Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1271/2024-T
Data da decisão: 2025-07-03   Outros 
Valor do pedido: € 100.342,24
Tema: Contribuição sobre o Sector Rodoviário (CSR) - Competência dos Tribunais Arbitrais – Legitimidade activa das entidades repercutidas – Prova da repercussão.
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SUMÁRIO:

I.           A Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) é um imposto, não se verificando assim, nem a incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, nem a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição arbitral.

II.         As entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional que suportam o encargo tributário da Contribuição de Serviço Rodoviário por efeito da repercussão, têm legitimidade processual (activa) para impugnar judicialmente os actos de liquidação do imposto que incidam sobre combustíveis que tenham adquirido, como meio de reagirem contra a ilegalidade da repercussão.

III.       O ónus da prova da efectiva repercussão da contribuição de serviço rodoviário incumbe às entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, carecendo de ser demonstrada através de documentos que identifiquem o efectivo pagamento do imposto, não podendo assentar em juízos presuntivos.

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

Requerente – A..., Lda.

Requerida - Autoridade Tributária e Aduaneira

 

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitro-Presidente), Dr. Fernando Miranda Ferreira (Árbitro Vogal) e Dra. Sílvia Oliveira (Árbitro Vogal e Relatora), designados pelo CAAD para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 11-02-2025, decidiram o seguinte:

 

1.          RELATÓRIO

 

1.1.      A A..., Lda., Pessoa Coletiva com o NIPC ..., com sede na Rua ..., nº ..., no ... (adiante designada por “Requerente”), apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, no dia 02-12-2024, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do Decreto-lei nº 10/2011, de 20 Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT)], na sequência de decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente aos atos tributários de ISP dos períodos que identifica, “(…)para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à Contribuição de Serviço Rodoviário (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B..., LDA.; C..., LDA.; D..., LDA.; E..., LDA.;F..., S.A.; G... UNIPESSOAL, LDA., na sequência da aquisição de 903.362,05 (novecentos e três mil trezentos e sessenta e dois vírgula zero cinco) litros de gasóleo e de 793,62 (setecentos e noventa e três vírgula sessenta e dois) litros de gasolina, em face da qual suportou 100.342,24 Euros (…) de CSR àquelas entidades (…)” porquanto “a Requerente não se conforma com os atos tributários (…) identificados, considerando, que os mesmos enfermarem de erro sobre os pressupostos de direito, razão pela qual pretende a respetiva anulação dos mesmos com as demais consequências legais”, “designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de 100.342,24 Euros (…), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT”.

 

1.2.      No PPA, a Requerente veio ainda solicitar, ao Tribunal Arbitral, que (i) oficiasse as fornecedoras de combustíveis da Requerente “(…) a coberto do princípio do inquisitório plasmado no artigo 99.º da LGT (…)”no sentido de virem ao processo confirmar se repercutiram o encargo com a CSR, subjacente ao combustível transmitido à Requerente, para a esfera jurídica desta última e (ii) notificasse a Requerida para que oficiasse a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos para que esta entidade disponibilizasse toda a informação relevante de que dispusesse quanto aos montantes repercutidos pelas entidades comercializadoras na Requerente, enquanto consumidora de combustíveis, nos termos do artigo 15º, nº 1, da Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro.

 

1.3.      É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida”).

 

1.4.      O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD em 04-12-2024 e notificado, na mesma data, à Requerida.

 

1.5.     Em 13-12-2024, a Requerida apresentou requerimento, dirigido ao Senhor Presidente do CAAD, no sentido de “(…) informar, que analisado o pedido, não detetou a identificação de qualquer ato tributário (…) que, aliás, também não consta da plataforma do Centro de Arbitragem Tributária. Tendo em conta, que (…) a competência dos tribunais arbitrais, que funcionam no CAAD, abrange exclusivamente a apreciação direta da legalidade de ato(s) de liquidação ou de atos de segundo ou terceiro grau que tenham por objeto a apreciação da legalidade de ato(s) daquele tipo (…), do requerimento em que é formulado o pedido de constituição de tribunal arbitral deve constar a identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral (…)sendo que “(…) sem a identificação, por parte dos interessados, do ato ou atos tributários, cuja ilegalidade é invocada, não pode o dirigente máximo da AT exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT”. Assim, a Requerida veio solicitar “(…) que seja(m) identificado(s) o(s) ato(s) de liquidação cuja legalidade o requerente pretende ver sindicada, entendendo-se que o termo inicial do prazo para o exercício da faculdade prevista no artigo 13º do RJAT só ocorre após a notificação, à Autoridade Tributária e Aduaneira, da identificação, em concreto, do(s) ato(s) de liquidação cuja ilegalidade é suscitada”.

 

1.6.      Na mesma data, a Requerente foi notificada de despacho proferido pelo Senhor Presidente do CAAD no sentido de informar que “(…) na sequência da comunicação da Autoridade Tributária (…)” se enviava “(…) a mesma ao Tribunal Arbitral a constituir, por ser esse o órgão competente para a sua apreciação. (…)”.

 

1.7.      Em 23-01-2025, dado que a Requerente não procedeu à nomeação de árbitros, foram os signatários designados como árbitros pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, ao abrigo do disposto no artigo 6º, nº 2 do RJAT, tendo as nomeações sido aceites, no prazo e termos legalmente previstos.

 

1.8.      Na mesma data, foram as Partes devidamente notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de as recusar, nos termos do disposto no artigo 11º nº 1 alíneas a) e b) do RJAT e nos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

 

1.9.      Em 11-02-2025, em conformidade com o preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído, tendo sido proferido despacho arbitral, em 12-01-2025, no sentido de mandar notificar “(…) nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do art. 17.º do RJAT, (…) o dirigente máximo do serviço da administração tributária, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso [quisesse], solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que [deveria] ser remetido ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

1.10.   A Requerida, em 20-02-2025, apresentou a sua Resposta, tendo-se defendido por excepção e por impugnação e concluído que deveria “a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

1.11.   Na mesma data, a Requerida anexou ao processo cópia do Processo Administrativo.

 

1.12.   Por despacho arbitral de 21-02-2025 foi a Requerente notificada para exercer, querendo, no prazo de 10 dias, contraditório sobre as excepções suscitadas pela Requerida na Resposta, tendo apresentado, em 10-03-2025, defesa à referida matéria de excepção, reiterando o vertido no pedido de pronúncia arbitral e concluindo que “(…) por toda a fundamentação apresentada e por todos os factos provados, devem as exceções invocadas pela Requerida improcedentes”.

 

1.13.   Por despacho arbitral de 12-03-2025, foram as ambas as Partes notificadas de despacho arbitral no sentido de (a) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, (b) notificar as Partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do despacho, sendo que foi concedida à Requerida a faculdade de, caso assim o entendesse, juntar as suas alegações com carácter sucessivo relativamente às produzidas pelo sujeito passivo e, no mesmo prazo ser processado o pagamento da taxa de arbitragem subsequente (o que veio a ser comunicado ao CAAD em 02-04-2025), (c) designar o dia 02-08-2025 como prazo limite para a prolação de decisão arbitral.

 

1.14.   A Requerente apresentou as suas alegações escritas em 02-04-2025, tendo concluído como no pedido.

 

1.15.   A Requerida apresentou as suas alegações escritas em 07-04-2025, tendo concluído como na Resposta.

 

 

 

2.          CAUSA DE PEDIR

 

2.1.     A Requerente começa por esclarecer, apresentando diversas posições doutrinárias e jurisprudência que (…) a Autoridade Tributária [está] obrigada a não aplicar normas de Direito interno ordinário (…) em prol da salvaguarda do disposto na Diretiva IEC, sendo essa obrigação decorrente do princípio do primado do Direito europeu previsto nos artigos 8.º, n.º 4, da CRP e 1.º, n.º 1, da LGT, do princípio da colaboração leal e, bem assim, da cláusula geral de empenhamento na construção da União Europeia prevista no artigo 7.º, n.os 5 e 6, da CRP” pelo que “(…) estando a Autoridade Tributária obrigada à não aplicação das normas internas violadoras do Direito europeu, necessariamente se conclui que a omissão deste dever constitui erro imputável aos serviços, suscetível de justificar a aplicação do prazo alargado de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT”, no que diz respeito à revisão oficiosa de acto tributário, concluindo que “a revisão oficiosa de atos tributários prevista no artigo 78.º da LGT é assim um meio administrativo que permitir a correção de erros dos atos de liquidação de tributos, admissível em complemento aos demais meios (…) de reação contenciosa de atos tributários”.

 

2.2.     Alega a Requerente que “verificando-se, (…), uma clara violação do direito comunitário no ato de liquidação objeto do presente pedido de revisão, tem a requerente a legitimidade e o direito de requerer a restituição da CSR que lhe foi indevidamente cobrada, por erro imputável aos serviços, no prazo alargado de quatro anos estabelecido no artigo 78.º, n.º 1, da LGT”, sendo que considerada “esta imputabilidade (…) totalmente independente da demonstração de culpa de qualquer dos seus funcionários – a administração tributária está constitucionalmente obrigada a atuar em conformidade com a lei (art. 266.º da C.R.P.), pelo que, qualquer ilegalidade que não resulte da atuação do sujeito passivo, será imputável a culpa dos próprios serviços”, concluindo que “(…) tendo os atos tributários em crise sido emitidos a partir de abril de 2020, resulta manifesta a tempestividade da revisão oficiosa apresentada pela Requerente”.

 

2.3.     Alega a Requerida que “(…) existe, (…), uma situação de injustiça grave, resultante da sujeição da Requerente, por repercussão, a um encargo tributário que não lhe poderia ter sido imposto, o que se traduziu no pagamento indevido de CSR no montante de 100.342,24 Euros (…)”.

 

2.4.     Por outro lado, “(…) tendo a Requerente suportado o encargo tributário (…) em virtude da respetiva repercussão na sua esfera jurídica, é evidente a ausência de negligência sua impeditiva da aplicação do disposto no artigo 78.º, n.º 4, da LGT, porquanto a Requerente esteve necessariamente ausente do procedimento tendente à liquidação do tributo” e “(…) não se verifica sequer negligência do próprio sujeito passivo da CSR, uma vez que, nos termos do artigo 11.º do CIEC, (…), a liquidação da CSR é efetuada pela Autoridade Tributária sem qualquer intervenção do sujeito passivo”.

 

2.5.     Esclarece a Requerente que apresentou “(…) por correio registado com AR, [pedido de] revisão oficiosa no dia 30 de abril de 2024, para a Alfândega do Freixieiro, a requerer que fossem anulados os atos de liquidação indevidamente emitidos, e a devolução do valor invalidamente cobrado”, pedido que foi recebido “(…) no dia 2 de maio do mesmo ano (…)”, não tendo a Requerida se pronunciado “(…) dentro do prazo de 4 meses -, consubstanciando, deste modo um indeferimento tácito, pelo que, nos termos do artigo 57.º n.º 5 da LGT, 102.º n.º 1 alínea d) do CPPT e 10.º n.º 1 alínea a) do RJAMT, a Requerente vem apresentar o presente pedido de constituição de tribunal arbitral”.

 

2.6.     Prossegue a Requerida referindo que “(…) é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção de edifícios” e que “no período compreendido entre abril de 2020 e dezembro de 2022, a Requerente adquiriu, no âmbito da sua atividade comercial, 903.362,05 (…) litros de gasóleo e de e de 793,62 (…) litros de gasolina às sociedades B..., LDA.; C..., LDA.; D..., LDA.; E..., LDA.; F..., S.A. e G..., LDA. (…)”, que identifica como “Gasolineiras”, indicando para cada um dos anos (2020, 2021 e 2022) os litros de combustível (gasóleo e gasolina) abastecidos, no montante total de, respectivamente, 903.362,05 litros e de 793,62 litros, bem como a CSR que alega ter suportado, no montante de EUR 100.273,19 e de EUR 69,05.

 

2.7.         Segundo alega a Requerente, “o preço (…) pago [pela] (…) compra do combustível compreendeu, por força da repercussão efetuada pelas referidas Gasolineiras, os montantes suportados (…) a título de CSR aquando da introdução dos combustíveis no consumo, ascendendo o encargo tributário repercutido sobre a Requerente a 100.342,24 Euros (…)” e, “por não se conformar com os atos tributários em questão, a Requerente apresentou a revisão oficiosa e a presente pronúncia arbitral, no âmbito da qual expõe as razões em que alicerça a sua posição e pelas quais considera padecerem tais atos de ilegalidade, determinante da respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, tudo com as demais consequências legais”, porquanto entende que “(…) tais atos tributários são ilegais e, consequentemente, anuláveis, em virtude (i) da preterição do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, da violação do princípio do primado do Direito europeu ínsito no artigo 8.º, n.º 4, da CRP; e (ii) da violação do princípio da igualdade fiscal, decorrente da violação do subprincípio da capacidade contributiva, ínsitos no artigo 13.º da CRP”.

 

2.8.     Em síntese, pelos argumentos que apresenta, conclui a Requerente que “(…) a menos que se identifique uma contraprestação administrativa que presumivelmente beneficie o conjunto dos sujeitos passivos da CSR – ou, em alternativa, que se verifique uma motivação extrafiscal que, visando modelar o comportamento desses mesmos sujeitos passivos, justifique a imposição deste tributo –, a mesma não poderá ser configurada como uma contribuição financeira, antes sendo um verdadeiro imposto” citando diversas decisões arbitrais nesse sentido, acrescentando que “(…) a simples introdução no consumo de combustíveis fósseis não denota qualquer utilização por parte das gasolineiras da rede rodoviária nacional, não se identificando por isso qualquer contraprestação destinada a estas entidades que justifique onerá-las com o encargo tributário” e, “pelo mesmo motivo, não se identifica qualquer objetivo extrafiscal que justifique a liquidação e cobrança deste tributo à gasolineira, uma vez que, mesmo que se entendesse ter a CSR subjacente qualquer motivação extrafiscal tendente à redução da circulação de veículos particularmente poluentes (…) nunca a mesma se relacionaria com o comportamento destas entidades mas tão-só, e no limite, com o dos clientes que adquirem o gasóleo e a gasolina”.

 

2.9.     Assim, entende a Requerente que “(…) não se identifica qualquer contraprestação destinada (…) aos sujeitos passivos da CSR que permita configurar este tributo como uma contribuição financeira, nem tão-pouco se verifica qualquer motivação extrafiscal que justifique a incidência da CSR”.

 

2.10.  Segundo alega a Requerente, “olhando (…) para o conjunto dos contribuintes sobre os quais vai recair – por repercussão – o encargo inerente à CSR, conclui-se que os mesmos serão os adquirentes de combustíveis fósseis, os quais serão à partida titulares de veículos com motores de combustão que utilizarão presumivelmente as estradas portuguesas” mas “(…) por um lado, nem todas as estradas portuguesas se integram na rede rodoviária nacional (…) caso em que não se justifica onerá-los com um encargo relativo à construção e manutenção de vias que nem sequer utilizam –, e, por outro, nem todos os utilizadores da rede rodoviária nacional são adquirentes destes combustíveis – verificando-se, aliás, um aumento progressivo no número de veículos elétricos em circulação em Portugal, os quais serão também utilizadores das vias rodoviárias a cargo da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.”.

 

2.11.  Assim, entende a Requerente que, “(…) com a afetação das receitas provenientes da CSR a uma entidade que não se dedica apenas à construção e manutenção da rede rodoviária nacional, não pode sequer inferir-se que as receitas se dirigem ao fim que vem descrito no artigo 6.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, antes se destinando ao financiamento da atividade da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., a qual inclui também a construção e manutenção da ferrovia”, concluindo a Requerente “(…) pela ausência de qualquer contraprestação indireta e presumivelmente destinada aos contribuintes sobre quem recai o encargo da CSR – os repercutidos – que justifique a sua oneração com este tributo”.

 

2.12.  Nestes termos, conclui a Requerente que “(…) a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, limita-se a consignar genericamente a receita decorrente da CSR à INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., não estabelecendo qualquer contrapartida indireta ou presumivelmente aproveitada pelos sujeitos passivos da CSR nem tão-pouco evidenciando qualquer objetivo extrafiscal de modelação de comportamentos desses mesmos sujeitos passivos” e, “neste contexto, não pode senão concluir-se que a CSR é, não uma contribuição financeira, mas um verdadeiro imposto, dado o seu carácter inequivocamente unilateral” concluindo pela competência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido.

 

2.13.  Prossegue a Requerente referindo que “(…) tendo suportado o encargo inerente às liquidações de CSR acima identificadas, é titular de um interesse legalmente protegido tendente à respetiva anulação e ao reembolso dos montantes ilegalmente liquidados, (…)”, como pretende demonstrar, pelo que “(…) terá de se concluir necessariamente que o repercutido será, independentemente da modalidade de repercussão, titular de um interesse legalmente protegido justificativo da atribuição de legitimidade procedimental e processual para discussão da legalidade da dívida tributária, tudo nos termos dos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 65.º da LGT, e 9.º, n.º 1, do CPPT”.

 

2.14.  “Neste contexto, sendo indiscutível a repercussão efetiva do encargo tributário na esfera jurídica da Requerente, e tendo disso a Autoridade Tributária perfeito conhecimento, necessariamente se conclui, nos termos dos supra referidos artigos 9.º, n.os 1 e 2, e 65.º da LGT, e 9.º, n.º 1, do CPPT, que a Requerente tinha legitimidade para a apresentação do pedido de revisão oficiosa, assim como da apresentação da presente pronúncia arbitral, o que se invoca para os devidos efeitos legais”.

 

2.15.  “Não obstante, caso o considere necessário, requer-se ao Tribunal Arbitral que, a coberto do princípio do inquisitório plasmado no artigo 99.º da LGT, oficie a fornecedora “B..., LDA.; C..., LDA.;D..., LDA.; E..., LDA.; F..., S.A. e G... UNIPESSOAL, LDA.”, no sentido de vir confirmar se repercutiram o encargo com a CSR, subjacente ao combustível transmitido à Requerente, para a esfera jurídica desta última” e, “(…) estando os comercializadores de combustíveis obrigados, nos termos do artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, a disponibilizar informação quanto aos montantes repercutidos nos consumidores, e sendo a página web dos comercializadores obrigatoriamente comunicada à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (cfr. artigo 15.º, n.º 1, do mesmo diploma), requer-se à Autoridade Tributária que oficie esta entidade a disponibilizar toda a informação relevante de que dispõe – e que não seja já possível consultar online –, a qual inequivocamente atestará ter o encargo tributário em referência sido repercutido na esfera jurídica da Requerente”.

 

2.16.  Prossegue a Requerente referindo que “como ficou demonstrado (…), a CSR é um imposto que incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos a ISP e dele não isentos (…)”, alegando que este diploma viola a Directiva IEC, porquanto “(…) a legalidade da CSR dependerá, antes de mais, da demonstração da existência de motivos específicos que, à luz da Diretiva IEC, justifiquem a sua liquidação e cobrança” e “como decorre da jurisprudência do TJUE, os motivos específicos justificativos da imposição de outros encargos tributários sobre os produtos sujeitos a Impostos Especiais de Consumo não podem reconduzir-se a razões puramente orçamentais – cfr., neste sentido e entre outros, os acórdãos Comissão c. França (Processo C-434/97, §19); EKW e Wien & Co. (Processo C-437/97, §31); Hermann (Processo C-491/03, §16); e Vapo Atlantic (Processo C-460/21, §23)”.

 

2.17.  Alega a Requerente que, “(…) a afetação da receita proveniente da liquidação e cobrança da CSR à INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. é insuscetível de, por si só, demonstrar a existência de um motivo específico na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC, uma vez que se reconduz a uma finalidade puramente orçamental”, citando o Acórdão Vapo Atlantic e o Acórdão Jordi Besora (ambos do TJUE) e concluindo que “(…) a diretiva exige para além da motivação orçamental subjacente a qualquer imposto, que se identifique um outro propósito, designadamente de cariz económico, social ou ambiental, que justifique a tributação”.

 

2.18.  Assim, para a Requerente, “(…) necessariamente se conclui que inexiste qualquer motivo específico que, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC, justifique a imposição da CSR, uma vez que (i) não se identifica qualquer objetivo extrafiscal distinto do subjacente ao ISP e (ii) a receita decorrente da CSR pode ser indistintamente afeta à atividade da INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. relacionada com a rede rodoviária nacional e com a rede ferroviária nacional” e, “prevalecendo o Direito europeu sobre o Direito interno conflituante dos Estados-Membros, tendo em consideração o princípio do primado previsto no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, conclui-se pela prevalência do primeiro sobre o segundo, impondo-se a não aplicação da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto (…) sendo consequentemente ilegais todas as liquidações de CSR efetuadas ao abrigo deste diploma legal”.

 

2.19.  Nestes termos, conclui a Requerente que, “(…) são ilegais e, consequentemente, anuláveis ao abrigo do artigo 163.º do CPA, as liquidações de CSR (…) identificadas (…), em virtude da violação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva IEC e, por via disso, do princípio do primado do Direito europeu, estabelecido no artigo 8.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais”, requerendo que o Tribunal Arbitral proceda à anulação dos actos tributários em crise e determine o reembolso à Requerente dos montantes neles plasmados e por si suportados, com as demais consequências legais.

 

2.20.  Alega ainda a Requerente a inconstitucionalidade da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, por preterição do princípio da igualdade porquanto dado que “(…) o princípio da igualdade fiscal, previsto no artigo 13.º da CRP, impõe que os impostos sejam pagos por todos os contribuintes na medida da respetiva capacidade contributiva, uma vez que as utilidades financiadas com as receitas deles provenientes são igualmente aproveitáveis por todos”, “se um imposto vem, por exemplo, onerar em exclusivo (ou mais intensamente) alguns cidadãos ou setores de atividade, terá necessariamente de concluir-se pela respetiva inconstitucionalidade por violação do mencionado princípio fundamental da igualdade” pelo que, “(…) ao fazer incidir um imposto sobre um conjunto restrito de contribuintes, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, padece de inconstitucionalidade material, por preterição do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, na medida em que onera de forma injustificada um conjunto de contribuintes em face do seu setor de atividade económica, fazendo-os contribuir em maior medida para o financiamento de funções do Estado igualmente aproveitáveis por todos os cidadãos”.

 

2.21.  E, “sendo inconstitucional o seu regime jurídico, são consequentemente ilegais todas as liquidações de CSR, designadamente, as (…) identificadas (…), o que naturalmente implica a sua anulação nos termos do artigo 163.º do CPA e a consequente restituição dos montantes ilegalmente liquidados e subsequentemente repercutidos na esfera jurídica da Requerente, com as demais consequências legais”.

 

2.22.  Entende ainda a Requerente que “sendo a presente impugnação considerada procedente, deve a Requerente ser reembolsada do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT” porquanto “padecendo os atos tributários de liquidação do vício de violação de lei, como amplamente ficou demonstrado, impõe-se a respetiva anulação nos termos do artigo 163.º do CPA, o que não poderá deixar de ser reconhecido em sede da presente pronúncia arbitral”.

 

3.          RESPOSTA DA REQUERIDA

 

3.1.     A Requerida, na Resposta apresentada, apresentou defesa por excepção e por impugnação, começando por referir que “(…) carece o presente pedido de pronúncia arbitral (…) de qualquer fundamento de facto ou de direito, devendo, consequentemente, ser declarado totalmente improcedente, por não fundado e não provado”.

 

3.2.     Preliminarmente, alega a Requerida que “vem a Requerente no (…) (PPA) requerer a anulação dos atos tributários de liquidação respeitante à (…) (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores (…) com o fundamento de ter (…) “suportado” na íntegra a CSR (…), apurando o (alegado) valor de reembolso com base em faturas” entendendo a Requerida que “são, assim, chamados à colação dois tipos de documentos distintos: (a) a liquidação de CSR, que é apurada através do Documento de Introdução ao Consumo (DIC), que contem todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável, (…) bem como a liquidação do imposto correspondente, o qual a Requerente pretende a sua anulação, e (b) a fatura, um documento fiscalmente relevante (…)”, realçando a Requerida que “da DIC resulta um ato tributário stricto sensu, a liquidação de CSR da competência da AT e impugnável nos termos do artigo 51º (…) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (…)” mas “já da fatura não resulta qualquer ato imputável à AT, quer tributário, quer administrativo em matéria tributária. (…).”.

 

3.3.     Alega ainda a Requerida que “segundo a Requerente, terão sido as suas fornecedoras, os operadores económicos que procederam à introdução no consumo dos produtos petrolíferos que aquelas vieram posteriormente a adquirir” e que “(…) aquelas entidades, na qualidade de sujeitos passivos, terão entregue nos cofres do Estados os valores de CSR apurados nos atos de liquidação respetivos” contudo, refere a Requerida que “(…) a Requerente labora em equívoco, pois que daquelas [fornecedoras de combustíveis], apenas a D..., Lda., - antiga H..., Lda., (…) é titular de estatuto fiscal (destinatário registado temporário), podendo, enquanto tal, terem sido sujeito passivo de ISP/CSR” mas, segundo entende a Requerida, “(…) a mesma não admite o fenómeno da repercussão da CSR dado que tem vindo a impugnar junto do tribunal arbitral liquidações de CSR na qualidade de sujeito passivo (cfr. processos 538/2024-T, 664/2024-T e 1320/2024-T)”.

 

3.4.     Neste âmbito, refere ainda a Requerida que “(…) desconhecendo-se (…) quais os entrepostos fiscais em que foram introduzidos no consumo os combustíveis adquiridos pela Requerente, pode inclusivamente suceder que não seja o fornecedor titular de estatuto fiscal em sede de ISP, no caso a D..., Lda, a entidade gestora de tal entreposto fiscal (…)”.

 

3.5.     Prossegue a Requerida referindo que “(…) quanto a B..., Lda., (…),  C..., Lda., (…), E..., Lda., (…), F..., S.A., (…), G... Unipessoal, Lda. (antiga I...) (…), não são (nem eram à data dos factos) titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP e como tal não poderão ter sido responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem pelo pagamento da CSR correspondente (…)” porquanto “(…) estes operadores económicos configuram, quanto muito, meros intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis (…)”, “denotando-se aqui a inexistência de relação entre DIC e faturas”.

 

3.6.     Assim, alega a Requerida que “(…) cumpre desde já denunciar a errónea identificação, pela Requerente, das entidades (B..., Lda., C..., Lda., E..., Lda., F..., S.A. e G... Unipessoal, Lda.) como sujeitos passivos, circunstância relevante não apenas em sede de defesa por impugnação como também para profícua apreciação das exceções que (…) se elencam”.

 

 

 

3.7.     Por outro lado, alega a Requerida que, “defendendo a Requerente que a CSR é um imposto sem motivos extrafiscais assente no princípio da capacidade contributiva, o mesmo perde a sua natureza de imposto especial de consumo, caracterizado pela sua natureza parafiscal e por assentar na observância do princípio da equivalência e não da capacidade contributiva, (…) porquanto, defendendo a Requerente que a CSR não se trata de um imposto especial de consumo não se vislumbra base jurídica para o raciocínio da sua repercussão”.

 

3.8.     Ora, segundo entende a Requerida, “é doutrinaria e jurisprudencialmente pacífico que o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta”, “o que significa, que não sendo o legislador tributário alheio ao regime da repercussão, (…), não deve a Requerente, (…), vir fundamentar a sua legitimidade em interpretações sem correspondência na letra da lei”.

 

3.9.     Prossegue a Requerida efectuando, preliminarmente, considerações sobre a “(…) questão da repercussão, basilar no caso concreto”, caracterizando-a como sendo “(…) um conceito económico e contabilístico [que] traduz, tal como advém da sua conceptualização, um efeito económico da tributação em geral, e não apenas da tributação sobre o consumo”.

 

3.10.  Para a Requerida, “um qualquer imposto/contribuição irá integrar os custos do seu Sujeito Passivo através da repercussão, (…)”, importando “(…) realçar que esta repercussão implica que o imposto/contribuição perca a sua natureza tributária para assumir uma natureza exclusivamente económica, de custo”, “pelo que, consciente desta realidade, o legislador, nos casos em que pretendeu atribuir relevância jurídico-tributária ao fenómeno da repercussão, criou a figura da repercussão legal” sendo que, “nesta, (…), o legislador pretendeu manter os efeitos do imposto/contribuição no âmbito da relação tributária (…)”, distinguindo-a da repercussão económica.

 

3.11.  Segundo entende a Requerida, “(…) em respeito ao Princípio da Legalidade (…), sendo proibida a interpretação segundo considerações económicas, torna-se inconstitucional a interpretação dos artigos 9.º n.º 1 do CPTT, (“interesse legalmente protegido”), e artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, (“repercussão legal”), através da qual se equipare o consumidor ao contribuinte” porquanto, “no caso do consumidor, e em observância aos princípios basilares e hermenêutica do Direito Tributário, o legislador não pretendeu atribuir qualquer efeito jurídico à repercussão, exatamente porque se deixa de se estar perante um tributo para ficar perante um custo do bem, cujo preço vai ser suportado pelo consumidor, que não assume outra qualquer posição jurídica em matéria tributária, que já findou”, concluindo que “não existe interesse legitimo, interesse legalmente protegido, nem se atende à capacidade contributiva do consumidor, mas apenas à sua capacidade económico-financeira (…)”.

 

3.12.  Assim, conclui a Requerida, “(…) nos termos conjugados das normas do n.º 1 do artigo 11.º da LGT a com o artigo 9.º do Código Civil (CC), onde a lei não distingue não cabe ao intérprete distinguir, sendo o elemento gramatical o primeiro e principal ponto de partida na interpretação da lei” e que é “(…) doutrinária e jurisprudencialmente pacífico que o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não consta”, concluindo que “uma interpretação extensiva da letra das normas do artigo 9.º n.º 1 do CPTT, e artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, para além de inconstitucional, nega ao Direito Tributário o seu papel de instrumento de intervenção do Estado na economia”, pelo que “(…) não cabe(rá) ao intérprete criar efeitos jurídicos a realidades económicas através da confusão de conceitos: a repercussão é um conceito económico sem efeitos na relação jurídico-tributária e a repercussão legal é um conceito jurídico com efeitos (regulamentos e previstos) na relação jurídico-tributária”.

 

 

 

3.13.  Prossegue a Requerida efectuando o enquadramento fáctico-normativo da CSR e o seu contexto actual, concluindo que “(…) a questão jurídica relacionada com a alegada ilegalidade da liquidação da CSR, (…), por ser um tributo desconforme ao Direito da União Europeia, (…), tendo por base o entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, tem vindo a ser suscitada junto do CAAD por diversos sujeitos passivos de ISP/CSR” apresentando, de seguida, a seguinte matéria de excepção.

 

Defesa por excepção

 

3.14.  No que diz respeito à defesa por excepção, suscita a Requerida a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, a excepção da ineptidão da Petição inicial por falta de objecto e por ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir e a excepção da caducidade do direito de acção, as quais serão analisadas no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

Defesa por impugnação

 

3.15.  Adicionalmente, a Requerida apresenta defesa por impugnação, alegando que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega, designadamente que (…) pagou e suportou integralmente o encargo do pagamento da CSR por repercussão” sendo que, para a Requerida, “(…) não é admissível, a posteriori, que se confundam as regras do ónus da prova e respetivas consequências legais no que concerne aos factos a dar (ou não) como provados com quaisquer construções de raciocínio que eventualmente equacionem e se baseiem em “presunções” sem qualquer sustento fáctico ou legal, sob pena de subversão inconstitucional do sistema do ónus da prova e de princípios que merecem tutela constitucional, designadamente segurança jurídica”, “nem é admissível que, atenta a regra geral prevista no n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, se diga que incumbe à AT fazer a prova da não repercussão, entendendo a jurisprudência que, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, a maior complexidade da prova de factos negativos necessitará de ter como resultado uma menor exigência probatória por parte do magistrado, mas não uma inversão do ónus da prova (cf. acórdão do STA de 17-12-2008, proferido no Processo n.º 0327/08)”.

 

3.16.  Com efeito, “(…) exigir que seja a Requerida a fazer prova de que não houve repercussão, isto é, fazer prova de facto negativo, configura uma exigência (…) inconstitucional por violação dos princípios da proporcionalidade, da tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo, preceituados nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do direito ao contraditório e à ampla defesa”, “não se podendo, igualmente, presumir a existência de repercussão quando, (…), estamos perante uma repercussão que não é legal, mas meramente económica ou de facto”, “pelo que não se aceita e se impugna, (…), o vertido nos artigos do pedido arbitral relativos ao pagamento da CSR, colocando-se em causa e não se podendo dar como provado que a Requerente pagou na integra a CSR alegadamente repercutida na aquisição das quantidades de combustível em apreço e a correspondência dos documentos juntos com o pedido arbitral com a realidade dos factos”, impugnando a Requerida “(…) o teor do pedido arbitral, porquanto do mesmo não se retiram os factos que a Requerente pretende dar como provados”, impugnando especificamente diversos artigos do PPA e impugnando “(…) igualmente o teor dos documentos (…) faturas anexas ao pedido arbitral, porquanto não servem como prova dos factos alegados pela Requerente”.

 

3.17.  Assim, segundo alega a Requerida, “(…) considera-se que nenhum dos elementos de prova apresentados, sustentam qualquer alegado facto invocado no pedido arbitral, nomeadamente que o valor pago pelos combustíveis que o Requerente adquiriu, tem incluída a totalidade (ou sequer, parte) da CSR paga pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem constitui prova bastante quanto aos valores alegadamente pagos/suportados a título de CSR, o que deve ser devidamente valorado em termos de prova (…)”, reiterando que “(…) impendia sobre a Requerente o ónus de tal prova”, bem como “(…)o ónus de provar que o preço dos serviços prestados aos seus clientes, não comportou, a jusante, a repercussão da CSR, por forma a poder sustentar que suportou de forma efetiva o encargo daquele tributo” porquanto “sendo (…) a prova de pagamento da CSR (…) um facto positivo (…) não é prova suficiente justificar a ocorrência de uma efetiva repercussão desse tributo, assente em meros juízos presuntivos, sem efetuar a demonstração objetiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas”, citando para este efeito o teor da decisão arbitral proferida, em 15/02/2024, no âmbito do processo n.º 452/2023-T.

 

3.18.  Por outro lado, alega a Requerida que “afirma, a Requerente, que adquiriu combustível aos seus fornecedores, mas não identifica quaisquer atos de liquidação de CSR e/ou datas em que aqueles teriam sido efetuados, em decorrência das DIC submetidas pelo sujeito passivo de ISP/CSR, que possa permitir estabelecer uma qualquer relação entre o combustível (…) adquirido pela Requerente à sua fornecedora e as liquidações de CSR suportadas, a montante, pelo sujeito passivo” reiterando que “(…) essa identificação seria essencial”,  “(…) porque, nos processos em que os sujeitos passivos de ISP/CSR têm vindo, eles próprios, a impugnar, administrativa e judicialmente, as liquidações de CSR, aqueles têm apresentado as DIC, e/ou os DUC e/ou documento comprovativo do pagamento do ISP”.

 

3.19.  Segundo alega a Requerida, “(…) a admitir-se a condenação da AT à restituição dos montantes que a Requerente alegadamente suportou, a título de CSR, sem a exata identificação do ato tributário em causa, poderia conduzir ao absurdo de a AT vir a ser, sucessivamente, condenada a pagar os mesmos montantes de CSR, mais do que uma vez (…)” e, “admitindo (…) que o valor pago pelo combustível adquirido engloba as imposições pagas, os montantes referenciados no requerimento, que a Requerente entende que pagou em sede de CSR são incorretos, uma vez que se limitou a aplicar à quantidade de litros fornecidos (…) a taxa de CSR que se encontrava em vigor (…)” mas, “(…) não tendo existido certificação da medição da temperatura na descarga do combustível adquirido (…), é impossível (…) determinar a unidade tributável para efeitos de determinação da CSR e, consequentemente, saber, a eventual parte da CSR incluída no preço pago pelo combustível adquirido”.

 

3.20.  Entende ainda a Requerida ser “(…) relevante atender ao teor da redação dos pontos 33.º e 34.º do despacho do (…) TJUE datado de 7 de fevereiro de 2022 no âmbito do processo n.º C-460/21”, porquanto “(…) em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR, para além de tal Despacho do TJUE (…) [ter] apenas força de caso julgado formal e por conseguinte apenas tem força obrigatória dentro do próprio processo em que foi proferida” e, “não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal”, não está “(…) o ordenamento jurídico português em contradição (…) com o Direito da União Europeia”, “inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia (…)”.

 

3.21.  Adicionalmente, defende a Requerida que “(…) agindo (…) em conformidade com a legislação nacional e europeia em vigor”, não se verifica “(…) no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços” porquanto “(…) no caso sub judice, há que considerar que o pedido arbitral foi efetuado na sequência do pedido de revisão oficiosa apresentado em 02-05-2024 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira” e, “neste âmbito, a alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT, consagra um critério especial para os casos em que seja apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação, dispondo que são também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: a) (…); b)(…); c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária. (…)”, citando para o efeito Acórdão do Pleno do STA de 20-05-2020 (processo nº 0630/18.4BALSB), nos termos do qual de decidiu que “(…) formulado pelo sujeito passivo o pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação e vindo o acto a ser anulado, ainda que em processo arbitral após o indeferimento tácito daquela revisão, os juros indemnizatórios só serão devidos depois de decorrido um ano, contado da apresentação do pedido de revisão, atá à data do processamento da respectiva nota de crédito, e não desde a data do pagamento do imposto (…)”.[2]

 

3.22.  Nestes termos, segundo entende a Requerida, “(…) dado que no caso concreto o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 02-05-2024, só haveria lugar, em sintonia com a jurisprudência citada, ao pagamento de juros indemnizatórios um ano após a apresentação daquele pedido, face ao estabelecido na alínea c), do n.º 3, do artigo 43.º da LGT”.

 

3.23.  Nestes termos, conclui a Requerida a sua Resposta, defendendo que “face a todo o exposto, deve o Tribunal arbitral decidir como aqui propugnado pela Requerida, no sentido da improcedência do pedido de anulação do indeferimento tácito dos pedidos de revisão oficiosa, bem como da anulação parcial da(s) liquidação(ões) de ISP/CSR, não havendo, consequentemente, lugar ao reembolso da CSR alegadamente repercutida, nem ao pagamento de juros indemnizatórios” pelo que “nestes termos (…) deverá: a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

 

 

4.          SANEADOR

 

4.1.     O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea a), artigos 5º e 6º, todos do RJAT e é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

 

Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

4.2.     As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas quanto ao pedido de pronúncia arbitral e estão devidamente representadas, nos termos do disposto nos artigos 4º e 10º do RJAT e do artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.

 

Neste âmbito, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

4.3.     O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo tendo em conta a sua apresentação no prazo previsto na alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT.

 

Nesta matéria, tendo em consideração que a Requerida veio suscitar, na Resposta apresentada, a excepção da caducidade do direito de acção suportado na intempestividade do pedido arbitral e do pedido de revisão oficiosa previamente apresentada, desde já se adianta que se irá considerar a mesma como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

4.4.     A Requerida veio ainda suscitar, na Resposta apresentada, e para além das acima já referidas, a excepção da ineptidão da Petição Inicial pela alegada falta de objecto e por ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir, a qual será também considerada como improcedente na análise que irá ser realizada, preliminarmente, no Capítulo 6. desta decisão arbitral.

 

4.5.     Não foram suscitadas quaisquer outras excepções de que cumpra conhecer nem se verificam nulidades.

 

5.          MATÉRIA DE FACTO

 

5.1.   Preliminarmente, e no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada [cfr. artigo 123º, nº 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e artigo 607º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29º, nº 1, alíneas a) e), do RJAT].

 

5.2.   Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.

 

Dos factos provados

 

5.3.     A Requerente é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à construção de edifícios.

 

5.4.     No âmbito da sua actividade comercial, a Requerente, no período compreendido entre Abril de 2020 e Dezembro de 2022, adquiriu 903.362,05 (novecentos e três mil trezentos e sessenta e dois vírgula zero cinco) litros de gasóleo e 793,62 (setecentos e noventa e três vírgula sessenta e dois) litros de gasolina às sociedades a seguir identificadas (adiante designadas por “Gasolineiras”), em conformidade com o teor dos docs nº 1, 2 e 3, anexados, pela Requerente, com o PPA:

 

-B..., LDA.;

-C..., LDA.;

-D..., LDA.;

-E..., LDA.;

-F..., S.A. E,

- G... UNIPESSOAL, LDA.

 

5.5.     O montante total de CSR que a Requerente alega ter suportado, nos anos de 2020 (Abril a Dezembro), 2021 e 2022 (Janeiro a Dezembro), ascende a um total de EUR 100.342,24, em conformidade com o doc. nº 1 e doc. nº 5, anexados com o PPA.

 

5.6.     O montante da CSR quantificada no pedido teve por base (i) o rácio de EUR 111 por cada 1.000 litros de gasóleo (artigo 4º, nº 2 da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, em vigor à data dos factos) e (ii) o rácio de EUR 87 por cada 1.000 litros de gasolina.

 

5.7.     De acordo com os documentos anexados pela Requerente (doc. nº 1, 2 e 3, anexados com o PPA) os litros de combustíveis adquiridos anualmente, bem como a CSR alegadamente suportada, foram os seguintes (montante em Euros):

ANO

GASÓLEO

MONTANTE CSR 

GASOLINA

MONTANTE CSR

2020

300.497,00 €

33.355,17

467,40

40,66

2021

346.746,05

38.488,81

326,22

28,38

2022

256.119,00

28.429,21

 

 

TOTAL

903.362,05

100.273,19

793,62

69,05

 

 

 

5.8.     A Requerente anexou para cada um dos períodos objecto do pedido (Abril/2020 a Dezembro/2022), cópia das facturas emitidas pelas fornecedoras dos combustíveis (identificadas no ponto 5.4., supra), em conformidade com o doc. nº 5 anexado com o PPA.[3]

 

5.9.     Nas facturas referidas no ponto anterior não há evidência de qualquer repercussão de CSR (vide ponto 5.19. dos factos não provados), em conformidade com o doc. nº 5 anexado com o PPA.

 

5.10.  A Requerente remeteu no dia 30-04-2024, por correio registado com AR, para a Alfândega do Freixieiro, pedido de revisão oficiosa abrangendo os actos de liquidação de ISP relativos aos períodos de 04/2020, 05/2020, 06/2020, 07/2020, 08/2020, 09/2020, 10/2020, 11/2020, 12/2020, 01/2021, 02/2021, 03/2021, 04/2021, 05/2021, 06/2021, 07/2021, 08/2021, 09/2021, 10/2021, 11/2021, 12/2021, 01/2022, 02/2022, 03/2022, 04/2022, 05/2022, 06/2022, 07/2022, 08/2022, 09/2022, 10/2022, 11/2022 e 12/2022, alegadamente liquidados e pagos pelas empresas identificadas no ponto 5.4., supra (globalmente denominadas por Gasolineiras), na parte correspondente à CSR alegadamente paga (através do mecanismo de repercussão) pela Requerente (em conformidade com o processo administrativo e com o doc. nº 4 do PPA).

 

5.11.  O pedido de revisão oficiosa foi recebido pela Requerida em 02-05-2024, não tendo a mesma se pronunciado, dentro do prazo de quatro meses, sobre o referido pedido de revisão oficiosa tendo, em consequência, se formado, em 02-09-2024, a presunção de indeferimento tácito ao abrigo do disposto 57º, nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT).

 

5.12.  A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral, em 02-12-2024, com vista à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR, alegadamente suportada pela Requerente, relativos aos períodos de Abril/2020 a Dezembro de 2022, peticionando a inerente devolução do total dos montantes que alega ter suportado (que quantifica em 
EUR 100.342,24), acrescido dos juros indemnizatórios a calcular nos termos do artigo 43º, nº 1 e 100.º n.º 1 da LGT.

 

Dos factos não provados

 

5.13.  Não se provou que a Requerida, na sequência da apresentação do pedido de revisão oficiosa pela Requerente, tenha efectuado qualquer diligência, designadamente, tendo em vista apurar junto de cada uma das entidades emitentes das facturas de venda de combustíveis à Requerente quais as liquidações de CSR que lhe estavam subjacentes.

 

5.14.  Não se provou que a B..., Lda., a C..., Lda., a E..., Lda., a F..., S.A., e a G... Unipessoal, Lda. (antiga I...) eram, à data dos factos, titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP, podendo estes operadores económicos configurar meros intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis.

 

5.15.  Ainda que possa ser dado como provado, em função do alegado pela Requerida e por conhecimento do Tribunal Arbitral que a D..., Lda. (antiga H..., Lda.) é titular de estatuto fiscal, sendo por isso passivo de ISP/CSR, não se provou que a mesma tenha repercutido CSR nas facturas que emitiu à Requerente.

 

5.16.  Não se provou que as empresas identificadas nos pontos anteriores foram responsáveis pela introdução dos produtos no consumo nem pelo pagamento da CSR correspondente, denotando-se a inexistência de relação entre as DIC e as faturas por eles emitidas à Requerente.

 

5.17.  Não se provou quais as liquidações que a Requerida emitiu relativamente ao combustível fornecido à Requerente pelas empresas que identifica e designa como Gasolineiras (vide ponto 5.4., supra).

 

5.18.  Não se provou que a Requerente pudesse identificar essas liquidações de CSR pois não é sujeito passivo e não tinha de ser notificada das referidas liquidações.

 

5.19.  Não se provou que nas facturas emitidas pelas fornecedoras dos combustíveis (identificadas no ponto 5.4., supra), em cada um dos períodos objecto do pedido (Abril/2020 a Dezembro/2022), tenha havido qualquer repercussão de CSR na Requerente, em conformidade com o doc. nº 5 anexado com o PPA.

 

5.20.  Não se provou, assim, que a Requerente tenha suportado, por via da repercussão do imposto, a quantia global de EUR 100.342,24 a título de CSR, entre os anos de 2020 e 2022.

 

5.21.  Não se verificaram quaisquer factos como não provados com relevância para a decisão arbitral.

 

Motivação quanto à matéria de facto

 

5.22.  No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se, para além da livre apreciação das posições assumidas pelas Partes e no teor dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pela Requerida (processo administrativo).

 

5.23.  Para fazer a prova da repercussão, a Requerente limitou-se a juntar ao pedido arbitral um conjunto de facturas de aquisição de combustível referentes no período de Abril/2020 a Dezembro/2022 (doc. nº 5) e nos artigos 71º e 72º do PPA descreve a quantidade de litros de combustível adquirida nos anos de 2020 a 2022, com a indicação da CSR que seria devida relativamente ao combustível adquirido em cada um desses anos. No entanto, as faturas a que se refere o doc. nº 5, emitidas por cada um dos fornecedores de combustíveis identificados no ponto 5.4., supra, não evidencia a repercussão da CSR no preço de venda, contendo, na generalidade, a menção do tipo de combustível e das quantidades adquiridas, o preço unitário, a taxa de IVA aplicável e o valor de IVA pago, nada permitindo concluir se houve lugar ao pagamento do imposto por repercussão e qual tenha sido o montante apurado a esse título.

 

5.24.  Por outro lado, a relação a que se refere o artigo 71º do PPA constituiu um documento ad hoc, correspondendo a um mapa resumo do cálculo do valor da contribuição apurada pela Requerente relativamente às quantidades de combustível adquiridos no período em análise que, sendo passível de livre apreciação pelo Tribunal Arbitral, não tem suficiente valor probatório material quanto à efectiva repercussão do imposto relativamente a cada uma das aquisições realizadas.

 

6.      MATÉRIA DE DIREITO

 

6.1.   Nos autos, a Requerente “apresentou pedido de pronúncia arbitral e de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, no dia 02-12-2024, ao abrigo do disposto no artigo 2, nº 1, alínea a) e do disposto no artigo 10º do (…) (RJAT), na sequência de decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente aos atos tributários de ISP dos períodos que identifica (…)” (entre 04/2020 e 12/2022), “(…) para apreciação da legalidade dos atos tributários de liquidação respeitantes à (…) (“CSR”), cujo encargo tributário (…)” alega ter sido “(…) repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores B..., LDA.; C..., LDA.; D..., LDA.; E..., LDA.; F..., S.A.; G... UNIPESSOAL, LDA., na sequência da aquisição de 903.362,05 (…) litros de gasóleo e de 793,62 (…) litros de gasolina, em face da qual [alega ter suportado] 100.342,24 Euros (…) de CSR (…)” e, porque “a Requerente não se conforma com [os referidos] atos tributários (…), considerando, que os mesmos enfermarem de erro sobre os pressupostos de direito, (…) pretende a respetiva anulação dos mesmos com as demais consequências legais”, “designadamente a restituição do montante indevidamente suportado, no valor de 100.342,24 Euros (…), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios calculados nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 100.º n.º 1 da LGT”.

 

6.2.   A Requerida, na Resposta, apresentou defesa por excepção e por impugnação, concluindo que deverá “(…) a) Ser extinta a instância arbitral, e absolvida da mesma a Requerida, face à verificação da exceção da incompetência em razão da matéria, e/ou da exceção da ilegitimidade processual, e/ou da exceção da ineptidão da petição inicial/pedido arbitral, b) Caso assim não se entenda, ser a Requerida absolvida do pedido, face à verificação da exceção de caducidade do direito de ação, e/ou da exceção de falta de legitimidade substantiva; Ou, caso assim não se entenda, c) Ser o pedido de pronúncia arbitral julgado totalmente improcedente, por infundado e não provado”.

 

Matéria de excepção suscitada pela Requerida

 

6.3.   Preliminarmente à apreciação do mérito do pedido importa apreciar as excepções suscitadas pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da ineptidão da petição inicial por falta de objecto, da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir e da caducidade do direito de acção), começando pela excepção da incompetência, que é de conhecimento prioritário [artigo 13º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT].

 

Excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria

 

6.4.   A Requerida, na sua Resposta, suscitou a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria porquanto alega que “a Autoridade Tributária está vinculada à jurisdição dos Tribunais arbitrais nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, sendo o objeto desta vinculação definido pelo artigo 2º que dispõe que os serviços e organismos (…) vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro” e que “daqui decorre que foi intenção do legislador restringir a vinculação dos serviços e organismos ao CAAD no âmbito de pretensões que dizem respeito, especificamente, a impostos, aqui não se incluindo tributos de outra natureza, tais como as contribuições” pelo que, estando “(…) em causa a apreciação da legalidade da (…) (CSR) e respetivas liquidações”, “(…) tratando-se de uma contribuição e não um imposto, as matérias sobre a CSR encontram-se (…) excluídas da arbitragem tributária, por ausência de enquadramento legal”.

 

6.5.   Assim, segundo entende a Requerida, enunciando e citando, para o efeito, diversas decisões do Tribunal Constitucional e de Tribunais Arbitrais, “(…) independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é (…) um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matérias” pelo que, “(…) encontrando-se a CSR excluída da arbitragem tributária (…), não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum” e, “não sendo os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço”, conclui a Requerida que “(…) estamos perante uma exceção dilatória (...), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”.

 

6.6.   Mas, “ainda que assim não se entenda, [alega a Requerida que] (…) sempre existiria a incompetência do tribunal arbitral em razão da matéria (…)”, “(…) para apreciar a questão sujeita à sua apreciação, por não estar em causa imposto/contribuição cuja administração tivesse inserida na competência da Requerida AT”, concluindo estarmos perante “(…) uma exceção dilatória nos termos do vertido nos artigos 576.º, nº 1 e 577.º, al. a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ao presente processo por via do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT, a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa”.

 

 

 

6.7.   E, acrescenta, “ainda que se considerasse a competência do tribunal arbitral para a apreciação da ilegalidade dos atos de liquidação de ISP/CSR, nunca poderia o tribunal arbitral pronunciar-se sobre (supostos) atos de repercussão da CSR (…) subsequentes e autónomos dos atos de liquidação de ISP/CSR, que não são atos tributários e que, para mais, não correspondem a uma repercussão legal, mas a uma repercussão meramente económica ou de facto (…)”, enunciando e citando diversas decisões arbitrais e concluindo que “(…) o pedido arbitral da Requerente extravasa e excede a competência do (…) tribunal arbitral em razão da matéria”, “o que consubstancia uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa” sendo assim “(…) forçoso concluir que deve o (…) tribunal arbitral declarar-se incompetente em razão da matéria e, consequentemente, absolver a Requerida da instância”.

 

6.8.   A Requerente, na resposta às excepções suscitadas veio, no que diz respeito à da incompetência do Tribunal Arbitral, referir que “como invocado e fundamentado exaustivamente pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral, a CSR é um imposto e os tribunais arbitrais são competentes para decidir sobre esta matéria”, alegando não ser “(…) a designação “contribuição de serviço rodoviário” que qualifica este tributo como contribuição financeira, mas sim a sua substância”.

 

6.9.   E, citando jurisprudência arbitral, alega a Requerente que “(…) já foi a CSR qualificada como imposto pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo C-460/2021”, concluindo que “(…) a exceção de incompetência material do tribunal invocada pela Requerida não pode ser considerada procedente”.

 

6.10. Adicionalmente, refere a Requerente que “a Requerida invoca ainda que os tribunais arbitrais não têm competência para apreciar atos de repercussão”, argumento que para a Requerente “(…) não colhe porque o que a Requerente pede ao tribunal arbitral é a apreciação da legalidade dos atos de liquidação de CSR, cujo encargo tributário suportou por repercussão, e não a apreciação da legalidade dos atos de repercussão”, “pedido esse claramente identificado na primeira página do pedido de pronúncia e ao longo de toda a peça” e para a qual o artigo 2º do RJAT atribui competência, reiterando que “deve a exceção de incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria ser considerada improcedente”.

 

6.11. Cumpre analisar esta excepção.

 

6.12. A este respeito, e seguindo de muito perto a posição assumida nas decisões Arbitrais proferidas no âmbito dos processos P 113/2023-T, de 15-07-2023 e P 410/2023-T, notificada a 15-11-2023, adianta-se, desde já, que entende este Tribunal Arbitral que improcede a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria para apreciar o mérito do pedido arbitral, tendo em consideração os argumentos que, a seguir, se apresentam.

 

6.13. Com efeito, a competência contenciosa dos Tribunais Arbitrais em matéria de arbitragem tributária, tal como resulta do artigo 2º do RJAT, compreende a apreciação de pretensões que visem a “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta” e a “declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

6.14. O artigo 4º, nº 1, do RJAT faz ainda depender a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das Finanças e da Justiça, que deverá estabelecer, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos e, o diploma que, em execução desse preceito, define o âmbito e os termos da vinculação da Autoridade Tributária à jurisdição dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD é a Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, que no seu n.º 2, sob a epígrafe “Objeto de vinculação”, e com a alteração resultante da Portaria nº 287/2019, de 3 de setembro, dispõe o seguinte:

 

Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com exceção das seguintes: 

a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;

b) Pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;

c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indiretos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; 

d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efetuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira;

e) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade da liquidação de tributos com base na disposição antiabuso referida no n.º 1 do artigo 63.º do CPPT, que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos do n.º 11 do mesmo artigo”.[4]

 

6.15. A Portaria n.º 112-A/2011, também chamada Portaria de vinculação, fixa um segundo nível de delimitação das pretensões que poderão ser sujeitas à jurisdição arbitral, mas tratando-se de um mero regulamento de execução, a Portaria não poderia ir além do estabelecido na lei quanto ao âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais, podendo estabelecer restrições quanto ao âmbito da vinculação à arbitragem tributária, mormente por referência ao tipo de litígios e ao valor do processo.

 

6.16. A este propósito, o acórdão proferido no Processo n.º 48/2012-T, de 06-07-2012, depois seguido por diversos outros arestos, consignou que “a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do [RJAT]. Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária se vinculou àquela jurisdição, concretizados na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o artigo 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos. Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este tribunal arbitral”.

 

6.17. Assim, a Portaria de vinculação, aparentemente, estabelece duas limitações: (i) refere-se a pretensões “relativas a impostos”, de entre aquelas que se enquadram na competência genérica dos Tribunais Arbitrais e (ii) a impostos cuja administração esteja cometida à Autoridade Tributária.

 

6.18. Nestes termos, terá assim de se concluir que a vinculação se reporta a qualquer das pretensões mencionadas no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que respeitem a impostos (com a exclusão de outros tributos) e a impostos que sejam geridos pela Autoridade Tributária.

 

6.19. Note-se que a constitucionalização das contribuições financeiras resultou da alteração introduzida no artigo 165º, nº 1, alínea i), da Lei Fundamental, pela revisão constitucional de 1997, que autonomizou as contribuições financeiras a favor das entidades públicas como uma terceira categoria de tributos.

 

6.20. Por outro lado, a LGT passou a incluir, entre os diversos tipos de tributos, os impostos e outras espécies criadas por lei, designadamente as taxas e as contribuições financeiras a favor das entidades públicas, definindo, em geral, os pressupostos desses diversos tipos de tributos (artigo 4º da LGT)

 

6.21. Neste âmbito, a doutrina tem caracterizado as contribuições financeiras como um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas colectivas, na medida em que visam retribuir os serviços prestados por uma entidade púbica a um certo conjunto ou categoria de pessoas.

 

6.22. A este respeito, como referem Gomes Canotilho/Vital Moreira, “a diferença essencial entre os impostos e estas contribuições bilaterais é que aqueles visam financiar as despesas públicas em geral, não podendo, em princípio, ser consignados a certos serviços públicos ou a certas despesas, enquanto que as segundas, tal como as taxas em sentido estrito, visam financiar certos serviços públicos e certas despesas públicas (responsáveis pelas prestações públicas de que as contribuições são contrapartida), aos quais ficam consignadas, não podendo, portanto, ser desviadas para outros serviços ou despesas”. 

 

6.23. Neste sentido, as contribuições são tributos (com uma estrutura paracomutativa), dirigidos à compensação de prestações presumivelmente provocadas ou aproveitadas pelos contribuintes, distinguindo-se das taxas que são tributos rigorosamente comutativos e que se dirigem à compensação de prestações efetivas. 

 

6.24. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem também reconhecido a existência dessas diferentes categorias jurídico-tributárias (designadamente para efeito de extrair consequências quanto à competência legislativa), admitindo que as taxas e outras contribuições de carácter bilateral só estão sujeitas a reserva parlamentar quanto ao seu regime geral, mas não quanto à sua criação individual e quanto ao regime concreto, podendo portanto ser criadas por diploma legislativo governamental e reguladas por via regulamentar desde que observada a lei-quadro.

 

6.25. Ou seja, não há dúvida que as contribuições financeiras se distinguem dos impostos.

 

6.26. Analisando a contribuição em apreço (CSR), criada pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, a mesma visa financiar a rede rodoviária nacional [a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 1º), que, entretanto, passou a denominar-se Infraestruturas de Portugal, S.A. (IP)], sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo desta entidade é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável (artigo 2º).

 

6.27. A referida contribuição corresponde à contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis, e constitui uma fonte de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP no que respeita à respetiva conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento, ainda que a exigência da contribuição não prejudique a eventual aplicação de portagens em vias específicas ou o recurso da entidade concessionária a outras formas de financiamento (artigo 3º).

 

6.28. Esta contribuição incide sobre a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos e dele não isentos (artigo 4º, n.º 1) e é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo (artigo 5º, nº 1), sendo que o produto da CSR constitui receita própria da denominada IP (artigo 6º).

 

6.29. Adicionalmente, a actividade de conceção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional, que é objecto de financiamento através da CSR foi atribuída, em regime de concessão, à EP - Estradas de Portugal, E. P. (agora denominada IP) e, pelo Decreto-Lei nº 380/2007, de 13 de Novembro, que aprovou as bases da concessão e nas quais se prevê que, entre outros rendimentos, essa contribuição constitui receita própria dessa entidade (Base 3, alínea b)) sendo que naquelas bases da concessão é estabelecido, como uma das obrigações da concessionária, a prossecução dos “objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (Base 2, n.º 4, alínea b)).

 

6.30. Assim, à luz do regime jurídico sucintamente descrito, dificilmente se poderia concluir que a CSR constitui uma contribuição financeira.

 

6.31. Com efeito, como se refere no Acórdão proferido no âmbito do Processo n.º 304/2022-T, de 05-01-2023, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva, sendo estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (artigo 3º, nº 2), agora denomina IP, entidade titular da receita correspondente (artigo 6º).

 

6.32. No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da actividade desenvolvida por aquela entidade, a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (artigo 3º, nº 2).

 

6.33. Por outro lado, nada permite afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da actividade administrativa (que se encontra atribuída à IP) é imputável aos sujeitos passivos da contribuição (que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários) porquanto, o artigo 2º da Lei n.º 55/2007 declara expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E. (...) é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável”, sendo que o financiamento da rede rodoviária nacional é assegurado pelos respectivos utilizadores, que são os beneficiários da actividade pública desenvolvida pela agora denominada IP, verificando-se, no entanto, que a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do artigo 4º, nº 1, alínea a), do Código dos IEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo, deste modo, qualquer nexo específico entre o benefício emanado da actividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos sujeitos passivos.

 

6.34. Adicionalmente, refira-se ainda que o regime jurídico da CSR não é equiparável ao previsto para a Contribuição Extraordinária sobre o Sector Energético (CESE) porquanto:

 

6.34.1.   A CESE (criada pela Lei do Orçamento do Estado para 2014), é considerada como uma contribuição extraordinária que tem “por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do sector energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do sector energético”, incidindo sobre as pessoas singulares ou coletivas que integram o sector energético nacional;

6.34.2.   A receita obtida é consignada ao Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Sector Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de Abril, com o objectivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do sector energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida e ou pressão tarifárias e do financiamento de políticas do sector energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional (artigo 11º);

6.34.3.   A CESE tem por base uma contraprestação de natureza grupal, na medida em que constitui um preço público a pagar pelo conjunto de pessoas singulares ou colectivas que integram o sector energético nacional à entidade à qual são consignadas as receitas;

6.34.4.   A CESE não se reconduz à taxa stricto sensu, visto que não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a Administração dirija aos respectivos sujeitos passivos, nem preenche o requisito de unilateralidade que caracteriza o imposto, uma vez que não tem como finalidade exclusiva a angariação de receita, nem se destina à satisfação das necessidades financeiras do Estado, antes se pretendendo que o sector energético contribua para a cobertura do risco sistémico que é inerente à sua actividade.

 

6.35. Nestes termos, a CESE trata-se de um tributo de carácter comutativo, embora baseado numa relação de bilateralidade genérica ou difusa que, interessando a um grupo homogéneo de destinatários e visando prevenir riscos a este grupo associados, se efectiva na compensação de eventual intervenção pública na resolução de dificuldades desse sector, assumindo assim a natureza jurídica de contribuição financeira.

 

6.36. E, tendo em consideração o acima exposto, essa caracterização não é extensiva à CSR, pelo que não é aplicável, ao caso em análise, a jurisprudência arbitral que veio declarar a incompetência do Tribunal Arbitral ratione materiaepara a apreciação de litígios que tinham como objeto a CESE (como é o caso do Acórdão proferido no âmbito do Processo nº 714/2020-T, de 12-07-2021).

 

6.37. Aos argumentos acima apresentados, acresce ainda o relativo ao facto de, segundo a jurisprudência do TJUE, a qualificação de uma tributação, um imposto, uma taxa ou um direito, à luz do Direito da União Europeia, competir ao Tribunal de Justiça, em função das características objectivas de imposição, independentemente da qualificação que lhe é dada pelo direito nacional. [5]

 

6.38. Não obstante, refira-se que, no processo arbitral que motivou o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça (Processo nº 564/2020-T, de 30-03-2022), o Tribunal qualificou a CSR como um imposto, formulando as questões prejudiciais com base nesse pressuposto mas, na decisão em que culminou esse pedido de reenvio (o Despacho do Tribunal de Justiça de 07-02-2022 Vapo Atlantic, processo C-460/21), o TJUE, para além de não colocar em causa essa qualificação, assume, para efeitos do artigo 1 da Diretiva 2008/118, um conceito funcional ou autónomo de imposto indireto, nos termos do qual ficam abrangidas quaisquer “imposições” indiretas que, pelas suas caraterísticas estruturais e teleológicas, não tenham um “motivo específico” na aceção da diretiva e possam, por conseguinte, privar o imposto especial de consumo harmonizado de “todo o efeito útil”. [6]

 

6.39. Ou seja, para o TJUE, o tributo instituído pela lei portuguesa (e que esta designou por “contribuição”) constitui um imposto porquanto, em virtude do desenho escolhido pelo legislador português, representa uma imposição indireta sem motivo específico e como tal suceptível de frustrar os desideratos de harmonização positiva subjacentes à Diretiva 2008/118 porquanto foi o legislador português que, não obstante classificar o tributo como “contribuição”, definiu a respectiva incidência subjetiva em termos análogos à do ISP (artigo 5 da Lei nº 55/2017, de 31 de Agosto), colocando-se assim, independentemente da qualificação para que eventualmente apontasse a (inconstante) jurisprudência constitucional nacional, no âmbito de aplicação do artigo 1º, nº 2 da Diretiva 2008/118.[7]

 

 

 

6.40. Assim, atentos os princípios da interpretação conforme e do primado do Direito da União Europeia (consagrado no artigo 8º, nº 4 da CRP, tal como interpretado pelo Tribunal Constitucional, no acórdão nº 422/2020), há que considerar que os dispositivos legais que regulam a CSR devem ser interpretados no sentido de que consagram um imposto indireto sobre o consumo de produtos petrolíferos.

 

6.41. Nestes termos, face ao acima exposto, improcede a alegada excepção da incompetência do Tribunal Arbitral em razão da matéria suscitada pela Requerida quanto ao pedido de declaração de ilegalidade das liquidações de ISP/CSR relativas aos períodos de 04/2020 a 12/2022.

 

6.42. Por outro lado, tendo em consideração que a Requerente formulou um pedido de pronúncia arbitral [na sequência da formação da presunção de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 02-05-2024, relativo à declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de CSR praticados pela Requerida, consubstanciados nos consequentes actos de repercussão da referida CSR (facturas referentes aos combustíveis adquiridos pela Requerente, no período compreendido entre Abril/2020 e Dezembro/2022), invocando a Requerente como causa de pedir, a desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva 2008/118, do Conselho, considerando que a CSR é um tributo ilegal e, em consequência, considera que as liquidações de CSR padecem do vício de ilegalidade abstracta, não se pode deixar de concluir pela competência contenciosa do Tribunal Arbitral para a apreciação do litígio (ainda que por via de apreciação dos actos de repercussão da CSR).[8]

 

Questão da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente

 

6.43. Neste âmbito, a Requerida refere que “(…) desde logo é importante salientar que, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento dos respetivos ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago”, sendo que “(…) no âmbito dos impostos especiais de consumo, são sujeitos passivos, (…), as entidades responsáveis pela introdução dos combustíveis no consumo (…)”, “pelo que é a estas que são emitidas as respetivas liquidações de imposto e apenas estas podem identificar tais atos de liquidação e solicitar, em caso de erro, a sua revisão, com vista ao reembolso dos montantes cobrados (artigos 15.º e 16.º do CIEC)”.

 

6.44. Refere a Requerida que, “(…) no âmbito dos IEC, de acordo com o estatuído nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, os múltiplos adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do ato tributário e consequente pedido de reembolso do imposto”, “estando tal possibilidade restringida, independentemente do tipo de erro ou da situação que motive o reembolso, ao sujeito passivo (aquele que declara para consumo e paga o imposto que deve em nome e por conta próprios) e que poderá, ou não, no momento da venda, ter transferido parte ou a totalidade desse encargo para outros intervenientes na cadeia de comercialização de combustíveis (distribuidores, grossistas, retalhistas, consumidores finais)”.

 

6.45. Segundo alega a Requerida, “no caso concreto, não se encontram reunidos os pressupostos para a revisão dos atos tributários, porquanto tal direito não se encontra incluído na esfera jurídica dos repercutidos económicos ou de facto, não podendo as entidades, em que alegadamente teria sido repercutido o imposto, apresentar pedidos de revisão ou de reembolso por erro”, “ou seja, não sendo a Requerente sujeito passivo (…) não tem legitimidade (…) nem para apresentar pedido de revisão oficiosa nem, consequentemente, o presente pedido arbitral”, porquanto entende a Requerida que “(…) não pode (…) vir a Requerente pedir à AT o reembolso de um tributo que nunca entregou ao Estado”.

 

6.46. Por outro lado, entende a Requerida que a Requerente carece de legitimidade “(…) pois não é sujeito passivo quem suporta o encargo do imposto por repercussão legal” dado que, “no caso concreto não está em causa uma alegada situação de repercussão legal, porquanto a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto” e “(…) a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, que instituiu a CSR, não contempla qualquer mecanismo de repercussão legal, sendo reconhecido, do ponto de vista doutrinário, que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, porquanto, tal como ocorre nos designados impostos especiais sobre o consumo (como o ISP/ISPPE, IABA ou IT), o ónus da CSR é transferível, através do fenómeno financeiro da repercussão económica dos custos (todas as despesas que se repercutem no valor do produto ou serviço: matéria-prima, custos administrativos, impostos, despesas salariais, margem de lucro, etc.) que podem ser tidos em conta na política de definição dos preços de venda”, sendo esse “(…) o sentido que se pode retirar do entendimento sufragado pelo despacho proferido pelo TJUE em 07/02/2022, no Proc.º C-460/21, ao reconhecer a legitimidade do sujeito passivo do imposto, ao reembolso do tributo indevidamente liquidado, por violação do direito da União Europeia (…)”.

 

6.47. E, reitera a Requerida que “o entendimento de que a repercussão da CSR tem uma natureza meramente económica ou de facto, está também plasmado nas decisões arbitrais proferidas nos Processos n.ºs 296/2023-T, 375/2023, 408/2023-T, 452/2023-T e 467/2023-T” e em sentença do Tribunal Tributário de Lisboa datada de 25-07-2024 (processo nº 952/24.5BELRS).

 

6.48. Prossegue a Requerida referindo que “(…) contrariamente ao que a Requerente alega, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, subsequente e autónomo do(s) ato(s) de liquidação de ISP/CSR, sendo que as faturas não corporizam atos de repercussão de CSR, apenas titulando operações de compra e venda de combustíveis, e que o valor pago a título de CSR pelo sujeito passivo de ISP/CSR, pode, ou não, ter sido repercutido, no preço pago pelos adquirentes dos combustíveis” porquanto alega que “(…) a venda do combustível não dá obrigatoriamente origem a uma repercussão (…)”.

 

6.49. Assim, citando doutrina e jurisprudência, conclui a Requerida que “(…) só os sujeitos passivos de imposto que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do respetivo ISP/CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago” e, “(…) contrariamente ao pretendido pela Requerente, não existe no âmbito da CSR um ato tributário de repercussão legal, mas antes a possibilidade da repercussão económica ou de facto, total ou parcial, sendo que as faturas apresentadas não corporizam atos de repercussão de CSR, nem atestam que tal tributo foi suportado pela Requerente, enquanto consumidora final, como alegado”, “(…) de onde decorre a falta de legitimidade da Requerente”.

 

6.50. E reitera que “(…) no caso (…), a Requerente não consegue demonstrar que o valor pago pelos combustíveis que adquiriu à sua fornecedora, tem incluído o valor da CSR pago pelo sujeito passivo de ISP/CSR, nem que suportou, a final, o encargo de tal tributo, isto é, que não o repassou no preço dos serviços prestados aos seus clientes, sendo estes os consumidores finais”, “sendo ainda forçoso notar que das faturas juntas aos autos, (…), apenas constam valores referentes ao IVA, não contendo aquelas qualquer referência a montantes pagos a título de ISP ou CSR, sendo absolutamente omissas nesse aspeto”, concluindo que “(…) não logra a Requerente fazer prova de que efetivamente ocorreu repercussão, parcial ou total, da CSR na aquisição dos combustíveis às suas fornecedoras e que, nessa sequência, efetuou o pagamento e suportou, a final, o encargo da CSR (sem o ter repassado, a jusante, no preço dos serviços prestados pela Requerente)”.

 

 

 

6.51. Para a Requerida, “a aceitar-se que a Requerente tenham legitimidade para efetuar os pedidos de revisão e da anulação parcial das liquidações de ISP (não identificadas/identificáveis), reclamando o reembolso da CSR alegadamente suportada, o que não se concede, nem concebe e apenas por dever de patrocínio se equaciona, para além de se estar sem fundamento perante a violação de normas da constelação normativa dos IEC, poder-se-ia estar perante uma situação de ilegítima, infundada e indevida restituição reiterada de elevadas quantias monetárias a diversas entidades com base nos mesmos (alegados) factos, sem qualquer possibilidade de controlo”, “o que não configuraria uma real situação de reembolso nos termos e para o efeito do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do CIEC, mas, sim, um atentado à segurança jurídica e a todo o ordenamento jurídico-constitucional”.

 

6.52. Pelo exposto, conclui a Requerida que “(…) inexistindo efetiva titularidade do direito a que se arroga, carece a Requerente de legitimidade processual, o que consubstancia uma exceção dilatória (…), a qual prejudica o conhecimento do mérito da causa, devendo (…) a Requerida ser absolvida da instância” ou, caso assim não se entenda, “(…) carece a Requerente de legitimidade substantiva, o que consubstancia uma exceção perentória (…), devendo a Requerida ser absolvida do pedido”.

 

6.53. Nesta matéria, a Requerente, em sua defesa, veio referir que o entendimento da Requerida não está correcto porquanto “a Requerida sustenta esta posição nos artigos 15.º e 16.º do CIEC, por remissão do artigo 5.º da Lei n.º 55/2011” e “o artigo 5.º da Lei n.º 55/2011 estabelece tal remissão para matérias de “liquidação, cobrança e pagamento” e não quanto a meios de reação”, “pelo que, face à omissão, é de aplicar o regime geral, isto é, a Lei Geral Tributária (LGT) e o CPPT”.

 

6.54. Assim, alega a Requerente que, “nesta linha, a legitimidade ativa dos repercutidos é reconhecida pelo artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, ao dispor que, embora não sejam sujeitos passivos, os repercutidos legais mantêm o direito de reclamação, recurso, impugnação ou de pedido de pronúncia arbitral”, “(…) legitimidade [que] é ainda confirmada pelos artigos 54.º, n.º 2, 65.º e 95.º da LGT e pelos n.º 1 e 4 do artigo 9.º do CPPT. Todos aplicáveis ao processo arbitral por força do artigo 29.º do RJAT”.

 

6.55. Segundo alega a Requerente, “(…) restringir aos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária a legitimidade para reagir destes atos de liquidação da CSR, comportaria uma grave violação do direito fundamental de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º da CRP, uma vez que, quem vê a sua capacidade contributiva onerada é o repercutido”, sendo que “este entendimento é partilhado pela jurisprudência arbitral”, enumerando diversas decisões.

 

6.56. E, segundo entende a Requerente, “a AT alega ainda que a Requerente não tem legitimidade por entender que não é repercutida legal, mas sim repercutida económica ou de facto”, mas para esta, “tal fundamentação não colhe e não pode proceder” porquanto “(…) a atribuição de legitimidade ao repercutido justifica-se por ser sobre este que recai o encargo patrimonial inerente ao pagamento do tributo e porque, caso o montante liquidado não se mostre legalmente devido, será ele o lesado” sendo que, “em qualquer situação de repercussão, legal ou económica, verifica-se uma diminuição do património pessoal do repercutido, que suporta o encargo tributário ainda que sem participar no procedimento de liquidação”, “pelo que, não se descortina razão alguma que justifique distinguir a repercussão legal da repercussão de facto para efeitos de aferição da legitimidade procedimental ou processual do repercutido, desde que se verifique a transmissão do encargo do imposto”.

 

6.57. Assim, alega a Requerente que “o repercutido sempre será o titular de um interesse legalmente protegido e por isso terá legitimidade para reagir contra atos tributários que o lesem, nos termos dos artigos 20.º e 268.º da CRP, dos artigos 9.º, 65.º e 95.º da LGT, do artigo 9.º do CPPT e do artigo 29.º do RJAT”.

 

6.58. Por outro lado, alega a Requerente que “a Requerida suporta a sua posição no despacho do TJUE proferido no âmbito do processo nº C-460/2021” mas, “(…) entende a Requerente que a AT não interpretou corretamente aquela decisão” porquanto “o Tribunal de Justiça, referindo-se à legitimidade do sujeito passivo, entendeu que esta depende da ausência de repercussão do encargo do imposto”, “precisamente porque a situação normal é a ocorrência de repercussão, pretendida e prevista na Lei n.º 55/2007” e “a presunção de que ocorreu efetivamente repercussão quando está legalmente prevista e nada leva a que se duvide da sua existência, não é incompatível com o Direito da União”.

 

6.59. “No entanto, deve ser permitido ao sujeito passivo, quando este o alegue, provar que não repercutiu a CSR, existindo neste caso uma situação de exceção” e, “como tal, o que se conclui é que a legitimidade procedimental ou processual será reconhecida a quem suportou, de facto, o encargo do imposto, independentemente de se tratar do sujeito passivo, do repercutido legal ou do repercutido económico”, citando diversas decisões arbitrais.

 

6.60. Continua a Requerente a sua defesa, referindo que “a Requerida alega também que a repercussão depende da vontade dos sujeitos passivos transferirem a carga fiscal para os seus clientes e ainda que as faturas de aquisição de combustível não consubstanciam prova cabal da repercussão” mas, a este propósito, entende a Requerente ser de salientar que “(…) sempre existiu uma obrigação de repercussão sobre os consumidores finais dos combustíveis” porquanto “(…) a CSR foi criada com o propósito de “financiar a rede rodoviária nacional”, financiamento esse “assegurado pelos respetivos utilizadores”, sendo que a CSR “constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”, de acordo com os artigos 1.º, 2.º e 3.º da Lei n.º 55/2007”, “ou seja, a CSR visa onerar os consumidores de combustíveis, enquanto presumidos utilizadores da rede rodoviária nacional” e, “inserindo-se a CSR nos impostos especiais de consumo, não podemos deixar de concluir que o legislador reconheceu que também para a CSR existia essa obrigação de repercussão” e, “por este motivo, há quem entenda que a repercussão que se verifica na CSR é uma repercussão legal e não de facto”, citando uma vez mais decisões arbitrais.

 

6.61. E, “alega a AT que a Requerente terá repassado, no preço dos seus serviços e produtos, o encargo suportado com a CSR para os seus clientes e que, por isso, poderão ser esses os lesados com o encargo” mas, “(…) tal como já afirmado, a CSR foi criada para ser suportada pelos consumidores finais de combustível, que é o caso da Requerente” porquanto “(…) dedicando-se a Requerente a outras atividades que não a revenda de combustível, nunca poderiam ser os seus clientes os consumidores finais do combustível, pois que este foi já consumido pela Requerente”, “ficando provado, por tudo o exposto, que a Requerente suportou efetivamente o encargo com a CSR”, concluiu que “(…) tendo a Requerente suportado o encargo tributário, aquando da aquisição de combustível às fornecedoras, [tem] por isso legitimidade substantiva e processual, pelo que deve a exceção ser considerada improcedente”.

 

6.62. Cumpre analisar.

 

6.63. O regime da CSR, na versão anterior à Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro, foi criado tendo em vista a repercussão nos consumidores das quantias cobradas a esse título pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos sendo que, no artigo 2.º da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto (nas datas a que se reporta o pedido - anos de 2020 a 2022) estabelece-se que “o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da IP, S. A., tendo em conta o disposto no Plano Rodoviário Nacional, é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável» e no n.º 3 do mesmo artigo (…) estabelece-se que «a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.64. Como se refere no despacho do TJUE de 07-02-2022, processo n.º C-460/21, “39 A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado-Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas. (…) 42 Por conseguinte, um Estado-Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido. 43 (...) a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos” (sublinhado nosso).

 

6.65. Como decorre desta jurisprudência, há uma obrigação de a Administração Tributária reembolsar os tributos cobrados em violação do Direito de União a quem efectivamente os suportou, pelo que no caso de tributos susceptíveis de repercussão, a titularidade do direito ao reembolso dependerá de ela ter sido ou não concretizada, não se colocando a questão da possibilidade de pedidos de reembolso sucessivos pela Autoridade Tributária e Aduaneira pois, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem direito ao reembolso.

 

6.66. Com efeito, é corolário da jurisprudência do TJUE que, no caso de ter havido repercussão, apenas o repercutido tem legitimidade para impugnar os actos que a concretizem ou os que a antecedam, pois apenas o repercutido é afectado na sua esfera jurídica pelo acto lesivo e o substituto só terá legitimidade na medida em que não tenha repercutido integralmente o tributo que suportou nessa qualidade.

 

 

 

6.67. Assim, no caso em análise, se se concluir que houve repercussão do tributo, será a entidade repercutida quem tem legitimidade para impugnar os actos que afectaram a sua esfera jurídica, no exercício do direito de impugnação de todos os actos lesivos que lhe é constitucionalmente garantido (artigos 20º e 268º, nº 4, da CRP), sendo essa legitimidade assegurada, a nível do direito ordinário, tanto a nível procedimental como processual, pelos artigos 18º, nº 4, alínea a), 54º, nº 2, 65º e 95º, nº 1, da LGT, conjugados com os nºs 1 e 4 do artigo 9º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aplicáveis aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29º, n.º 1, alínea c), do RJAT, na medida em que reconhecem legitimidade procedimental e processual a quem for titular de um interesse legalmente protegido.

 

6.68. Analisando a questão de que apenas os sujeitos passivos que declararam a introdução dos produtos para consumo e efetuaram o pagamento do imposto, podem solicitar (segundo entende a Requerida) a anulação das liquidações e o reembolso por erro na liquidação, cabe começar por referir que, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do CPTA (subsidiariamente aplicável), e da correspondente disposição do artigo 30.º, n.º 3, do CPC, a legitimidade processual é aferida pela relação jurídica controvertida tal como é apresentada pelo autor.

 

6.69. Deste modo, há que atender à relação jurídica tal como o Requerente a apresenta e configura, isto é, à pretensa relação jurídica, e não à relação jurídica material, tal como ela se constituiu na realidade, sendo por isso indiferente, para a verificação da legitimidade, a questão de saber se o direito existe na titularidade de quem o invoca ou contra quem é feito valer, matéria que diz antes respeito à questão de fundo e poderá, quando muito, determinar a improcedência da acção.[9]

 

6.70. Alegando a Requerente, no pedido, que pretende impugnar os actos tributários de liquidação da CSR incidentes, em determinado período de tempo (Abril/2020 a Dezembro/2022), sobre os sujeitos passivos de ISP, cujo encargo tributário alegadamente foi repercutido na sua esfera jurídica, não pode deixar de entender-se que a Requerente dispõe de legitimidade processual para deduzir o pedido, independentemente de se saber (previamente) se houve uma efectiva repercussão ou se as faturas de aquisição de combustível corporizam o valor pago a título de CSR.

 

6.71. A propósito da questão que assim vem colocada, cabe recordar a norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, que refere que “não é sujeito passivo quem (…) suporte o encargo do imposto por repercussão legal, sem prejuízo do direito de reclamação, recurso ou impugnação nos termos das leis tributárias” e, segundo o disposto no n.º 3 daquele artigo, como sujeito passivo entende-se “a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”.

 

6.72. Como se depreende do transcrito artigo 18.º, n.º 4, alínea a) da LGT, o preceito recusa a qualidade de sujeito passivo a quem não estiver sujeito diretamente a uma obrigação fiscal, como é o caso do consumidor final de bens ou serviços, mas admite que da repercussão do imposto possa resultar a violação de um interesse legalmente protegido, e, nesse sentido, confere ao repercutido o direito à impugnação administrativa ou judicial como meio adequado de reação contra a repercussão ilegal do imposto, o que se justifica, no plano de política legislativa, por razões de similitude com a lesão que seja causada por um acto ilegal de liquidação.[10]

 

6.73. Como resulta da redação originária do artigo 2.º da Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, que regula o financiamento da rede rodoviária nacional e cria a contribuição de serviço rodoviário, o financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP – Estradas de Portugal “é assegurado pelos respetivos utilizadores”, e, nos termos do subsequente artigo 3.º, “a contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”.

 

6.74. E, por outro lado, segundo o disposto no artigo 2.º do Código dos Impostos Especiais do Consumo (CIEC), na redação da Lei n.º 24-E/2022, de 30 de Dezembro (disposição essa a que foi atribuída natureza interpretativa - artigo 6.º dessa Lei), “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

6.75. Assim, quer as disposições da Lei n.º 55/2007, especificamente aplicáveis à contribuição de serviço rodoviário, quer a disposição geral do artigo 2.º do CIEC, consagram um princípio de repercussão legal do imposto, significando que o encargo do imposto que não seja suportado pelo sujeito passivo, mas pelo contribuinte que intervém no processo de comercialização dos bens ou serviços, sendo de admitir que, por efeito da norma do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da LGT, as entidades repercutidas dispõem de legitimidade procedimental e processual para deduzirem reclamação graciosa ou recurso hierárquico ou impugnação judicial contra o acto tributário de liquidação do imposto que é objecto de repercussão.[11]

 

6.76. Para além da legitimidade activa da Requerente se encontrar coberta pela referida disposição da LGT, essa legitimidade é também reconhecida pela regra geral do artigo 9.º, n.º 1, do CPPT, segundo a qual “têm legitimidade no procedimento tributário, além da administração tributária, os contribuintes, incluindo substitutos e responsáveis, outros obrigados tributários, as partes dos contratos fiscais e quaisquer outras pessoas que provem interesse legalmente protegido”, ou seja, ainda que se entendesse que a situação do caso não corresponde a repercussão legal, mas a mera repercussão económica ou de facto, não pode deixar de se considerar que a entidade que suporta o imposto no âmbito da cadeia de comercialização dispõe de legitimação para impugnar o acto de liquidação com fundamento em ilegalidade.

 

6.77. Alega ainda a Autoridade Tributária que, face ao regime especial dos artigos 15º e 16º do Código dos IEC, apenas os sujeitos passivos que tenham procedido à introdução no consumo dos produtos em território nacional e provem o pagamento do ISP e da CSR possuem legitimidade para solicitar o reembolso do valor pago, e, como tal, os adquirentes dos produtos não têm legitimidade para efeitos de solicitação da revisão do acto tributário e consequente pedido de reembolso do imposto.

 

6.78. Nesta matéria, há que fazer notar que o artigo 5.º, n.º 1, da Lei n.º 55/2007 apenas remete para o Código dos IEC o procedimento de liquidação e cobrança do imposto, remissão que igualmente é efetuada para a LGT e o CPPT, significando que, nesse âmbito, haverá de ter-se em consideração as disposições conjugadas do Código dos IEC e demais legislação aplicável.

 

6.79. Por outro lado, o regime específico previsto nos artigos 15º e seguintes do Código dos IEC abrange o reembolso com fundamento em erro na liquidação ou em caso de expedição ou exportação, ao passo que o que está em causa no presente processo arbitral não é um qualquer pedido de reembolso, mas a declaração de ilegalidade dos actos tributários de repercussão do imposto por violação do direito europeu e, nesses termos, a questão da legitimidade activa terá de ser analisada à luz das regras processuais aplicáveis, e não do regime específico do reembolso do imposto que consta das citadas disposições do Código dos IEC.

 

6.80. Por todo o exposto, a alegada excepção de ilegitimidade activa, tal como se encontra formulada, é improcedente e nada obsta ao prosseguimento do processo no que diz respeito aos alegados actos de liquidação [como meio de obter a consequente anulação dos actos de repercussão (04/2020 a 12/2022)].

 

6.81. A Autoridade Tributária refere ainda que a Requerente, não sendo sujeito passivo do imposto, carece não apenas de ilegitimidade processual, mas também de ilegitimidade substantiva, que constitui uma exceção perentória e conduz à absolvição do pedido.

 

6.82. Como é entendimento corrente, a chamada a legitimidade substancial ou substantiva tem a ver com a efectividade da relação material, interessando já ao mérito da causa e, nesse sentido, constitui um requisito da procedência do pedido.[12]

 

6.83. Co efeito, não é possível considerar verificada liminarmente a inviabilidade da pretensão deduzida em juízo com base em meras alegações da parte contra quem vem deduzido o pedido, quando essa é a questão de fundo que carece de ser analisada em função do direito aplicável face aos factos que venham a ser dados como provados ou não provados, nem a alegação aduzida pela Requerida poderá caracterizar-se como uma excepção perentória porquanto as excepções perentórias consistem na invocação de factos que, em face da lei substantiva, possam integrar uma causa impeditiva, extintiva ou modificativa do direito invocado pelo autor na ação e que assim determinem a improcedência total ou parcial do pedido.

 

6.84. Neste âmbito, são impeditivos os factos que excluem ou impedem a eficácia do direito alegado (incapacidade, falta ou vícios de vontade), modificativos os que alteram a relação jurídica modificando a natureza da prestação ou as condições da sua exigibilidade (alteração das circunstâncias em que foi celebrado um contrato) e extintivos os que fazem cessar o direito tornando inviável o respetivo exercício (caducidade, prescrição, cumprimento da obrigação).

 

6.85. Assim sendo, o que vem alegado quanto à legitimidade substantiva não integra a defesa por excepção e apenas poderá relevar em sede de apreciação do mérito.

 

Excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – da falta de objecto

 

6.86. A Requerida defende que se verifica a ineptidão da petição inicial por falta de objecto porquanto “(…) a Requerente limita-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores (…) sem (…) identificar os atos de liquidação de ISP/CSR (…) nem as(…) DIC submetidas pelos (…) sujeitos passivos do imposto”, pelo que “(…) o pedido arbitral não preenche nem satisfaz quais quer os pressupostos legais de aceitação (…), devendo, consequentemente, ser declarado inepto” porquanto “(…) sem a identificação, por parte da Requerente, dos atos tributários, cuja legalidade pretende ver sindicada, e não sendo possível à AT identificar os atos de liquidação em crise, o dirigente máximo da AT não pôde exercer a faculdade prevista no artigo 13.º do RJAT, antes da constituição do tribunal arbitral, questão que (…) a AT suscitou liminarmente (…)”. 

 

6.87. Nesta matéria, reitera a Requerida que “(…) não é (…) possível à Requerida identificar factos essenciais omitidos pela Requerente”, pelo que “(…) é impossível estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral e os documentos juntos com este aos autos, de onde não constam quaisquer dados que permitam a associação às correspondentes liquidações”, sendo “(…) totalmente impossível à AT identificar o ato de liquidação subjacente à declaração dos produtos para o consumo, que vão sendo transacionados ao longo da cadeia de comercialização”, concluindo que “(…) a não identificação dos atos tributários objeto do pedido arbitral por parte da Requerente compromete, irremediavelmente, a finalidade do referido pedido”.

 

 

 

6.88. Nestes termos, alega a Requerida que se verifica “(…) a exceção de ineptidão da petição inicial, (…), o que determina a nulidade de todo o processo, e, obstando a que o tribunal conheça do mérito da causa, dá lugar à absolvição da instância, (…), devendo, consequentemente, determinar-se a nulidade de todo o processo e a absolvição da Requerida da instância”.

 

6.89. Neste contexto, veio a Requerente apresentar defesa a esta excepção, referindo que  a mesma “(…) não pode proceder (…)” porquanto “é importante não esquecer que a Requerente (…)” “(…) é (…) titular de um interesse legalmente protegido, nos termos do artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, enquanto repercutida que efetivamente suportou o encargo tributário em virtude de ser a consumidora final do combustível” e questiona, “se a Repercutida não é responsável pela liquidação do tributo e como tal não lhe foram emitidos os atos de liquidação, como pode ela especificar esses atos?”.

 

6.90. Assim, alega a Requerente que “(…) juntou ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral todas as faturas de aquisição de combustível, contendo todos os elementos essenciais deste tipo de documento, incluindo a identificação dos fornecedores” e entende que “(…) exigir mais que isto à Requerente é manifestamente insustentável”, reiterando que “(…) a Requerida, dotada de vastos poderes inspetivos, tem acesso a uma ampla rede de informação que certamente facilita a identificação dos atos em causa”.

 

6.91. Com efeito, refere a Requerente que “(…) o pedido de pronúncia arbitral surgiu no seguimento do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente” e, “em sede de procedimento tributário, podiam a Requerida e Requerente ter colaborado para reunir todas as informações relevantes, em virtude do princípio da colaboração que rege a atuação das partes em procedimento tributário e a que a AT está especialmente sujeita, tal como previsto no artigo 59.º da LGT” porquanto “(…) tem a AT o poder-dever de efetuar todas as diligências que se afigurem necessárias para a descoberta da verdade material, princípio previsto no artigo 58.º da LGT” mas “(…) a Requerente não tem conhecimento de qualquer diligência que tenha sido feita nesse sentido”, citando para defesa da sua posição diversas decisões arbitrais e concluindo que “(…) não pode ser considerada procedente a exceção de ineptidão da petição por falta de objeto”.

 

6.92. Acrescenta ainda a Requerente que “(…) não pode (…) ser penalizada com a exigência de uma prova documental especifica cujo acesso lhe é impossível, quando essa prova, com todos os dados facultados pela Requerente nas faturas apresentadas, teria sido de fácil acesso à Requerida, pois que foi a esta que as emitiu e com os seus poderes facilmente as pode solicitar aos sujeitos passivos”, “exigência essa que conflituaria com o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP”.

 

Excepção da ineptidão do pedido de pronúncia arbitral – Da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir

 

6.93. Nesta matéria, alega a Requerida que “a Requerente estrutura o seu pedido (…)” pretendendo a anulação “(…) dos atos tributários de liquidação respeitantes à (…) (“CSR”), cujo encargo tributário foi repercutido na esfera jurídica da Requerente pelos fornecedores (…)” que identifica, “(…) na sequência da aquisição de 903.362,05 (…) litros de gasóleo e de 793,62 (…) litros de gasolina, em face da qual suportou 100.342,24 Euros (…) de CSR (…)”,“apresentando como causa de pedir, para efeitos de reembolso do que foi pago, a repercussão de um tributo alegadamente inválido por desconformidade desse tributo com o Direito da União”.

 

6.94. Assim, segundo alega a Requerida, “(…) a Requerente formula um pedido de anulação de liquidações que não identifica através da mera impugnação de alegadas repercussões, sem sequer identificar o nexo entre estas e aquelas, (que não existe), (…) fá-lo, com assento na ideia errada de que vigora para a CSR um regime de repercussão legal e de que, a referida repercussão (que como já se viu é meramente económica) possa ser presumida”, “apresentando depois como causa de pedir a desconformidade da CSR ao Direito da União”.

 

6.95. Contudo, entende a Requerida que “(…) não podemos inferir, da alegada ilegalidade das liquidações, a ilegalidade das alegadas repercussões”, pelo que “(…) ainda que a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial seja de conhecimento oficioso (…), invoca-se a mesma na presente sede por uma dupla razão: a não identificação do ato ou atos tributários objeto do pedido de pronúncia arbitral, o que compromete irremediavelmente, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º, a finalidade da petição inicial, e a contradição entre o pedido e a causa de pedir, levando à nulidade de todo o processo (…)”.

 

6.96. Neste âmbito, a Requerente veio defender-se referindo que “(…) não pode ser exigida à Requerente a identificação das liquidações pois estas não lhe são emitidas” porquanto “(…) o acesso a essas informações é impossível para a Requerente e tal exigência configuraria uma preclusão ao seu direito de acesso a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 18.º n.º 4 alínea a) da LGT, pelo que não pode obstar à procedência da ação”.

 

6.97. Acrescenta a Requerente que “o nexo de conexão verifica-se na medida em que a CSR foi criada para ser suportada pelos consumidores finais de combustível” e “tendo a CSR sido liquidada aos sujeitos passivos que introduziram no consumo o combustível, o encargo é por estes transferido diretamente para consumidores finais, ou é transferido para as revendedoras que por sua vez repercutem nos consumidores finais” e, “por não ser possível, nem exigível, à Requerente a identificação dos atos de liquidação, também não o será a demonstração de um nexo de causalidade mais exigente do que aquele que ficou demonstrado no pedido de pronúncia, analisado com as faturas a ele juntas”.

 

6.98. Por outro lado, e no que diz respeito à alegada contradição entre a causa de pedir e o pedido alegada pela Requerida, esclarece a Requerente que “(…) pede a anulação das liquidações de CSR que lhe foram repercutidas e com isso o reembolso da quantia indevidamente [suportada] porque a CSR consiste num imposto contrário ao Direito da União Europeia e à Constituição da República Portuguesa”, sendo que “não existiria causa de pedir se, (…), não se verificasse esta desconformidade com disposições supralegais, nem tivesse a Requerente suportado a CSR a título de repercussão”, pelo que entende a Requerente que “deve a exceção de ineptidão da petição inicial por ininteligibilidade do pedido e contradição entre este e a causa de pedir ser declarada improcedente”.

 

6.99. Cumpre analisar e decidir.

 

6.100. O RJAT não contém regime próprio em matéria de exceções e nulidades processuais, aplicando-se, nesta matéria, a título subsidiário, o disposto no CPPT, no CPTA e no CPC, como decorre do previsto no artigo 29º, n.º 1, a), c) e) do RJAT.

 

6.101.  A ineptidão da petição inicial é uma exceção dilatória cuja verificação conduz à abstenção de conhecimento do mérito da causa e à absolvição do réu da instância.

 

6.102. O artigo 98º, nº 1, alínea a), do CPPT, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea c), do RJAT, indica como uma das nulidades insanáveis em processo judicial tributário, a ineptidão da petição inicial mas, não indicando o CPPT as situações em que se deve entender que ocorre ineptidão da petição inicial, há que fazer apelo ao CPC, que é de aplicação subsidiária, nos termos do artigo 2º, alínea e), daquele Código, e também o é no âmbito do processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29º, nº 1, alínea e), do RJAT. 

 

6.103. Assim, no artigo 186º, nº 1, do CPC, indicam-se como situações de ineptidão da petição inicial, (i) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; (ii) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir; (iii) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, sendo que o nº 3 do mesmo artigo estabelece que “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

 

6.104. No caso, a exceção relacionada com a ineptidão da petição inicial não procede, porquanto não se verifica nenhuma das situações elencadas no artigo 186º do CPC, nem a Requerida identifica, na sua resposta, qual das situações elencadas naquele normativo é geradora da nulidade de todo o processo.

 

6.105. E ainda que se considerasse que a situação se pudesse subsumir à al. a), do nº 1, do nº 2 do artigo 186º do CPC, o certo é que cotejadas as posições das partes expressas nos articulados, verifica-se que a Requerida interpretou convenientemente a petição inicial, tendo apresentado a sua resposta sem qualquer dúvida quanto à pretensão da Requerente, pelo que o nº 3 do artigo 186º do CPC sempre determinaria a improcedência da exceção em causa.

 

6.106. A eventual dificuldade que a Requerida possa ter na identificação das liquidações a que ela própria procedeu junto dos fornecedores de combustíveis poderá ser encarada como um problema de organização dos seus serviços, que não pode ser imputado, nem trazer desvantagem à Requerente.

 

6.107. Com efeito, considerando o regime legal aplicável aos IEC e, em especial, o regime da CSR, aqueles são devidos pelos sujeitos passivos de ISP, que são os operadores económicos identificados no artigo 4º do Código dos IEC sendo que, o facto gerador é a introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto e o imposto é exigível aquando da introdução no consumo (vide artigos 7º, 8º e 9º do Código dos IEC).

 

6.108. Esta introdução no consumo é formalizada pelos sujeitos passivos de imposto (que declaram para introdução no consumo grandes quantidades de produtos petrolíferos e energéticos, sujeitos a imposto) através de uma DIC, processada por transmissão eletrónica de dados, a qual contém todos os elementos que permitem o cálculo e a liquidação do tributo aplicável sendo que, as introduções no consumo efectuadas num determinado mês, pelos sujeitos passivos que detenham um dos estatutos previstos no Código dos IEC são globalizadas no mês seguinte, numa única liquidação, processada de forma automática (artigo 10º-A do Código dos IEC) sendo, neste caso, os sujeitos passivos notificados da liquidação do imposto até ao dia 15 (quinze) do mês da globalização e o imposto deverá ser pago até ao último dia útil do mês em que foi notificada a liquidação (artigos 11º e 12º do Código dos IEC).

 

6.109. Nestes termos, a falta de indicação das liquidações pela Requerente está perfeitamente justificada, pois as liquidações foram emitidas pela Requerida às empresas (sujeitos passivos) que apresentaram as DIC’s e não foram (nem tinham de ser) notificadas à Requerente, não sendo por isso exigível à Requerente que identificasse as liquidações que a Requerida emitiu com base nas vendas de combustíveis em causa (posição esta que resulta expressamente em vários processos arbitrais, cujo teor decisório se acompanha).[13]

 

6.110. No caso, se a Requerente conseguiu ou não fazer prova do que alega já diz respeito à apreciação do pedido propriamente dito e não da análise da matéria de excepção suscitada pela Requerida pelo que, nestes termos, improcede a exceção de ineptidão do pedido de pronúncia arbitral em cada uma das vertentes suscitadas.

 

Excepção da caducidade do direito de acção

 

6.111. Neste âmbito, a Requerida veio defender “a falta de identificação do ato de liquidação em discussão impede a aferição da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa das liquidações formulados pela Requerente”, porquanto “(…) a contagem do prazo para a apresentação dos referidos pedidos, inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento do imposto, tendo por referência a data do ato de liquidação (global)”.

 

6.112. No caso, segundo refere a Requerida, “(…) constata-se que a Requerente apresenta impugnação no tribunal arbitral em 02-12-2024, do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado em 02-05-2024 junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (…)”, “e para a apreciação da tempestividade da apresentação do pedido arbitral não pode deixar de ser previamente apreciada a questão da tempestividade do pedido de revisão, o que, como supra se demonstrou (face à não identificação do ato tributário em litígio) é impossível” sendo que “(…) caso assim não se entenda, (…), tudo leva a crer que, o pedido de revisão oficiosa e, consequentemente, o pedido arbitral, são intempestivos” porquanto, “(…) tomando por referência o alegado pela Requerente, aquisições nos anos de 2020 e 2022, em 02-05-2024, há muito que se encontrava ultrapassado o prazo da reclamação graciosa de 120 (…) dias a contar do termo do prazo do pagamento do ISP/ CSR, previsto no artigo 78.º, n.º 1, primeira parte da LGT”, “razão pela qual a Requerente fundamenta o pedido de revisão oficiosa em erro imputável ao serviço, de modo a fazer valer-se do prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º nº 1, segunda parte da LGT”.

 

6.113. Enunciando diversas decisões, entende a Requerida que “(…) no âmbito dos IEC, os pedidos de reembolso apresentados nas alfândegas devem ser apreciados à luz do disposto nos artigos 15.º a 20.º do CIEC, sendo pacífico que o regime específico aí previsto é o aplicável quando se suscite a questão da revisão do ato tributário e consequente reembolso com os fundamentos previstos nas mesmas normas, incluindo o do erro na liquidação”, “pelo que, a acrescer ao facto de a Requerente não ser sujeito passivo de ISP/CSR e ao facto de não lograr provar o pagamento dos respetivos valores, em 02-05-2024, já teria terminado o prazo de 3 (três) anos previsto no nº 3 do artigo 15.º do CIEC para requerer o reembolso do alegado valor pago por alegada repercussão económica de CSR, pelo menos no que se refere a todas as aquisições efetuadas pela Requerente em datas anteriores a 02-05-2021”.

 

6.114. Com efeito, alega a Requerida que “(…) a não identificação do ato de liquidação em discussão e de com base no alegado pela Requerente, a 02-05-2024 já se encontrar precludido o poder-dever do dirigente máximo do serviço, sempre se dirá que na senda do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido a 27-10-2022, no âmbito do Processo n.º 286/11.5BELRA “constitui injustiça grave ou notória a situação em que aquele apura o imposto devido com base em matéria colectável determinada de forma manifestamente discrepante da realidade do rendimento percebido”, “isto é, a existência de injustiça grave e notória é indissociável do princípio da capacidade contributiva, estando em causa uma situação em que o contribuinte foi excessivamente tributado em total discrepância com a sua capacidade contributiva ou o rendimento declarado” sendo que “no caso sub judice como supra argumentado a Requerente não liquidou qualquer imposto, nem faz prova de que suportou qualquer quantia a título de CSR, que por sua vez, enquanto Imposto Especial de Consumo, obedece a objetivos parafiscais, pelo que o seu quantum será sempre devido”.

 

6.115.  Assim, entende a Requerida que se verifica “(…) que o vício do pedido arbitral decorrente da falta de identificação do(s) ato(s) tributário(s) em crise tem, entre outros, como efeito a impossibilidade de se aferir em pleno da tempestividade dos pedidos de revisão oficiosa e de reembolso por alegado pagamento de valores a título de alegada repercussão económica da CSR, e, consequentemente, da tempestividade do pedido arbitral”.

 

6.116. Assim, conclui a Requerida que “(…) mesmo que apenas parcialmente, constata-se a caducidade do (alegado) direito de ação por parte da Requerente, o que consubstancia uma exceção perentória, devendo, nessa medida, a Requerida ser absolvida do pedido” ou, “(…) ainda que assim não se entenda, sempre consubstanciará uma exceção dilatória por assim ser qualificada especialmente (…), devendo, nessa medida, ser a Requerida absolvida do pedido ou da instância”.

 

6.117. Neste âmbito, veio a Requerente, na defesa à excepção da caducidade do direito de acção pugnar pela sua improcedência, discordando da argumentação apresentada pela Requerida, desde logo alegando que “(…) o prazo aplicável à situação controvertida, (…) [é] o prazo de 4 anos previsto na segunda parte do artigo 78.º n.º 1 da LGT” e, ainda que seja verdade que “(…) a AT está vinculada ao princípio da legalidade, conforme o artigo 266.º, n.º 2 da CRP, o artigo 3.º do CPA e o artigo 55.º da LGT”, “(…) não pode a AT escudar-se nesta vinculação para justificar a aplicação de normas internas violadoras de Direito Europeu, pois que tal vinculação abrange não só o Direito interno, como o Direito comunitário”.

 

6.118. “Assim, no caso da CSR, a Administração Tributária tinha o dever de recusar a aplicação da Lei n.º 55/2007, na medida em que este diploma introduz um imposto contrário à Diretiva IEC”, acrescentando a Requerente que “(…)é jurisprudência uniforme e constante do STA que o conceito de “erro imputável aos serviços” abrange a aplicação de normas de direito interno desconformes ao direito da União Europeia e que, por isso havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. (…)”.

 

6.119. “Como tal, estando assente que estamos perante uma situação de erro imputável aos serviços, a AT tem o poder-dever de efetuar a revisão dos atos tributários, oficiosamente ou a pedido do contribuinte, no prazo de quatro anos, conforme o disposto na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT” e, “se os atos em causa remontam a abril de 2020 e o pedido de revisão oficiosa foi apresentado a 30 de abril de 2024, constata-se que o pedido foi apresentado tempestivamente”.

 

6.120. Alega ainda a Requerente que tendo “a AT (…) [recebido] o pedido no dia 2 de maio de 2024 e (…) [dispondo] do prazo de quatro meses para se pronunciar, pelo que, não o tendo feito, verificou-se o indeferimento tácito do pedido no dia 2 de setembro de 2024, conforme o disposto nos números 1 e 5 do artigo 57.º da LGT”, sendo que “do indeferimento tácito dispõe o interessado de 90 dias para apresentar o pedido de constituição do tribunal arbitral, de acordo com os artigos 102.º, n.º 1, alínea d) do CPPT e 10.º, n.º 1 do RJAT”, pelo que “tendo a Requerente apresentado o pedido no dia 2 de dezembro de 2024, constata-se a tempestividade do pedido de pronúncia arbitral, pelo que deve ser considerada improcedente a exceção invocada pela Requerida”.

 

6.121. Por outro lado, refere ainda a Requerente que “a Requerida alega ainda que os pedidos de reembolso devem ser apreciados à luz dos artigos 15.º a 20.º do CIEC” e que “nesta senda, argumenta que seria de aplicar o prazo de três anos previstos no n.º 3 do artigo 15.º do CIEC, pelo que já teria decorrido esse prazo relativamente às aquisições anteriores a fevereiro de 2021” mas esclarece a Requerente que não pode “(…) concordar com estes argumentos pois o regime previsto naquelas normas não é aplicável à situação da requerente por dois (…) motivos”, que apresenta, concluindo que “(…) o fundamento para a ilegalidade destes atos não se encontra abrangido pelo regime previsto nestes artigos”.

 

6.122. Nestes termos, conclui a Requerente que “(…) o prazo aplicável à situação (…) é o de 4 anos previstos na segunda parte do n.º 1 do artigo 78.º da LGT (…)”, concluindo pela “(…) tempestividade do pedido de revisão oficiosa e do pedido de constituição do tribunal arbitral, pelo que a exceção de caducidade do direito de ação deve ser julgada improcedente”.

 

6.123. Cumpre uma vez mais, analisar e decidir.

 

6.124. No caso em apreço, é manifesto que os erros imputados aos actos impugnados (desconformidade da CSR face ao disposto na Directiva nº 2008/118, de 16 de Dezembro) não são imputáveis à Requerente, pois não teve qualquer intervenção no procedimento de criação da CSR, enquanto imposto, nem no procedimento de liquidação da CSR e, tendo sido invocado um erro imputável aos serviços, o prazo para apresentação do pedido de revisão oficiosa era o de quatro anos, com fundamento em erro imputável aos serviços, previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT.

 

6.125. Na verdade, como há muito entende o Supremo Tribunal Administrativo, “havendo erro de direito na liquidação, por aplicação de normas nacionais que violem o direito comunitário e sendo ela efectuada pelos serviços, é à administração tributária que é imputável esse erro, sempre que a errada aplicação da lei não tenha por base qualquer informação do contribuinte. Por outro lado, esta imputabilidade aos serviços é independente da culpa de qualquer dos seus funcionários ao efectuar liquidação afectada por erro” já que “a administração tributária está genericamente obrigada a actuar em conformidade com a lei (arts. 266°, n.° 1 da CRP e 55° da LGT), pelo que, independentemente da prova da culpa de qualquer das pessoas ou entidades que a integram, qualquer ilegalidade não resultante de uma actuação do sujeito passivo será imputável a culpa dos próprios serviços” (sublinhado nosso). [14]

 

6.126. Na verdade, como há muito vem entendendo uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo, constitui erro imputável aos serviços qualquer ilegalidade não imputável ao contribuinte, isto é, qualquer ilegalidade para a qual não tenha contribuído, por qualquer forma, o contribuinte através de uma conduta activa ou omissiva, determinante da liquidação, nos moldes em que foi efectuada.

 

6.127. Como referido na decisão arbitral nº P 676/2023-T, “(…) a revisão oficiosa, (…), pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. (…). Conforme é também jurisprudencialmente aceite, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da administração tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços, em resultado da obrigação genérica de a administração tributária atuar em plena conformidade com a lei. Por outro lado, como é evidente, a existência do erro que constitui fundamento do pedido de revisão não pode ser aferida a partir da posição jurídica que tenha sido assumida pela Autoridade Tributária na apreciação do pedido de revisão, mas com base nos vícios de ilegalidade que tenham sido arguidos pelo contribuinte na formulação do pedido de impugnação judicial. (…)” (sublinhado nosso).[15]

 

Do pedido de revisão oficiosa dos actos de liquidação de CSR alegadamente repercutida na Requerente no período entre 04/2020 e 12/2022

 

6.128. A Requerente apresentou em 30-04-2024 pedido de revisão oficiosa de actos de liquidação de CSR que alegadamente lhe foram repercutidos através de facturas emitidas entre Abril/2020 e Dezembro/2022 e, tendo em consideração que a Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral relativo à impugnação do acto de indeferimento tácito do pedido de Revisão Oficiosa, haverá que aferir das consequências daquele pedido neste processo, quanto à tempestividade do direito de acção porquanto, a tempestividade do pedido de revisão oficiosa é condição necessária para a tempestividade (no caso) da impugnação judicial.[16]

 

6.129. Nesta matéria, sendo de 4 anos, a contar da liquidação, o prazo de revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e tendo sido apresentado o pedido de revisão em 30-04-2024, aquele não poderia abranger, em termos gerais, liquidações anteriores a 30-04-2020 (4 anos).[17] [18]

 

6.130. Nestes termos, é inequívoco que, no caso em análise, tendo o pedido de revisão sido apresentado em 30-04-2024, à data da sua apresentação não tinham decorrido, para todos os períodos objecto do pedido (Abril/2020 a Dezembro/2022), mais de 4 anos, contados da data das liquidações (que no caso, se conta do seu conhecimento através das respectivas facturas) sendo que, por isso, a excepção da caducidade do pedido de revisão oficiosa tem de ser julgada improcedente.

 

Do pedido de pronúncia arbitral dos actos de liquidação de CSR alegadamente repercutida na Requerente no período entre 04/2020 e 12/2022

 

6.131. Por outro lado, no que diz respeito ao pedido de pronúncia arbitral, tendo este sido apresentado em 02-12-2024, ou seja, no prazo de 90 dias a contar do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa (presumido a 02-09-2024), em conformidade com o previsto na alínea f) do nº 2 do artigo 102º do CPPT, para que remete o artigo 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, considera-se o mesmo tempestivo.

 

6.132. Analisadas as excepções suscitadas pela Requerida, e improcedendo todas as excepções suscitadas, será agora o momento de analisar o mérito do pedido, ou seja, decidir se os actos de liquidação de CSR que deram origem à alegada repercussão do imposto (na esfera da Requerente), nos períodos de Abril/2020 a Dezembro /2022, enfermam de erro sobre os pressupostos de facto e de direito sendo para isso necessário dar resposta à questão de se saber se a CSR é ou não compatível com o Direito da União Europeia (designadamente se tem um “motivo específico” na acepção do artigo 1º, nº 2, da Diretiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro), e, por via disso, decidir se deverão tais actos de liquidação ser ou não anulados na parte que respeitam à alegada repercussão de CSR à Requerente, no montante de EUR 100.342,24.

 

Da questão da violação do Direito da União 

 

6.133. A Directiva nº 2008/118/CE, do Conselho, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime geral dos impostos especiais de consumo que incidem directa ou indirectamente sobre o consumo de produtos energéticos (além de doutros), determina no n.º 2 do seu artigo 1º que “os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções” (sublinhado nosso)

 

6.134. A Requerente, baseando-se em jurisprudência do TJUE, alega que o “(…) motivo específico não pode corresponder a uma finalidade puramente orçamental de obtenção de receita (…)” sendo que “o legislador português também não dotou a CSR de uma estrutura que comprove que a sua criação tenha sido ditada por motivo específico distinto de uma finalidade orçamental”.

 

6.135. Assim, alega a Requerente que, “(…) sendo a CSR criada pela Lei n.º 55/2007 (…), deve considerar-se um imposto desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118”, citando jurisprudência do TJUE que defende que “(…) o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa ao regime geral dos impostos especiais de consumo e que revoga a Diretiva 92/12/CEE, deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” porquanto “(…) é interpretação do TJUE que a CSR serve (…) para financiar despesas suscetíveis de serem custeadas pelo “produto de impostos de qualquer natureza”, como o são a manutenção e alargamento da rede nacional de estradas, não se verificando a afetação adequada da receita que o TJUE exige para concluir pela presença de um motivo específico” pelo que “(…) deve ser interpretada no sentido de que não prossegue “motivos específicos”, na aceção da Diretiva 2008/118/CE do Conselho, de 16 de dezembro de 2008” e, “por conseguinte, a CSR introduzida por meio da Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, deve considerar-se um imposto ilegal, desconforme ao artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva n.º 2008/118, de 16 de dezembro de 2008”, no que diz respeito ao regime em vigor até 
31-12-2022.

 

6.136. A Requerida impugna a posição assumida pela Requerente no pedido, porquanto entende que “(…) não logra a Requerente fazer prova do que alega (…)” e que “(…) em momento algum o TJUE considera ilegal a CSR” e, “não existindo qualquer decisão judicial nacional transitada em julgado que declare a CSR ilegal”, não está “(…) o ordenamento jurídico português em contradição (…) com o Direito da União Europeia”, “inexistindo uma desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia (…)”, concluindo que não se verifica “(…) no caso em apreço qualquer tipo de erro imputável aos serviços”.

 

6.137. Neste âmbito, refira-se que a questão da compatibilidade da CSR com o Direito da União Europeia foi apreciada no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, no âmbito de um reenvio prejudicial, sendo que, como tem sido pacificamente entendido pela jurisprudência e é corolário da obrigatoriedade de reenvio prejudicial prevista no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (que substituiu o artigo 234º do Tratado de Roma, anterior artigo 177º), a jurisprudência do TJUE tem carácter vinculativo para os Tribunais Nacionais, quando tem por objecto questões de Direito da União Europeia.[19]

 

6.138. A supremacia do Direito da União sobre o Direito Nacional tem suporte no nº 4 do artigo 8º da CRP, em que se estabelece que “as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”.

 

6.139. Assim, há que acatar o decidido no Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic acima já identificado, o qual constitui a mais recente decisão do TJUE sobre os requisitos do «motivo específico» a que alude o artigo 1º, n° 2, da Diretiva 2008/118/CE e nos termos do qual se refere que “(...).19 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários. 20 Há que começar por salientar que esta disposição, que visa ter em conta a diversidade das tradições fiscais dos Estados-Membros nesta matéria e o frequente recurso às imposições indiretas para a execução de políticas não orçamentais, permite que os Estados-Membros estabeleçam, além do imposto especial de consumo mínimo, outras imposições indiretas que prossigam uma finalidade específica (Acórdãos de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe-Ems, C-5/14, EU:C:2015:354, n.º 58, e de 3 de março de 2021, Promóciones Oliva Park, C-220/19, EU:C:2021:163, n.º 48). 21 Em conformidade com a referida disposição, os Estados-Membros podem cobrar outros impostos indiretos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo desde que estejam preenchidos dois requisitos. Por um lado, estes impostos devem ser cobrados por motivos específicos e, por outro, estas imposições devem ser conformes com as normas fiscais da União aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, bem como à liquidação, à exigibilidade, ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções. 22 Estes dois requisitos, que visam evitar que outras imposições indiretas entravem indevidamente as trocas comerciais, revestem assim caráter cumulativo, como decorre da própria redação do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 (v. Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 36, e, por analogia, Acórdão de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 36). 23 No que respeita ao primeiro dos referidos requisitos, único visado pela primeira questão prejudicial, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que um motivo específico na aceção desta disposição não é uma finalidade meramente orçamental (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 37). 24 No entanto, uma vez que qualquer imposto prossegue necessariamente uma finalidade orçamental, o simples facto de um imposto ter um objetivo orçamental não é suficiente, enquanto tal, sob pena de esvaziar de substância o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, para excluir que se possa considerar que esse imposto tem também um motivo específico, na aceção da referida disposição (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 38 e jurisprudência referida). 25 Assim, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção da referida disposição, um imposto deve visar, por si só, assegurar a finalidade específica invocada, de tal forma que exista uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 41, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 26 Além disso, embora a afetação predeterminada do produto de um imposto ao financiamento do exercício, pelas autoridades de um Estado-Membro, de competências que lhes foram atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, essa afetação, que decorre de uma simples modalidade de organização interna do orçamento de um Estado-Membro, não pode, enquanto tal, constituir uma condição suficiente, uma vez que qualquer Estado-Membro pode decidir impor, independentemente da finalidade prosseguida, a afetação do produto de um imposto ao financiamento de determinadas despesas. Se assim não fosse, qualquer finalidade poderia ser considerada específica, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, o que privaria o imposto especial de consumo harmonizado instituído por esta diretiva de qualquer efeito útil e violaria o princípio segundo o qual uma disposição derrogatória, como a do artigo 1.º, n.º 2, deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 39 e jurisprudência referida). 27 Por último, não existindo semelhante mecanismo de afetação predeterminada das receitas, só se pode considerar que um imposto que incide sobre produtos sujeitos a impostos especiais de consumo prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, se esse imposto for concebido, no que respeita à sua estrutura, nomeadamente, à matéria coletável ou à taxa de tributação, de modo a influenciar o comportamento dos contribuintes num sentido que permita realizar o motivo específico invocado, por exemplo, através da tributação significativa dos produtos considerados para desencorajar o respetivo consumo (Acórdão de 5 de março de 2015, Statoil Fuel & Retail, C-553/13, EU:C:2015:149, n.º 42 e jurisprudência referida). 28 Quando é submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial por meio do qual se pretende que seja declarado se uma imposição instituída por um Estado-Membro prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, a função do Tribunal de Justiça consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional nacional sobre os critérios cuja aplicação permitirá a este último determinar se essa imposição prossegue efetivamente essa finalidade do que em proceder ele próprio a essa avaliação, e isto tanto mais quando o Tribunal de Justiça não dispõe necessariamente de todos os elementos indispensáveis para esse efeito (v., por analogia, Acórdãos de 7 de novembro de 2002, Lohmann e Medi Bayreuth, C-260/00 a C-263/00, EU:C:2002:637, n.º 26, e de 16 de fevereiro de 2006, Proxxon, C-500/04, EU:C:2006:111, n.º 23). 29 No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente. 30 Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, Messer France, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). 31 Em terceiro lugar, como resulta do n.º 14 do presente despacho, é certo que a Autoridade Tributária sustenta que existe uma relação entre a afetação das receitas geradas pela CSR e o motivo específico que levou à instituição deste imposto, uma vez que o decreto-lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental. 32 No entanto, como foi salientado no n.º 15 do presente despacho, resulta da decisão de reenvio que o produto do imposto em causa no processo principal não se destina exclusivamente ao financiamento de operações que supostamente concorrem para a realização dos dois objetivos mencionados no número anterior do mesmo despacho. Com efeito, as receitas provenientes da CSR destinam-se, mais amplamente, a assegurar o financiamento da atividade de conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. 33 Em quarto lugar, os dois objetivos atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional portuguesa estão enunciados em termos muito gerais e não deixam transparecer, à primeira vista, uma real vontade de desencorajar a utilização quer dessa rede quer dos principais combustíveis rodoviários, como a gasolina, o gasóleo rodoviário ou o gás de petróleo liquefeito (GPL) automóvel. A este respeito, é significativo que o órgão jurisdicional de reenvio destaque, na redação da sua primeira questão prejudicial, que as receitas geradas pelo imposto são genericamente afetadas à concessionária da rede rodoviária nacional e que a estrutura deste imposto não atesta a intenção de desmotivar um qualquer consumo desses combustíveis. 34 Em quinto lugar, o pedido de decisão prejudicial não contém nenhum elemento que permita considerar que a CSR, na medida em que incide sobre os utilizadores da rede rodoviária nacional, foi concebida, no que respeita à sua estrutura, de tal modo que dissuade os sujeitos passivos de utilizarem essa rede ou que os incentiva a adotar um tipo de comportamento cujos efeitos seriam menos nocivos para o ambiente e que seria suscetível de reduzir os acidentes. 35 Por conseguinte, sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar atendendo às indicações que figuram nos n.ºs 29 a 34 do presente despacho, as duas finalidades específicas invocadas pela Autoridade Tributária para demonstrar que a CSR prossegue um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, não se distinguem de uma finalidade puramente orçamental (v., por analogia, Acórdão de 27 de fevereiro de 2014, Transportes Jordi Besora, C-82/12, EU:C:2014:108, n.ºs 31 a 35). 36 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários” (sublinhado nosso).

 

6.140. Regressando ao ordenamento jurídico nacional, verifica-se assim que a CSR, na versão introduzida pela Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (actual IP.), sendo o financiamento assegurado primacialmente pelos respetivos utilizadores, como contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, utilização essa que é verificada pelo consumo dos combustíveis (artigos 2º e 3º da Lei nº 55/2007).

 

6.141. Assim, como se concluiu no referido Despacho do TJUE de 07-02-2022, proferido no caso Vapo Atlantic, Processo C-460-21, as receitas provenientes da CSR destinam-se essencialmente a assegurar o financiamento da rede rodoviária e têm uma finalidade puramente orçamental.

 

6.142. Como se refere no acórdão arbitral de 14-06-2023, proferido no âmbito do processo n.º 24/2023-T, “nem a estrutura do tributo permite concluir pela existência de intenção de desmotivar o consumo dos combustíveis. E, por outro lado, a finalidade específica que poderia justificar a criação da CSR de modo a poder considerar-se conforme o direito europeu é apresentada em termos muito genéricos, não tendo sido sequer feita a prova – que incumbia à Autoridade Tributária - de que tenham sido cumpridos os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, que se encontram definidos no quadro II do anexo às bases da concessão”.

 

6.143. Pelo exposto, deverá concluir-se que a CSR “não prossegue motivos específicos, na acepção do artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 2008/118, na medida em que as suas receitas têm essencialmente como fim assegurar o financiamento da rede rodoviária nacional, não podendo considerar-se como suficiente, para estabelecer uma relação direta entre a utilização das receitas e um motivo específico, os objetivos genéricos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental” (em conformidade com decisão arbitral citada no ponto anterior) (sublinhado nosso).

 

6.144. Assim, entende este Tribunal Arbitral que a CSR é uma imposição indireta que não prossegue um motivo específico na aceção da Diretiva 2008/118/CE. 17 pelo que será necessário agora analisar a pretensão da Requerente, à luz da matéria de facto dada como provada, para decidir se assiste razão à Requerente no que respeita às pretensões deduzidas.

 

6.145. Tendo em consideração os factos provados com relevo para a decisão, estes assentam na prova produzida pelas Partes e na ausência de controvérsia entre ambas, com base nos documentos anexados ao processo, nomeadamente pela Requerente e que não foram postos em causa pela Requerida e, relativamente aos factos não provados, a decisão assenta na ausência de produção de prova pela Requerente em grau suficiente para firmar a convicção do Tribunal sobre a verificação dos factos em causa.

 

6.146. No caso, verifica-se que a Requerente se limitou a apresentar, como prova da alegada repercussão de CSR, cópia das facturas de compra do combustível emitidas pelas suas fornecedoras de combustíveis (identificadas no ponto 5.4., supra) e um quadro resumo dos consumos de combustível por ano (por si elaborado), que apresenta no artigo 71º do PPA.

 

6.147. Em matéria de prova, a Requerida alega que  “(…) a Requerente limita-se a identificar faturas de aquisição de combustíveis aos seus fornecedores (…) sem (…) identificar os atos de liquidação de ISP/CSR (…) nem as(…) DIC submetidas pelos (…) sujeitos passivos do imposto”, sendo que “(…) não é (…) possível à Requerida identificar factos essenciais omitidos pela Requerente”, pelo que “(…) é impossível estabelecer qualquer correlação/correspondência entre os atos de liquidação praticados pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e o alegado pela Requerente no pedido arbitral e os documentos juntos com este aos autos, de onde não constam quaisquer dados que permitam a associação às correspondentes liquidações”.

 

6.148. Nesta matéria, a Requerente alega que “(…) juntou ao pedido de revisão oficiosa e ao pedido de pronúncia arbitral todas as faturas de aquisição de combustível, contendo todos os elementos essenciais deste tipo de documento, incluindo a identificação dos fornecedores” e entende que “(…) exigir mais que isto à Requerente é manifestamente insustentável”, reiterando que “em sede de procedimento tributário, podiam a Requerida e Requerente ter colaborado para reunir todas as informações relevantes, em virtude do princípio da colaboração que rege a atuação das partes em procedimento tributário (…)”, entendendo a Requerente que “(…) não pode (…) ser penalizada com a exigência de uma prova documental especifica cujo acesso lhe é impossível, quando essa prova, com todos os dados facultados pela Requerente nas faturas apresentadas, teria sido de fácil acesso à Requerida, pois que foi a esta que as emitiu e (…) facilmente as pode solicitar aos sujeitos passivos”, “exigência essa que conflituaria com o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, plasmado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP”.

 

6.149. Vejamos.

 

6.150. Decorre do artigo 349º do Código Civil que a presunção legal é a ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido e, nos termos do nº 1 do artigo 350º do mesmo Código “Quem tem a favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, ou seja, a presunção legal inverte, pois, o ónus da prova (artigo 344º, nº 1, do Código Civil).

 

6.151. Por sua vez, o artigo 2º da Lei nº 24-E/2022 (disposição a que foi atribuída natureza interpretativa como acima já mencionado) refere que “os impostos especiais de consumo obedecem ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam, designadamente nos domínios do ambiente e da saúde pública, sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.

 

6.152. Sobre as presunções legais dizem-nos Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora que “são as que têm assento na própria lei. É a norma legal que, verificado um facto, dá como provado um outro facto, ficando assim comprometida, de algum modo, a liberdade de apreciação do julgador”.[20]

 

6.153. Também sobre o tema refere Rita Lynce de Faria que “(…) a presunção facilita a atividade probatória na medida em que a parte que beneficia da presunção pode limitar-se a demonstrar um facto cuja prova é claramente mais fácil que a do facto que teria de provar se não existisse a presunção. Ocorre uma modificação do tema da prova  que, na sua essência, se consubstancia  na substituição do facto a provar: a parte em vez de demonstrar o facto mais difícil ou completo (a+b+c) demonstra apenas o facto mais singelo (x) e que conduz àquele”.[21]

 

6.154. Face ao que antecede não pode deixar de se concluir que o referido artigo 2º da Lei nº 24-E/2022 não consagra uma presunção legal porquanto, em rigor, esta norma não tira uma ilação dum facto conhecido para firmar um facto desconhecido o que, de resto, teria de ser estabelecido de forma clara, atentas as consequências probatórios das presunções legais porquanto a expressão “sendo repercutidos nos mesmos, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária” deve ser entendida como indicação programática do legislador no âmbito dum princípio jurídico e não como aquilo que inexoravelmente ocorre.

 

6.155. Na verdade, como se pode constatar no despacho do TJUE de 7 de Fevereiro de 2022, proferido no âmbito do Processo n.º C-460/21: “44 (…), ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos. Consequentemente, a questão da repercussão ou da não repercussão em cada caso de um imposto indireto constitui uma questão de facto que é da competência do órgão jurisdicional nacional, cabendo a este último apreciar livremente os elementos de prova que lhe tenham sido submetidos (v., neste sentido, Acórdãos de 25 de fevereiro de 1988, Les Fils de Jules Bianco e Girard, 331/85, 376/85 e 378/85, EU:C:1988:97, n.o 17, e de 2 de outubro de 2003, Weber’s Wine World e o., C-147/01, EU:C:2003:533, n.o 96)” (sublinhado nosso).[22]

 

6.156. A conclusão a que se acaba de chegar não significa a irrelevância do sistema interno do imposto, que efectivamente aponta, nos termos referidos, para que o mesmo seja repercutido no consumidor/utilizador.

 

6.157. Assim, ao nível da apreciação da matéria de facto produzida pelos adquirentes de combustível, a indicação legislativa deve ser ponderada pelo Tribunal, à luz da globalidade da prova produzida, ou seja, o que aqui não se entende é que a compra do combustível seja, só por si e sem necessidade de produção de qualquer outra prova no sentido da ocorrência da repercussão, suficiente para se considerar esta repercussão como automaticamente provada.

 

6.158. Com efeito, o Tribunal entende que a referida a indicação da lei não vai ao ponto suprimir a necessidade de prova, uma vez que, como resulta do supra exposto, a lei não consagrou uma presunção legal, não estabelecendo, por esta via, a inversão do ónus da prova.

 

6.159. Na verdade, sendo de admitir à luz do normal acontecer ser verosímil que os sujeitos passivos de CSR repercutam o valor do imposto no preço de venda do combustível, tal não basta para que se considere feita a prova da repercussão, tanto mais que também é verosímil que os mesmos sujeitos passivos possam, por razões comerciais (pelo menos em parte), incorporar nos seus custos o imposto, sendo facto conhecido que também alguns sujeitos passivos do tributo têm deduzido pretensões anulatórias quanto ao imposto em causa, com mesmos fundamentos jurídicos referentes à ilegalidade das liquidações, não existindo consenso social de que a repercussão total tenha sempre lugar.

 

6.160. Nestes termos, tendo em consideração que, em concretização do princípio do dispositivo, é compreensível que a lei faça recair o ónus da prova sobre quem exerce o impulso processual nessa medida, o cumprimento deste ónus é processualmente valorado a favor da Requerente por ser esta que tem de demonstrar os factos constitutivos dos seus direitos (artigo 74º, nº 1 da LGT) porquanto é à Requerente que incumbe trazer ao processo os elementos que possibilitem confirmar o direito a que se arroga (prova da repercussão).

 

6.161. Por outro lado, segundo a Jurisprudência do TJUE acima referida, não é de admitir que, no caso dos impostos indiretos, exista uma presunção segundo a qual a repercussão teve sempre lugar, e, mesmo quando o contribuinte tenha sido obrigado, pela legislação nacional aplicável, a incorporar o imposto no preço de custo do produto em causa, essa obrigação legal não permite presumir que a totalidade do imposto tenha sido repercutida (Processo n.º C-460/21, parágrafo 45).

 

6.162. Neste sentido, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, por forma a comprovar a qualidade de entidade repercutida e lesada no âmbito da relação jurídico-tributária, e, por conseguinte, é ao contribuinte (aqui, Requerente), que pretende obter a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação da CSR e dos correspondentes atos de repercussão na sua esfera jurídica, que cabe realizar a prova da efectiva repercussão.

 

6.163. Esta prova da repercussão deve ser objectivamente demonstrada por documentos que identifiquem o efectivo pagamento do imposto, não podendo assentar, reitere-se, em juízos presuntivos (neste sentido, a decisão arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 452/2023-T).

 

6.164. No caso, em conformidade com o probatório, reitere-se que não se encontra provado que se tenha verificado a efectiva repercussão da CSR relativamente ao combustível adquirido pela Requerente no período de Abril/2020 a Dezembro de 2022, na medida em que as facturas juntas ao pedido arbitral não contêm qualquer especificação do valor de CSR que tenha sido paga com a aquisição dos combustíveis e, por outro lado, o mapa resumo que é apresentado no artigo 71º do PPA, limita-se a efectuar o cálculo do valor da contribuição que seria devida relativamente às quantidades de combustível que tenham sido adquiridas, não sendo em si demonstrativo da ocorrência da repercussão do imposto.

 

6.165. Note-se que, não obstante a Requerente ter solicitado, ao Tribunal Arbitral, no PPA (e reiterado no requerimento de resposta às excepções) que:

 

6.165.1.    Se oficiasse as fornecedoras de combustíveis da Requerente (e identificadas no ponto 5.4., supra) “(…) a coberto do princípio do inquisitório plasmado no artigo 99.º da LGT (…)” no sentido de virem ao processo confirmar se repercutiram o encargo com a CSR, subjacente ao combustível transmitido à Requerente, para a esfera jurídica desta última e,

6.165.2.    Se notificasse a Requerida para que oficiasse a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos para que esta entidade disponibilizasse toda a informação relevante de que dispusesse quanto aos montantes repercutidos pelas entidades comercializadoras (e identificadas no ponto5.4., supra) na Requerente enquanto consumidora de combustíveis, nos termos do artigo 15º, nº 1, da Lei nº 5/2019, de 11 de Janeiro;

 

cumpre atentar ao apresentado nos pontos seguintes.

 

6.166. No que diz respeito ao pedido efectuado a este Tribunal Arbitral, descrito no ponto 6.165.1., supra, refira-se que, no processo arbitral, o(s) árbitro(s) não têm o poder de impor a terceiros o dever de cooperação com o Tribunal Arbitral na obtenção de prova em seu poder, dado o carácter privado e convencional da arbitragem, ainda que nada impeça que qualquer das partes requeira a um Tribunal Judicial essa diligência (artigo 18º, nº 2 da LAV).

 

6.167. Por outro lado, dado que não se provou que a B..., Lda., a C..., Lda., a E..., Lda., a F..., S.A., e a G... Unipessoal, Lda. (antiga I...) eram, à data dos factos, titulares de estatuto fiscal no âmbito do ISP, podendo estes operadores económicos configurar meros intermediários na cadeia de distribuição de combustíveis, a eventual confirmação de repercussão da CSR na Requerente, subjacente ao combustível transmitido, em nada auxiliaria na ligação entre as DIC submetidas pelos sujeitos passivos de ISP/CSR e as faturas emitidas pelos referidos intermediários. Já no que diz respeito D..., Lda. (antiga H..., Lda.), tendo esta estatuto fiscal no âmbito do ISP, dado que ela própria apresentou pedidos de recuperação de CSR, nunca seria obtida a confirmação de repercussão.

 

6.168. Já no que diz respeito ao pedido efectuado a este Tribunal Arbitral, descrito no ponto 6.165.2., supra, refira-se que notificar a Requerida para que oficiasse a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos para que esta entidade disponibilizasse toda a informação relevante de que dispusesse quanto aos montantes repercutidos pelas entidades comercializadoras, para além das eventuais limitações apontadas no ponto anterior, a utilidade da eventual disponibilização da informação acima referida estaria também limitada pelos constrangimentos já assinalados a propósito do ponto 6.165.1.

 

6.169. Nestes termos, se admissíveis, tratar-se-iam em ambos os casos de actos inúteis que em nada contribuiriam para documentar e provar a pretensão da Requerente, indeferindo-se o peticionado.

 

6.170. Em resumo, constituindo a repercussão fiscal da CSR um facto positivo, o ónus da prova impende sobre quem o invoca, nos termos do artigo 74º, nº 1, da Lei Geral Tributária pelo que, não tendo sido feita a prova efectiva da repercussão relativos períodos que vão de Abril/2020 a Dezembro/2022, nem estabelecendo a lei a presunção legal da mesma, improcede a pretensão anulatória das liquidações das CSR dos períodos identificados, bem como improcede a pretensão anulatória do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa daquelas liquidações.

 

6.171.Em consequência, ficando prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados quanto às liquidações, nomeadamente, quanto à questão da inconstitucionalidade da Lei nº 55/2007, de 31 de Agosto, por preterição do princípio da igualdade, porque inútil.

 

6.172. Face à improcedência do pedido principal, fica igualmente prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto alegadamente suportado e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

Da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais

 

6.173. De harmonia com o disposto no artigo 22º, nº 4, do RJAT, “da decisão arbitral proferida pelo tribunal arbitral consta a fixação do montante e a repartição pelas partes das custas directamente resultantes do processo arbitral” sendo que, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 do CPC (ex vi 29º, nº 1, alínea e) do RJAT), deve ser estabelecido que será condenada em custas a Parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

 

6.174. Nos termos do nº 2 do artigo 527º do CPC concretiza-se a expressão “houver dado causa”, segundo o princípio do decaimento, entendendo que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

 

6.175. No caso em análise, tendo em consideração o acima exposto, a responsabilidade em matéria de custas arbitrais deverá ser imputada exclusivamente à Requerente.

 

 

 

7.          DECISÃO

 

7.1.   Nestes termos, tendo em consideração as conclusões apresentadas no Capítulo anterior, decidiu este Tribunal Arbitral Colectivo:

7.1.1.   Julgar improcedentes as exceções dilatórias e perentórias invocadas pela Requerida (da incompetência do Tribunal em razão da matéria, da ilegitimidade processual e substantiva da Requerente, da ineptidão da petição inicial por falta de objecto, da ininteligibilidade do pedido e a contradição entre este e a causa de pedir, bem como da caducidade do direito de acção);

7.1.2.   Julgar improcedente o pedido arbitral, determinando-se a manutenção na ordem jurídica dos actos de liquidação impugnados, bem como da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado relativamente àqueles actos de liquidação;

7.1.3.   Julgar prejudicado o conhecimento do pedido acessório de reembolso do imposto alegadamente suportado pela Requerente, bem como do pedido de pagamento de juros indemnizatórios;

7.1.4.   Condenar a Requerente no pagamento integral das custas.

 

Valor do processo: Tendo em consideração o acima exposto nesta decisão, bem como o disposto nos artigos 306º, nº 2 do CPC, artigo 97º-A, nº 1 do CPPT e no artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em EUR 100.342,24, por ter sido este o valor fixado pela Requerente e não ter sido contestado pela Requerida.

 

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em EUR 3.060,00, a cargo da Requerente, de acordo com o artigo 22º, nº 4 do RJAT.

 

 

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 3 de Julho de 2025

 

Árbitro Presidente

 

Fernanda Maçãs 

            Com a seguinte declaração:

(julgaria procedente a matéria de excepção suscitada pela Requerida, quanto à incompetência em razão da matéria e à ilegitimidade conforme demonstrado nas Decisões Arbitrais relativas aos processos n.ºs 957/2023-T, 1064/2023-T e 62/2024-T).

 

 

Árbitro Vogal

 

 

Fernando Miranda Ferreira

 

Árbitro Vogal e Relatora

 

Sílvia Oliveira

 



[1] A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto transcrições efectuadas.

[2] No mesmo sentido se pronunciou, segundo refere a Requerida, o STA em diversos outros Acórdãos e o Tribunal Arbitral, nomeadamente nas decisões proferidas nos Processos n.º 296/2020-T, 18/2021-T, 785/2020-T e 271/2021-T.

[3] Note-se que foram anexadas ao processo cópias de facturas de períodos anteriores aos evidenciados no PPA (Abril/2020 a Dezembro/2022), que não foram objecto do mesmo e por isso não terão no processo qualquer relevância documental.

[4] Note-se que, a referência a serviços e organismos que se vinculavam à jurisdição arbitral era feita para a Direcção-Geral dos Impostos e a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que foram, entretanto, extintas, tendo-lhes sucedido a Autoridade Tributária e Aduaneira (aqui designada por Requerida).

[5] Neste âmbito, vide Istituto di Ricovero e Cura a Carattere Scientifico (IRCCS) — Fondazione Santa Lucia (processo C-189/15, Acórdão de 18 de Janeiro de 2017, §29) e Test Claimants in the FII Group Litigation (processo C-446/04, Acórdão de 12 de Dezembro de 2016, §107), entre outros.

[6] Neste sentido, vide par. 26 do Despacho Vapo Atlantic, já mencionado.

[7] E, mesmo que, à luz da jurisprudência do Tribunal Constitucional português, a CSR viesse a ser qualificada como uma contribuição financeira, nem por isso ela deixaria de ser um imposto indireto (tal como está desenhada) na acepção da Diretiva, isto sob pena de os Estados-membros poderem, em função da maior ou menor criatividade constitucional (em termos de tributos públicos), frustrar os propósitos de harmonização e de neutralidade no plano dos impostos indiretos sobre o consumo.

[8] Na verdade, as normas de direito europeu derivado, como normas de direito internacional convencional, vigoram diretamente na ordem jurídica interna com a mesma relevância das normas de direito interno, vinculando imediatamente o Estado e os cidadãos (artigo 8º da CRP) pelo que a impugnação judicial de um acto de liquidação pode ser deduzida com fundamento em qualquer ilegalidade (artigo 99º do CPPT), nada permitindo distinguir entre a ilegalidade resultante de normas de direito interno ou de direito internacional convencional. Nestes termos, torna-se claro que não existe qualquer obstáculo a que o Tribunal Arbitral se pronuncie sobre o fundamento de ilegalidade dos actos de liquidação (subjacentes aos actos de repercussão) baseado em desconformidade do regime da CSR com o previsto na Diretiva Europeia acima referida pelo que, em consequência, considera-se improcedente a alegada excepção de incompetência absoluta do Tribunal Arbitral em razão da matéria.

[9] Nesta matéria, cfr. Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Coimbra, 1999, págs. 45 e segs.

[10] Neste âmbito, cfr. António Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Lisboa, 2001, págs. 116-117.

[11] Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Processo e Procedimento Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, Lisboa, 2011, pág. 115 e Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 98.

[12] Neste sentido, cfr. acórdão da Relação do Porto de 4 de outubro de 2021, Processo n.º 10910/20.

[13] Em termos gerais, a exigência de identificação das liquidações, numa situação em que o Repercutido não tem possibilidade de as identificar, seria incompaginável com o princípio constitucional da proporcionalidade e o direito à tutela judicial efectiva garantido pelos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, pois inviabilizaria a possibilidade prática de a Requerente impugnar contenciosamente actos que lhe aplicam tributação e lesam a sua esfera jurídica.

[14] Neste âmbito, vide Acórdão de 12-12-2001 (processo n.º 026.233), cuja jurisprudência é reafirmada nos Acórdãos de 06-02-2002 (processo n.º 026.690), de 13-03-2002 (processo n.º 026765), de 17-04-2002 (processo n.º 023719), de 08-05-2002 (processo n.º 0115/02), de 22-05-2002 (processo n.º 0457/02), de 05-06-2002 (processo n.º 0392/02), de 11-05-2005 (processo n.º 0319/05), de 29-06-2005 (processo n.º 9321/05), de 17-05-2006 (processo n.º 016/06) de 26-04-2007 (processo n.º 039/07), de 21-01-2009 (processo n.º 771/08), de 22-03-2011 (processo n.º 01009/10), de 14-03-2012 (processo n.º 01007/11), de 05-11-2014 (processo n.º 01474/12), de 09-11-2022 (processo n.º 087/22.5BEAVR), de 12-04-2023 (processo n.º 03428/15.8BEBRG).

[15] Neste sentido, o que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605, e Leonardo Marques dos Santos, “A revisão do ato tributário, as garantias dos contribuintes e a fiscalidade internacional”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier, Economia, Finanças Públicas e Direito Fiscal, Vol. II, págs. 14 e segs.).

[16] Neste sentido, e com as necessárias adaptações, vide, nomeadamente, o Acórdão do TCAS proferido em 23-03-2017, no processo n.º 07644/14, nos termos do qual se refere que “estando a reclamação graciosa fora de prazo à data em que foi apresentada, em consequência e independentemente da mesma ter sido ou não decidida, a impugnação judicial também será intempestiva”, bem como o acórdão do STA proferido em 02-04-2009, no processo n.º 0125/09, nos termos do qual “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações impugnadas, pois a sua extemporaneidade da reclamação ainda que não consequencie a extemporaneidade da impugnação conduz à sua necessária improcedência, por se reagir, então, contra um caso decidido ou resolvido” e “só a tempestividade da reclamação graciosa abre à impugnante, neste caso, a possibilidade de discutir a legalidade das liquidações, pois a confirmar-se a intempestividade da reclamação tudo se passa como se esta não tivesse existido”. Ou seja, “sendo intempestiva a reclamação graciosa, a decisão final que recaiu sobre este procedimento administrativo não é susceptível de conferir à Requerente a abertura do prazo para, na sequência, requerer a constituição do tribunal arbitral, tudo se passando como se a reclamação graciosa não tivesse existido”.

[17] Neste contexto, há que notar, embora não se tenham apurado as datas das liquidações de imposto subjacentes às facturas anexadas ao processo e que documentam os períodos do pedido de revisão oficiosa de Abril de 2020 a Dezembro de 2022, e que são objecto do processo, como a Requerente não tinha de ser (e não foi) notificada dessas liquidações, o prazo para as impugnar administrativamente apenas começou com o conhecimento da sua existência [como decorre do artigo 188º, nº 2, do Código do Procedimento Administrativo (CPA), subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2º, alínea c), da LGT], que não chegou à Requerente antes de lhe terem sido emitidas as facturas anexadas ao PPA [em sintonia, aliás, com o que, paralelamente, se estabelece na alínea f) do nº 1 do artigo 102º, para a impugnação contenciosa] relativas às aquisições de combustíveis efectuadas.

[18] Nesta matéria, e seguindo o teor da decisão arbitral proferida no âmbito do processo nº 1015/2023, de 28-05-2024 (Relator Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), que aqui se acompanha, refira-se que, sendo de 4 anos, a contar da liquidação, o prazo de revisão oficiosa, por erro imputável aos serviços, previsto na parte final do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, e tendo sido apresentado o pedido de revisão em 30-04-2024, não poderia abranger (em condições normais) liquidações anteriores a 30-04-2020 (4 anos) mas dado que o prazo para pedir a revisão oficiosa é um prazo de caducidade, haverá que atender a eventuais períodos de suspensão aplicáveis aos prazos dessa natureza.

Na verdade, a Lei nº 1-A/2020, de 19 de Março, que aprovou «medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo (…) agente causador da doença COVID-19», estabelece no seu artigo 7º, n.º 3, que «a situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos». Este artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020 produziu efeitos a partir de 09-03-2020, por força do disposto no nº 2 do artigo 6º da Lei nº 4-A/2020, de 6 de Abril, e a sua revogação ocorreu em 03-06-2020, por força do disposto no artigo 8º da Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação, nos termos do seu artigo 10º.

Como determina o artigo 6º desta Lei nº 16/2020, os prazos de "caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão" sendo que, por isso, o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa, esteve suspenso durante o período de vigência daquela norma, ou seja, entre 09-03-2020 e 03-06-2020 (87 dias).

Para além disso, nos termos do artigo 6º-C, nºs 1, alínea c) e 2, daquela Lei nº 1-A/2020, aditado pela Lei nº 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, os prazos para a prática de actos por particulares em procedimentos tributários, inclusivamente os prazos de interposição de procedimento de impugnação de actos tributários [entre os quais se inclui o pedido de revisão oficiosa (procedimento de «natureza idêntica» à reclamação graciosa)] estiveram suspensos a partir de 22 de Janeiro de 2021, nos termos do artigo 4º daquela Lei nº 4-B/2021, até 6 de Abril de 2021 por força da revogação daquele artigo 6º-C, pelo artigo 6º da Lei nº 13-B/2021, de 05 de Abril, com entrada em vigor em 06-04-2021, e o prazo de caducidade foi alargado «pelo período correspondente à vigência da suspensão», nos termos do artigo 5º desta mesma Lei. Isto é, o prazo para pedir a revisão oficiosa esteve suspenso também entre 22-01-2021 e 04-04-2021, ou seja, durante mais 75 dias.

Não obstante, os referidos preceitos legais que estabeleceram a prorrogação dos prazos de caducidade e de prescrição [cujo decurso fora suspenso ao abrigo das medidas legislativas excepcionais adoptadas durante a pandemia (artigo 6º da Lei nº 16/2020 e artigo 5º da Lei n.º 13-B/2021)] foram, entretanto, revogados pelas alíneas o) e ll) do artigo 2º da Lei nº 31/2023, de 4 de Julho, a qual determinou, quanto à produção de efeitos (e no que aqui interessa) que “a revogação das alíneas b) a e) do nº 7 e do n.º 8 do artigo 6º-E da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos 30 dias após a publicação da presente lei”, ou seja, a 05-07-2023.

Nestes termos, os efeitos da revogação da suspensão das medidas excepcionais no que diz respeito à caducidade afectam a aferição da tempestividade do pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente porque, por força do nº 2 do artigo 3º desta Lei, se refere que a revogação «não prejudica a produção de efeitos no futuro de factos ocorridos durante o período de vigência dos respetivos atos legislativos». Assim, no total, o prazo de quatro anos de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa foi alargado por 162 dias (87+75) e, por isso, no caso, o prazo de caducidade do direito de pedir a revisão oficiosa para facturas de Abril/2020 passou a terminar 162 dias depois do prazo normal, reforçando a tempestividade do pedido de revisão.

[19] Neste sentido, entre muitos, podem ver-se os seguintes Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo - de 25-10-2000, processo nº 25128, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-1-2003, p. 3757; de 7-11-2001, processo nº 26432, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2602; de 7-11-2001, processo nº 26404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 13-10-2003, p. 2593.

[20] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Ed revista e actualizada, 1985, pág. 502.

[21] A Inversão do Ónus da Prova do Direito Civil Português, Lex, Lisboa, 2001, pág. 34, Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, Almedina, 2020, reimpressão, pág. 41.

[22] In “A Inversão do Ónus da Prova do Direito Civil Português”, Lex, Lisboa, 2001, pág. 34, e Luís Filipe Pires de Sousa in “Direito Probatório Material Comentado”, Almedina, 2020, reimpressão, pág. 41.