Sumário:
1. Os ganhos resultantes da alienação de terrenos para construção adquiridos antes (e que mantenham essa natureza no momento) da entrada em vigor do Código do IRS (1/1/1989) são sujeitos a tributação se forem, após essa data, alienados enquanto tais;
2. Os ganhos resultantes da alienação de prédios rústicos ou urbanos adquiridos antes (e que mantenham essa natureza no momento) da entrada em vigor do Código do IRS não são sujeitos a tributação se forem posteriormente alienados com a mesma natureza que tinham;
3. Os ganhos resultantes da alienação, em data posterior a 1/1/1989, de um novo prédio – terreno para construção (com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas), no lugar de um prédio urbano adquirido antes (e que mantinha essa natureza no momento) da entrada em vigor do Código do IRS, são sujeitos a tributação se a referida alienação ocorrer após a demolição total do imóvel para habitação nele implantado.
DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Professor Doutor Rui Duarte Morais (presidente), Dr. António de Barros Lima Guerreiro, e Professor Doutor Miguel Patrício, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD para formar o Tribunal Arbitral Coletivo no processo melhor identificado em epígrafe, acordam no seguinte:
I. Relatório
1.A..., portador do NIF ..., e B..., portadora do NIF ..., casados um com o outro em regime de comunhão geral de bens e ambos residente na ..., n.º ..., ...-... Lisboa (doravante, “Requerentes”), vieram, ao abrigo do disposto no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1 (RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, apresentar, em 26/2/2025, pedido de constituição de Tribunal Arbitral “com vista à declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação do IRS referente ao ano de 2021, formalizado pela notificação, efectuada no dia 3 de Janeiro de 2025, da decisão final da reclamação graciosa com o n.º ...2023...”. Para além da declaração de ilegalidade do acto de liquidação acima referido, os Requerentes solicitam a “substituição do mesmo por outro que, além das despesas dedutíveis em sede de IRS já aceites pela AT em sede de reclamação graciosa: a) Considere a exclusão tributária referente às mais-valias geradas com a venda do Imóvel, por aplicação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, por referência à metade indivisa do Imóvel adquirida em 7 de Fevereiro de 1986; e b) Ordene o pagamento de juros indemnizatórios.”
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado aos Requerentes.
2.1. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do respectivo prazo.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 8/5/2025.
2.4. Por despacho de 23/6/2025 foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT.
II. Posição das Partes
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral, os ora Requerentes alegam, em síntese, o seguinte:
a) «No caso em apreço, com especial relevo, destaca-se o seguinte: a) No dia 7 de Fevereiro de 1986, foi celebrada escritura de partilha (doc. n.º 10), através da qual os Requerentes adquiriram metade indivisa do Imóvel, o qual era composto de edifício com rés-do-chão, um andar, águas-furtadas, um barracão com entrada pelo n.º 8 e um saguão; b) No dia 19 de Setembro de 1990, foi registada a constituição da propriedade horizontal (doc. n.º 11), através da qual foram constituídas no Imóvel as fracções “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”, sendo que a constituição da propriedade horizontal foi realizada sem qualquer alteração na composição, na afectação ou na propriedade do Imóvel; c) No dia 25 de Junho de 2002, foi celebrada escritura de permuta (doc. n.º 12), através da qual os Requerentes adquiriram a outra metade indivisa remanescente de cada uma das fracções autónomas do Imóvel; d) Atendendo à idade do Imóvel e ao facto de o mesmo carecer de obras estruturais, a construção existente foi demolida, tendo os Requerentes, em consequência da demolição da edificação existente apresentado no Serviço de Finanças participação modelo 1 do IMI, o que conduziu a que o Imóvel passasse a estar inscrito na matriz como “terreno para construção”, tendo-lhe sido atribuído o novo artigo ...; e) No dia 6 de Julho de 2021, foi celebrada escritura de compra e venda (doc. n.º 15), através da qual os Requerentes venderam, pelo preço de 800.000,00€ (oitocentos mil euros), o Imóvel, já em fase de edificação, à sociedade C..., Lda..
b) Resulta do exposto que a metade indivisa do Imóvel, que era composto de prédio urbano, destinado a habitação, foi adquirida antes de 1 de Janeiro de 1989. De igual modo, nos termos da disposição legal então vigente, a posterior alienação desse Imóvel, que, repete-se, era um prédio urbano destinado a habitação, não estava sujeita ao imposto de mais-valias (art.º 1.º do CIMV).
c) Ou seja, não há dúvidas de que se o Imóvel tivesse sido vendido no estado em que o mesmo havia sido adquirido, os Requerentes não estariam sujeitos a tributação sobre as mais-valias geradas (por referência à metade indivisa adquirida em 7 de Fevereiro de 1986).
d) Impõe-se então questionar se as alterações ocorridas no Imóvel, nomeadamente a constituição da propriedade horizontal ou a demolição da edificação existente, tiveram como consequência que a venda do Imóvel passasse a estar sujeita a tributação em sede de IRS. Dito de outro modo, a constituição da propriedade horizontal ou a demolição da edificação existente tiveram como consequência que os requisitos previstos no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro se deixassem de verificar? É nosso entendimento que não, conforme procuraremos demonstrar.
e) Conforme anteriormente referido, no dia 19 de Setembro de 1990, foi registada a constituição da propriedade horizontal, através da qual foram constituídas, no Imóvel, as fracções “A”, “B”, “C”, “D”, “E” e “F”, sendo que a constituição da propriedade horizontal foi realizada sem qualquer alteração na composição, na afectação ou na propriedade do Imóvel.
f) Porém, esta alteração não determina qualquer modificação na titularidade do direito de propriedade dos Requerentes [...] como é referido na Circular n.º 8, da Direcção de Serviços do IRS em 3 de Junho de 1992 [...] [e] conforme resulta do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 11 de Setembro de 2019, no âmbito do processo n.º 0225/12.6BEBJA, em que foi relator o Cons. Francisco Rothes.
g) Efectivamente, conforme é referido no supra citado douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, “decisivo, a fim de apurar se há aquisição de um novo direito de propriedade para efeitos de tributação em mais-valias, gerado através de construção pelo proprietário, é apenas o tipo de obras realizadas: haverá um novo direito de propriedade, um imóvel construído pelo sujeito passivo, quando as obras efectuadas não sejam meramente de conservação, de reparação ou melhoramento, mas quando dessas obras resultar um imóvel diferente do preexistente.” Aliás, conforme também doutamente decidido pelo acórdão arbitral proferido no processo n.º 86/2021-T, em que foi relator o Dr. Jorge Lopes de Sousa: “Em situações deste tipo, apesar da alteração jurídica que consubstancia a constituição da propriedade horizontal, não há mesmo uma alteração prática do conteúdo do direito de propriedade, pois o prédio continua fisicamente no estado em que se encontrava e o único proprietário de todas as fracções continua a poder exercer integralmente em relação à globalidade do prédio todos os poderes de proprietário que dispunha anteriormente, uma vez que as limitações inerentes ao complexo de direitos que caracterizam a propriedade horizontal apenas podem existir quando a titularidade de fracções pertencer a pessoas diferentes.”
h) Neste sentido, no caso em apreço, tendo a constituição da propriedade horizontal sido realizada sem qualquer alteração na composição, na afectação do Imóvel ou na propriedade do Imóvel, isto é, sem a realização de obras de ampliação ou melhoramento, é manifesto que continuam a verificar-se os pressupostos para a não sujeição a tributação das mais-valias geradas com a venda da metade indivisa do Imóvel adquirida em 7 de Fevereiro de 1986.
i) Cumpre agora verificar se a demolição da edificação existente teve como consequência que a posterior venda do Imóvel passasse a estar sujeita a tributação em sede de IRS.
j) Conforme anteriormente foi referido, atendendo à idade do Imóvel e ao facto de o mesmo carecer de obras estruturais, o edifício existente foi demolido, no ano de 2013, tendo os Requerentes, em consequência da demolição da edificação existente, apresentado no Serviço de Finanças participação modelo 1 do IMI, no dia 13 de Dezembro de 2013, o que conduziu a que o Imóvel passasse a estar inscrito na matriz como “terreno para construção”, tendo-lhe sido atribuído o novo artigo ... .
k) O Imóvel foi vendido no dia 6 de Julho de 2021 como “terreno para construção”, sem prejuízo de a nova edificação já se encontrar em fase de edificação.
l) Ora, o entendimento uniforme da Jurisprudência é o de que “o disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, impede que sejam tributados em sede de I.R.S. os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como ‘terrenos para construção’, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do I.R.S. e que conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor desse Código, ainda que posteriormente possam ter adquirido essa qualidade e venham a ser alienados como tal” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Novembro de 2020, proferido no processo n.º 01047/07.1BESNT 0923/17, em que foi relator o Cons. Paulo Antunes [...]).
m) É [...] manifesto, face à extensa e reiterada jurisprudência existente, que a alienação de um prédio urbano adquirido antes de 1 de Janeiro de 1989, que assim se mantenha à data da entrada em vigor do CIRS, não está sujeita a tributação em sede de IRS, ainda que tal prédio urbano, posteriormente a 1 de Janeiro de 1989, tenha sido demolido e convertido em “terreno para construção”.
n) [No] douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 01339/14 de 21 de Outubro de 2015, em que foi relatora a Cons. Isabel Marques da Silva, foi decidido que “constitui jurisprudência pacífica deste STA que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como ‘terrenos para construção’, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal”.
o) Resulta do supra exposto que tendo os Requerentes alienado como “terreno para construção” a metade indivisa, adquirida antes da entrada em vigor do Código do IRS, do Imóvel, anteriormente destinado a prédio de habitação, os ganhos gerados com a alienação não são tributados em sede de IRS, nos termos do 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88.
p) [N]o caso em apreço, o Imóvel foi alienado como “terreno para construção”, de onde resulta que, para efeitos fiscais, não houve alteração do conteúdo do direito de propriedade. De facto, os Requerentes apenas ficariam sujeitos a tributação em sede de IRS, caso o Imóvel tivesse sido alienado (i) depois de concluídas as obras edificação e (ii) entregue o pedido de actualização na matriz, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, al. d) e artigo 12.º, n.º 3 do CIMI, pois, só a partir desse momento, é que existe, para efeitos fiscais, uma alteração do conteúdo do direito de propriedade.
q) Entendimento este aliás confirmado pelo recente Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 13/2024 que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «O artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro ― diploma que aprovou o Código do IRS ― deve ser interpretado no sentido de que não estão abrangidos pela sua norma de exclusão os prédios urbanos que apenas surgiram na esfera jurídica do alienante após a conclusão das obras de edificação, ocorrida após 1 de Janeiro de 1989, as quais deram origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas.
r) Deste modo, conclui-se que a alienação, como “terreno para construção”, da metade indivisa do Imóvel, adquirido como prédio urbano destinado a habitação pelos Requerentes antes de 1 de Janeiro de 1989 e posteriormente demolido, não está sujeita a tributação em sede de IRS, nos termos do 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88.
s) [M]esmo que a pretensão dos Requerentes quanto à não sujeição parcial a tributação em sede de IRS, nos termos do 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, da alienação da metade indivisa do Imóvel, adquirido pelos Requerentes antes de 1 de Janeiro de 1989, não seja deferida, hipótese essa que apenas por mero dever de patrocínio se admite, ainda assim estão verificados os pressupostos para que seja ordenado o pagamento de juros indemnizatórios por referência ao imposto pago indevidamente pelos Requerentes quanto aos encargos dedutíveis às mais-valias que, inicialmente, não foram reconhecidos pela AT na liquidação de IRS, mas que, em sede de reclamação graciosa, foram aceites, o que se requer.
t) De igual modo, requerem os Requerentes que lhes sejam pagos juros indemnizatórios por referência ao imposto pago em excesso quanto à não sujeição parcial a tributação em sede de IRS, nos termos do 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, da alienação da metade indivisa do Imóvel, adquirido pelos Requerentes antes de 1 de Janeiro de 1989.»
3.1. Os Requerentes terminam pedindo que «a presente impugnação se[ja] julgada procedente por provada e, em consequência, a nota de liquidação n.º 2023... de 3 de Fevereiro de 2023 (doc. n.º 1), ser anulada e substituída por outra que: a) Considere a exclusão tributária referente às mais-valias geradas com a venda do Imóvel, por aplicação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, por referência à metade indivisa do Imóvel adquirida em 7 de Fevereiro de 1986; e b) Ordene o pagamento de juros indemnizatórios.»
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, “Requerida” ou “AT”) apresentou resposta, invocando, em síntese, o seguinte:
a) «[Como ponto prévio:] Não obstante os Requerentes fazerem menção à liquidação 2023..., de 03.02.2023, com montante a pagar de €166.567,27 (sendo €163.858,85 relativos a imposto e €2.708,42 relativos a juros compensatórios), cumpre referir que a mesma já não se encontra vigente.
b) Após a liquidação n.º 2023..., de 03.02.2023, e a devida notificação da mesma aos Requerentes, foi apresentada reclamação graciosa (com o n.º ...2023...) que teve como desfecho uma decisão de deferimento parcial. Como se referiu, na liquidação n.º 2023..., de 03.02.2023, constava o montante a pagar de 166.567,27 € (sendo 163.858,85 € de imposto e 2.708,42 € de juros compensatórios). Na sequência dessa liquidação, e face ao imposto já pago anteriormente pelos requerentes (na sequência da declaração de rendimentos Modelo. 3 por si apresentada) foi emitida a nota de cobrança n.º 2023..., com o valor a pagar de €116.545,26. Este montante (€116.545,26) corresponde ao valor do pedido constante do presente pedido de pronúncia arbitral.
c) No entanto, no seguimento do deferimento parcial da reclamação graciosa, foi efetuada nova declaração oficiosa, que originou a liquidação n.º 2025..., de 07.03.2025, com valor a pagar de €83.091,44 (sendo €82.252,14 relativos a imposto e €839,30 atinentes a juros compensatórios).
d) Em sequência, foi emitido reembolso (documento n.º 2025...) no montante de € 83.475,83, que foi restituído ao requerente, por transferência bancária para o seu NIB. – protestamos juntar documentos comprovativos dos factos ora alegados.
e) [Quanto à defesa por impugnação:] Entendem os Requerentes, em resumo, que a constituição da propriedade horizontal ou a demolição da edificação existente não tiveram como consequência que se deixasse de verificar os requisitos previstos no art.º 5.º, nº 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. Em sustento da sua tese invocam a Circular nº 8 da Direção de Serviços de IRS e diversas decisões judiciais e arbitrais.
f) Defendem que a AT incorre numa errada interpretação da Lei, invocando erro na liquidação por não considerar a exclusão referente às mais-valias geradas com a venda do imóvel por aplicação do art.º 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.
g) A AT só aceita aquilo que objetivamente resulta do procedimento administrativo, e, cotejado o mesmo, resulta não assistir razão aos Requerentes.
h) Em causa nos presentes autos está a aquisição de um imóvel antes da entrada em vigor do Código do IRS (à data qualificado como urbano) e a alienação, em 2021, de um terreno para construção. Alienação em relação à qual os Requerentes reclamam a aplicação do regime de exclusão de tributação previsto no citado artigo 5.º.
i) Como primeiro argumento, defendem os Requerentes que a constituição da propriedade horizontal não teve como consequência afastar o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 5.º, n.º 1 citados. E, efetivamente, a Autoridade Tributária considera que a mera constituição do regime de propriedade horizontal sobre um prédio não determina a modificação na titularidade do direito de propriedade.
j) Por via dessa alteração jurídica, o dono do edifício não perde a qualidade de proprietário pleno, antes passando a exercer tal direito sobre cada uma das frações, individualmente constituídas. Dito de outro modo: o prédio permanece o mesmo, pertencendo ao mesmo titular o direito de propriedade, pelo que, apesar da alteração jurídica consubstanciada na constituição da propriedade horizontal, esta não gera uma alteração do conteúdo do direito de propriedade.
k) Deste modo, considerando que, no caso em apreço, a constituição da propriedade horizontal não terá implicado qualquer alteração material do imóvel, tendo o mesmo continuado a pertencer ao requerente e à sua irmã, em compropriedade (só em 2002, através de permuta com sua irmã, recebeu a outra metade indivisa tornando-se proprietário da totalidade do imóvel), confirma-se que a constituição da propriedade horizontal não teve como consequência que os requisitos previstos no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro se deixassem de verificar.
l) Todavia, diferente conclusão se retira em relação à demolição da edificação previamente existente. Entendem os Requerentes que tal facto não implica que deixe de ser aplicável o disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. No entanto, salvo melhor e distinto entendimento, tal raciocínio não poderá proceder, uma vez que ocorreu uma alteração na espécie de prédio urbano.
m) Repare-se que, em 2013, após demolição foi apresentada a declaração prevista no artigo 13.º, n.º 1, do Código do IMI (Mod. 1 de IMI), por força do preenchimento da previsão do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo Código, como prédio novo.
n) Foram realizadas no prédio obras que determinaram a alteração do conteúdo originário do direito de propriedade. Na matriz consta a designação de “terreno para construção”, originando um novo artigo matricial (...), pelo que, in casu, estamos perante um novo prédio.
o) Repisando: Com a entrega da declaração Mod.1 de IMI em 13.12.2013 foi declarado um “Prédio Novo - Terreno para construção”, que deu origem a um novo artigo matricial (...), tendo sido efetuada uma nova avaliação no montante de €131.400,00, valor considerado nos termos do artigo 45.º do Código do IRS.
p) Ora, em prol do exposto, atenta a concreta factualidade, não nos é legalmente possível considerar que o ganho resultante da referida venda do imóvel conforme a previsão da alínea a) do artigo 10.º do Código do IRS, estão abrangidos pela delimitação negativa de incidência nos termos do regime transitório do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.
q) Como já se disse, no caso dos autos, estamos perante um artigo novo e autónomo do anterior prédio. Está em causa a transmissão de um prédio inscrito na matriz bem depois da entrada em vigor do CIRS. E tratando-se de prédio novo, posterior à entrada em vigor do CIRS, não se aplica aos rendimentos resultantes da respetiva alienação o regime plasmado no n.º 1 do art.º 5.º do DL nº 442-A/88, de 30/12.
r) No caso em presença não estamos perante terrenos rústicos que se tornaram terrenos para construção. In casu, o prédio urbano pré-existente foi destruído e deu origem a outro prédio - terreno para construção, que inclusive já contém edificações.
s) [M]esmo que, por mera hipótese, o imóvel ora alienado tivesse sido adquirido no estado em que se encontra, concluiríamos que não se encontram reunidos os pressupostos para beneficiar da exclusão prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.
t) Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, note-se que o direito a tais juros depende do preenchimento dos seguintes requisitos, constantes do artigo 43º da LGT: que o tribunal determine a existência de erro num ato de liquidação, que tal erro seja imputável aos serviços da Requerida, e que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. [...]. Ora, como explanamos a liquidação em causa não provém de qualquer erro dos serviços, mas decorre diretamente da aplicação da lei. A AT limitou-se, portanto, a aplicar as normas jurídicas face à ocorrência dos pressupostos de facto enunciados, pelo que não estão preenchidos os pressupostos legais para a condenação em juros indemnizatórios. [...] Por tudo quanto supra se expôs, entende-se que o ato de liquidação não padece de qualquer vício que deva ditar a sua anulação, pelo que deverá ser, também, julgado improcedente o pedido referente aos juros indemnizatórios.»
4.1. A AT conclui a sua resposta pedindo que o pedido de pronúncia arbitral seja «julgado improcedente, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.»
5. Não tendo sido invocadas excepções e não havendo matéria de facto controvertida, por as questões a decidir serem de direito, o Tribunal Arbitral, através de despacho de 23/6/2025, prescindiu da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste.
III. Saneamento
6. O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
8. Pelo exposto, e não havendo nulidades, impõe-se o conhecimento do mérito do pedido.
IV. Questões a decidir
9. Na petição arbitral, os Requerentes alegam, no essencial, que “a alienação de um prédio urbano adquirido antes de 1 de Janeiro de 1989, que assim se mantenha à data da entrada em vigor do CIRS, não está sujeita a tributação em sede de IRS, ainda que tal prédio urbano, posteriormente a 1 de Janeiro de 1989, tenha sido demolido e convertido em ‘terreno para construção’.”
10. Pelo exposto, concluem os Requerentes que, tendo os mesmos “alienado como ‘terreno para construção’ a metade indivisa, adquirida antes da entrada em vigor do Código do IRS, do Imóvel, anteriormente destinado a prédio de habitação, os ganhos gerados com a alienação não são tributados em sede de IRS, nos termos do 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88.”
11. Os Requerentes pedem, assim, que “a presente impugnação se[ja] julgada procedente por provada e, em consequência, a nota de liquidação n.º 2023... de 3 de Fevereiro de 2023 (doc. n.º 1), ser anulada e substituída por outra que: a) Considere a exclusão tributária referente às mais-valias geradas com a venda do Imóvel, por aplicação do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, por referência à metade indivisa do Imóvel adquirida em 7 de Fevereiro de 1986; e b) Ordene o pagamento de juros indemnizatórios.”
12. Por seu lado, a Requerida considera que, embora, “no caso em apreço, a constituição da propriedade horizontal não terá implicado qualquer alteração material do imóvel [...] [pelo que] confirma-se que a constituição da propriedade horizontal não teve como consequência que os requisitos previstos no artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro se deixassem de verificar.”, “todavia, diferente conclusão se retira em relação à demolição da edificação previamente existente.”, isto porque, “no caso em presença não estamos perante terrenos rústicos que se tornaram terrenos para construção. In casu, o prédio urbano pré-existente foi destruído e deu origem a outro prédio - terreno para construção, que inclusive já contém edificações.”
13. Conclui, assim, a Requerida que, “no caso dos autos, estamos perante um artigo novo e autónomo do anterior prédio. Está em causa a transmissão de um prédio inscrito na matriz bem depois da entrada em vigor do CIRS. E tratando-se de prédio novo, posterior à entrada em vigor do CIRS, não se aplica aos rendimentos resultantes da respetiva alienação o regime plasmado no n.º 1 do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30/12.”
14. Entende, ainda, a Requerida que “o ato de liquidação não padece de qualquer vício que deva ditar a sua anulação, pelo que deverá ser, também, julgado improcedente o pedido referente aos juros indemnizatórios.”
15. Em face do supra exposto, conclui-se que a questão essencial a decidir nos presentes autos consiste em apurar se a alienação de um prédio urbano adquirido antes de 1/1/1989, que assim se mantenha à data da entrada em vigor do CIRS, está ou não sujeita a tributação em sede de IRS, ainda que tal prédio urbano, posteriormente à referida data, tenha sido inteiramente demolido e convertido em “terreno para construção”. Da resposta a esta questão dependerá a resposta a dar à questão relativa ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
V. Mérito
V.1. Matéria de facto
16. Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A. Os ora Requerentes são casados no regime de comunhão geral de bens, sendo o Requerente A.... filho de D..., falecida a 2/11/1983.
B. Na escritura de 7/2/1986, através da qual foi feita partilha adicional em razão do referido falecimento, foi adjudicada ao Requerente A... metade indivisa do prédio urbano sito na ..., n.ºs ..., ... e ... e Rua ..., n.º ..., em Lisboa, freguesia de ..., inscrito na matriz sob o n.º ... (actual n.º...).
C. O mencionado imóvel era composto de R/C, um andar, águas furtadas, duas lojas, um barracão com entrada pelo n.º 8 e um saguão.
D. A 19/9/1990, foi registada a propriedade horizontal do referido imóvel, tendo sido constituídas as frações A, B, C, D, E e F.
E. A 25/6/2002, os ora Requerentes celebraram uma escritura de permuta com a irmã do Requerente A..., tendo este adquirido a outra metade indivisa remanescente de cada uma das fracções autónomas do imóvel, tornando-se, deste modo, proprietário da totalidade do imóvel.
F. Os ora Requerentes entenderam, posteriormente, que deveriam demolir a edificação existente e, no mesmo local, construir um novo imóvel – tendo, para esse efeito, sido emitido o alvará de construção com demolição n.º .../CD/2013 pelo Município de Lisboa.
G. Dada a demolição da edificação existente, o ora Requerente, nos termos do disposto no art. 13.º, n.º 1, do Código do IMI, apresentou, a 13/12/2013, a declaração Modelo 1 do IMI – por via da qual o imóvel passou a estar inscrito na matriz como “terreno para construção”, tendo-lhe sido atribuído o novo artigo urbano n.º ... .
H. A 6/7/2021, os ora Requerentes alienaram, antes da conclusão das obras de edificação, o mencionado imóvel inscrito na matriz como “terreno para construção”.
I. Os Requerentes entregaram, a 30/6/2022, a declaração de IRS de 2021, n.º ...-2021-... -..., tendo declarado a alienação do artigo matricial urbano n.º ... nos anexos G e G1. A referida declaração foi objecto de análise de divergências, código D39 – Alienação de imóveis, tendo dado lugar à declaração de IRS n.º ...-2021-...-..., submetida pelos ora Requerentes a 15/11/2022.
J. Também esta última declaração de IRS foi objecto de análise de divergências – tendo sido efetuada, a 25/1/2023, a declaração oficiosa n.º ...-2021-... -.... Desta declaração oficiosa resultou a liquidação de IRS n.º 2023..., de 3/2/2023, no montante de € 166.567,27 (= € 163.858,85 € de imposto + € 2.708,42 de juros compensatórios). Na sequência desta liquidação, e face ao imposto já pago pelos ora Requerentes (na sequência da declaração de rendimentos Modelo 3 apresentada), foi emitida a nota de cobrança n.º 2023..., com o valor a pagar de € 116.545,26 (sendo este o valor do pedido constante do presente pedido de pronúncia arbitral).
L. A 12/6/2023, os ora Requerentes apresentaram reclamação graciosa – tendo a mesma sido objeto de decisão de deferimento parcial por despacho de 20/12/2024.
M. Na sequência do referido deferimento parcial da reclamação graciosa, foi efectuada nova declaração oficiosa, a qual originou a liquidação de IRS n.º 2025..., de 7/3/2025, com valor a pagar de € 83.091,44 (= € 82.252,14 de imposto + € 839,30 de juros compensatórios). Consequentemente, foi emitido reembolso (Documento n.º 2025...), no montante de € 83.475,83 (= € 166.567,27 – € 83.091,44), o qual foi restituído ao ora Requerente por transferência bancária para o seu NIB.
N. O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado a 26/2/2025.
V.2. Factos não provados
17. A Requerida não apresentou, para fins de eventual redução do valor da causa, provas do cumprimento do disposto no n.º 1 e 2 do art. 13.º do RJAT, nos termos e prazos aí referidos.[1]
V.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
18. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de seleccionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT, e art. 607.º, n.º 3, do CPC, ex vi art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
19. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são seleccionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objecto do litígio no direito aplicável (v. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
20. A convicção do Tribunal Arbitral fundou-se na livre apreciação das posições assumidas pelas Partes (em sede de facto) e no teor dos documentos juntos aos autos, não contestados.
V.4. Matéria de direito
21. Como se referiu acima (vd. ponto IV.), a questão essencial a decidir nestes autos consiste em apurar se a alienação de um prédio urbano adquirido antes de 1/1/1989, que assim se mantenha à data da entrada em vigor do Código do IRS, está ou não sujeita a tributação em sede de IRS, ainda que tal prédio urbano, depois da referida data, tenha sido inteiramente demolido e convertido em “terreno para construção”. Da resposta a esta questão dependerá a resposta a dar à questão relativa ao pagamento dos juros indemnizatórios peticionados.
22. No entender dos ora Requerentes, “a alienação de um prédio urbano adquirido antes de 1 de Janeiro de 1989, que assim se mantenha à data da entrada em vigor do CIRS, não está sujeita a tributação em sede de IRS, ainda que tal prédio urbano, posteriormente a 1 de Janeiro de 1989, tenha sido demolido e convertido em ‘terreno para construção’.” Por seu lado, a Requerida considera que, “no caso em presença não estamos perante terrenos rústicos que se tornaram terrenos para construção. In casu, o prédio urbano pré-existente foi destruído e deu origem a outro prédio - terreno para construção, que inclusive já contém edificações.” – pelo que conclui a Requerida que, “no caso dos autos, estamos perante um artigo novo e autónomo do anterior prédio. Está em causa a transmissão de um prédio inscrito na matriz bem depois da entrada em vigor do CIRS. E tratando-se de prédio novo, posterior à entrada em vigor do CIRS, não se aplica aos rendimentos resultantes da respetiva alienação o regime plasmado no n.º 1 do art.º 5.º do DL n.º 442-A/88, de 30/12.”
23. Vejamos, então.
24. O Dec.-Lei n.º 448‑A/88 de 30/11, que aprovou o Código do IRS, estabeleceu um regime transitório aplicável aos rendimentos da categoria G (mais-valias), como forma de efectivar o princípio da segurança jurídica e acautelar aplicações retroactivas da lei a rendimentos que até à entrada em vigor daquele Código não estavam sujeitos a tributação.
25. Assim, no art. 5.º do referido Dec.-Lei determinou-se, com esse propósito, o seguinte:
1 – Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 373, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código. (sublinhado nosso)
2 – Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.
3 – Quando, nos termos dos n.ºs 8 e 10 do artigo 10.º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas.”
26. O que está em causa nos presentes autos é a aquisição de um imóvel antes da entrada em vigor do Código do IRS (imóvel que estava qualificado como urbano) e a alienação, em 2021, após a demolição da edificação existente e antes da conclusão das obras de (nova) edificação, de um terreno para construção (vd. ponto H da factualidade provada) – sendo que, quanto a esta alienação, os ora Requerentes reclamam a aplicação do regime de exclusão de tributação previsto no supra citado art. 5.º.
27. Com efeito, esta é a questão aqui em causa, dado que, no que diz respeito ao impacto (também debatido pelas partes) da constituição da propriedade horizontal em 1990 (vd. ponto D da factualidade provada), foi entendimento consensual, dos Requerentes e da Requerida, que a mesma não teve como consequência afastar o preenchimento dos requisitos previstos no n.º 1 do referido art. 5.º – dado que a mera constituição do regime de propriedade horizontal sobre um prédio (em que a titularidade de todas as fracções pertence a uma mesma pessoa) não determina a modificação na titularidade do direito de propriedade. Com efeito, nada se alterou, para os fins do disposto no n.º 1 do art. 5.º, entre a metade indivisa adjudicada em 1986 ao ora Requerente e essa mesma metade aplicada às fracções em propriedade horizontal constituídas em 1990 e que foram detidas, em regime de compropriedade, pelo Requerente e por sua irmã até 2002 (e, do mesmo modo, também nada se alterou, para os fins do disposto no art. 5.º, quando, em 2002, foi celebrada escritura de permuta com a já referida irmã do ora Requerente e este último adquire a outra metade indivisa remanescente de cada uma das fracções autónomas do imóvel, tornando-se, assim, proprietário da totalidade do mesmo).
28. As divergências entre as partes nestes autos incidem, antes, sobre o impacto da demolição da edificação previamente existente no preenchimento dos requisitos previstos no n.º 1 do referido art. 5.º do Dec.-Lei n.º 448‑A/88 de 30/11. Se, para os ora Requerentes, a demolição não implica que deixe de ser aplicável o disposto no art. 5.º, n.º 1, já para a Requerida a demolição configura uma “alteração na espécie de prédio urbano”, o que se confirmaria pela “entrega da declaração Mod.1 de IMI em 13/12/2013”, na qual “foi declarado um “Prédio Novo - Terreno para construção” – o que deu origem a um novo artigo urbano (n.º ...).
29. A respeito desta questão, não se pode ignorar a jurisprudência do STA – até porque ambas as partes chegam a invocar as mesmas decisões mas para delas retirarem conclusões opostas. Tal sucede, por ex., no caso do Acórdão do STA de 21/10/2015 (Proc. n.º 1339/14).
30. Nos termos do referido Acórdão do STA:
“I – Constitui jurisprudência pacífica deste STA que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como “terrenos para construção”, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal.
II – Não se verifica, porém, tal exclusão tributária, se o prédio alienado com mais valia apenas surgiu na esfera jurídica do alienante após a conclusão das obras de edificação, ocorrida após 1 de janeiro de 1989, obras essas que deram origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas.” (sublinhado nosso).
31. No mesmo sentido, pode ler-se, no Acórdão de 26/9/2024 (Processo n.º 20/24.0BALSB) do Pleno da 2.ª Secção do STA, o seguinte:
“O artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30 de Novembro – diploma que aprovou o Código do IRS – deve ser interpretado no sentido de que não estão abrangidos pela sua norma de exclusão os prédios urbanos que apenas surgiram na esfera jurídica do alienante após a conclusão das obras de edificação, ocorrida após 1 de Janeiro de 1989, as quais deram origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas.” (sublinhado nosso).
32. Este último e mais recente Acórdão, uniformizador de jurisprudência, merece aqui uma análise mais detalhada no que se refere à fundamentação subjacente ao mesmo. Isto porque nele se conclui, desde logo, que a interpretação segundo a qual “qualquer prédio urbano que venha a suceder ao prédio rústico – se como tal se encontrasse qualificado à data da entrada em vigor do Código do IRS (1 de Janeiro de 1989) – é sempre e em qualquer circunstância isento [(] E isto, ainda que se trate de um prédio urbano distinto e bem autonomizado daquele prédio rústico – o que, no limite, se poderia traduzir num empreendimento imobiliário de centenas de fogos: ocorreria, salvo melhor expressão, uma sucessão objectiva no direito à não tributação.[)]” é uma “interpretação [...] de arredar.” (sublinhados nossos).
33. E mais se acrescenta que “[a]quilo que a jurisprudência fiscal superior tem esclarecido é que a mera qualificação do mesmo prédio (e nunca de prédios distintos) – de rústico para terreno para construção – não interfere na aplicação da norma transitória do artigo 5.º do diploma que aprova o Código do IRS, conquanto uma tal qualificação enquanto terreno para construção tenha ocorrido na vigência do Código do IRS, assim tutelando as expectativas ainda existentes em 31 de Dezembro de 1988. [Razão pela qual se conclui que a mencionada] interpretação [...] daria toda uma nova dimensão ao âmbito daquela norma, alargando-a a todos os bens que se viessem a situar no espaço físico correspondente àquele antigo terreno rústico. O que vai muito além da necessidade de tutelar as expectativas dos proprietários de terrenos rústicos à data da entrada em vigor do Código do IRS.” (sublinhados nossos).
34. Em face do acima exposto, e atendendo às especificidades do caso concreto em análise, há questões que devem ser colocadas e às quais este Tribunal deve agora dar resposta:
i) Após a integral demolição do prédio urbano preexistente, um novo prédio urbano que venha a surgir nesse local beneficia da norma de exclusão constante do art. 5.º, n.º 1, do diploma que aprovou o Código do IRS?
ii) Os Requerentes, como alegam, “apenas ficariam sujeitos a tributação em sede de IRS caso o imóvel tivesse sido alienado (i) depois de concluídas as obras de edificação e (ii) entregue o pedido de actualização na matriz”?
iii) A apresentação, no ano de 2013 – após a já referida demolição do prédio urbano preexistente –, da declaração prevista no art. 13.º, n.º 1, do Código do IMI (Mod. 1 de IMI) (na qual se declarou um “Prédio Novo - Terreno para construção”, que daria origem a um novo artigo matricial ...) configura uma alteração do conteúdo originário do direito de propriedade?
35. A resposta à primeira das questões já foi dada pelos Acórdãos do STA acima citados: caso se façam obras de edificação que dêem “origem a um novo prédio urbano, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas” (o que se observa no caso aqui em análise), já não se verifica a exclusão tributária prevista no mencionado art. 5.º, n.º 1.
36. Este entendimento parece ser, aliás, inquestionável para ambas as partes – razão pela qual os ora Requerentes invocam que “apenas ficariam sujeitos a tributação em sede de IRS caso o imóvel tivesse sido alienado (i) depois de concluídas as obras de edificação e (ii) entregue o pedido de actualização na matriz”. Ao que contrapõe a Requerida que, “em 2013, após demolição foi apresentada a declaração prevista no artigo 13.º, n.º 1, do Código do IMI (Mod. 1 de IMI), por força do preenchimento da previsão do n.º 1 do artigo 12.º do mesmo Código, como prédio novo, foram realizadas no prédio obras que determinaram a alteração do conteúdo originário do direito de propriedade [tendo em conta que na] matriz consta a designação de ‘terreno para construção’, originando um novo artigo matricial (...), [p]elo que, in casu, estamos [a partir desse momento] perante um novo prédio.”
37. Assim, para responder à segunda e terceira questões, importa saber em que momento é que ocorre a alteração do conteúdo originário do direito de propriedade: se no momento em que se aliena o imóvel “(i) depois de concluídas as obras de edificação e (ii) entregue o pedido de actualização na matriz” (de terreno para construção para, novamente, prédio urbano)”, como alegam os Requerentes; ou se, como alega a Requerida, no momento em que, tendo o prédio urbano preexistente sido destruído, se deu origem a outro prédio - terreno para construção, assim declarado pelos Requerentes (e que daria origem a um novo artigo matricial ...).
38. Vimos, acima, que a jurisprudência do STA considera que a “mera qualificação do mesmo prédio (e nunca de prédios distintos) – de rústico para terreno para construção – não interfere na aplicação da norma transitória do artigo 5.º do diploma que aprova o Código do IRS, conquanto uma tal qualificação enquanto terreno para construção tenha ocorrido na vigência do Código do IRS, assim tutelando as expectativas ainda existentes em 31 de Dezembro de 1988.” (sublinhado nosso). Assim sendo, justifica-se a pergunta: um prédio urbano que, após 1/1/1989, é inteiramente demolido e se torna um terreno para construção (tal como foi declarado pelos ora Requerentes) pode ainda ser considerado como sendo o mesmo prédio, embora valorizado por novas aptidões posteriormente adquiridas (era esta a justificação dada pela jurisprudência para excluir de tributação os terrenos rústicos que, depois da entrada em vigor do Código do IRS, se tornaram terrenos para construção[2])? Julgamos que não.
39. Se a resposta é negativa, tal quer dizer que, com a demolição do prédio preexistente e com uma “inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutivas daquela” (que modifica a espécie do prédio urbano), passamos a estar, a partir desse momento, diante de novo prédio (que não existia na esfera jurídica dos ora Requerentes) e, portanto, é também nesse momento que se considera ter ocorrido a alteração do conteúdo originário do direito de propriedade.
40. Cabe, ainda, perguntar se, como se depreende do que alegam os ora Requerentes, demolir edificações preexistentes (alterando, consequentemente, a espécie do prédio urbano), realizar (novas) edificações no mesmo espaço e alienar o (novo) prédio antes da conclusão dessas obras e da actualização da matriz, pode ser feito sem que haja sujeição a tributação em sede de IRS, i.e., como se não tivesse ocorrido antes a alteração substancial do conteúdo do direito de propriedade. Julgamos, uma vez mais, que não. E para tal bastará ter presente o propósito subjacente ao regime transitório da categoria G, previsto no referido art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30/11: “o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis; todavia, para evitar efeitos retroactivos, estabeleceu-se que, para serem tributadas tais transmissões, era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do Código do IRS” (Acórdão do STA de 12/12/2006, Proc. 1100/05).
41. Ou seja, e como acrescenta o Acórdão do STA de 27/1/2010 (Proc. n.º 969/09), citando o Acórdão do STA de 6/6/2007 (Proc. n.º 179/07): “a não tributação em IRS – a título de mais-valias – dos ganhos obtidos com a transmissão de terrenos que à data da entrada em vigor do CIRS eram qualificados como terrenos agrícolas (citado art. 5.º do DL 442-A/88) compreende[-se] «pelo facto de, tendo-se optado pelo cálculo dos ganhos tributáveis a título de mais-valias com base na diferença entre o valor da aquisição e o valor da transmissão, a tributação em IRS da valorização de terrenos agrícolas que haviam sido adquiridos antes da sua entrada em vigor incluiria, parcialmente, a aplicação retroactiva do novo regime de tributação a ganhos obtidos com a valorização dos prédios rústicos, pois forçosamente se iriam tributar, além dos ganhos correspondentes à valorização gerada na vigência do novo Código, também alguns correspondentes à valorização que, como prédios rústicos, pode ter tido ocorrido antes da sua entrada em vigor. Ora, essa aplicação retroactiva de normas de incidência tributária, que, a partir da revisão constitucional de 1997 é absolutamente proibida pela nova redacção dada ao art. 103.º, n.º 3, da CRP, só era tolerável anteriormente em situações especiais em que estivesse em causa o interesse geral (Essencialmente neste sentido, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 216/90, de 20-6-1990, processo n.º 203/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 207), que não se vislumbram em matéria de tributação de mais-valias» (cf. ainda, no mesmo sentido, entre outros, os acs. de 4/2/09, rec. n.º 872/08 e de 29/10/08, rec. n.º 539/08 e de 13/2/08, rec. n.º 763/07).” (sublinhados nossos). Cabe, em face do exposto, perguntar: que ganhos obtidos com a valorização do prédio (urbano, no caso dos destes autos) é que podem existir (e não ser alvo de tributação em IRS à luz do supra referido art. 5.º, porque poderiam correr o risco de sofrer uma inadmissível aplicação retroactiva de tributação em IRS) se o edifício para habitação em causa foi, em data posterior a 1/1/1989, integralmente demolido e o subsequente novo prédio que ficou no seu lugar (um terreno para construção, com inscrição na matriz diversa da pré-existente e substitutiva desta) foi vendido após 1/1/1989? Nenhum.
42. Note-se que este entendimento não afronta o que refere o já citado Acórdão do STA de 2015, quando nele se lê que “[c]onstitui jurisprudência pacífica deste STA que de harmonia com o disposto no artigo 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88 não são tributados em sede de IRS os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de prédios não qualificados como ‘terrenos para construção’, adquiridos antes da entrada em vigor do Código do IRS e que ainda conservavam essa natureza no momento da entrada em vigor do Código do IRS, pese embora tenham, posteriormente, adquirido a natureza de terrenos para construção e sido alienados como tal.”
43. Isto porque, no caso aqui em análise, é inquestionável que o imóvel/bem em causa (um edifício urbano adquirido antes – e que manteve essa qualidade à data – da entrada em vigor do Código do IRS) desapareceu com a sua demolição integral, pelo que assim se perdeu (ou quebrou) o necessário elo de continuidade[3] do referido bem com o terreno para construção em que o mesmo consistia no momento da sua alienação (e ainda que, à data desta, já existissem, nesse terreno, algumas novas edificações concluídas). Relembrando, a este respeito, o já aqui citado Acórdão do STA de 2024, uma “interpretação [que pretenda dar] toda uma nova dimensão ao âmbito daquela norma [art. 5.º], alargando-a a todos os bens que se viessem a situar no [mesmo] espaço físico [...] vai muito além da necessidade de tutelar as expectativas dos proprietários de terrenos rústicos [ou urbanos] à data da entrada em vigor do Código do IRS.” (sublinhados nossos).
44. E, como também salienta o Acórdão do TCAN de 23/6/2005, Proc. 00149/04 (bem como o Acórdão do TCAS de 17/10/2019, Proc. 1306/08.6BELRS), “O facto de resultar do contrato de transmissão económica de um prédio urbano que a habitação nele existente vai ser demolida pelos adquirentes para nele ser construído um novo prédio urbano habitacional, não significa que a transmissão tenha incidido sobre um terreno para construção. A natureza do prédio transmitido tem de ser vista em função das circunstâncias, qualidades e propriedades que o bem detém à data do acto translativo gerador dos rendimentos, pois que aí radica o facto tributário na sua dimensão temporal. Tendo um prédio urbano sido adquirido em 1975 e tendo a sua transformação em terreno para construção ocorrido já após a sua transmissão operada em 1991, não ficam os ganhos resultantes desta transmissão sujeitos a tributação como rendimentos da categoria G de IRS (mais-valias), atento o disposto no art. 5.º, n.º 1, daquele DL n.º 442-A/88»” (sublinhados nossos). A contrario, daqui se depreende que, se, em razão da demolição da habitação existente no prédio urbano, “a sua transformação em terreno para construção [tivesse] ocorrido [antes da] sua transmissão [...] em 1991”, já ficavam “os ganhos resultantes desta transmissão sujeitos a tributação como rendimentos da categoria G de IRS”.
45. Em síntese, pode concluir-se, do supra exposto, que: i) os ganhos resultantes da alienação de terrenos para construção adquiridos antes (e que mantenham essa natureza no momento) da entrada em vigor do Código do IRS (1/1/1989) são sujeitos a tributação se forem, após essa data, alienados enquanto tais; ii) os ganhos resultantes da alienação de prédios rústicos ou urbanos adquiridos antes (e que mantenham essa natureza no momento) da entrada em vigor do Código do IRS não são sujeitos a tributação se forem posteriormente alienados com a mesma natureza que tinham; iii) os ganhos resultantes da alienação, em data posterior a 1/1/1989, de um novo prédio – terreno para construção (com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas), no lugar de um prédio urbano adquirido antes (e que mantinha essa natureza no momento) da entrada em vigor do Código do IRS, são sujeitos a tributação se a referida alienação ocorrer após a demolição total do imóvel para habitação nele implantado.
46. Reafirma-se, por último, que o que está em causa no supra citado Acórdão do STA de 2015 (e analisado no também já supra citado Acórdão do STA de 2024), é a alienação com mais-valia de um novo prédio urbano, inexistente antes da entrada em vigor do Código do IRS, com inscrição na matriz diversa das pré-existentes e substitutiva daquelas: “[O então Recorrente] [n]ão vendeu, pois, um prédio rústico que já existia na sua esfera jurídica à data da entrada em vigor do Código do IRS, [nem] sequer um terreno para construção resultante da valorização que efectuou num prédio rústico adquirido antes daquela data, antes um prédio urbano de todo inexistente naquela data na sua esfera jurídica e que apenas veio a constituir-se posteriormente, com aquela natureza e afectação.” (sublinhado nosso). No excerto sublinhado observa-se, uma vez mais, a necessidade de existência, para fins de aplicação da norma de exclusão do art. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 448-A/88, de 30/11, do aqui já referido elo de continuidade entre o bem preexistente (nesse caso, prédio rústico) e o terreno para construção que seja objecto de alienação (um elo que se considerou existir quando o bem alienado não é um novo bem, embora tenha passado a estar dotado, após 1/1/1989, de aptidão edificativa).
Juros indemnizatórios
47. Quanto ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios, e em face do acima exposto, não restam dúvidas de que não assiste aos ora Requerentes o direito a tal pagamento.
48. Com efeito, à luz do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, é condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. Neste sentido, vd., por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art.º 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro (sobre os pressupostos de facto ou de direito) imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” (Acórdão do STA de 20/1/2010, proc. 942/09); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro – sobre os pressupostos de facto ou de direito – imputável aos serviços, de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” (Acórdão do STA de 28/11/2018, proc. 087/18.0BALSB).
49. Ora, não tendo havido, como decorre do que se disse acima, qualquer erro imputável aos serviços, conclui-se, em conformidade, pela improcedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes.
VI. DECISÃO
Em face do supra exposto, decide-se:
- Julgar improcedente o pedido de anulação da nota de liquidação n.º 2023... de 3 de Fevereiro de 2023.
- Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
VII. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 116.545,26 (cento e dezasseis mil quinhentos e quarenta e cinco euros e vinte seis cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e do art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
VIII. Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3060,00 (três mil e sessenta euros), a pagar pelos Requerentes, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e art. 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 15 de Julho de 2025.
Os Árbitros
(Rui Duarte Morais)
(António de Barros Lima Guerreiro)
(Miguel Patrício)
[1] Dispõe o art. 299.º, n.º 1, do CPC, que, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta (sobre a sua aplicação em casos de redução do objecto do processo arbitral ver Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, 2016, p. 286). No que se refere, especificamente, ao cumprimento dos termos e prazos constantes do art. 13.º, n.º 1 e 2, do RJAT (para apurar se houve erro na indicação do valor da utilidade económica do pedido pelo sujeito passivo – erro que, se tivesse ocorrido, imporia a este Tribunal a correcção oficiosa desse valor e aferir da desculpabilidade do erro), a conclusão a que aqui se chegou é idêntica – e pelas mesmas razões – à adoptada na Decisão arbitral de 28/9/2023 (Proc. n.º 199/2023-T): “embora o despacho de revogação (anulação) [parcial] tenha sido praticado antes da constituição do Tribunal Arbitral, é convicção deste Tribunal Arbitral (porque não contestado pelas Partes), face à factualidade apresentada por ambas as Partes, que o Requerente apenas teve conhecimento da mesma com a apresentação, pela Requerida, da Resposta, ou seja, já na pendência do processo arbitral, pelo que a mesma só então se pode considerar como produzindo qualquer efeito. [...] o valor do pedido terá de ser aferido pelo valor da liquidação de IRS originariamente impugnada [...], dado que, pelas razões já expostas, a Requerida não deu cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, nos termos e prazos aí referidos” (sublinhados nossos).
[2] Como se pode ler no já citado Acórdão do STA de 2024: “existe, e com alguma abundância, [...] jurisprudência consolidada que esclarece que a mera qualificação superveniente do mesmo prédio – de rústico para terreno para construção – não impede a aplicação do regime transitório, no caso de tal qualificação suceder à entrada em vigor do Código do IRS. É o que se pode ver, entre muitos outros, no Acórdão de 18 de Novembro de 2020, lavrado no Processo n.º 1047/07” (sublinhado nosso).
[3] Por contraponto, constata-se que esse elo de continuidade do bem não se perdeu nos vários casos já decididos pelos Tribunais superiores (para lá dos Acórdãos do STA já citados, vd., também, entre outros: Acórdão do STA n.º 1381/13, de 10/9/2014; Acórdão do STA n.º 529/11, de 12/1/2012; Acórdão do STA n.º 584/15, de 8/7/2015; e Acórdão do STA n.º 1152/10.7BELRS, de 14/10/2020) relativos a prédios rústicos adquiridos antes (e que mantiveram essa qualidade no momento) da entrada em vigor do Código do IRS, e que, posteriormente a essa data, viram, por via da alteração da classificação desses prédios para terrenos para construção, definida a sua aptidão edificativa, sendo como tais alienados. Nestes casos, os prédios assim alienados – mesmo que tendo passado à condição de prédios urbanos – terrenos para construção (em razão da aprovação de loteamento ou de projecto de construção) – ainda são os mesmos.