Sumário
A Contribuição sobre o Sector Bancário é um tributo que se qualifica como contribuição e não como imposto, pelo que os Tribunais Arbitrais são materialmente incompetentes para apreciar matérias a ela respeitantes.
Decisão Arbitral
Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”), para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 8 de Janeiro de 2025, Prof. Doutora Carla Castelo Trindade (Presidente), Prof. Doutora Marisa Almeida Araújo (relatora) e Dr. José Nunes Barata (vogal), decidem o seguinte:
I. Relatório
A...– SUCURSAL EM PORTUGAL, representação permanente de uma sociedade comercial anónima italiana, com número de identificação fiscal e de pessoa colectiva ... e morada na Rua ..., n.º..., ...-..., Lisboa, de ora em diante designada por “Requerente”, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, bem como dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, na redacção vigente.
A Requerente pretende (i) a anulação da autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário (“CSB”), plasmada na declaração n.º..., referente ao período de tributação de 2021, da qual resultou um pagamento no montante de 120.400,37 Euros, bem como da decisão de indeferimento expresso do pedido de revisão do acto tributário previamente apresentado e que correu termos sob o n.º ...2024..., (ii) a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira (“Requerida” ou “AT”) no reembolso à Requerente do imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios vencidos e vincendos, computados sobre esse montante, desde a data do seu pagamento indevido até à emissão da respectiva nota de crédito, e (iii) a condenação da AT no pagamento das custas processuais, tudo com as demais consequências legais.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado em 24 de Outubro de 2024 e aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 28 de Outubro de 2024 e, de seguida, notificado à AT.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 3, alínea a), do artigo 6.º, n.º 2, alínea a), e do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT, na redacção vigente, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os árbitros aqui signatários, que comunicaram a aceitação do encargo.
Em 17 de Dezembro de 2024, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º, do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral foi constituído em 8 de Janeiro de 2025.
A Requerida defendeu-se por excepção e por impugnação em 13 de Fevereiro de 2025, pugnando pela absolvição da instância e dos pedidos.
Em 11 de Fevereiro de 2025 a Requerida juntou aos autos o respectivo processo administrativo.
Notificada para o efeito, a Requerente veio exercer o contraditório e responder à matéria de excepção suscitada pela Requerida, em 5 de Março de 2025
Tendo com conta a matéria, foi dispensada a reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT e as partes convidadas a apresentar alegações escritas, o que não vieram a fazer.
II. Posição das Partes
A. Posição da Requerente
A Requerente alega, sumariamente, que:
i. É uma sucursal em Portugal de uma instituição de crédito com sede em Itália, o B..., encontrando-se assim registada junto do Banco de Portugal e que se dedica exclusivamente, à actividade de factoring, com e sem recurso, à aquisição, gestão e cessão de portfólios de créditos, no sector farmacêutico, e à prática de outros actos relacionados ou necessários à prossecução dessa actividade;
ii. Alega que as relações comerciais e financeiras se limitam àquelas existentes com o seu head-office, sediado em Itália e com clientes do sector farmacêutico, junto dos quais desenvolve a sua actividade de factoring;
iii. Por outro lado, a Requerente não recepciona “depósitos ou outros fundos reembolsáveis” do público, nos termos e para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (doravante, “RGICSF”), o qual prevê as actividades reservadas a bancos ou instituições de crédito;
iv. Procedeu à autoliquidação do montante da CSB referente ao período de tributação de 2021, mediante apresentação, a 29 de Junho de 2021, da declaração Modelo 26, no qual apurou o montante da CSB a pagar de 120.400,37 Euros, montante que a Requerente pagou em 30 de Junho de 2025;
v. Nos termos do artigo 6.º, n.º 3, do Regulamento da CSB, a base de incidência correspondente ao referido montante da CSB autoliquidado pela Requerente corresponde à média anual dos saldos mensais da conta de passivos da Requerente para o ano de 2020, perfazendo um valor médio anual de 109.454.885,21 Euros, ao qual foi aplicado a taxa da CSB de 0,110% prevista para o período de tributação de 2021, perfazendo o referido valor da CSB de 120.400,37 Euros;
vi. A Requerente incluiu, no referido valor médio de 109.454.885,21 Euros, uma alocação de capital da instituição de crédito não residente a que esta pertence – B..., S.P.A. – registada no seu passivo com valor médio anual para o período de tributação de 2021 de 98.044.725,67 Euros;
vii. A Requerente entende que, embora ao abrigo das regras contabilísticas aplicáveis, tais montantes tenham sido objecto de reconhecimento no passivo da Requerente, o regime deste passivo é totalmente distinto do tipo de passivos que devem estar sujeitos a CSB, pois, trata-se de um passivo da Requerente perante o seu head-office que, num cenário de aplicação das medidas de resolução previstas no artigo 145.º-L e seguintes do RGICSF à Requerente, nunca poderá beneficiar de qualquer compensação financeira prestada à B..., por parte do Fundo de Resolução previsto nos artigos 153.º-B e seguintes, do RGICSF;
viii. Por não concordar com a interpretação que subjaz à autoliquidação da CSB, a Requerente apresentou, a 27 de Junho de 2024, pedido de revisão do acto tributário à AT, no âmbito do qual peticionou a anulação da liquidação em crise, bem como o reembolso da CSB suportado;
ix. A AT indeferiu expressamente o pedido;
x. A Requerente discorda com a decisão de indeferimento da AT, por entender que esta não ofereceu pronúncia no que respeita à violação do princípio da igualdade e equivalência decorrente da imposição à Requerente de montantes da CSB que, revertendo para o Fundo de Resolução, não resultarão, no futuro, na obtenção por esta entidade de qualquer benefício, conforme peticionado no pedido de revisão do acto tributário, limitando-se a citar de forma acrítica diversos acórdãos referentes à imposição da CSB sobre instituições de crédito residentes em Portugal e participantes do Fundo de Resolução, cuja situação fáctica não é, por isto, sequer equivalente à da Requerente;
xi. Adicionalmente, a Requerente entende que a argumentação da AT, no que diz respeito à violação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º, do Tratado de Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), reflecte uma interpretação errónea e, por conseguinte, uma aplicação inadequada do conteúdo decisório emanado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”), no acórdão referente ao processo n.º C-340/22, de 21 de Dezembro de 2023;
xii. Para sustentar a sua posição, a Requente, sumariamente, alega que, aceita que a CSB assume a natureza de uma contribuição financeira sendo que, assim sendo, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), as mesmas assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade são consideradas imposto;
xiii. Este preceito da LGT perfila-se, na posição da Requerente, como um elemento concretizador da aplicação do princípio da igualdade constante do artigo 13.º, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) – ao abrigo do qual todas as entidades devem ser iguais perante a lei –, à imposição de tributos;
xiv. Se o critério da capacidade contributiva se revela adequado a regular e limitar e imposição de impostos, segundo a Requerente o mesmo não sucede relativamente a contribuições financeiras como a CSB que, em alguns casos, assentam num benefício presumivelmente obtido por um grupo de entidades em resultado de uma qualquer actuação da administração pública;
xv. Por outro lado, entende a Requerente que, por força do princípio do primado, expressamente acolhido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, a prevalência do direito da União Europeia (“UE") sobre o direito interno de cada Estado-Membro, de tal forma que, em caso de conflito, desaplicar-se-á o direito interno ilegal, aplicando-se directamente a norma do direito da UE.
xvi. Perante o exposto, entende a Requerente que a AT está obrigada a desaplicar normas de direito interno ordinário – in casu, relativas ao Regime da CSB – em prol da salvaguarda do direito da UE, assim inexoravelmente o impondo o princípio do primado previsto nos artigos 8.º, n.º 4, da CRP, e 1.º, n.º 1, da LGT, o princípio da colaboração leal e, bem assim, a cláusula geral de empenhamento na construção da UE prevista no artigo 7.º, n.ºs 5 e 6, da CRP;
xvii. Para além disso, a Requerente entende que a situação de instituições de crédito residentes e participantes de pleno direito no Fundo de Resolução não é equivalente à de sucursais como a Requerente, cuja actividade se restringe ao factoring, não abrangendo a receptação de depósitos e outros fundos reembolsáveis;
xviii. Por seu turno, no direito da UE, as condições relativas ao exercício da liberdade de estabelecimento de sucursais de instituições de crédito são reguladas artigo 35.º da Directiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, transposto para a ordem jurídica portuguesa pelo artigo 48.º e seguintes, do RGICSF, e que estabelece, de forma harmonizada, os requisitos do estabelecimento de instituições de crédito residentes nos Estados-Membros da UE (e aí sujeitas à supervisão das autoridades nacionais) noutros Estados-Membros da UE, nomeadamente através da abertura de sucursais;
xix. Ao abrigo deste regime, as sucursais das instituições de crédito residentes em outros Estados-Membros da UE beneficiam, segundo a Requerente, do direito de se estabelecerem livremente em Portugal, designadamente através da abertura de uma sucursal;
xx. Mediante o seu estabelecimento em Portugal, estas sucursais operam legalmente como uma extensão das entidades a que pertencem (i.e., dos respectivos head-office), sendo a qualificação destas entidades nos termos e para os efeitos do RGICSF estabelecida por referência à qualificação dos respectivos head-offices, nos termos da legislação nacional em vigor no Estado-Membro de origem (i.e., de residência);
xxi. Entende a Requerente que o requisito da homogeneidade do grupo de sujeitos passivos da CSB não estará verificado relativamente a sucursais em território português de instituições de crédito de outros Estados-Membros da UE, desde que os mesmos não recebam depósitos e outros fundos reembolsáveis do público e não se dediquem à concessão de crédito por conta própria e não gerem os níveis de risco sistémico resultantes destas actividades;
xxii. Nesta senda, chama a Requerente à colação o princípio da prevalência da substância sobre a forma, de que, no âmbito do direito fiscal, são afloramentos os artigos 11.º, n.º 3, 38.º e 39.º, da LGT;
xxiii. Da aplicação deste princípio resulta, no entender da Requerente, evidente a necessidade de a necessária homogeneidade e a consequentemente imposição da CSB sobre sucursais como a Requerente dever decorrer de uma análise factual que demonstre o exercício das actividades de recebimento de depósitos e outros fundos reembolsáveis do público e de concessão de crédito por conta própria, com a consequente assunção, por estas entidades, dos riscos sistémicos decorrentes destas actividades;
xxiv. Sob pena de, na ausência destas actividades e da assunção destes riscos sistémicos, carecer de qualquer sentido a lógica de “mutualização do risco” que, na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional (“TC”) e do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) citada pela AT na decisão final de indeferimento do pedido de revisão do acto tributário apresentado pela Requerente, legitima a imposição da CSB;
xxv. O facto de a Requerente não prestar serviços dessa natureza, aliado ao facto de não estabelece relações comercias com entidades residentes ou localizadas em território nacional, conduz à convicção de que esta não gera, em território nacional, risco sistémico, o que, implicitamente, afasta um hipotético risco de um contágio, não existente in casu, uma vez que a Requerente não é interdependente das várias instituições de crédito em território nacional;
xxvi. Assim, no caso da Requerente, afigura-se necessário concluir que, não existe qualquer elemento que permita imputar-lhe, mormente enquanto parte de um grupo homogéneo, uma especial responsabilidade de grupo – muito em particular sob a forma de responsabilidade pelo risco sistémico bancário, de suportar a CSB enquanto ónus tributário acrescido face às demais entidades;
xxvii. A Requerente, enquanto sucursal em território português de uma instituição de crédito residente em Itália, não é, por força do artigo 48.º, do RCICSF, sujeita a supervisão por parte do Banco de Portugal, estando esta a cargo da entidade reguladora italiana, enquanto Estado-Membro de origem;
xxviii. Consequentemente, a Requerente não poderá, desde logo, beneficiar de medidas de resolução adoptadas por esta entidade, sendo uma eventual intervenção pública consubstanciada na implementação de medidas de resolução uma prerrogativa exclusiva da autoridade de supervisão em Itália;
xxix. Concluindo a Requerente que, a CSB, quando aplicável a sucursais de instituições de crédito sediadas na UE que não se dediquem efectivamente ao recebimento de depósitos e outros fundos reembolsáveis do público e à concessão de crédito por conta própria e não gerem os riscos sistémicos daí advenientes traduz-se, na opinião da Requerente, numa prestação fiscal unilateral exigida a entidades que nunca poderão tirar qualquer benefício, ainda que remoto ou potencial, dessas prestações (i.e., num verdadeiro imposto), não se vislumbrando, qualquer justificação para tal encargo excepcional ou extraordinário, ao abrigo do principio da equivalência;
xxx. Acrescenta que, é inequívoco que tal alocação nunca será objecto de qualquer protecção por parte do Fundo de Resolução, não se podendo falar, quanto a este montante, de um qualquer benefício difuso em favor da Requerente ou do B..., S.P.A., que justifique, neste caso, a imposição da CSB;
xxxi. As alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 145.º-D do RGICSF, segundo a Requerente, traduzem a responsabilização dos investidores de uma instituição de crédito pelos resultados do negócio da mesma, estipulando que os accionistas e credores da instituição de crédito suportam os prejuízos da mesma, na ordem acima aposta, salvaguardando o erário público;
xxxii. Por outro lado, parece igualmente inequívoco que a alocação de capital em crise, atendendo à sua natureza e titularidade, deverá qualificar-se como um fundo próprio de nível 2;
xxxiii. A imposição da CSB sobre a alocação de capital sub judice, conclui a Requerente, não é justificada face aos objectivos do regime, i.e. ao integrar a alocação de capital a sucursais na base de incidência do CSB, quebra-se o nexo entre a incidência objectiva da CSB e as realidades que são objecto de protecção pelo Fundo de Resolução, uma vez que o Fundo de Resolução, tal como demonstrado, não só não tem como finalidade garantir as posição jurídicas dos accionistas e credores, como estes em situação de resolução respondem antes do erário público pelos prejuízos;
xxxiv. Acrescenta ainda a Requerente que a interpretação propugnada pela AT desvirtua os objectivos da CSB, positivados pelo TC no acórdão n.º 268/2021, de tal forma que a sua estrutura, na interpretação propugnada pela AT, afasta-se dos custos que, em caso de desequilíbrio financeiro, a Requerente presumivelmente provocaria (porquanto, como já referimos, a aplicabilidade de uma medida de resolução à Requerente não provocaria qualquer custo em Portugal, mas antes em Itália, e simetricamente do benefício que este presumivelmente aproveitará através da adopção de medidas de apoio financiadas pelo Fundo de Resolução (que neste caso, seria inexistente);
xxxv. Por outro lado, no caso particular da Requerente, conforme estabelecido supra, o facto de não receber depósitos e outros fundos reembolsáveis do publico nem conceder crédito por conta própria, estabelecendo unicamente relações comerciais com o head-office, não existindo a interconexão com outras entidades do sistema bancário, conduz necessariamente à conclusão de que a Requerente não gera o risco sistémico e que não existe qualquer possibilidade de uma medida de resolução implicar quaisquer gastos futuros em Portugal que devam, ex ante, ser financiados através da arrecadação da CSB;
xxxvi. Em suma, a Requerente entende que é inconstitucional e ilegal a interpretação que subjaz à autoliquidação da CSB aqui em crise, por erro de direito e violação dos princípios da equivalência e igualdade e do disposto no artigo 4.º, n.º 3, da LGT;
xxxvii. Por sua vez, entende ainda a Requerente que o Regime da CSB, ao tributar as sucursais de instituições de crédito residentes noutros Estados-Membros da UE pela totalidade do seu passivo, não lhes concedendo a possibilidade garantida às instituições de crédito residentes de deduzir os instrumentos de dívida equiparáveis a capitais próprios e não cobertos pelo Fundo de Resolução, colide com o princípio da não discriminação em razão da residência e consubstancia uma limitação à liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 49.º e 54.º, do TFUE;
xxxviii. Em resultado da configuração das normas de incidência objectiva da CSB, as sucursais em Portugal de instituições de crédito não residentes – como a Requerente – encontram-se sujeitas a tributação sobre a totalidade do passivo, ainda que os mesmos correspondam a montantes alocados pelos respectivos head-offices como capitais próprios para efeitos de garantia patrimonial das actividades das sucursais. Pelo que o figurino da CSB determina que as sucursais de instituições de crédito se encontram sujeitas a tributação sobre a totalidade do seu passivo bruto, ao passo que as instituições de crédito residentes em Portugal se encontram sujeitas a tributação sobre o seu passivo líquido, deduzido dos respectivos capitais próprios;
xxxix. Assim, segundo a Requerente, na interpretação da AT, o artigo 3.º, alínea a), do Regime da CSB, faz depender da localização geográfica da residência das instituições de crédito tributadas a relevação dos capitais próprios como componente negativa da base de incidência objectiva, sendo os sujeitos passivos sedeados em território nacional tributados pelo passivo líquido de capitais próprios, e os sujeitos passivos sedeados fora do território nacional, que actuem em Portugal por via de uma sucursal, tributados pela totalidade do passivo bruto;
xl. Concluindo a Requerente, em suma que se verifica um tratamento claramente discriminatório, em razão da residência, em matéria de tributação em sede da CSB;
xli. Este tratamento discriminatório constitui, por conseguinte, uma limitação à liberdade de estabelecimento, proibida pelos artigos 49.º e 54.º, do TFUE;
xlii. Ou seja, face a todo o exposto, não pode deixar de se concluir pela ocorrência de uma situação de preterição do princípio da não discriminação, em razão da residência, a qual consubstancia, nos termos dos artigos 26.º, 49.º e 54.º, do TFUE, uma limitação à liberdade de estabelecimento;
xliii. Acrescenta ainda que, a noção de que o estabelecimento de sucursais de instituições financeiras configura o exercício da liberdade de estabelecimento foi expressamente reconhecido pelo legislador europeu no Capítulo 2, sob a epígrafe “Direito de estabelecimento das instituições de crédito”, da Directiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, relativa ao acesso à actividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento;
xliv. Conclui a Requerente que os artigos 49.º e 54.º, do TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem à legislação de um Estado-membro por força da qual se conceda, no âmbito do apuramento da base de incidência objectiva da CSB, o direito à dedução de capitais próprios a uma entidade bancária sedeada em Portugal, mas se exclua esse direito a sucursais portuguesas de entidades bancárias sedeadas noutro Estado-Membro em situação economicamente comparável;
xlv. Por fim, conclui a Requerente que, por se verificar erro o imputável aos serviços da AT, para além do reembolso do montante indevidamente pago, a satisfação do direito da Requerente ao pagamento de juros indemnizatórios, computados sobre a CSB indevidamente suportada, desde a data do pagamento indevido até à emissão da respectiva nota de crédito, tudo com as demais consequências legais.
B. Posição da Requerida
A Requerida, na sua Resposta, defende-se por excepção. Neste âmbito, a AT invoca que a CSB é uma contribuição financeira, não apenas em sentido formal, mas também material, porquanto é possível identificar uma contrapartida presumivelmente provocada ou aproveitada pelo sujeito passivo, pelo que o tribunal arbitral será materialmente incompetente para a apreciação do dissídio.
Assim, conclui a AT, que nos termos conjugados dos artigos 4.º, n.º 1, do RJAT, e o artigo 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, o tribunal será materialmente incompetente para apreciar o mérito da presente causa, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, o qual obsta ao conhecimento do pedido, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”) ex vi artigo 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), e artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Por impugnação, a AT considera que:
i. A CSB é uma contribuição e não um imposto e citando vários acórdãos, entende que, em geral, não assiste razão à Requerente quer quanto à violação do princípio da equivalência e quanto à violação do direito da UE nas vertentes da proibição de descriminação e da violação da liberdade de estabelecimento;
ii. Quanto à alegada violação do Direito da UE, entende a AT que não assiste razão quanto a esta matéria à Requerente;
iii. Com efeito, as regras de determinação da base de incidência da CSB contrariamente à tese defendida pela Requerente não criam “uma situação de manifesta e inadmissível discriminação fundada na residência das entidades sujeitas àquela contribuição” e, portanto, não ocorre qualquer violação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º, do TFUE, segundo a qual “são proibidas as restrições à liberdade de estabelecimento dos nacionais de um Estado-Membro no território de outro Estado-Membro. Esta proibição abrangerá igualmente as restrições à constituição de agências, sucursais ou filiais pelos nacionais de um Estado-Membro estabelecidos no território de outro Estado-Membro”, nem qualquer discriminação abrangida pela artigo 18.º, do TFUE;
iv. Entende erroneamente a Requerente, na perspectiva da AT, que o regime do CSB cria uma discriminação entre bancos que operem em Portugal através de uma sociedade residente em Portugal e bancos que operem através de uma sucursal, uma vez que, no caso das instituições residentes o CSB incide sobre o seu passivo líquido dos capitais próprios, e no caso das sucursais UE o CSB incide sobre o seu passivo bruto, sem qualquer dedução relacionada com capitais próprios, consubstanciando uma restrição à liberdade europeia fundamental de estabelecimento prevista no TFUE;
v. A AT não segue a posição da Requerente, porque o regime não comporta um tratamento discriminatório baseado na nacionalidade das instituições de crédito que viola a liberdade de estabelecimento prevista nos artigos 18.º, 26.º e 49.º, do TFUE;
vi. Acrescenta que a Requerente é uma sucursal de uma instituição de crédito com sede e administração efectiva num Estado-Membro, que actua em Portugal ao abrigo da liberdade de estabelecimento, nos termos do disposto no artigo 49.º, do TFUE;
vii. Verifica-se assim, segundo a AT, que são sujeitos passivos da CSB também as sucursais em Portugal de instituições de crédito com sede principal e efectiva fora do território português, as quais fazem parte do mesmo grupo de sujeitos passivos beneficiários da isenção de IVA aplicável à generalidade das operações financeiras e, igualmente, da isenção do imposto do selo relativamente às operações de captação de fundos junto de outras instituições financeiras;
viii. Também não seguindo a posição da Requerente, entende a AT que não se encontra vedado às sucursais a dedução de capitais próprios, estando na disponibilidade da sucursal qualificar os fundos que lhe são afectos pela sede como como passivo ou como capital próprio, em função, entre outros critérios, de serem, ou não, passíveis de remuneração e do caracter de permanência;
ix. Ou seja, a incidência objectiva é exactamente igual a todos os sujeitos passivos;
x. Aliás, a diferenciação no sentido de excluir as sucursais geraria distorções de concorrência;
xi. O tratamento dado às sucursais e aos restantes sujeitos passivos é igual, no sentido em que são sujeitos independentemente da nacionalidade;
xii. No entanto, a não dedução de capitais próprios, caso a sucursal os não tenha, não significa que existe um tratamento diferenciado. Assim, não existe um tratamento discriminatório, na medida em que otratamento conferido pelo legislador ao delimitar a incidência objectiva é o mesmo para os todos os sujeitos passivos, não constituindo, portanto, qualquer violação da liberdade de estabelecimento consagrada no artigo 49.º, do TFUE;
xiii. Quanto à alegada violação da Directiva 2014/59/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Maio de 2014, entende a AT que nenhuma disposição da Directiva impunha que o Regime da CSB deveria ter sido eliminado por substituição daquela contribuição pelas contribuições previstas naquela Directiva – contribuições iniciais, contribuições periódicas (ex ante) e as contribuições especiais;
xiv. E, na realidade, a Lei n.º 23-A/2015, de 26 de Março, que fez a transposição da Directiva não introduziu qualquer alteração ao Regime da CSB, justamente, porque não havia necessidade de o fazer;
xv. Por conseguinte, como determina a alínea a) do n.º 1 do artigo 153.º-F, do RGICSF, “as receitas provenientes da contribuição sobre o sector bancário” constituem recursos financeiros do Fundo de Resolução, a par das contribuições iniciais das instituições participantes, das contribuições periódicas das instituições participantes e de outras receitas, sendo tais receitas entregues pelos sujeitos passivos da CSB aos cofres do Estado, procedendo o Governo à sua transferência para o Fundo de Resolução;
xvi. Para além disso, entende a Requerente que ainda que a CSB seja enquadrável e compatível com a Directiva 2014/59/UE – o que, para a AT, não oferece dúvidas – então, segundo a AT, sempre haveria de concluir-se que, estando expressamente excluída do âmbito de sujeição das contribuições periódicas (ex ante) aí previstas, que apenas abrange as sucursais de instituições estabelecidas ou situadas fora da União Europeia, também estaria excluída da incidência da CSB;
xvii. Entende a AT, que a Requerente labora em erro, porquanto, o regime jurídico da CSB tem autonomia relativamente às regras aplicáveis às contribuições, mormente em relação às contribuições periódicas ex ante, previstas na referida Directiva e isso desprende-se da alínea a) n.º 1 do artigo 153.º-F, do RGICSF, que, ao contrário das alíneas b) e c) do mesmo número, refere-se às receitas provenientes da CSB sem acrescentar “das instituições participantes”;
xviii. Assim, conclui a AT que não se vislumbra qualquer vício de ilegalidade da autoliquidação da CSB decorrente do seu alegado carácter discriminatório e ofensa à liberdade de estabelecimento, a AT discorda da proposta de reenvio prejudicial do processo ao Tribunal de Justiça da União Europeia, com base no entendimento que as questões enunciadas encontram respostas claras na legislação nacional e na Directiva 2015/59/UE, e conformes com o TFUE;
xix. Perante a posição que assume, a AT entende que os pedidos são improcedentes, incluindo dos juros indemnizatórios.
C. Posição da Requerente quanto à matéria de excepção
Quanto à excepção invocada pela AT, a Requerente respondeu e considerou que em relação ao artigo 2.º, do RJAT, e à competência do tribunal se deve recorrer a um conceito amplo de tributos, onde se incluam as contribuições, sob pena, nomeadamente de inconstitucionalidade.
Acrescenta a Requerente que, quando aplicada a sucursais de instituições de crédito da UE, a CSB assume a natureza jurídica de um verdadeiro imposto, dado que, face à ausência de sinalagma ou benefício difuso proveniente da entidade titular da CSB, é uma prestação unilateral a que não corresponde nenhuma contraprestação especifica atribuída à Requerente por parte do Estado.
Termina com pedido de improcedência da excepção dilatória.
III. Saneamento
Para efeitos de saneamento do processo cumpre apreciar a excepção enunciada pela Requerida na sua Resposta.
Na resposta que apresentou, invocou a Requerida que o Tribunal Arbitral era materialmente incompetente para conhecer do pedido, por considerar que a CSB deve ser qualificada como contribuição financeira e não como imposto, encontrando-se excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 4.º, do RJAT, e do artigo 2.º, da Portaria de Vinculação.
Quer em sede da apresentação do seu pedido de pronúncia arbitral, quer em sede de contraditório, veio a Requerente (em linha com o pugnado pela Requerida) reconhecer que a CSB é – dentro das tipologias de tributos constitucionalmente admissíveis – uma contribuição financeira.
Em todo o caso, acrescenta a Requerente que a interpretação da Requerida do disposto no artigo 2.º, do RJAT, no sentido de a competência material do Tribunal Arbitral se restringir a impostos padeceria de inconstitucionalidade, por incompatibilidade com os artigos 103.º, n.º 2, 112.º, n.º 5, e 165.º, n.º 1, alínea p), da CRP.
Para a Requerida, tal interpretação impediria que a arbitragem tributária, enquanto meio alternativo de resolução de litígios, pudesse ser empregue em litígios que respeitassem a tributos que não assumissem a natureza de impostos.
Sem prejuízo do acima exposto, a Requerente acrescentou que inexiste um nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da CSB e a actividade que aquela, enquanto sucursal em território português de uma instituição de crédito residente em Itália, exerce em Portugal, o que determinaria que, na verdade, a CSB deveria ser qualificada como imposto e, por conseguinte, que o Tribunal Arbitral seria competente para apreciar o acto de autoliquidação em apreço.
Ora, esta questão em torno da competência material dos Tribunais Arbitrais para julgar dissídios relacionados com a CSB já foi objecto de apreciação pelos Tribunais Arbitrais, cuja jurisprudência cumpre aqui considerar em cumprimento do desiderato uniformizador de jurisprudência que decorre do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil.
Para o efeito, remete-se para o decidido no acórdão do Tribunal Arbitral no processo n.º 847/2019-T, proferido em 2 de Outubro de 2020, que na parte aqui relevante referiu o seguinte:
“O primeiro aspecto a clarificar, na análise da questão em causa, é o da natureza jurídica da Contribuição sobre o Sector Bancário.
Este tributo foi criado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2011), e alterada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (Lei do Orçamento de Estado para 2016).
Nos termos do artigo 8.º do regime da Contribuição sobre o Sector Bancário, “[a] base de incidência definida pelo artigo 3.º, as taxas aplicáveis nos termos do artigo 4.º, bem como as regras de liquidação, cobrança e de pagamento da contribuição são objecto de regulamentação por portaria do Ministro das Finanças, ouvido o Banco de Portugal”. Ao abrigo deste preceito, foi aprovada a Portaria n.º 121/2011.
De acordo com o artigo 6.º, n.º 2 da Portaria n.º 121/2011, a base de incidência da Contribuição sobre o Sector Bancário “é calculada por referência à média anual dos saldos finais de cada mês, que tenham correspondência nas contas aprovadas no próprio ano em que é devida a contribuição”.
No que respeita à natureza jurídica da Contribuição sobre o Sector Bancário, tal questão foi objecto de extensa análise pelo Pleno do STA, no acórdão de 19-06-2019, proferido no processo 02340/13.0BELRS 0683/17 , tendo-se ali concluído que “Trata-se, pois, de um tributo que, interessando um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades financeiras das entidades desse sector, por forma a eliminar os riscos sistémicos dali advenientes. Surgindo assim claramente afirmada a natureza jurídica de contribuição financeira da CSB e não de imposto com finalidade correctiva ou pigouviana.”.
A doutrina do referido aresto foi, subsequentemente, reafirmada em diversos acórdãos do STA, sobre a mesma matéria, que, pela sua profusão e semelhança, não se justifica aqui individualizar.
Deste modo, em obediência ao dever de aplicação uniforme do direito e tendo em conta a superioridade hierárquica do STA sobre os tribunais arbitrais em matéria tributária, evidenciada pelo actual regime de recursos das decisões daqueles, conclui-se aqui que a Contribuição sobre o Sector Bancário tem a natureza de contribuição financeira, e não de imposto.
Posto isto, cumpre então apreciar a questão da arbitrabilidade, por tribunais arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, de litígios referentes a tributos que não tenham a natureza de imposto, e, em especial, as contribuições financeiras.
Esta questão foi já apreciada, para além do mais, na decisão arbitral proferida no processo 115/2018-T , na qual estava em causa a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica, mas cuja fundamentação é transponível para os presentes autos.
Como ali se disseca, a legislação e regulamentação que delimitou o âmbito da arbitragem tributária, designadamente a alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (Lei de autorização legislativa que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária), o Decreto-Lei n.º 10/2011 (Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária), a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março (Portaria de Vinculação) operou, progressivamente, a restrição do âmbito da arbitragem tributária, nos seguintes termos:
– na alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei de autorização legislativa admitia-se a possibilidade de nela ser incluída a generalidade dos litígios relativos a liquidação de tributos (inclusivamente os praticados pelos contribuintes) e de fixação de valores patrimoniais que pudessem ser apreciados em processo de impugnação judicial e o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária;
– no artigo 2.º do RJAT não se incluiu na arbitragem tributária o reconhecimento de direitos e interesses legítimos em matéria tributária e estabeleceu-se, no artigo 4.º, que a vinculação da Administração Tributária, que se reconduz à definição do âmbito da arbitrabilidade de litígios, deveria ser efectuada por Portaria;
– com a Lei n.º 64-B/2011, impôs-se que na Portaria se indicassem o tipo e o valor máximo dos litígios, o que tem como corolário que os litígios abrangidos pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT não são, de per si, arbitráveis;
– a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, limitou a vinculação dos serviços da Administração Tributária central aos litígios «que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida», com várias excepções.
Como se escreveu na supra mencionada decisão arbitral, “A intenção legislativa de restringir o âmbito da arbitragem tributária em relação ao que foi permitido pela autorização legislativa resulta com evidência destes diplomas e é explicada pelas justificadas dúvidas que, no início da arbitragem tributária, se suscitavam sobre o possível inadequado funcionamento de um meio inovador de resolução de litígios em matéria tributária (...)” Assim, entendeu o referido tribunal arbitral que “a inclusão da palavra «impostos» na expressão «apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja acometida», contrastando com a referência mais abrangente «actos de liquidação de tributos que foi usada na alínea a) do n.º 4 do artigo 24.º da Lei n.º 3-B/2010 (autorização legislativa) para definir o âmbito da autorização, tem de ser interpretada [como] expressão precisa da restrição que se pretendeu efectuar”.
De facto, atenta a intenção legislativa de restringir o âmbito material da arbitragem tributária, e não havendo razões que imponham que se conclua que houve alguma deficiência na expressão do pensamento legislativo, tendo sido utilizada uma expressão técnica com alcance restritivo, tem de pressupor-se, presumindo que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, que se pretendeu restringir a vinculação da Administração Tributária, nos precisos termos exarados.
Efectivamente, estando previstas na Constituição e na Lei designações específicas para classificar os diversos tipos de tributos, sempre se terá de presumir que o legislador pretendeu utilizar a terminologia prevista quer na Constituição, quer na Lei, e não aquela que o intérprete poderá considerar mais apropriada, com base em considerações de natureza doutrinal.
Como refere a decisão arbitral que se acompanha, a propósito da CEIF, em termos transponíveis para os presentes autos, “Para além disso, nem se pode aceitar, à face da presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do Código Civil), que fosse atribuída à CEIF a designação de «contribuição» se legislativamente se pretendesse que ela fosse considerada como um «imposto» e não como uma das «demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas» a que aludem o artigo 165.º, n.º 1, alínea i) da CRP e o artigo 3.º, n.º 2 da LGT”.
Pelo que conclui, “Assim, em boa hermenêutica, é de concluir que o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, quando se refere a «impostos», está a reportar-se apenas aos tributos a que legalmente é atribuída tal designação (como o IVA, o IRC e o IRS) e àqueles que, embora tenham outra designação, a própria lei explicitamente considera «impostos» (como sucede com as contribuições especiais”, que o n.º 3 do artigo 4.º da LGT identifica e expressamente considera «impostos»)”.
Este entendimento tem sido acolhido por diversa jurisprudência arbitral emanada de tribunais constituídos sob a égide do CAAD, designadamente, e para além do mais, nos acórdãos proferidos nos processos 347/2017T, 115/2018T e 82/2019T.
Por outro lado, não se pode deixar de notar que o principal suporte doutrinal para o entendimento que sustenta a arbitrabilidade, pelos tribunais arbitrais constituídos no CAAD, de litígios relativos a contribuições financeiras, estará a ser, ressalvado o respeito devido, mal interpretado.
É que, como refere expressamente uma das autoras do artigo referido, “o âmbito material da arbitragem resume-se à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto susceptíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária, questões relativas a taxas e contribuições”.
De resto, o Tribunal Constitucional detectou já a errónea interpretação formulada, referindo no seu Acórdão n.º 545/2019, que “Em face desta redação, concluem SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE (O âmbito material da arbitragem tributária, Cadernos de Justiça Tributária, 00, abril-junho, 2013. pp. 24 e 25) que são duas as consequências que podemos assacar: (i) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas a impostos, não sendo portanto suscetíveis de recurso a arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária questões relativas a taxas e contribuições; e (ii) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas aos impostos que sejam administrados pela (hoje) Autoridade Tributária e Aduaneira – ficando então de fora os impostos administrados por outras entidades. Assim, de acordo com esta posição, não obstante a ampla designação como arbitragem tributária e a constante referência a tributos no que aos atos arbitráveis respeita, as taxas e as contribuições encontrar-se-ão, prima facie, excluídas do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais (CONCEIÇÃO GAMITO e TERESA TEIXEIRA MOTTA, A arbitrabilidade das taxas, Revista de Arbitragem Tributária n.º 2, jan. 2015, p. 21).”.
Este entendimento, de resto, será perfeitamente compreensível se se perspectivarem as especificidades próprias da arbitragem tributária, que, para além do mais, se configura como uma arbitragem necessária para a Administração Tributária e voluntária para o contribuinte, na medida em que aquela se sujeita, genericamente, à jurisdição arbitral, e este apenas se sujeita, casuisticamente, quando o entender conveniente.
Ora, esta dimensão necessária da arbitragem tributária, sobretudo num caso, como era o do regime original do RJAT, em que inexistem recursos ordinários, é juridicamente problemática, conforme o Tribunal Constitucional deu conta nos acórdãos n.º 230/2013 e 781/2013, podendo ler-se, no primeiro daqueles, que “não é aceitável, num primeiro relance, que o Estado delegue poderes de autoridade numa entidade privada, operando por essa via uma privatização orgânica da Administração relativamente ao exercício de uma certa tarefa pública, e simultaneamente renuncie também a qualquer controlo jurisdicional de mérito, através de tribunais estaduais, quanto às decisões administrativas que sejam praticadas no quadro jurídico dessa delegação de competências”.
Daí que o mesmo Tribunal haja já afirmado que:
“É que se de qualquer tribunal arbitral se pode dizer que retira a sua competência (da competência) de um tribunal do Estado, quando esta inclui matéria tributária haverá de reconhecer-se que as decisões de um tribunal arbitral tributário sobre a própria competência não podem deixar de estar submetidas a reapreciação por um tribunal do Estado, sob pena de serem as próprias atribuições deste em matéria tributária a ficar em risco.
Na verdade, a matéria tributária situa-se no âmago das atribuições do Estado, nela se evidenciando a necessária prossecução de interesses públicos absolutamente essenciais a uma comunidade politicamente organizada, razão que levou a CRP, no n.º 1 do artigo 103.º, a estatuir que “o sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado”. Se não for possível sindicar judicialmente a decisão de um tribunal arbitral tributário que, à revelia do quadro regulamentar estabelecido, se considere competente numa certa matéria, então tal significará que não existe nenhuma forma de assegurar que funções tributárias que o Estado deve exercer não lhe serão "confiscadas", sem controlo por um tribunal do Estado.
Decorrente desta circunstância, a arbitrabilidade dos litígios de natureza tributária apresenta particularidades que justificam um tratamento diferenciado relativamente à arbitragem em geral.
Por um lado, a competência dos tribunais arbitrais tributários depende de um ato administrativo, praticado sob forma de Portaria, pelos membros do Governo indicados no n.º 1 do artigo 4.º do RJAT. Quer isto dizer que o legislador se absteve de regular a competência dos tribunais arbitrais em matéria tributária, remetendo tal regulamentação para o Governo, que a exercerá dentro do quadro legal, norteado, seguramente, por razões de oportunidade e conveniência.
Por outro lado, acentuando as implicações jurídico-públicas da arbitragem tributária, note-se que a LAT, no seu artigo 29.º, exclui do direito subsidiário aplicável as normas Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro), preferindo-lhes, significativamente, para além do Código de Processo Civil, normas de diplomas claramente ligados à atividade administrativa e tributária” .
Mais esclarece o mesmo Tribunal que:
“As entidades administrativas delimitadas [na Portaria n.º 112-A/2011] não podem recusar a constituição de tribunais arbitrais, nas matérias aí previstas, se o administrado o solicitar. É, portanto, uma situação algo distinta da que ocorre na arbitragem voluntária, uma vez que as entidades administrativas estão a priori vinculadas à opção que o administrado tomar neste domínio. A lógica subjacente a um pacto arbitral em que ambas as partes do litígio acordam a sua sujeição a um tribunal arbitral, que justifica certas dimensões do regime da arbitragem voluntária, não pode ser inteiramente tida como aplicável na presente situação. Desta forma, parte do enquadramento constitucional aplicável aos tribunais arbitrais necessários deverá ser considerado aplicável neste caso, em especial no que diz respeito às garantias de independência e imparcialidade dos tribunais e de processo arbitral equitativo.”.
A remissão da vinculação da Administração Tributária para Portaria dos membros do governo responsáveis pela área das Finanças e da Justiça terá em vista, crê-se, mitigar o carácter necessário da arbitragem tributária para a Administração Tributária, convocando uma intervenção da tutela da Administração Tributária e dos serviços de justiça do Estado, no sentido de reforçar a expressão da vontade daqueles serviços na disponibilização da arbitragem tributária como meio de resolução dos litígios entre os contribuintes e o Estado.
Por outro lado, as diferenças entre impostos, taxas e contribuições financeiras são suficientes para que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais em matéria tributária não abranja, indistintamente, todos.
Como explica o Tribunal Constitucional no citado Acórdão n.º 545/2019, “é possível concluir que existem diferenças substanciais de regime entre impostos e os restantes tributos – quer ao nível do enquadramento constitucional, quer ao nível do tratamento legal aplicável, quer ao nível da atividade da administração tributária. A própria natureza distinta das categorias de tributos em causa e as respetivas condições da sua legalidade podem justificar a adoção de regimes normativos diferenciados. As referidas diferenças podem justificar um tratamento distinto relativamente ao acesso à arbitragem tributária, tendo em conta a complexidade das matérias ou o tipo de questões de validade que podem ser suscitadas, por exemplo, que não poderá, por isso, ser considerado arbitrário ou desrazoável, na medida em que tem por base figuras materialmente distintas.”.
Em face do exposto, conclui-se que está excluído do âmbito da competência material dos tribunais arbitrais tributários que funcionam sobre a égide do CAAD a apreciação de litígios que tenham por objecto a apreciação das questões relativas à Contribuição sobre o Sector Bancário.
Sustenta ainda a Requerente que a referência a “impostos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março não pode ser entendida como uma limitação intencional da vinculação da Administração Tributária aos tribunais arbitrais tributários em situações respeitantes apenas a impostos, sob pena de violação do princípio do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efectiva (cf. artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).
Sobre a questão da compatibilidade das disposições que restringem o âmbito da jurisdição arbitral às pretensões relativas a impostos com o princípio da tutela jurisdicional efectiva, teve já oportunidade de se pronunciar o Tribunal arbitral constituído no âmbito do processo 115/2018-T.
O princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, não institui a obrigatoriedade de existirem tribunais arbitrais. A existência de tribunais arbitrais apenas está prevista como uma possibilidade, no artigo 209.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. Dispõe aquele artigo que “Podem existir tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz”.
Com efeito, não sendo a existência de tribunais arbitrais obrigatória, o princípio da tutela jurisdicional efectiva encontra-se satisfeito com a possibilidade de os contribuintes recorrerem aos tribunais tributários estaduais.
Como refere a decisão do CAAD no referido processo n.º 115/2018-T, “A existência destes [tribunais tributários estaduais] é constitucionalmente imposta, pelos artigos 209.º, n.º 1, alínea b) e 212.º, n.º 3 da CRP, o que, conjugado com a não obrigatoriedade de tribunais arbitrais, impõe que se conclua que, na perspetiva constitucional, os tribunais tributários são suficientes para assegurar adequadamente a tutela jurisdicional efectiva”.
Também o Tribunal Constitucional, apreciando matéria análoga à que ora nos ocupa, julgou já, no seu referido Acórdão n.º 545/2019, que:
“A possibilidade de institucionalizar formas de composição não jurisdicional de conflitos, nos termos do n.º 4 do artigo 202.º, e de submissão de litígios a uma jurisdição arbitral, como prevê o n.º 2 do artigo 209.º, não significa que a Constituição obrigue o legislador a criar vias arbitrais para a resolução de todos os litígios ou que o recurso a um tribunal estadual não seja ainda a principal via de acesso ao direito. A criação de uma via arbitral no domínio do contencioso administrativo ou tributário não é uma obrigação do legislador, decorrente da Constituição. Aliás, com base em reservas de jurisdição estadual constitucionalmente fundadas, deve reconhecer-se a existência de certos limites à constituição de tribunais arbitrais – alguns deles precisamente no domínio de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas ou tributárias.”.
Neste contexto, como o Tribunal Constitucional afirmou no Acórdão n.º 230/2013, Plenário, ponto 13, «ainda que os tribunais arbitrais constituam uma categoria de tribunais e exerçam a função jurisdicional, não pode perder-se de vista que essa é uma forma de jurisdição privada, (…). O direito fundamental de acesso aos tribunais constitui tendencialmente uma garantia de acesso a tribunais estaduais em resultado da necessária conexão entre esse direito e a reserva de jurisdição, que apenas poderá caracterizar uma reserva de jurisdição arbitral quando o acesso ao tribunal arbitral seja livre e voluntário». A este propósito PEDRO GONÇALVES observa que a garantia do artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, é a do «direito de acesso a tribunais estaduais, não tendo sentido dizer-se que ali se garante o acesso a tribunais a constituir por iniciativa dos interessados. O que a instituição de tribunais arbitrais voluntários representa, ou pode representar, é a voluntária renúncia ao direito de acesso aos tribunais do Estado» (Entidades Privadas com Poderes Públicos, Coimbra, 2005, pág. 565, nota 450).
Por outro lado, existindo a possibilidade de recurso aos tribunais tributários estaduais que, como se viu, constitui a principal via de acesso ao direito, não se pode considerar que o regime adjectivo não proporcione aos cidadãos meios efetivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.”
Em face do exposto, improcede a alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva, invocada pela Requerente.
De harmonia com o exposto, é de julgar procedente a excepção de incompetência material deste Tribunal Arbitral por a pretensão da Requerente versar sobre um tributo não incluído na vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira nos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD.
Sendo de julgar procedente a excepção de incompetência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, fica prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo”.
As conclusões acima expostas coincidem com as posições que vêm sendo adoptadas em inúmeras decisões arbitrais, nomeadamente (só para mencionar algumas) as proferidas nos processos em 04.09.2020, no processo n.º 868/2019-T; em 01.09.2020, no processo n.º 855/2019-T; em 22.01.2020, no processo n.º 280/2019-T; em 08.11.2019, no processo n.º 123/2019-T; em 14.10.2019, no processo n.º 138/2019-T; em 04.09.2019, no processo n.º 182/2019-T, e em 14.06.2018, no processo n.º 347/2017-T.
Tais conclusões acerca da natureza da CSB enquanto contribuição financeira (com as consequência daí advenientes no que tange à competência material deste Tribunal Arbitral) encontram ainda o devido respaldo na jurisprudência que vem sendo proferida pelo STA, nomeadamente, nos recentes acórdãos de 04.06.2025, no processo n.º 01385/18.8BELRS, de 04.06.2025, no processo n.º 01205/22.9BELRS, de 12.03.2025, no processo n.º 01204/22.0BELRS, e pelo TC, nomeadamente, no acórdão n.º 268/2021, de 29.04.2021, proferido no processo n.º 1010/19, para os quais se remete por uma questão de economia.
Tendo presente a argumentação acabada de citar, que aqui não se repete sob pena da prática de actos inúteis e desnecessários no processo, proibida por força do disposto no artigo 130.º, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas e), do RJAT, conclui o presente Tribunal Arbitral pela procedência da excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido.
Com efeito, sendo a CSB é uma contribuição financeira (algo que a própria Requerente reconhece) e estando a jurisdição dos tribunais arbitrais a funcionar no seio do CAAD e a vinculação da Requerida a estes tribunais, por força do disposto nos artigo 2.º e 4.º, do RJAT, e 2.º, da Portaria de Vinculação, limitada à apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhe caiba, tal conclusão implica a absolvição da Requerida da instância por força do disposto nos artigos 9.º, do CPPT, 65.º, da LGT, 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea a), do CPTA, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, do RJAT.
Face ao sentido da decisão, fica prejudicada, porque inútil, a apreciação das demais questões suscitadas no processo.
IV. Decisão
Termos em que se decide:
a. Julgar procedente a excepção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação de uma contribuição financeira como é o caso da CSB e, em consequência, absolver a Requerida da instância;
b. Condenar a Requerente no pagamento das custas do processo.
V. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de 120.400,37 EUR, indicado pela Requerente e não impugnado pela Requerida, correspondente à utilidade económica do pedido – cfr. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT, aplicável por remissão do artigo 3.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (“CPC”), ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
VI. Custas
Custas no montante de 3.060,00 EUR a cargo da Requerente, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, 4.º, n.º 5, do RCPAT, e 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 4 de Julho de 2025
Os árbitros,
Carla Castelo Trindade (Presidente)
Marisa Almeida Araújo (relatora)
José Nunes Barata (vogal)