisão oficiosa, tudo depende da verificação de “erro imputável aos serviços” que pudesse validamente servir de fundamento para a apresentação de um pedido de instauração oficiosa de procedimento de revisão no prazo de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT.

Comece-se, antes de mais, por referir que o erro que se exige nesta norma não corresponde a um erro psicológico ou volitivo e a sua verificação tão-pouco reclama um juízo de culpa por banda da administração ou dos seus agentes: o erro de que se cuida neste preceito legal é o erro material ou objetivo que integra o vício de violação de lei, entendido como a desconfor­mi­dade entre os pressupostos factuais invocados como motivação ou causa do ato concreto, ou a inexistência de tais pressupostos, e a previsão normativa em que se fundou o agir administrativo (erro nos pressupostos de facto) ou a divergência entre o conteúdo ou o objeto do ato e o bloco de juridicidade que lhe é aplicável, neste se incluindo também os princípios e as normas constitucionais e do Direito da União Europeia (erro nos pressupostos de direito). 

            No pedido de instauração oficiosa de procedimento de revisão que apresentou junto da AT a requerente assacou aos diversos atos de autoliquidação que daquele eram objeto o vício de violação de lei decorrente de erro nos pressupostos de direito na medida em que sustentou — como, de resto, sustenta também na presente arbitragem — que as autoliquidações por si proferidas teriam assentado no pressuposto, equivocado, de que o art. 21.º do CIVA excluía do direito à dedução o IVA suportado com a locação de lugares de estacionamento destinados a uso exclusivo de funcionários e demais prestadores de serviços, fornecedores e clientes.

            Nessa perspetiva, portanto, nenhum óbice suscita a admissibilidade do pedido de revisão oficiosa apresentado pela requerente já que tinha por fundamento o erro dos atos de liquidação que dele eram objeto — neste caso, o erro nos pressupostos de direito.

            Mais controversa parece ser a qualificação desse erro como imputável aos serviços da AT.

            Desde logo, é forçoso constatar que, uma vez decorrido o prazo de reclamação graciosa (em que, por iniciativa do contribuinte, pode ter por fundamento por qualquer ilegalidade, incluindo também aquela decorrente de meros vícios procedimentais ou formais), a revisão oficiosa de um ato tributário tem de fundar-se na existência de vícios materiais ou substantivos que sejam diretamente imputáveis aos serviços da administração tributária, excluindo-se, portanto, não apenas as ilegalidades formais ou procedimentais, mas também todas aquelas causas de ilegalidade que, mesmo sendo de natureza substantiva, sejam imputáveis ao próprio contribuinte ou a terceiros.

            Até à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, o n.º 2 do art. 78.º da LGT considerava, exclusivamente para efeitos de aplicação do n.º 1 deste mesmo preceito legal, como imputável aos serviços o erro cometido na autoliquidação. Indubitavelmente, esta norma assegurava que os atos de liquidação (auto)proferidos pelos sujeitos passivos pudessem, ainda assim, ser obje­to de revisão oficiosa pela administração tributária no prazo de quatro anos a contar da sua pro­lação porquanto, exclusivamente para efeito desta espécie procedimental, se fazia impu­tar à administração o erro nos pressupostos de facto ou de direito cometido pelo contri­buin­te ao proferir o ato de liquidação que o tinha a si próprio como destinatário.

            Esse enquadramento legal cessou, como se disse, a partir da referida Lei n.º 7-A/2016 que revogou o cit. n.º 2 do art. 78.º da LGT: agora apenas o erro efetivamente imputável aos serviços da administração tributária pode dar causa à prolação oficiosa de um ato de segundo grau que proceda à revisão de um ato de liquidação de primeiro grau. E, por maioria de razão (como implicitamente se admite no n.º 7 do mesmo preceito legal), apenas com base em tal fundamento se consente que também o contribuinte possa demandar da administração fiscal que esta exerça aquele seu poder oficioso.

            Em síntese: não sendo o vício de violação de lei de que o ato tributário padece imputável aos próprios serviços da administração tributária, é vedada a esta a possibilidade de, no prazo geral de quatro anos (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago), deter­m­inar a sua revisão oficiosa e, portanto, também não pode o contribuinte dirigir àquela administração pedido para que proceda à realização da revisão oficiosa.

            No caso da presente arbitragem, a requerente demandou a revisão oficiosa de diversos atos de liquidação que foram por si proferidos e, portanto, cujo conteúdo exatório e objeto foram diretamente determinados pela própria requerente e não pelos serviços da requerida.

            Isso não obstante, alega que o vício de violação de lei de que padecem os atos tributários que proferiu seria, ainda assim, imputável aos serviços da requerida na medida em que o conteúdo desses atos teria sido determinado pela circunstância da requerente ter observado as instruções genéricas emitidas pela própria AT a respeito da dedutibilidade do IVA suportado com a locação de lugares de estacionamento, as quais, por seu turno, estariam patenteadas no despacho, de 28-01-2011, proferido no procedimento de informação vinculativa que, sob o n.º 1486, correu termos na antiga Direção-Geral dos Impostos e que está publicado no sítio institucional da AT.

            Todavia, neste ponto não assiste razão à requerente.

            Com efeito, aceita-se como válido o pressuposto de que a requerente parte de que são imputáveis aos serviços da AT os atos que, pese embora da autoria dos sujeitos passivos e cujo conteúdo e teor dispositivo sejam a estes diretamente imputáveis, ainda assim se tenham limitado a seguir as orientações e instruções genéricas emitidas pela administração fiscal e, por maioria de razão, também aqueles atos que os contribuintes proferem em resultado de notificações ou instruções especificamente dirigidas a um sujeito passivo determinado acerca de uma situação tributária concreta. Nesses casos a autonomia decisória do contribuinte é fortemente comprimida pela atuação da administração: o sujeito passivo não deixa de ter a liberdade de praticar um ato tributário cujo conteúdo exatório divirja das orientações ou instruções (genéricas ou específicas) administrativas, mas não deixa igualmente de estar ciente de que qualquer atuação que se desvie da posição já assumida pela administração fiscal acarretará inevitáveis consequências na sua esfera jurídica, desde a possibilidade de correções oficiosas (com os inerentes juros compensatórios) até à instauração de procedimentos de natureza sancionatória. Perante este cenário, é compreensível que um contribuinte médio, agindo segundo critérios de normalidade e razoabilidade, ao praticar um ato tributário prefira fazê-lo em sintonia com as instruções ou orientações da administração fiscal, mesmo com elas não concordando. Nesses casos aceita-se que um eventual vício que afete o ato de autoliquidação proferido não é imputável ao seu autor direto e material, mas antes aos serviços da administração cujas orientações e instruções foram a causa determinante do concreto conteúdo do ato tributário. Esse nexo de imputação, pese embora a propósito do emprego do conceito de erro imputável aos serviços enquanto requisito para a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, está expressamente assumido pelo legislador no art. 43.º, n.º 2, da LGT que considera “também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar de a liquidação ser efetuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

            Porém, como bem assinala a requerida, a informação vinculativa prestada a um contribuinte não pode confundir-se com a emissão de orientações ou instruções de natureza genérica. Com efeito, as informações vinculativas são prestadas a contribuintes determinados a partir de circunstâncias casuísticas que representam uma base factual específica e própria da situação que despoletou, a pedido do sujeito passivo, a análise jurídico-tributária por parte da administração fiscal. E se é certo que, por imperativo legal, a generalidade das informações vinculativas prestadas pela AT está sujeita a publicação no sítio institucional desta entidade, também não é menos verdadeiro que essa publicidade não se confunde com a formulação de orientações ou instruções dirigidas à generalidade dos contribuintes. E é o próprio legislador que se encarrega de afastar expressamente qualquer equiparação entre informações vincula­ti­vas e orientações ou circulares administrativas: o art. 68.º-A, n.º 3, da LGT determina que a AT proceda “à conversão das informações vinculativas ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, quando tenha sido colocada questão de direito relevante e esta tenha sido apreciada no mesmo sentido em três pedidos de informação ou seja previsível que o venha a ser.” Deste preceito decorre que uma informação vinculativa, casuística e especificamente dirigida a uma determinada situação concreta, mesmo depois de publicada não adquire, pelo mero efeito dessa publicação, a natureza de circular administrativa ou de uma orientação genérica dos serviços. Portanto, não é possível, como faz a requerente, fazer imputar a ilegalidade assacada aos atos de autoliquidação, por ela própria praticados, a uma adesão, irresignada e sob reserva, a instruções ou orientações da AT que a tivessem como destinatária.

            Ao que fica dito acresce ainda que a própria informação vinculativa invocada pela requerente não tem o alcance injuntivo que ela lhe pretende atribuir.

            Na verdade, a conclusão final do procedimento de informação vinculativa que correu ter­mos na antiga Dire­ção-Geral dos Impostos sob o n.º 1486 e que foi san­cio­nada por despacho do substituto legal do Diretor-Geral (doravante “a Informação Vincula­tiva”), é do seguinte teor:

 — De acordo com os argumentos da consulente e tendo em conside­ração a actividade declarada em sistema, o espaço de estacionamento afigura-se necessário ao exercício da sua actividade, pelo que pode, em princípio, conferir o direito à dedução por enqua­dra­mento no disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20. º do CIVA

— Todavia, face à exclusão prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º, importa acautelar que a atribuição de lugares de estacionamento a funcionários, colaboradores, titulares de cargos de direcção ou outros que se subsumam nesta norma, limita aquele direito na proporção dos lugares atribuídos para este fim.

            

Conclusão que, por seu turno, se estriba no seguinte discurso argumentativo:

10 - A consulente afirma que o referido espaço se destina, embora não exclusivamente, ao parqueamento das viaturas da sua rede comercial e de assistência técnica, das quais a maioria é de mercadorias, bem como às viaturas dos seus clientes e fornecedores. Afirma também que se trata de um espaço integrado no recinto empresarial onde desenvolve a sua actividade, com acesso controlado pela entidade gestora do recinto. Por outro lado, a natureza da actividade declarada permite justificar a necessidade de um espaço de estacionamento destinado a essa actividade.

11 - A ser assim, estarão, em princípio, reunidas as condições para considerar que a locação do espaço de estacionamento pode preencher os requisitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.

12 - No entanto, uma vez que a consulente refere, também, que o referido espaço se destina igualmente ao estacionamento de viaturas próprias dos seus colaboradores, desconhece-se em que medida esta vertente da utilização é preponderante, ou se é autonomizada e devidamente delimitada no conjunto do espaço locado, uma vez que determina a alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º que não são dedutíveis as despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal.

 

            Inexiste, por conseguinte, uma identidade entre a ilegalidade que a requerente assaca aos atos de autoliquidação impugnados e a doutrina subjacente à Informação Vinculativa. Na verdade, a requerente alega que no apuramento do imposto efetuados nos referidos atos, por si própria proferidos, não deduziu o IVA suportado com a locação dos lugares de estacio­na­men­to que utiliza para os seus clientes, fornecedores, trabalhadores e demais colaboradores e que apenas assim proce­deu em virtude da doutrina que alegadamente dimana da Informação Vinculativa. Porém, não é isso que resulta deste instrumento administrativo: na Informação Vinculativa aceita-se expressamente a dedutibilidade do IVA suportado com a locação de lugares de estaciona­men­to para utilização exclusiva ou preponderante de clientes, fornecedores e até mesmo das viaturas técnicas do próprio sujeito passivo empregues na prestação de serviços ou realização de fornecimentos junto dos seus clientes; ape­nas se rejeita a possibilidade de dedução quando estejam em causa lugares de estaciona­mento locados para utilização das viaturas próprias do pessoal e demais colaboradores do sujeito passivo.

            Ora, mesmo admitindo que, como pretende a requerente, a Informação Vinculativa servisse de orientação ou instrução genérica que a tivesse a ela entre o universo dos seus destinatários, ainda assim daquela informação não resultaria que os atos impugnados tivessem necessariamente de ter o conteúdo exatório que lhes foi dado pela requerente e que ela reputa de ilegal. Na verdade, de acordo com a doutrina sufragada pela Informação Vinculativa a requerente poderia ter deduzido o IVA suportado com a locação de lugares de estacionamento destinados exclusivamente ou preponderantemente aos seus clientes e fornecedores, bem como aqueles utilizados para as suas próprias viaturas técnicas.

            Do exposto resulta que, mesmo de acordo com a configuração que a requerente oferece da relação material controvertida, a ilegalidade invocada como causa de pedir da pretensão anulatória deduzida nesta arbitragem não é imputável aos serviços da AT.

            Assim sendo, os atos impugnados não poderiam nunca formar objeto de um procedi­men­to de revisão oficiosa instaurado no prazo geral de quatro anos previsto no art. 78.º, n.º 1, in fine, da LGT (e também no art. 98.º, n.º 1, do CIVA) por, precisamente, a ilegalidade de que alegadamente padecem não resultar de “erro imputável aos serviços” da requerida. Tais atos apenas poderiam, assim, ser objeto de um procedimento de revisão oficiosa que tivesse sido instaurado por iniciativa do contribuinte dentro do prazo para a dedução de reclamação graciosa. Ora, no caso das autoliquidações de IVA as reclamações graciosas de que resulte imposto a favor do sujeito passivo podem ser deduzidas no prazo de dois anos a contar do nascimento do direito à dedução (assim, arts. 97.º, n.º 2, e 78.º, n.º 6 do CIVA; cfr., no mesmo sentido, o art. 131.º, n.º 1, do CPPT) — é esse também o prazo para a dedução do pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte, nos termos previstos no art. 78.º, n.º 1, 1.ª parte, da LGT.

            Compulsada a matéria de facto dada como provada verifica-se que o mais recente dos atos de autoliquidação impugnados foi proferido a 15-02-2022 com referência ao período de tributação de dezembro de 2021 [facto x) do probatório], pelo que qualquer reclamação graciosa que o tivesse por objeto poderia, no limite, ter sido deduzida até 31-12-2023 e, por conseguinte, também dentro desse mesmo prazo poderia a requerente desencadeado, com o fundamento invocado nesta arbitragem, um procedimento de revisão oficiosa de sua inicia­ti­va. Verifica-se, porém, que o pedido de revisão oficiosa foi apresentado pela requerente apenas em 08-03-2024 [facto y) do probatório]. Foi, portanto, intempestivo.

            Sendo intempestiva a instauração do procedimento de revisão oficiosa, é também intempestiva a impugnação arbitral dos atos tributários que formavam objeto daquele procedimento tributário de segundo grau.

            Procede assim esta exceção.

            Deste modo, pelos fundamentos expostos, a final decidir-se-á pela procedência da exceção de caducidade do direito de ação e consequente absolvição da requerida da presente instância arbitral.

*

*          *

            Tendo sido a requerente a dar causa à extinção da presente instância, é ela a respon­sá­vel pelas custas da arbitragem — art. 12.º, n.º 2, do RJAT e arts. 4.º, n.º 5, e 6.º, al. a), do Regu­­lamento de Custas da Arbitragem Tributária do CAAD.

            Desse modo, tendo em conta o valor atribuído ao processo em sede de saneamento, por aplicação da l. 9 da Tabela I ane­xa ao mencionado Regulamento — e atendendo a que não se encontra prevista qualquer redução das custas processuais quando o processo conclua sem prola­ção de decisão de mérito —, a final fixar-se-á a taxa de arbitragem no montante de EUR 2.745,00, em cujo pagamento será condenada a requerente.

 

— III—

            Assim, pelos fundamentos expostos, acordam os Árbitros que compõem este Tribunal Arbitral Colegial em:

a)    Julgar procedente a exceção de caducidade do direito de ação e, consequen­te­men­te, absolver a requerida Autoridade Tributária e Aduaneira da presente ins­tân­cia arbi­tral; e 

b)    Condenar a requerente A..., SP, RL no paga­men­to das custas do presen­te proces­so arbitral, cuja taxa de arbitra­gem se fixa em EUR 2.754,00.

 

Notifiquem-se as partes.

 

CAAD, 17 de julho de 2025

 

O Tribunal Arbitral,

 

(Fernando Araújo)

Presidente

 

 

(Jorge Carita)

 

 

 

 

(Gustavo Gramaxo Rozeira)

Relator