SUMÁRIO:
I - A oposição de um Estado-membro ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado em violação do Direito Europeu exige a prova que o imposto foi suportado por pessoa diferente do sujeito passivo e que do reembolso resultaria um enriquecimento sem causa deste.
II - A Administração Fiscal logra provar a repercussão económica da CSR ao recolher um acervo probatório assente em procedimentos contabilísticos (que evidenciam que o imposto foi registado como custo), faturas emitidas a clientes (que demonstram a inclusão da taxa global de IEC e um preço de venda superior ao custo), um resultado de comercialização total positivo e um IVA liquidado à taxa de 23% sobre essa margem de comercialização.
III - Uma vez estabelecida uma evidência concreta e forte, assente na faturação e contabilidade e declarações fiscais da Requerente - que beneficiam de presunção de verdade -, a esta cabia um impulso probatório mínimo e essencial, identificando a factualidade concreta que pudesse abalar, contrariar ou mitigar a prova estabelecida pela AT.
DECISÃO ARBITRAL
«A..., LDA.», com o número de identificação fiscal ... e sede social na Rua ..., nºs ... a..., ...-... Porto, (doravante designada por “Requerente”), solicitou a constituição de Tribunal Arbitral e deduziu pedido de pronúncia arbitral, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e no artigo 10.º, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”).
I. Relatório
O pedido formulado pela Requerente consiste (i) na declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e da Contribuição de Serviço Rodoviário (CSR) referentes ao período de setembro a dezembro de 2022, no valor total de € 5.944.691,26, com a consequente revogação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e (ii) no pagamento de juros indemnizatórios.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante referida por “AT” ou “Requerida”).
No exercício da opção de designação de árbitro prevista na alínea b) do n.º 2 do 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, igualmente do RJAT, a Requerente designou João Taborda da Gama como Árbitro.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26.08.2024.
Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou José Luís Ferreira como Árbitro.
De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de árbitro presidente.
Em 11.10.2024, e em conformidade com o disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, os Árbitros designados pelas partes requereram ao Conselho Deontológico a designação do terceiro árbitro, que assumiria as funções de Presidente.
O Conselho Deontológico designou como árbitro presidente, em 21.10.2024, Maria Fernanda dos Santos Maçãs, que aceitou a designação no prazo legal aplicável.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 11 de novembro de 2024.
Em 29 de novembro a Requerida remeteu o processo administrativo e apresentou a sua Resposta, tendo suscitado matéria de exceção sobre a qual a Requerente se pronunciou em 17 de dezembro.
Por despacho deste Tribunal foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e fixado o prazo para a apresentação de alegações escritas, que a Requerida e Requerente fizeram, respetivamente, em 6 e 17 de janeiro.
O prazo para a prolação da decisão foi prorrogado em 2 meses, com fundamento no período de férias judiciais e na complexidade do processo.
Posição da Requerente
A fundamentar o pedido a Requerente alega, entre o mais, que:
i) É uma sociedade que tem por objeto, entre outras atividades, a exploração de postos de abastecimento e comércio por grosso de produtos petrolíferos. Procede à introdução no consumo de gasolina e gasóleo rodoviário, entregando para esse efeito as respetivas declarações de introdução no consumo (DIC) junto das alfândegas territorialmente competentes;
ii) Nos meses de setembro a dezembro de 2022, introduziu no consumo as seguintes quantidades (litros):
Mês
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Gasóleo
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Gasolina 95
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Gasolina 98
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Setembro
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10.873,943,00
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2.628.661,00
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135.083,00
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Outubro
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11.179.966,00
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2.582.741,00
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138.474,00
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Novembro
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11.223.767,00
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1.943.395,00
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97.246,00
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Dezembro
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12.427.091,00
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2.360.510,00
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130.696,00
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Total
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45.704.767,00
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9.515.510,00
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501.499,00
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iii) A AT liquidou à Requerente o valor da CSR correspondente às quantidades introduzidas no consumo, às taxas de € 87 / m3 e € 111/m3 para gasolina e gasóleo, respetivamente (€):
Mês
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Gasóleo
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Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
Setembro
|
1.207.007,67
|
228.693,51
|
11,752,22
|
Outubro
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1.240.976,23
|
224.698,47
|
12.047,24
|
Novembro
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1.245.838,14
|
169.075,37
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8.460,40
|
Dezembro
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1.379.407,10
|
205.364,37
|
11.370,55
|
Total
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5.073.229,14
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827.831,71
|
43.630,41
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iv) Por não concordar com a legalidade das liquidações, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação n.º ...de 12.10.2022, n.º ... de 14.11.2022, n.º ... de 12.12.2022 e n.º ... de 17.01.2023;
v) Em 27.05.2024 a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da Alfândega de Leixões, após o que submeteu o presente pedido de pronúncia arbitral;
vi) Embora não o invoque expressamente, a AT indicia a falta de legitimidade da Requerente para contestar os atos de liquidação da CSR que nesta sede são postos em crise (como o foram no pedido de revisão oficiosa que antecedeu) por a Requerente, embora sendo sujeito passivo da CSR, não ser, em princípio, o responsável por suportar o encargo da CSR, que recairia sobre o consumidor final, contribuinte da CSR;
vii) A CSR foi criada pela Lei 55/2007 e, nos termos do respetivo artigo 3.º, n.º 1, “[a] contribuição de serviço rodoviário constitui a contrapartida pela utilização da rede rodoviária nacional, tal como esta é verificada pelo consumo dos combustíveis”. De acordo com o artigo 4.º da Lei 55/2007, a CSR incide sobre “a gasolina e o gasóleo rodoviário sujeitos ao imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP) e dele não isentos”.Segundo o artigo 5.º, n.º 1 da mesma Lei, “[a] contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, sendo aplicável à sua liquidação, cobrança e pagamento o disposto no Código dos Impostos Especiais de Consumo, na lei geral tributária e no Código de Procedimento e Processo Tributário, com as devidas adaptações”;
viii) Das normas acima citadas resulta que a CSR tem como sujeitos passivos os sujeitos passivos do ISP, ou seja, os previstos no artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (“IEC”);
ix) Em matéria de incidência subjetiva, dispõe o artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Código dos IEC que “[s]ão sujeitos passivos de impostos especiais de consumo: a) O depositário autorizado, o destinatário registado e o destinatário certificado”. A Requerente é, pois, sujeito passivo de IEC ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1 do Código dos IEC, e também sujeito passivo de CSR, por força do artigo 5.º, n.º 1 da Lei 55/2007;
x) É incontestável que a Requerente dispunha de legitimidade ativa, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, para apresentar pedido de revisão oficiosa contra os atos de liquidação de setembro a dezembro de 2022, nesta sede postos em crise, dispondo, igualmente, de legitimidade ativa para apresentar o presente pedido de pronúncia arbitral. E tendo em vista as supra referidas datas de liquidação da CSR, o pedido de revisão oficiosa apresentado em 26.02.2024 é tempestivo, por se situar dentro do prazo de 4 anos disponível para o efeito;
xi) No caso sub judice, está em causa a existência de erro imputável aos serviços que justifica a revisão oficiosa dos atos tributários no prazo de 4 anos previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
xii) Decidiu o Supremo Tribunal Administrativo (STA) em acórdão de 08.02.2017, no processo n.º 0678/16, que “o erro imputável aos serviços, concretiza qualquer ilegalidade, não imputável ao contribuinte mas à Administração, compreendendo o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, no âmbito do qual se enquadra a violação das normas de direito da UE”;
xiii) É inquestionável que a CSR, liquidada à Requerente nos termos da Lei 55/2007, é manifestamente ilegal por violação do Direito Europeu, em particular da Diretiva 2008/118 e da Diretiva (UE) 2020/262 do Conselho de 19 de dezembro de 2019 que estabelece o regime geral dos Impostos Especiais de Consumo (“Diretiva 2020/262”);
xiv) Isto mesmo foi já decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) na decisão de 07.02.2022, no caso VAPO ATLANTIC (C-460/21), e, entre outros, nos processos arbitrais n.º 564/2020-T (que originou a referida decisão do TJUE, por força de reenvio prejudicial), n.º 304/2022-T e n.º 305/2022-T;
xv) Nos termos do artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/1182: “Os Estados-Membros podem cobrar, por motivos específicos, outros impostos indirectos sobre os produtos sujeitos a impostos especiais de consumo, desde que esses impostos sejam conformes com as normas fiscais da Comunidade aplicáveis ao imposto especial de consumo e ao imposto sobre o valor acrescentado no que diz respeito à determinação da base tributável, à liquidação, à exigibilidade e ao controlo do imposto, regras estas que não incluem as disposições relativas às isenções.”;
xvi) No que respeita à primeira condição - a existência de “motivo específico”, o TJUE veio já esclarecer que a existência de “motivo específico” não se confunde com finalidades meramente orçamentais, sendo necessária a existência de um vínculo direto entre a utilização das receitas do imposto e o referido motivo;
xvii) A CSR foi criada com a finalidade de financiar uma entidade a cargo da qual está a gestão de uma parcela importante da rede rodoviária nacional. As despesas gerais desta são suscetíveis de serem financiadas pelo produto de impostos de qualquer natureza, pelo que o fundamento que subjaz à CSR - o financiamento da rede rodoviária nacional - não pode ser distinguido de uma finalidade puramente orçamental;
xviii) Refere o TJUE no caso VAPO ATLANTIC (C-460/21): “No caso em apreço, importa salientar, em primeiro lugar, como resulta da jurisprudência referida no n.º 26 do presente despacho, que, embora a afetação predeterminada do produto da CSR ao financiamento, pela concessionária da rede rodoviária nacional, das competências gerais que lhe são atribuídas possa constituir um elemento a tomar em consideração para identificar a existência de um motivo específico, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118, essa afetação não pode, enquanto tal, constituir um requisito suficiente.”;
xix) Entendeu ainda o TJUE no caso VAPO ATLANTIC (C-460/21) a respeito da CSR: “Em segundo lugar, para se considerar que prossegue um motivo específico, na aceção desta disposição, a CSR deveria destinar-se, por si só, a assegurar os objetivos de redução da sinistralidade e de sustentabilidade ambiental que foram atribuídos à concessionária da rede rodoviária nacional. Seria esse o caso, nomeadamente, se o produto deste imposto devesse ser obrigatoriamente utilizado para reduzir os custos sociais e ambientais especificamente associados à utilização dessa rede que é onerada pelo referido imposto. Seria então estabelecida uma relação direta entre a utilização das receitas e a finalidade da imposição em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 27 de fevereiro de 2014, TRANSPORTES JORDI BESORA, C-82/12, EU:C:2014:108, n.º 30, e de 25 de julho de 2018, MESSER FRANCE, C-103/17, EU:C:2018:587, n.º 38). Em terceiro lugar, (…) o decreto‑lei que atribuiu a concessão da rede rodoviária nacional à IP impõe a esta última que trabalhe em prol, por um lado, da redução da sinistralidade nessa rede e, por outro, da sustentabilidade ambiental.”;
xx) Com efeito, nos termos do artigo 4.º da Lei 55/2007, a CSR incide de modo geral sobre todo o consumo de gasolina e gasóleo rodoviário, de quanto resulta que é suportada por um universo de contribuintes superior àquele que efetivamente utiliza a rede rodoviária nacional a cargo da EP/IP. Acresce que resulta evidente da Lei 55/2007 que a CSR também não possui estrutura, designadamente matéria coletável ou taxa de tributação, que vise “influenciar o comportamento dos contribuintes” no sentido de permitir a realização da finalidade de financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP/IP;
xxi) Como tal, concluiu o TJUE no caso VAPO ATLANTIC (C-460/21), em que apreciou a (des)conformidade com o Direito da União das normas da Lei 55/2007 que criaram a CSR, que “há que responder à primeira questão que o artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 2008/118 deve ser interpretado no sentido de que não prossegue «motivos específicos», na aceção desta disposição, um imposto cujas receitas ficam genericamente afetadas a uma empresa pública concessionária da rede rodoviária nacional e cuja estrutura não atesta a intenção de desmotivar o consumo dos principais combustíveis rodoviários”;
xxii) Nestes termos, é forçoso concluir que os artigos 1.º, 2.º, n.º 1, 3.º, 4.º, n.º 1 e 5.º, n.º 1 se encontram em contradição com o disposto no artigo 1.º, n.º 2 da Diretiva 2008/118 e da Diretiva 2020/262 sendo, nessa medida, inconstitucionais por violação do princípio do primado do Direito da União sobre o Direito interno ordinário, consagrado no artigo 8.º, n.º 4 da CRP, e ilegais. Do exposto decorre a ilegalidade dos atos de liquidação de CSR dos meses de setembro a dezembro de 2022, ora postos em crise, no montante de CSR de € 5.944.691,26, que devem ser anulados;
xxiii) Sendo as liquidações ilegais, e sendo-o por erro imputável aos serviços, a CSR foi indevidamente paga pela Requerente. Nos termos do artigo 100.º, n.º 1 da LGT, a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade. O que determina o reembolso da prestação tributária indevidamente paga;
xxiv) A AT, porém, na decisão do pedido de revisão oficiosa, cujos fundamentos constam do Ofício n.º 2024..., de 11.04.2024, pronunciou-se no sentido de que “de acordo com a prova efetuada pela UGC na Informação n.º 7B-ENG/2024, de 29.02.2024, conclui-se pela ilegalidade do reembolso dos montantes pagos a título de CSR pela Requerente, dado que o mesmo foi repercutido no preço de venda ao público dos combustíveis e, sendo assim, a respetiva devolução configuraria uma situação de enriquecimento sem causa.”;
xxv) A referida Informação n.º 7B-ENG/2024, da UGC, de 29.02.2024 (“Informação RO”), na qual a AT suporta o seu entendimento refere que “em conformidade com o tratamento plasmado na NCRF 18-Inventários, o procedimento contabilístico adotado pela A... vai no sentido do seu reconhecimento numa conta de compras (e não como gasto do período) incorporado na CMVMC. A inclusão da CSR no CMVMC constitui o reconhecimento por parte da empresa que esta (tal como os restantes impostos ISP e taxa carbono) incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no respetivo preço de venda.”;
xxvi) Refere ainda aquela Informação RO que:
“- adicionalmente, e atendendo a que o peso da CSR no preço de venda dos combustíveis é superior à margem bruta média apurada pelo contribuinte, não pode invocar-se que a mesma não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal significaria admitir-se que a empresa estaria a praticar preços de venda inferiores aos respetivos preços de custo, prática comercial proibida pela legislação nacional. - a A... trata contabilisticamente os impostos (ISP, CSR, taxa de carbono) como um todo, não registando de forma individualizada cada uma das rubricas. Considerando que o peso destes impostos (CSR incluída) representa cerca de 32,6% do CMVMC, e que a margem bruta de comercialização média é diminuta (logo se infere que representa sensivelmente o mesmo peso no preço de venda dos combustíveis), não é razoável admitir a hipótese da CSR não estar incluída no preço de venda, e que é um encargo suportado pela A... .”;
xxvii) De quanto conclui que:
“- face ao exposto, conclui-se que a CSR está a ser incluída no CMVMC e subsequentemente no preço de venda dos combustíveis, constituindo um encargo dos adquirentes dos combustíveis (e do consumidor final dos combustíveis na cadeia de revenda) e não um encargo da A..., premissa validada pelos procedimentos contabilísticos adotados pelo sujeito passivo, em conformidade com a norma contabilística. Acresce que, atendendo à margem bruta de comercialização apurada, e respetivo peso da CSR no CMVMC não é admissível argumentar-se que esta contribuição não foi incluída no preço de venda dos combustíveis, pois tal como referido, conduziria à prática ilegal de preços de venda inferiores ao respetivo custo, e que seria, para além disso, económica e financeiramente inviável.”;
xxviii) Não tem cabimento a argumentação da AT, nem tão-pouco permite afastar a obrigatoriedade de reembolso da CSR indevidamente paga pela Requerente;
xxix) Como refere o TJUE no Despacho de 7 de fevereiro de 2022, no processo C-460/21: “Como resulta de jurisprudência constante, o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares por estas disposições, conforme foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. Assim, um Estado‑Membro está, em princípio, obrigado a reembolsar os impostos cobrados em violação do direito da União, ao abrigo das regras processuais nacionais aplicáveis e no respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade (v., neste sentido, designadamente, Acórdãos de 9 de novembro de 1983, San Giorgio, 199/82, EU:C:1983:318, n.º 12, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.º 32).”;
xxx) Sobre a questão concreta da inclusão da CSR no preço de venda praticado pela Requerente, convém referir que a Informação preparada pela UGC, na qual a AT ancora a sua argumentação, é vaga e assente em meras suposições e presunções - ainda por cima falsas - não juntando, nem sequer identificando, quaisquer meios de prova - que de resto não existem -, deixando claro que não foram analisados elementos concretos da Requerente;
xxxi) No acórdão WEBER'S WINE WORLD HANDELS-GMBH (C‑147/01), de 02.10.2003, referido no citado Despacho de 7 de fevereiro de 2022, no processo C-460/21, no caso VAPO ATLANTIC, o TJUE salienta que: “O Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que os particulares têm direito a obter o reembolso dos impostos cobrados por um Estado-Membro em violação das disposições comunitárias. Este direito é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos particulares pelas disposições comunitárias, tal como estas foram interpretadas pelo Tribunal de Justiça. O Estado-Membro em causa é, assim, em princípio, obrigado a restituir os impostos cobrados em violação do direito comunitário (v., nomeadamente, acórdãos Comateb e o., já referido, n.º 20; de 8 de Março de 2001, Metallgesellschaft e o., C-397/98 e C-410/98, Colect., p. I-1727, n.º 84; e Marks & Spencer, já referido, n.º 30);
xxxii) Refere ainda o TJUE no mesmo aresto que: “Uma vez que esta excepção constitui uma restrição de um direito subjectivo resultante da ordem jurídica comunitária, há que interpretá-la em sentido restrito, atendendo nomeadamente ao facto de a repercussão de um imposto no consumidor não neutralizar necessariamente os efeitos económicos do mesmo sobre o sujeito passivo. Assim, no n.º 17 do acórdão Bianco e Girard, já referido, o Tribunal de Justiça sublinhou, designadamente, que, mesmo que a legislação nacional conceba as imposições indirectas de modo a que estas sejam repercutidas no consumidor final e, habitualmente, no domínio do comércio, tais imposições indirectas sejam parcial ou totalmente repercutidas, não é possível afirmar, em geral, que a imposição é de facto repercutida em todos os casos. Na verdade, a repercussão efectiva, parcial ou total, depende de vários factores próprios a cada transacção comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos (…). No n.º 20 do acórdão Bianco e Girard, já referido, o Tribunal de Justiça precisa que é mais ou menos provável, consoante as características do mercado, que a repercussão tenha lugar. No entanto, os numerosos factores que determinam a estratégia comercial variam de caso para caso, de tal modo que é praticamente impossível determinar a parte correspondente à sua influência efectiva na repercussão do imposto.”;
xxxiii) Da jurisprudência do TJUE acima citada resulta cristalino que, ainda que se considerasse demonstrado que parte do custo com a CSR foi economicamente integrado no preço de venda - tal como são, regra geral, integrados os custos gerais de qualquer atividade económica - ainda assim não pode o Estado-Membro negar o reembolso do imposto com base neste argumento;
xxxiv) Atendendo aos factos descritos e à manifesta ilegalidade dos atos de liquidação da CSR postos em crise, deve o montante indevidamente pago ser reembolsado à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados à taxa de 4% sobre o valor a reembolsar. Os juros deverão ser contados desde um ano a contar da apresentação do pedido de revisão oficiosa, até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Posição da Requerida
Na resposta a Requerida alegou, em síntese:
Por exceção
i) Importa analisar os efeitos económicos dos impostos especiais que incidem sobre o consumo de combustíveis e que, pelo mecanismo da repercussão, oneram o consumidor final. A CSR não é faturada separadamente nem reconhecida contabilisticamente numa conta específica de gastos ou de rédito;
ii) Em conjunto com o ISP, a CSR é integrada na conta de custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), o que constitui o reconhecimento por parte da Requerente que a CSR (tal como os restantes impostos ISP e a taxa de carbono) incorpora o preço de custo dos combustíveis e consequentemente é incluída no preço de venda. O que significa que a Requerente não fica desembolsada do valor pago a título de CSR;
iii) Impõe-se não só assegurar a legitimidade processual da Requerente como o seu interesse em agir, enquanto pressuposto processual autónomo da legitimidade. Assim se aferindo da real necessidade de tutela jurisdicional por parte da Requerente;
iv) Estando em causa um tributo que visa onerar o consumidor final, através da repercussão económica, para que se verifique a “necessidade e utilidade” do presente pedido, é forçoso que a Requerente se encontre desembolsada dos montantes pagos a título de CSR. Ou seja, que a necessidade de proteção da Requerente assente na não incorporação da CSR no preço das mercadorias vendidas;
v) A Requerente pretende a devolução de imposto cujo valor foi repassado ao consumidor final, inexistindo efetiva necessidade de tutela jurisdicional;
vi) Acresce que o tribunal arbitral é materialmente incompetente para a apreciação do pedido, dado que as contribuições (como é o caso da CSR), por não constituírem um imposto, estão excluídas da arbitragem tributária (conforme a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, que estabelece os termos da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais);
vii) A este propósito veja-se o artigo 4.º da LGT onde o legislador não só definiu no n.º 1 quais os tributos que considera enquadrados na noção de “imposto”, como vem, ainda, atribuir essa qualidade a determinadas contribuições especiais, definindo no n.º 3 aquelas que devem também ser consideradas como um imposto. Assim, se o legislador pretendesse atribuir, também, essa qualidade à CSR, tê-la-ia, expressamente, enquadrado naquela definição, o que não fez;
viii) Independentemente do nomen iuris ou da natureza jurídica da CSR, a verdade é que não é, por definição, um imposto e, portanto, o CAAD não tem competência para decidir sobre esta matéria;
ix) Importa transcrever a decisão proferida no Processo n.º 31/2023-T: “No caso da CSR, é manifesto que não se está perante uma «contribuição especial» enquadrável no conceito definido no n.º 3 do artigo 4.º da LGT, pois não assenta «na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade, pelo que não há suporte literal mínimo para que seja considerada, na perspectiva legislativa, um dos «impostos» a que alude o artigo 2.º da Portaria n.º 112-/2011.”;
x) A CSR está excluída da arbitragem tributária por força do disposto nos artigos 2.º e 3.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, pelas quais a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais se reporta apenas à apreciação de pretensões relativas a impostos, não abrangendo os tributos que devam ser qualificados como contribuição. Não se encontra verificada a arbitrabilidade do thema decidendum, não sendo os tribunais arbitrais do CAAD materialmente competentes para conhecer do mérito do pedido em apreço;
xi) Adicionalmente, o pedido de pronúncia arbitral é intempestivo;
xii) Com efeito, a contagem do prazo para a apresentação do pedido de revisão oficiosa inicia-se a partir do termo do prazo de pagamento da CSR, tendo por referência a data do ato de liquidação global. A revisão oficiosa foi rececionada na Alfândega de Leixões em 27.02.2024, pelo que há se encontrava ultrapassado o prazo de 120 dias previsto no n.º 1 do artigo 78.º da LGT;
xiii) Por esse motivo, a Requerente fundamentou o pedido de revisão oficiosa em erro imputável à AT, de forma a ampliar o prazo para 4 anos. Todavia, as liquidações de CSR foram efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, pelo que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se em total consonância com as normas aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, é a mesma legal, logo, isenta de erro. A Administração Tributária limitou-se a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade;
xiv) Conforme sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra de 01.10.2024 (Processo n.º 130/24.3BESNT), estando a Requerida vinculada ao princípio da legalidade e tendo efetuado a liquidação em estrita observância dos normativos legais em vigor à data dos factos, não existe qualquer erro imputável aos serviços. Não podendo ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu, por estar sujeita ao princípio da legalidade (cf. n.º 2 do artigo 266.º da CRP e artigo 55.º da LGT);
Por impugnação
xv) A Lei n.º 24-E/2022, de 30 de dezembro, que altera o Código dos Impostos Especiais de Consumo, a Lei n.º 55/2007, de 31 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 91/2015, de 29 de maio, transpondo as Diretivas (UE) 2019/2235, 2020/1151 e 2020/262, introduziram profundas alterações ao anterior regime da CSR, a qual passou a estar incorporada no ISP;
xvi) Se dúvidas houvesse quanto à repercussão da CSR nos preços de venda e sobre quem é que efetivamente suporta o custo do pagamento desse montante ao Estado, o legislador veio esclarecer que o ISP/CSR é sempre repercutido nos consumidores, conforme resulta da nova redação do artigo 2.º do CIEC, introduzida pela Lei n.º 24-E/2022, tendo o legislador esclarecido, igualmente, no artigo 6.º da Lei nº 24-E/2022, que aquele preceito legal tem a natureza de norma interpretativa;
xvii) A Lei n.º 5/2019, de 11 de janeiro, veio estabelecer o Regime de cumprimento do dever de informação do comercializador de energia ao consumidor, consagrando no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais (cf. artigo 1.º), aplicando-se aos comercializadores de energia no fornecimento e ou prestação de serviços aos consumidores de energia elétrica, gás natural, gases de petróleo liquefeitos (GPL), e combustíveis derivados do petróleo (cf. artigo 2.º);
xviii) Sendo que, adicionalmente ao vertido na Lei n.º 5/2019, os comercializadores, conforme o exigido pelas normas do artigo 9.º, n.º 1, alínea d), devem informar os seus clientes da desagregação dos valores faturados, evidenciando, nomeadamente, “As taxas e os impostos devidos, expressos em EUR/litro no caso das gasolinas, dos gasóleos e do GPL Auto, e em EUR/garrafa no caso do GPL engarrafado;” devendo ser identificados, relativamente ao total da fatura, de acordo com o n.º 2:
a) O Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), que inclui, designadamente, o adicional ao ISP, o adicionamento sobre as emissões de CO2 (Taxa de Carbono) e a contribuição de serviço rodoviário (CSR);
b) O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA);
c) Outros que se venham a aplicar.
xix) Decorrendo de tal regime jurídico, conforme melhor se explanará adiante, que a partir da sua entrada em vigor, em 2020, as faturas de venda de produtos combustíveis passaram a refletir o tipo de produto em causa, de forma detalhada e discriminada por tributo/imposto, o que permite concluir que os impostos em causa oneram o consumidor, incluindo a CSR, conforme decorre expressamente das normas supracitadas;
xx) Existem na CSR objetivos/finalidades não orçamentais, estando subjacente à sua criação e afetação motivos específicos distintos de uma finalidade orçamental, nomeadamente finalidades de redução de sinistralidade e de sustentabilidade ambiental, sendo, pois, a referida CSR conforme ao direito comunitário, ao contrário do que defende a Requerente;
xxi) Mas ainda que tal não fosse, é jurisprudência pacífica do TJUE que o Estado tem o direito de recusar o reembolso de impostos cobrados em violação do direito comunitário na condição de provar que o encargo fiscal foi efetivamente suportado por uma pessoa diferente do sujeito passivo do imposto e que o reembolso do imposto a este último determinaria uma situação de enriquecimento sem causa (v.g., Proc.º n.º C-147/01, Acórdão de 02/10/2003);
xxii) Ora, nem o direito comunitário nem os princípios do Estado de Direito e da proteção da confiança toleram o enriquecimento sem causa de um sujeito passivo através do reembolso de um imposto que foi repercutido em terceiros. Consubstanciaria uma clamorosa injustiça, com consequências financeiras muito gravosas, se a AT se visse obrigada a restituir à Requerente um montante de imposto/contribuição que entregou às Infraestruturas de Portugal, IP, S.A., nos termos da lei, e de que aquela não se encontra desembolsada, porque onerou com o encargo os consumidores finais, conduzindo a um inadmissível enriquecimento sem causa de uma empresa em desfavor do interesse público;
xxiii) Na esteira da jurisprudência há muito assente do TJUE, desde que seja provado que os impostos indevidamente arrecadados foram efetivamente incluídos no preço das mercadorias vendidas, e assim repercutidos economicamente nos adquirentes, o Estado não está obrigado à devolução dos ditos impostos (v.g., entre outros, o Proc.º do TJUE C-199/82, de 09/11/1983);
xxiv) A repercussão económica dos montantes liquidados a título de CSR sobre terceiros, é suscetível de prova, não se podendo exigir ao Estado que, para provar a efetiva repercussão do imposto por parte do sujeito passivo sobre terceiros, faça uma prova “diabólica”;
xxv) É que, cabe desde logo salientar, a repercussão económica da CSR, não é uma repercussão que tenha um mecanismo de requisitos formais legalmente consagrados como acontece, por exemplo, com o IVA. Do ponto de vista contabilístico, a CSR não está individualizada numa conta específica, pois o valor da CSR não está segregado do valor do ISP;
xxvi) Com vista a fazer prova da repercussão económica da CSR pela Requerente, foi efetuada pela AT uma ação inspetiva, constando da Informação n.º 7B - ENG/2024, relativa ao processo DI202400099, de 29/02/2024, da Unidade dos Grandes Contribuintes (Divisão de Inspeção a Empresas não Financeiras I) os resultados da análise efetuada que comprovam que a CSR liquidada, relativamente às introduções no consumo efetuadas nos meses de setembro a dezembro de 2022, foi incluída no preço de venda dos combustíveis e, consequentemente não ficou a Requerente desembolsada dos valores pagos a título de CSR;
xxvii)Do tratamento contabilístico adotado pelo sujeito passivo, com acolhimento na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 18, constata-se, inequivocamente, que o resultado apurado pela A... não é inferior pelo facto de existir a CSR, dado que esta é incorporada no CMVMC dos combustíveis vendidos, sobre o qual é aplicada a margem de lucro, e concomitantemente repercutida no valor de venda, constituindo assim um encargo do consumidor final, adquirente dos combustíveis, e não da A... (que apenas assume o papel de sujeito passivo do imposto), indo de encontro ao objeto de criação da CSR, de repercutir nos utilizadores da rodovia o encargo da CSR, ou seja, nos adquirentes dos combustíveis rodoviários;
xxviii) Foi concretizada uma operação de compra de combustíveis ao fornecedor B..., SA (factura n.º 2022/FJ/00194, de 2022/10/15) e a posterior venda, de que resultou uma margem de venda por litro média de 0,0335 €;
xxix) Se os impostos são tratados como um todo, e assumem um peso na ordem dos 32,60%, aproximadamente, do total do CMVMC, não é de todo plausível considerar que os mesmos (nos quais se inclui a CSR) não estão incluídos no preço de venda dos combustíveis. Caso assim não fosse o preço de venda seria inferior ao CMVMC, naquela ordem de grandeza, o que manifestamente seria impossível, pois a empresa não teria viabilidade económica e financeira;
xxx) A análise e a descrição do tratamento contabilístico e do enquadramento fiscal efetuado pelo próprio sujeito passivo à CSR, corresponde, por si só, à demonstração objetiva da realidade dos factos, através de elementos que se relacionam com os fatores inerentes às transações comerciais que foram realizadas, sendo que a própria contabilidade da Requerente espelha tal repercussão, não deixando dúvidas sobre tal comprovação;
xxxi) O reembolso dos montantes pagos a título de CSR a quem paga o imposto ao Estado, mas não o suporta (já que, quem suporta a carga do imposto são, efetivamente, os seus clientes), comprovado, aliás, também, pelos pedidos arbitrais apresentados por consumidores que não são sujeitos passivos, configura uma situação de enriquecimento sem causa, fonte de obrigações, no âmbito do direito civil, nos termos do artigo 474.º do Código Civil. No caso sub judice, como se viu, não existe uma causa concreta que justifique o reembolso da CSR à Requerente, pois este encargo fiscal é efetivamente suportado por pessoas diferentes do sujeito passivo do tributo;
xxxii)Ao reembolsar a CSR à Requerente o Estado estaria a transferir para esta entidade as verbas que os consumidores finais suportaram quando adquiriram os combustíveis, sendo que os consumidores continuariam a suportar o impacto negativo que esta contribuição causou, o Erário Público no final não arrecadaria qualquer receita (num primeiro momento arrecadou, mas num momento posterior estaria a devolver o valor cobrado), passando a Requerente a ser a beneficiária efetiva de uma receita, sem qualquer causa legítima, que não faz qualquer sentido que constitua rendimento desta entidade (na medida em que quem suportou efetivamente o encargo com a CSR foram os consumidores).
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído e, como melhor se verá, é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo dirigido à anulação dos atos de liquidação da CSR e do pagamento de juros indemnizatórios.
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, como melhor será analisado mais adiante.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas.
Não foram identificadas nulidades ou irregularidades, que impeçam a apreciação do pedido.
Cumpre apreciar e decidir.
III. DOS FACTOS
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
a) A atividade da Requerente está concentrada na revenda de combustíveis por grosso e na exploração de um posto de abastecimento sito na localidade de ... (...);
b) Para efeitos de IECs, a Requerente dispõe do estatuto de operador e, nessa qualidade, procedeu, no período de 01.09.2022 a 31.12.2022, à apresentação das respetivas declarações de introdução no consumo de gasolinas e gasóleo rodoviários nas seguintes quantidades (litros a 15º):
Mês
|
Gasóleo
|
Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
Setembro
|
10.873,943,00
|
2.628.661,00
|
135.083,00
|
Outubro
|
11.179.966,00
|
2.582.741,00
|
138.474,00
|
Novembro
|
11.223.767,00
|
1.943.395,00
|
97.246,00
|
Dezembro
|
12.427.091,00
|
2.360.510,00
|
130.696,00
|
Total
|
45.704.767,00
|
9.515.510,00
|
501.499,00
|
c) Dessas declarações, resultou a liquidação, por parte da AT (Alfândega de Leixões), dos três impostos que constituem o IEC: ISP, Adicionamento de CO2 e CSR. Essa liquidação, paga pela Requerente, ascendeu, no que respeita à parcela da CSR, a
€ 5.944.691,26, valor que foi materializado nos atos de liquidação n.º ... de 12.10.2022, n.º ... de 14.11.2022, n.º...de 12.12.2022 e n.º ... de 17.01.2023, do seguinte modo:
Mês
|
Gasóleo
|
Gasolina 95
|
Gasolina 98
|
Setembro
|
€ 1.207.007,67
|
€ 228.693,51
|
€ 11,752,22
|
Outubro
|
€ 1.240.976,23
|
€ 224.698,47
|
€ 12.047,24
|
Novembro
|
€ 1.245.838,14
|
€ 169.075,37
|
€ 8.460,40
|
Dezembro
|
€ 1.379.407,10
|
€ 205.364,37
|
€ 11.370,55
|
Total
|
€ 5.073.229,14
|
€ 827.831,71
|
€ 43.630,41
|
d) A Requerida contabiliza a aquisição de combustíveis em conformidade com a exigência legal constante da NCRF 18. Os combustíveis adquiridos são tratados como uma mercadoria destinada à revenda, i. e. no momento da aquisição, o valor de compra é registado numa conta de existências (conta # 311x - Mercadorias);
e) A CSR liquidada pela AT é registada como um maior valor de aquisição das existências (conta # 3113x. Mercadorias ISP, que é uma sub-conta da referida conta # 311). Ou seja, o valor da CSR é somado ao valor de aquisição dos combustíveis;
f) No posterior momento em que ocorre a alienação dos combustíveis, a Requerente reconhece, contabilisticamente, o gasto e o rédito. Ou seja, apura a margem de comercialização resultante do confronto entre os preços de venda e de aquisição dos combustíveis;
g) No momento da venda, contabilista e economicamente, o valor registado na conta de existências é transferido para a conta de custo (no caso, a conta # 61 - Custo das Mercadorias Vendidas e das Matérias Consumidas). Já o rédito resultante do valor de venda dos combustíveis é registado na conta # 71 - Venda de Mercadorias;
h) No exercício de 2022 (a que se reportam as operações económicas que subjazem ao pedido de pronúncia arbitral), o relatório e contas da Requerente evidencias as vendas e custo das vendas:


i) Ou seja, a diferença entre os valores de venda e de compra de combustíveis revelou uma margem de comercialização positiva de € 2.935.811,00;
j) Considerando a totalidade dos demais custos da Requerente (fornecimentos e serviços externos, amortizações, gastos com pessoal), a Requerente registou um resultado antes de imposto (IRC) de € 649.733,00;
k) Subtraído o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, o resultado líquido cifrou-se em € 497.355,00;
l) Em 15 de Outubro de 2022, a Requerente emitiu a fatura n.º 40/16689 ao cliente «C..., LDA», da qual consta a venda de 16.003,00 litros de gasolina sem chumbo 95 no valor de € 21.884,10 ou seja, um valor unitário de
€ 1,3675 / litro:

m) Dessa fatura emitida pela Requerente ao seu cliente consta o detalhe do valor do IEC referente a essa quantidade de 16.003,00 litros: € 0,50186 / litro. Ou seja, 501,86 € / 1.000 litros, por ser esta a unidade de medida do IEC, o qual incorpora o somatório do ISP, Adicionamento de CO2 e CSR;
n) A prévia aquisição desse combustível foi titulada pela fatura n.º 2022/FJ/000194, emitida na mesma data de 15 de Outubro de 2022, pelo fornecedor «B..., SA». A referida quantidade de 16.003,00 litros resultou num valor de compra de € 13.346,02, ou seja, um valor unitário de € 0,83397 / litro:

o) Do confronto entre os referidos valores, a Requerente apurou nesta transação a seguinte margem positiva de comercialização:
|
Aquisição
|
Venda
|
Fatura do fornecedor
|
€ 13.346,02
|
|
IEC liquidado por AT
|
€ 8.031,27
|
|
Fatura ao cliente
|
|
€ 21.884,10
|
Diferença positiva
|
|
€ 506,81
|
p) Dividido pelos 16.003,00 litros, temos que a margem positiva de comercialização foi de € 0,032 / litro;
q) A Requerente está enquadrada no “Regime de tributação dos combustíveis líquidos aplicável aos revendedores”, previsto nos artigos 69.º a 75.º do Código do IVA, ao abrigo do qual o imposto é apurado pela margem de comercialização na revenda de combustíveis. A Requerente, dando cumprimento à sua obrigação declarativa, submeteu o Anexo N da Informação Empresarial Simplificada de 2022, do qual consta a seguinte informação:

r) Desta declaração resulta que a Requerente declarou, no ano de 2022, ter liquidado IVA no valor de € 52.261,33 sobre a o valor total da margem de comercialização dos combustíveis que revendeu em 2022;
s) Os valores de venda dos combustíveis adquiridos (para revenda) pela Requerente incluem, por repercussão económica, a recuperação da totalidade dos custos suportados na correspondente aquisição prévia, o que inclui o valor do ISP, do Adicionamento de CO2 e da CSR liquidado pela e pago à AT;
t) Em 26 de Fevereiro de 2024 a Requerente submeteu um pedido de revisão oficiosa, na qual solicitou a anulação parcial dos atos de liquidação n.º ... de 12.10.2022, n.º ... de 14.11.2022, n.º ... de 12.12.2024 e n.º ... de 17.01.2023, na parcela correspondente à CSR, e a consequente devolução de
€ 5.944.691,26 e o pagamento de juros indemnizatórios;
u) Em 14 de Maio de 2024 a Alfândega de Leixões notificou a Requerente da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
Os factos dados como provados são confirmados pela documentação junta aos autos.
Com relevância para a apreciação do mérito, não existem factos alegados que devam considerar-se não provados.
IV. Do DIREITO
Das exceções suscitadas pela Requerida
A Requerida alegou as seguintes exceções, que se impõe conhecer previamente à apreciação do mérito.
· Incompetência material e absoluta do Tribunal Arbitral;
· Falta de interesse em agir;
· Caducidade do direito de ação;
Começando pela incompetência material do tribunal arbitral, a Requerida entende que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira à jurisdição do tribunal arbitral se circunscreve à apreciação de pretensões relativas a impostos (conforme os artigos 2.º e 3º do RJAY e o artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/20211).
Partindo para a conclusão, o tribunal arbitral é materialmente competente para apreciar o pedido dado que a CSR configura um imposto e não, como contende a Requerida, uma contribuição.
A CSR, instituída pela Lei n.º 55/2007, de 31 de Agosto, consistiu na autonomização de uma parcela do ISP, cujo valor foi consignado à «EP - Estradas de Portugal, SA» (o Decreto-Lei n.º 374/2007, de 7 de novembro, transformou a «Estradas de Portugal E.P.E.» na «EP - Estradas de Portugal, S.A.» e o Decreto-Lei nº 91/2015 de 29 de maio, operou a incorporação por fusão desta na « REFER, E.P.E.» que é transformada em sociedade anónima, passando a denominar-se («Infraestruturas de Portugal, S.A.»), tendo em vista a concepção, projecto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede rodoviária nacional. O artigo 3.º da referida Lei apresenta a CSR como a contrapartida pela utilização desse rede rodoviária, verificada a partir do consumo de combustíveis rodoviários (gasolinas, gasóleos e GPL). A CSR apoia-se no Código dos IECs e na figura do ISP, para efeitos de estabelecimento da incidência subjectiva e objectiva, a par das regras de liquidação e pagamento.
Para a qualificação da CSR como imposto, seguimos de perto a decisão arbitral n.º 304/2022-T, de 5 de Janeiro de 2023, cujo sentido e decisão subscrevemos.
«Baseando-nos em todas os anteriores contributos jurisprudenciais e doutrinários, mas sobretudo no último acórdão citado do STA, concluímos que não é o simples facto de um tributo ter, desde logo, a designação de “contribuição” (ac. TC n.º 539/2015) e nem o facto de esse tributo ter a respetiva receita consignada (ac. TC n.º 232/2022), que o qualifica automaticamente como “contribuição financeira”; antes é, para tal, necessário, como judicia o STA, que esse tributo tenha com finalidade compensar prestações administrativas realizadas de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário.” Com efeito, o sistema tributário comporta tributos que têm a designação de “contribuições” e são verdadeiros impostos, como se extrai, desde logo, do n.º 3 do art.º 4.º da LGT. Por outro lado, o sistema tributário comporta igualmente impostos que, ao arrepio do princípio da não consignação da receita dos impostos (estabelecido no art.º 7.º da Lei de Enquadramento Orçamental), têm a sua receita consignada (vg. ac. TC n.º 369/99, de 16.06.1999, proc. 750/98). Por conseguinte, nem o nomen juris “contribuição”, nem a afetação da receita a uma finalidade específica são suficientes para qualificar um tributo como “contribuição financeira”. O elemento decisivo para essa qualificação é a existência de uma estrutura de comutatividade que se estabelece entre o ente beneficiário da receita e os sujeitos passivos do tributo.
[…]
Ou seja, para que possamos afirmar estar-se perante uma “contribuição financeira”, é necessário que as prestações públicas que constituem a contrapartida coletiva do tributo beneficiem ou sejam causadas pelos respetivos sujeitos passivos. […] Entendemos, assim, que o que distingue uma “contribuição financeira” de um imposto de receita consignada é a necessária circunstância, de, na primeira, a atividade da entidade pública titular da receita tributária ter um vínculo direto e especial com os sujeitos passivos da contribuição. Tal vínculo pode consistir no benefício que os sujeitos passivos, em particular, retiram da atividade da entidade pública, ou pode consistir num nexo de causalidade entre a atividade dos sujeitos passivos e a necessidade da atividade administrativa da entidade pública. A Contribuição de Serviço Rodoviário não cabe em nenhuma destas hipóteses. Desde logo, a CSR não tem como pressuposto uma prestação, a favor de um grupo de sujeitos passivos, por parte de uma pessoa coletiva. A contribuição é estabelecida a favor da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007), sendo essa mesma entidade a titular da receita correspondente (art.º 6.º). No entanto, os sujeitos passivos da contribuição (as empresas comercializadoras de produtos combustíveis rodoviários) não são os destinatários da atividade da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., a qual consiste na “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento” da rede de estradas (art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2007).
Em segundo lugar, também não se encontra base legal alguma para afirmar que a responsabilidade pelo financiamento da tarefa administrativa em causa – que no caso será a “conceção, projeto, construção, conservação, exploração, requalificação e alargamento da rede de estradas” - é imputável aos sujeitos passivos da contribuição, que são as empresas comercializadoras de combustíveis rodoviários. Pelo contrário, o art.º 2.º da Lei n.º 55/2007 diz expressamente que o “financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E.P. E., (...), é assegurado pelos respetivos utilizadores e, subsidiariamente, pelo Estado, nos termos da lei e do contrato de concessão aplicável.” Portanto, apesar de ser visível, de forma clara, o elemento de afetação da contribuição para financiar a atividade de uma entidade pública não territorial - a EP - Estradas de Portugal, E. P. E. - não é de modo algum evidente a existência, pelo contrário, afigura-se inexistir um “nexo de comutatividade coletiva” entre os sujeitos passivos e a responsabilidade pelo financiamento da respetiva atividade, ou entre os sujeitos passivos e os benefícios retirados dessa atividade. A Contribuição de Serviço Rodoviário visa financiar a rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E. (art.º 1.º da Lei 55/2007). O financiamento da rede rodoviária nacional a cargo da EP - Estradas de Portugal, E. P. E., é assegurado pelos respetivos utilizadores (art.º 2.º). São, estes, como se conclui, os sujeitos que têm um vínculo com a atividade da entidade titular da contribuição e com a atividade pública financiada pelo tributo; são eles os beneficiários, e são eles os responsáveis pelo seu financiamento. No entanto, a contribuição de serviço rodoviário é devida pelos sujeitos passivos do imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, que, nos termos do art.º 4.º n.º 1, al. a) do CIEC, são os “depositários autorizados” e os “destinatários registados”, não existindo qualquer nexo específico entre o benefício emanado da atividade da entidade pública titular da contribuição e o grupo dos respetivos sujeitos passivos.
[…]
Ainda poderia acrescentar-se que o universo de entidades que beneficiam ou dão causa à atividade financiada pela CSR não é um grupo delimitado de pessoas, mas é toda a população de um modo geral. E que o efetivo sacrifício fiscal, suportado através de uma repercussão meramente económica, não é suportado apenas pelos que efetivamente utilizam a rede de estradas a cargo da Infraestruturas de Portugal S.A., mas também pelos que utilizam vias rodoviárias que não se incluem nessa rede. Por conseguinte, conclui também este tribunal que a Contribuição de Serviço Rodoviário, apesar do seu nomen juris e de a sua receita se destinar a financiar uma atividade pública específica, não tem o caráter de comutatividade, bilateralidade ou sinalagmaticidade grupal ou coletiva que é necessária à contribuição financeira.».
Em jeito de conclusão, não procede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral em virtude da natureza do tributo, uma vez que a competência dos tribunais arbitrais abrange a apreciação das pretensões dos sujeitos passivos referentes a qualquer espécie de tributo, nos termos do art.º 2.º do RJAT e também não se verifica a falta de vinculação prévia da Autoridade Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais no presente processo, por força do art.º 2º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, que limita essa vinculação prévia às pretensões relativas a impostos.
Passando à invocada exceção da falta do interesse em agir, está causa apreciar se a parte (autor), enquanto parte legítima, carece de tutela jurisdicional efetiva.
Sendo inquestionável que a Requerente dispõe de legitimidade ativa (por ser sujeito passivo de IECs), haverá que aferir da sua necessidade de tutela jurisdicional no que respeita à anulação dos atos tributários de liquidação da CSR (e consequente reembolso das importâncias por si pagas).
A Requerida considera que, tendo o valor sido economicamente repercutido nos preços praticados na comercialização de combustíveis, não se pode dar por verificada a necessidade de usar o processo com vista ao reembolso de um valor que já foi previamente recebido. Sob pena de enriquecimento sem causa.
Como bem se vê, a apreciação desta exceção assenta na repercussão económica da CSR. Isto é, o interesse em agir materializado no pedido de anulação das liquidações de CSR e reembolso das importâncias pagas, está intimamente ligado à repercussão, ou não, da CSR nas operações comerciais realizadas.
Haverá interesse em agir, caso se demonstre que a CSR não foi economicamente repercutida. Inversamente, tal interesse não subsistirá na situação em que tal repercussão se der por verificada. Pelo que a apreciação do mérito - que, como melhor se verá, consiste precisamente na prova dessa repercussão - precede a apreciação da exceção. Dado que a repercussão económica não pode ser presumida, antes carecendo de prova que impende sobre a Requerida, ter-se-á, forçosamente, de concluir que a Requerente dispõe de interesse em agir. Termos em que improcede a exceção invocada pela Requerida.
Por fim, e no que respeita à caducidade do direito de accão, a Requerida considera que o pedido de revisão oficiosa é intempestivo. O que contamina o pedido de pronúncia arbitral sobre o indeferimento expresso dessa revisão oficiosa. Entende a Requerida que a declaração de ilegalidade de normas de direito interno, por desrespeito de normas de Direito da União Europeia, pelo TJUE não tem força obrigatória geral. Não existindo, por isso, erro imputável aos serviços, uma vez que a AT cingiu a sua atuação ao cumprimento da lei vigente. Logo, o prazo de apresentação do pedido de revisão oficiosa, ao invés dos 4 anos invocados pela Requerente, cingia-se a 120 dias contados a partir do termo da data de pagamento voluntário.
A questão em discussão está em saber se existe erro, de direito, quando a AT, como sucedeu no caso em apreço, não desaplica normas legais nacionais por violação de normas de direito da União.
Na qualidade de presidente e relatora declaro, para os devidos efeitos, que, depois de melhor ponderação, revejo a posição assumida no voto de vencida aposto na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 347/2024-T, por a mesma ser contrária à jurisprudência uniforme do STA. Assim sendo, voto pela não verificação da intempestividade aderindo à jurisprudência maioritária, como se segue.
É corrente jurisprudencial estabelecida que o erro imputável aos serviços previsto no n.º 1 do artigo 78º da LGT, compreende não só o erro diretamente relacionado com a atuação da AT (o erro de facto, operacional ou material), mas também o erro de direito.
O STA, no seu Acórdão de 07.04.2022 (Processo n.º 02031/16.0BEBRG), considera que o erro imputável aos serviços deve ser interpretado no sentido de compreender os erros de direito cometidos pela AT, resultem eles da má interpretação das normas legais em vigor ou da aplicação de normas desconformes com o bloco de legalidade que lhes serve de parâmetro, designadamente o Direito da UE. Uma ilegalidade que não tenha resultado de uma atuação do sujeito passivo será imputável à AT.
Nesta linha de orientação, decidiu também o TCAS (Acórdão de 05.11.2020, Processo n.º 328/05.3BEALM:
«Com efeito, é hoje doutrinal e jurisprudencialmente pacífico o entendimento segundo o qual, existindo um erro de direito numa liquidação efetuada pelos serviços da Administração Tributária, e não decorrendo essa errada aplicação da lei de qualquer informação ou declaração do contribuinte, o erro em questão é imputável aos serviços. Com efeito, existe uma obrigação genérica de a Administração Tributária atuar em plena conformidade com a lei, legalmente preceituada, desde logo, no artigo 266.°, nº2, da CRP e bem assim no artigo 55.° da LGT, razão por que qualquer ilegalidade não resultante de uma atuação do sujeito passivo será imputável à própria Administração.»
No caso em apreço, e fundando-se o pedido e causa de pedir na desconformidade dos atos de liquidação com o Direito Europeu, não pode deixar de se dar por verificado o erro imputável à AT. Termos em que, à luz do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo, improcedendo a exceção alegada pela Requerida.
Do mérito do pedido
A incompatibilidade da CSR em face da Directiva de Tributação da Energia é evidente, tendo já sido apreciada, em Fevereiro de 2022, pelo TJUE (processo C-460/21).
A apreciação do mérito do pedido centra-se, assim, neste caso, em saber se a devolução do valor da CSR liquidada e paga pela Requerente constituiria um enriquecimento sem causa.
Conforme o parágrafo 39 da supra referida decisão do TJUE:
«A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas (v., neste sentido, Acórdãos de 14 de janeiro de 1997, Comateb e o., C‑192/95 a C‑218/95, EU:C:1997:12, n.° 21, e de 1 de março de 2018, Petrotel‑Lukoil e Georgescu, C‑76/17, EU:C:2018:139, n.° 33).»
No parágrafo 42 o TJUE retoma o tema:
«Um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa. Daqui resulta que, se só tiver sido repercutida uma parte do imposto, as autoridades nacionais só estão obrigadas a reembolsar o montante não repercutido.»
O TJUE deixou igualmente claro que a AT não beneficia de uma presunção de repercussão. Cabe-lhe o ónus da efetiva repercussão económica do valor da CSR nas operações realizadas pelo sujeito passivo do IEC.
Simultaneamente, importa acrescentar que a Requerente não beneficia de uma presunção de não repercussão económica.
Em suma, é aplicável o princípio geral do ónus da prova: tendo a Requerida alegado, como fundamento à improcedência da devolução do imposto, a sua repercussão económica nos preços de venda decorrentes das operações realizadas pela Requerente, cabe-lhe o ónus probatório.
O qual deve ser satisfeito na base de um nexo de causalidade entre os valores de compra e de venda, suportado em documentos idóneos e adequados à demonstração dessa causalidade.
A prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341.º do Código Civil). A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (artigo 414.º do Código de Processo Civil).
A valoração da prova pelo julgador obedecerá à idoneidade dos elementos probatórios à demonstração da verdade material, suportado em regras de experiência comum.
A Requerida contende ter alicerçado a prova da repercussão económica com base numa análise transacional, i. e. recolheu uma fatura de compra e de venda. Estabeleceu um nexo - traçável - entre as quantidades adquiridas (e constantes de uma fatura de compra) e essas quantidades subsequentemente alienadas (e constantes de uma fatura de venda). É uma prova idónea, objetiva e documentada, assente num nexo de causalidade entre as transações de compra e venda de combustíveis realizadas pela Requerente.
Contrariamente, a Requerente considera que a prova apresentada se reconduz a conjeturas (a fatura em causa não se reporta ao período a que se referem os atos de liquidação controvertidos), das quais se retiram conclusões genéricas e abstratas. Pelo que a Requerida não satisfez o ónus probatório que se lhe impunha.
Vejamos.
No processo administrativo a AT descreve o procedimento contabilístico adotado pela Requerente:
· Os combustíveis são adquiridos para revenda, pelo que as operações de compra são registadas em balanço em contas de inventário (stock);
· Constituindo o IEC (da qual a CSR é uma componente, a par do ISP e Adicionamento de CO2) um valor necessário à aquisição dos combustíveis, o correspondente valor liquidado pela e pago à AT é igualmente registado numa conta de existências. Ou seja, o valor do IEC é somado ao valor de aquisição dos combustíveis e registado em balanço numa conta de existências;
· Quando ocorre a venda dessas existências, a Requerente regista um rédito (proveito) correspondente ao valor da fatura emitida ao cliente. E, simultaneamente, regista um custo pela “perda” dessas existências;
· A diferença entre o rédito e o custo consiste na margem de comercialização obtida pela Requerente.
Da análise ao relatório e contas do exercício de 2022, constata-se que essa margem de comercialização se traduziu num resultado positivo de € 2.935.811,00.

Trata-se de informação contabilística e económica reportada pela Requerente em 29.02.2024 no Anexo A da Informação Empresarial Simplificada (IES), que constitui o documento de prestação de contas a cuja publicação a mesma está vinculada. E que, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LGT, beneficia da presunção de verdade.
Acresce que a Requerida, partindo desse enquadramento fáctico e documental, analisou uma transação económica concreta, que permite evidenciar o circuito económico dos bens desde o momento da aquisição até à conclusão da revenda, a par do correspondente reflexo contabilístico nas demonstrações financeiras.
Conforme consta do probatório, a Requerente alienou 16.003 litros de gasolina sem chumbo ao cliente «C..., LDA», tendo emitido uma fatura no valor de € 21.884,10 ou seja, o combustível foi vendido ao valor unitário de um valor unitário de € 1,3675 / litro.

Essa fatura evidencia, sob a epígrafe “detalhe da fatura”, que o preço de venda inclui “ISP” à taxa de € 0,50186 / litro.
Embora a Requerente utilize a denominação “ISP”, está em causa o somatório dos 3 tributos que compõem o IEC e que, à data a que se reporta a transação, consiste nos seguintes valores (em € / 1.000 litros):
· Imposto sobre Produtos Petrolíferos e Energéticos: 360,52
· Adicionamento de CO2: 54,34
· CSR 87,00
Dividindo o total de 501,86 por 1.000 litros (por ser esta a unidade de medida prevista no n.º 1 do artigo 91.º do Código dos IECs), obtemos os € 0,50186 / litro que a Requerente evidencia nas faturas que emite aos seus clientes.
A prévia aquisição desse combustível ao fornecedor «B..., SA» efetuou-se ao valor de € 13.346,02, ou seja, um valor unitário de € 0,83397 / litro:

Do confronto entre compra e venda, apurou-se uma margem positiva de comercialização:
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Aquisição
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Venda
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Fatura do fornecedor
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€ 13.346,02
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IEC liquidado por AT
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€ 8.031,27
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Fatura ao cliente
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€ 21.884,10
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Diferença positiva
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€ 506,81
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E o somatório de todas as transações realizadas em 2022 resultou nos supra referidos valores de venda de 266.181.244,00 e de compra de € 263.245.433,00. E, consequentemente, um resultado, margem ou lucro de € 2.935.811,00.
Temos, assim, uma primeira conclusão: do confronto entre o preço de venda e o custo de aquisição dos combustíveis, a Requerente obteve um resultado positivo, i. e. uma margem unitária positiva numa determinada transação.
A segunda conclusão decorre da primeira: dado que a CSR está registada como existência e o valor das existências é registado como custo, todo o valor da CSR previamente liquidada e paga foi registada como custo.
E, do somatório de todas essas transações, chegamos a uma terceira conclusão: a Requerente apurou um resultado total positivo no exercício de 2022. Sabendo-se também que as faturas emitidas aos clientes evidenciam o valor dessa mesma CSR.
Ora, tendo a CSR sido integralmente registada como custo, evidenciada na fatura de venda e tendo o valor faturado sido superior, não há outra conclusão: os custos de aquisição do combustíveis e todos os Impostos Especiais de Consumo (ISP, Adicionamento de CO2 e CSR) foram repercutidos (incluídos) no preço de venda dos combustíveis.
Ou seja, conforme consta da decisão do TJUE: o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo (o cliente da Requerente, a quem a venda foi facturada).
Trata-se de um elemento probatório concreto. Que não assenta em considerações gerais ou elementos abstratos.
O que é apto a demonstrar que a CSR foi repercutida nos valores de venda desses combustíveis no período económico a que se reporta o pedido de pronúncia arbitral. Foram os clientes da Requerente que suportaram o custo da CSR. A AT foi capaz de estruturar a recolha de elementos que documentam um circuito de compra e venda de gasolina, conforme consta da matéria factual / documental baseada nos elementos contabilísticos / financeiros da Requerente.
Como ficou provado, a Requerente obteve uma margem positiva numa concreta operação de compra e venda. Ou seja, depois de suportar os custos de aquisição dos combustíveis, CSR incluída, obteve uma margem de lucro. Note-se que os demais custos gerais (remunerações, depreciação de activos fixos, fornecimentos e serviços externos), também foram recuperados, dado que o resultado antes de imposto foi (amplamente) positivo.
Ou seja, depois de todos os custos, incluindo o IRC, a Requerente obteve, no exercício de 2022, um resultado positivo de € 497.355,00.
Note-se que a repercussão é isso mesmo: incluir no valor de venda um custo suportado a montante. Sendo que a Requerente o faz de uma forma transparente, ao evidenciar, nas faturas que emite, o valor total do IEC.
O TJUE considera (parágrafo 44):
«Com efeito, ainda que, na legislação nacional, os impostos indiretos tenham sido concebidos de modo a serem repercutidos no consumidor final e que, habitualmente, no comércio, esses impostos indiretos sejam parcial ou totalmente repercutidos, não se pode afirmar de uma maneira geral que, em todos os casos, o imposto é efetivamente repercutido. A repercussão efetiva, parcial ou total, depende de vários fatores próprios de cada transação comercial e que a diferenciam de outras situações, noutros contextos.»
Foi precisamente o circuito probatório percorrido pela AT: analisou uma operação. Uma situação. Usou uma técnica de auditoria, em que identifica o procedimento contabilístico (a CSR é registada integralmente como custo no momento da venda) e uma operação de venda em que a margem é positiva.
E, perante um resultado líquido total de € 497.355,00 (e uma margem de comercialização de € 2.935.811,00), parte do nexo de causalidade do menor para o maior: a soma de todas as operações realizadas no exercício de 2022 produziu um resultado positivo. Só permitindo a conclusão de que todos os custos foram repercutidos.
Note-se que a margem bruta - diferença entre o valor faturado e o custo de aquisição dos combustíveis com os impostos incluídos - é bem superior: € 2.935.811,00.
Acresce que a Requerente, como consequência da sua atividade económica de comercialização de combustíveis, está obrigada a adotar o regime de IVA da revenda de combustíveis (artigo 69.º e seguintes do Código do IVA).
Ao abrigo deste regime, o revendedor não liquida IVA sobre as vendas. E também não deduz IVA incorrido nas compras. Apenas líquida IVA sobre a diferença entre o valor de venda e o custo de aquisição. Motivo pelo qual este regime é frequentemente apelidado de “IVA de margem de revenda”.
A Requerente identifica o IVA da margem que obteve na revenda de combustíveis, conforme os dados constantes do Anexo X da IES por si submetida:

O que mais uma vez demonstra que a revenda de combustíveis produziu um resultado que permitiu recuperar todos os custos. Note-se que se trata do IVA da margem: ou seja, o IVA que é liquidado sobre a diferença positiva entre o valor de venda e os custos de aquisição dos combustíveis.
Dito de outra forma, a Requerente declara ter liquidado IVA, à taxa legal aplicável (23% no caso de gasolinas e gasóleo rodoviário) de € 52.261,33. Ou seja, a diferença entre os valores de venda e de compra de combustíveis, multiplicado pela taxa de 23%, produz o IVA liquidado de € 52.261,33.
Em suma, o acervo probatório recolhido pela Requerida, assenta em procedimentos contabilísticos (que evidenciam que o imposto foi registado como custo), faturas emitidas a clientes (que demonstram a inclusão da taxa global de IEC e um preço de venda superior ao custo), um resultado de comercialização total positivo e um IVA liquidado à taxa de 23% sobre essa margem de comercialização.
Uma vez estabelecida uma evidência concreta e forte, assente na faturação e contabilidade e declarações fiscais da Requerente - que beneficiam de presunção de verdade -, a este cabia um impulso probatório mínimo e essencial.
Capaz de, conforme o parágrafo 44 da decisão do TJUE, demonstrar a factualidade concreta que pudesse abalar, contrariar ou mitigar a prova estabelecida pela AT.
A partir do momento em que a AT demonstra, insiste-se, numa operação concreta e traçável às quantidades constantes de faturas de compra e venda, o apuramento de margem unitária positiva, é sobre a Requerente que passa a impender um impulso probatório de sentido contrário.
Suscetível de abalar a prova documental apresentada pela AT. Ou apresentando outros elementos de prova de outras transações em que a margem unitária foi negativa.
Ou explicitando os preços praticados em determinadas semanas, em que ocorreram alterações nas taxas dos IECs, demonstrando a inexistência, total ou parcial, de correlação entre os preços e os IECs.
Ou qualquer outra explicação económica ou de negócio que identifiquem o racional de maximização das quantidades vendidas em detrimento de um maior preço.
A Requerente - conhecedora única que é da sua política de preços e das margens unitárias das suas diversas transações - não teria especial dificuldade em identificar a factualidade que pudesse permitir lançar dúvida sobre a prova realizada pela AT. Note-se que, em 2022, a taxa do IEC foi alterada, literalmente, dezenas de vezes. Por vezes, semanalmente.
Poderia ainda a Requerente apresentar as explicações que entendesse sobre a factualidade por si evidenciada nos seus documentos contabilísticos, faturas emitidas e declarações fiscais.
Nenhuma dificuldade teria a Requerente em demonstrar que os preços praticados numa dada semana, não reflectiram, no todo ou em parte, o aumento do IEC. Ou ainda que, nos (poucos) casos em que a taxa global do IEC foi reduzida, que reduziu ainda mais ou menos o valor do imposto.
É importante salientar o óbvio: na atividade de revenda de combustíveis, o IEC (sem contar com o IVA) representa mais de 1/3 do valor de venda. Basta atentar na taxa total de IEC que a Requerente reflete nas facturas que emite a clientes.
Todo e qualquer operador económico necessita de considerar a implementação de uma política de repercussão total ou parcial do IEC.
Pese embora a AT tenha analisado apenas uma determinada transação, fê-lo de forma integral, ao longo de todo o circuito de aquisição e venda do combustível. Não sendo necessário impor-lhe a análise dos milhares de operações realizadas pela Requerente ao longo de 2022.
Ou de saber qual a política de preços adotada. Ou que ajustes ao preço praticou a Requerente em cada uma das dezenas de vezes em que, em 2022, a taxa dos IECs foi alterada.
Ou ainda o impacto nos volumes de venda decorrentes dos ajustes de preços que foram (ou terão sido) sendo realizados.
Não é uma questão de ser uma prova fácil ou difícil. É simplesmente uma prova que não lhe pode ser exigida, porque apenas o operador económico dela pode conhecer. A indagação probatória da AT deve assentar na recolha dos elementos externalizáveis da Requerente: as suas declarações fiscais e elementos contabilísticos publicados. Não podendo a AT substituir-se ao operador económico, de modo a aferir dos impactos das decisões de gestão que lhe são próprias.
À AT não cabe a análise de todas e cada uma das múltiplas de transações económicas efetuadas pela Requerente. Cabe-lhe, outrossim, partir de uma realidade concreta, documentada e traçada para alcançar a análise do todo, i. e. começar numa transação concreta e terminar na análise das demonstrações financeiras da Requerente.
Com base nesse itinerário lógico-dedutivo, a Requerida cumpriu com o ónus probatório que sobre si impendia: demonstrou o apuramento de uma margem unitária positiva e que a globalidade das margens apuradas no universo de transações económicas realizadas no exercício económico é positiva.
Voltemos ao TJUE (parágrafo 47):
«Além disso, mesmo na hipótese de vir a ser provado que o imposto indevido foi repercutido sobre terceiro, o respectivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do momento do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas.»
Ora à AT não é possível conhecer a política de preços. Ou de descontos. Ou as decisões comerciais que a Requerente toma ao longo de um qualquer exercício económico.
Compete-lhe, isso sim, demonstrar que houve a total recuperação dos custos incorridos na venda dos combustíveis à clientela. Custos esses que incluem o imposto.
Se porventura a Requerente praticou preços inferiores de forma a aumentar o volume de vendas (ou impedir a sua queda em face da concorrência ou qualquer outro elemento económico), certo é que a totalidade dos custos continuou a ser recuperada.
A Requerente poderá ter apurado uma menor margem de lucro. Mas apurou uma margem de lucro. Não sacrificou a recuperação total dos custos de forma a vender uma maior quantidade.
Ora a interpretação do TJUE - que sendo uma questão probatória, recai sobre o órgão de jurisdição nacional - não pode ser mantida num patamar abstrato, sob pena de a prova da repercussão ser impraticável. Sendo importante recordar que não há presunção nem de repercussão, nem de não repercussão.
Uma vez estabelecida uma causalidade factual e documentada de repercussão económica, fica patente a consistência do juízo desenvolvido pela AT. Passando para a Requerente o ónus probatório de sentido contrário.
Nota-se ainda que uma sociedade comercial que, no exercício de 2022, apurou um resultado económico de € 497.355, solicita uma devolução de CSR de 5.9 milhões de Euros. Doze vezes mais.
Com uma particularidade: o pedido de devolução reporta-se apenas ao período compreendido entre Setembro e Dezembro de 2022. Ou seja, os 5.9 milhões de Euros de CSR liquidado no período, superam em doze vezes o resultado de todo o ano.
Numa mera linearização matemática, tal significa que o pedido de devolução da CSR nesse período de 4 meses, supera em trinta e seis vezes o resultado que a Requerente obteve com a comercialização de combustíveis!
A procedência deste pedido implicaria um evidente enriquecimento sem causa da Requerente: recebeu esse valor nas faturas emitidas aos seus clientes e voltaria a recebê-lo por via da anulação dos atos de liquidação da CSR.
Em suma, a Requerida cumpriu o ónus da prova de forma adequada, clara e suficiente, tanto mais que não estão em causa as exigências de prova dos pressupostos de uma ação de enriquecimento sem causa da competência dos tribunais estaduais.
Ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese académica se admite, sempre teria de improceder o pedido, com fundamento noutra ordem de razões.
Com efeito, afigura-se que, no caso dos autos, em rigor, o ónus da prova da não repercussão devia constituir facto de conhecimento prioritário em relação à existência ou não do enriquecimento sem causa, uma vez que este só existirá se o sujeito passivo não repercutir no preço dos produtos os custos do imposto previamente pago ao Estado.
O ónus da prova recairia assim sobre o sujeito passivo quanto a saber se repercutiu ou não o imposto, como impõem as respetivas normas legais.
Resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT que: "o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " a Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado." (nosso sublinhado)
Sobre a questão do ónus da prova, existe ampla jurisprudência, sustentando que cabe à AT o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua atuação e que cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca (cfr. os Processos Arbitrais n.ºs 255/2023-T e 236/2014-T).
Nesse sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26.02.2014, processo n.º 0951/11: “Em consequência, cabe à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais vinculativos legitimadores da sua actuação, para o que deve provar os factos constitutivos de que legalmente depende a decisão administrativo-tributária com certo conteúdo e com certo sentido. Pelo seu lado, cabe ao contribuinte provar os factos que operam como suporte das pretensões e direitos que invoca.”
Vejamos.
Como é sabido os particulares têm o direito a suscitar a anulação dos atos tributários ilegais e a solicitar a reposição da situação em que se encontravam antes da prática dos mesmos, o que inclui o direito ao reembolso de imposto indevidamente pago. O que significa que, em regra, a declaração de ilegalidade dos atos tributários tem como consequência o direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, porque existe um nexo direto entre a ilegalidade e o reembolso.
Mas não é o caso dos autos porque não existe tal nexo.
O direito a que o sujeito passivo se arroga (reembolso do imposto adiantado ao Estado) não tem a ver com a violação por si só das normas do Direito da União, ou seja, não resulta como consequência direta da ilegalidade da liquidação impugnada. O regime jurídico, a estrutura legal do imposto em causa e o modo da sua aplicação prática caracterizam a situação pelo facto de, em regra, envolver a repercussão dos custos pagos a montante no que concerne aos impostos pagos (CSR incluída). O que significa que, sendo o imposto adiantado ao Estado em regra adicionado ao custo do produto, isto é, integrando-se no preço do mesmo, tal circunstância não permite que se extraia uma consequência direta entre ilegalidade da liquidação e restituição/reembolso do imposto. Ou seja, a ilegalidade da liquidação não determina como consequência direta a restituição pura e simples do montante de imposto adiantado ao Estado.
A prova da não repercussão emerge, desta forma, como constitutiva do direito à restituição do imposto adiantado ao Estado, sendo que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito, recaem, como vimos, sobre quem invoca o direito. Neste contexto, arrogando-se o sujeito passivo do direito ao reembolso a prova da não repercussão (constitutiva do seu direito) recairia sobre si, com as devidas consequências legais, em caso negativo, que seriam a improcedência do pedido.
V. Decisão
Face ao exposto, decide-se:
· Julgar improcedentes as exceções suscitadas pela Requerida;
· Julgar improcedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado contra os atos de liquidação da CSR praticados pela AT no período de Setembro a Dezembro de 2022;
· Julgar improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
VI. Valor do Processo
Fixa-se ao processo o valor de € 5.944.691,26, indicado pela Requerente, respeitante ao montante da liquidação de CSR cuja anulação pretende (valor da utilidade económica do pedido), e não impugnado pela Requerida, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
VII. Taxa de arbitragem
A taxa de arbitragem, no valor de € 100.000,00, é suportada pela Requerente tendo em conta a nomeação de árbitro, ao abrigo do artigo 5.º, n.º 2, do RCPAT.
4 de Julho de 2025
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Fernanda Maçãs (Presidente e relatora)
João Taborda da Gama (Árbitro Adjunto), com voto de vencido
José Luís Ferreira (Árbitro Adjunto)
Declaração de Voto Vencido do Árbitro João Taborda da Gama:
Vencido, quanto à questão de fundo. Teria considerado o pedido procedente nos termos da fundamentação constante das decisões dos processos n.º 993/2024-T, n.º 696/2023-T, n.º 669/2023-T, n.º 668/2023-T, n.º 523/2023-T, n.º 398/2023-T, n.º 397/2023-T, n.º 396/2023-T, n.º 298/2023-T, n.º 113/2023-T, n.º 24/2023-T, 702/2022-T, processo n.º 644/2022-T, n.º 305/2022-T e n.º 304/2022-T, para os quais remeto, acrescentando o seguinte:
É inquestionável que a CSR é incompatível com o direito da União Europeia, como decorre do Acórdão n.º C-460/21 do TJUE.
Verificando-se uma situação de incompatibilidade com o direito da União Europeia, a CSR é ilegal e não deveria ter sido cobrada pela AT. O que significa que é necessário anular a liquidação ilegal e restituir os montantes indevidamente entregues ao Estado – só deste modo é que se repõe a legalidade e a justiça.
Neste contexto, entendo que deveria ter sido decidido que a Requerente tem direito ao reembolso das quantias suportadas com a CSR, com as demais consequências legais. Atendendo à jurisprudência do TJUE e à jurisprudência arbitral já proferida sobre este contencioso, que se revelam cruciais para a boa solução do mérito da causa, esta questão deveria ter sido objeto de uma abordagem mais ampla e que levasse a um resultado oposto do que foi alcançado concretamente quanto (i) à repartição do ónus da prova da repercussão e (ii) à prova produzida quanto à referida repercussão, cuja consequência é obstar à restituição de um tributo ilegal indevidamente arrecadado pelo Estado.
Com efeito, tem sido reiteradamente reconhecido pela jurisprudência arbitral, nomeadamente nas decisões acima referidas, que constitui princípio assente na jurisprudência consolidada do TJUE que os sujeitos passivos têm o direito de obter o reembolso dos impostos cobrados pelos Estados-Membros em violação das disposições do direito da União (cf. Acórdão do TJUE proferido no processo C-460/21). O mencionado princípio comporta apenas uma exceção, de forma a acautelar um putativo enriquecimento sem causa: a repercussão do imposto (cf. Acórdãos do TJUE proferidos nos processos C‑192/95 a C‑218/95 e C‑76/17).
Tal como foi também assinalado pelo TJUE, a repercussão de um imposto no consumidor não neutraliza necessariamente os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo e mesmo que viesse a provar-se que o imposto indevidamente liquidado foi repercutido sobre terceiros, o respetivo reembolso ao operador não implica necessariamente um enriquecimento sem causa por parte deste, visto que a integração do montante do referido imposto nos preços praticados pode dar origem a prejuízos associados à diminuição do volume das suas vendas (cf. Acórdãos do TJUE proferidos nos processos C-147/01 e C-76/17). Por este motivo, sempre seria necessário demonstrar que, nas condições de mercado resultantes do agravamento da tributação, o contribuinte teria beneficiado, ao menos parcialmente, por efeito da repercussão do imposto.
Em face do exposto, em princípio, a ilegalidade da liquidação da CSR envolve a obrigação de restituição das quantias pagas a este título a menos que Administração Tributária demonstre dois pressupostos, de verificação cumulativa:
-
que o sujeito passivo procedeu à repercussão do imposto incorrido;
e, para além disso,
ii. que tal repercussão neutralizou os efeitos económicos da tributação no sujeito passivo, pelo que o reembolso do imposto conduziria a um enriquecimento sem causa deste.
Como afirma o Ilustre Doutor Pedro Múrias: “O problema quotidiano de decidir juridicamente em situações de incerteza determina, na generalidade dos casos, a intervenção do instituto do ónus da prova, que se torna portanto um dos caminhos mais percorridos na procura de uma solução justa. (…) O instituto do ónus objectivo impõe ao aplicador do direito uma certa decisão de mérito perante um non liquet” [P. Múrias, Por uma Distribuição Fundamentada do Ónus da Prova, Lisboa, 2000, 7]. Partindo para o caso concreto, no que concerne à repartição do ónus da prova quanto a estes dois pressupostos, parece-me evidente que a respetiva prova recaía sobre a Requerida, não competindo à Requerente a prova de que não existiu repercussão. Ou seja, contrariamente à posição que fez vencimento neste processo, entendo que não era a Requerente que deveria ter apresentado prova da “não repercussão”.
De facto, a Requerente contesta os atos de liquidação da CSR e, para esse efeito, faz prova da ilegalidade daqueles atos. Sendo ponto assente que os atos de liquidação contestados são ilegais, impõe-se a sua anulação, com as demais consequências que reconstituam a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, como decorre do artigo 100.º da LGT e do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT. Portanto, a imediata consequência decorrente da declaração de ilegalidade de um ato tributário é a obrigação de restituição das importâncias indevidamente pagas pelo sujeito passivo, podendo ou não ser determinado o pagamento de juros indemnizatórios em função do cumprimento dos respetivos requisitos legais. Aliás, tal repartição do ónus da prova decorre não apenas das regras internas aplicáveis, como também da decisão proferida pelo TJUE no processo C-460/21, referindo-se expressa e claramente que “A obrigação de reembolsar os impostos cobrados num Estado‑Membro em violação das disposições da União conhece apenas uma exceção. Com efeito, sob pena de conduzir a um enriquecimento sem causa dos titulares do direito, a proteção dos direitos garantidos na matéria pela ordem jurídica da União exclui, em princípio, o reembolso dos impostos, direitos e taxas cobrados em violação do direito da União quando seja provado que o sujeito passivo responsável pelo pagamento desses direitos os repercutiu efetivamente noutras pessoas” e que “(…) um Estado‑Membro só se pode opor ao reembolso de um imposto indevidamente cobrado à luz do direito da União quando as autoridades nacionais provarem que o imposto foi suportado na íntegra por uma pessoa diferente do sujeito passivo e quando o reembolso do imposto conduzisse, para este sujeito passivo, a um enriquecimento sem causa” (sublinhado nosso).
Estabelecida a repartição do ónus da prova e analisada a prova produzida pela Requerida nos presentes autos, entendo que aquela não se revela suficiente para demonstrar que a Requerente procedeu à repercussão do imposto, motivo pelo qual votei vencido na presente decisão.
Na tentativa de provar a repercussão da CSR pela Requerente nos seus clientes, a Requerida limita-se a fazer declarações vagas e assentes em meras suposições e presunções, sem qualquer base documental objetiva que as comprove. A isto acresce que não resulta igualmente comprovado nos presentes autos que a repercussão, tal como invocada pela Requerida, tenha neutralizado os efeitos económicos da tributação na Requerente em termos tais que o reembolso do imposto originasse o seu enriquecimento sem causa.
Com efeito, de acordo com a jurisprudência do TJUE, o enriquecimento sem causa tem de ser demonstrado pela Administração Tributária, através de uma análise económica que tenha “em conta todas as circunstâncias pertinentes” (cf. Acórdão do TJUE, proferido no processo C-147/01). No entanto, as alegações feitas pela Requerida, igualmente sem qualquer meio de prova que as sustente, não são suficientes para este efeito, pelo que, não tendo a Requerida demonstrado, como lhe competia, o enriquecimento sem causa da Requerente, não poderia ficar impedido o reembolso da CSR indevidamente liquidada.
Sublinho que a análise efetuada pela Requerida na sua resposta é meramente especulativa. Apesar de a referida análise partir da contabilidade da Requerente, não é realizada a prova da repercussão da CSR com base em critérios objetivos expressos, assentando as conclusões alcançadas numa extrapolação subjetiva dos elementos analisados. Entendo que este tipo de elementos e meras assunções da AT não podem ser valorados como suficientes para fazer prova do alegado, sob pena de aumentar a insegurança jurídica e situações de desigualdade. Aceitar a “prova” produzida pela AT nestas circunstâncias, significa aceitar que a decisão arbitral depende, afinal, de juízos subjetivos, completamente voláteis em função das convicções do julgador, em vez de factos que se pretendem objetivos e claros. Ao arrepio daquilo que entendo ser o correto entendimento do regime de prova no contencioso tributário e os pressupostos e operadores jusmetodológicos que lhe subjazem.
Neste mesmo sentido pronunciaram-se, nomeadamente, as decisões arbitrais dos processos:
- n.º 648/2024-T: “O ónus da prova da efetiva repercussão da contribuição de serviço rodoviário incumbe às entidades utilizadoras da rede rodoviária nacional, carecendo de ser demonstrada através de documentos que identifiquem o efetivo pagamento do imposto, não podendo assentar em faturas que não evidenciam a repercussão da contribuição de serviço rodoviário no preço de venda, nem em documentos ad hoc, constituídos por mapas resumo das operações realizadas, que não contêm qualquer referência ao valor da contribuição que tenha sido paga e, em si, não são demonstrativos da ocorrência da repercussão”.
- n.º 978/2023-T: “Para essa demonstração, a AT admite que se possa tratar de prova impossível, já que o tributo não é individualizado em termos contabilísticos (sendo processado em conjunto com o ISP). Invoca, no entanto, desde logo, o dever de informação do comercializador de combustíveis ao consumidor (detalhando a CSR na factura, nos termos da Lei5/2019 de 11.1 e do Regulamento 141/2020 de 20.2 da ERSE). E afirma depois que, da análise dos elementos disponíveis sobre a Requerente, resulta que a CSR liquidada foi incluída no preço de venda dos combustíveis e consequentemente constitui encargo de quem os adquiriu. Transcreve também partes da Norma Contabilística e de Relato Financeiro 18 (NCRF 18) de onde retira a repercussão por princípio da CSR. Cita ainda um estudo da Entidade Nacional para o Sector Energético (ENSE) de onde retira também ser significativo o peso do ISP (que inclui a CSR) no preço dos combustíveis. E conclui assinalando que a repercussão estará provada através da contabilização das operações de compra e venda, tendo em conta o custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC). Até porque, se assim não fosse, a empresa estaria a sofrer prejuízos e a vender abaixo do custo, o que é ilegal (art. 5.º da Lei 166/2013). Trata-se em todos os casos de meras ilações ou considerações genéricas, que, em substância, não permitem concluir que o imposto tenha sido parcial ou integralmente repercutido. Ou seja, a AT, para justificar a ocorrência de uma efectiva repercussão do imposto nos consumidores, assenta em meros juízos presuntivos, sem efectuar a demonstração objectiva da realidade dos factos através de elementos de prova que se relacionem com os factores inerentes às transacções comerciais que foram realizadas” (destacado nosso).
- n.º 113/2023-T: “A prova da repercussão no consumidor final de impostos indiretos suportados pelo operador económico não pode ser efetuada através de meras presunções”.
Ao que acresce que grande parte das asserções da AT acerca da repercussão que a Requerente terá concretizado assentam na análise de uma única fatura, assumindo que todas as outras faturas têm subjacente o mesmo procedimento e racional imputado àquela que foi identificada. Entendo que o reconhecimento integral e sem qualquer reserva na decisão de que “Pese embora a AT tenha analisado apenas uma determinada transação, fê-lo de forma integral, ao longo de todo o circuito de aquisição e venda do combustível. Não sendo necessário impor-lhe a análise dos milhares de operações realizadas pela Requerente ao longo de 2022” abre a porta à possibilidade de a AT poder fazer prova mediante amostragem, ainda para mais uma amostragem de amostra única. O mesmo é dizer que se permite que a AT recorra a métodos indiretos para fazer prova de factos que obstam ao reembolso de imposto ilegalmente arrecadado – na prática, o mesmo que admitir a tributação por métodos indiretos através de decisão judicial, ao arrepio dos pressupostos e requisitos e garantias da aplicação excecional deste método de tributação. Também por esse motivo votei vencido, porque não me revejo nesta validação absolutamente desproporcional de elementos subjetivos que prejudicam o direito ao reembolso do sujeito passivo quando está em causa a cobrança de um tributo de cuja ilegalidade ninguém duvida.
Em face do exposto, teria decidido que não só os atos tributários contestados enfermam de ilegalidade (em relação à CSR), como, em consequência, e dado que a AT não logrou provar que a Requerente repercutiu a CSR nos seus clientes, se impunha a obrigação de restituição do imposto pago pela Requerente, com as demais consequências legais.
Aliás, e como uma nota mais geral, neste tipo de casos em que não parecem restar dúvidas quanto à ilegalidade da cobrança de um imposto, a sua não restituição (dito de outro modo, a sua manutenção nos cofres públicos), essa sim, é uma situação que me parece sempre passível de configurar enriquecimento sem causa por parte do Estado – o que viola a mais elementar concretização da proteção jusconstitucional da propriedade privada.
(O Árbitro Adjunto,
João Taborda da Gama)