Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1422/2024-T
Data da decisão: 2025-06-27  IMI  
Valor do pedido: € 38.771,65
Tema: IMI – Impugnação de liquidação de IMI baseada em vícios de ato de determinação do Valor Patrimonial Tributário (VPT)
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SUMÁRIO

 

1. Os atos de avaliação de valores patrimoniais são atos destacáveis não podendo na impugnação dos atos de liquidação que com base neles sejam efetuados discutir-se a legalidade daqueles atos.

 2. Os vícios de atos de avaliação de valores patrimoniais não podem ser invocados em impugnação de atos de liquidação de IMI que os têm como pressupostos.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

O árbitro Dr. António Cipriano da Silva designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o  presente Tribunal Arbitral Singular no processo identificado em epígrafe, decide o seguinte: 

 

I. Relatório

 

1. Em 27 de dezembro de 2024 A..., S.A, pessoa coletiva com o NIPC: ..., com sede na ..., n.º..., ...-... ... (doravante designada por “Requerente” ou “Sujeito Passivo”) veio ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º e seguintes do Decreto–Lei n.º 10/2011, de 20/01 (adiante abreviadamente designado por RJAT), nos artigos 1.º, alínea a) e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03 e no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29/12 apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral e pronúncia arbitral, (“PPA”) em que é demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT” ou “Requerida”), com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação adicional de IMI nº2015...no valor de €38.771,65 (trinta e oito mil, setecentos e setenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos), peticionando a anulação da referida liquidação com as demais consequências legais, designadamente o reembolso do montante de imposto indevidamente pago, bem como dos juros indemnizatórios que se mostrarem devidos.

2. No dia 30 de dezembro de 2024 foi aceite o pedido de constituição de Tribunal Arbitral.

3. No dia 05 de março de 2025 foi constituído o Tribunal Arbitral.

4. Em 06 de março de 2025, foi a Requerida notificada nos termos e para os efeitos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e para remeter ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.

5. Em 07 de abril de 2024, a Requerida juntou aos autos Resposta e Processo Administrativo.

6. Em 18 de abril de 2025 foi a Requerente notificada para, no prazo de 15 dias, se pronunciar, querendo, sobre a matéria das exceções suscitadas pela Requerida na sua resposta.

7. Em 12 de maio o Tribunal Arbitral dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18º RJAT, dando a possibilidade às partes para, querendo, apresentarem alegações finais escritas (simultâneas) no prazo de 15 dias.

8. Em 03 de junho a Requerente juntou alegações.

 

II. Posição das partes

II.1. Posição da Requerente

A Requerente fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     A Requerente é proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à Unidade Autónoma situada no piso 0, destinada a Hipermercado, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na rua de ..., n.º..., ...a, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... .

b)    Em 19/11/2015, na sequência da constituição de propriedade horizontal a Requerente submeteu no Portal das Finanças uma declaração de Modelo 1 de IMI a solicitar a reavaliação do valor patrimonial tributário do imóvel em função das alterações decorrentes da mencionada constituição de propriedade horizontal.

c)     A Requerente foi notificada do resultado da avaliação realizada, pelo Serviço de Finanças de Portimão, através do ofício n.º ... de que resultou um Valor Patrimonial Tributário (VPT) de € 6.015.760,00, tendo por base, entre outros fatores, a consideração de uma área bruta de 3.916,00 m2 e uma afetação de “Comércio e serviços em construção do tipo industrial” .

d)    A referida avaliação foi posteriormente inscrita na matriz em 26/01/2016, com efeitos à data da última validação da Declaração Modelo 1 de IMI realizada pela Requerente – 01/12/2015 – tendo, posteriormente, os montantes cobrados a título de IMI sido calculados em função do VPT apurado a partir daquela data.

e)     Todavia, foi a ora Requerente notificada, em 09/12/2016, através do Ofício n.º... de 05/12/2016, do projeto de decisão proferido pela Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, no qual aquele serviço manifestou a intenção de anular a avaliação realizada em 01/12/2015, 

f)     Em 13/01/2017, a Requerente foi notificada do Despacho da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, proferido em 30/12/2016 através do Ofício n.º ..., que confirma as conclusões do Projeto de Decisão consubstanciadas no Despacho notificado à Requerente em 07/12/2016 .

g)    O despacho da Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, notificado à Requerente a 09/12/2016, ao determinar a anulação da avaliação do imóvel objeto dos presentes autos inscrita na matriz a 01/11/2015, viola o artigo 130.º, n.º 4 e 5 do Código do IMI, na medida em que foi realizado num prazo dentro do qual a lei proíbe que o Chefe do Serviço de Finanças proceda a qualquer regularização/correção do VPT.

h)    O despacho da Chefe do Serviço de Finanças de Portimão ao inscrever na matriz o VPT apurado na avaliação suscitada pela Requerente, com efeitos a 01/11/2015, que fixou o valor em € 6.015.760,00 e que diminuiu o VPT deste imóvel anteriormente fixado em 2012, que era de € 15.366.210,00, consubstancia um ato constitutivo de direitos.

i)      Deste modo, e conforme determina expressamente o n.º 2 do artigo 168.º do CPA, um ato constitutivo de direitos apenas poderia ser anulado com fundamento em ilegalidade dentro do prazo de um ano, o que, no caso, apenas seria possível até 02/11/2016.

j)      Decorrido que foi o prazo de um ano sobre a data da inscrição na matriz do VPT de € 6.015.760,00 – ou seja, 01/12/2015 - mostra-se que o despacho que determina a anulação daquela avaliação realizada em 2015 notificado à ora Requerente, em 09/12/2016, consubstancia um ato lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos da Requerente praticado fora do prazo de um ano  que a AT dispunha para o efeito.

k)    O imóvel avaliado foi identificado pelo sujeito passivo na declaração para inscrição ou atualização de prédios urbanos na matriz (modelo 1) como estando afeto a “comércio e serviços em construção tipo industrial”.  No entanto, considerou  a AT erradamente que este prédio deveria ter como critério de afetação “Comércio” .

l)      A atividade prestada num hipermercado, com diversos tipos de serviços prestados, café, padaria, serviço de entregas ao domicílio, consubstancia uma atividade que se enquadra no comércio, serviços e de tipo industrial, não se resumindo apenas a uma atividade comercial, como pretende a AT.

m)   Aliás, o tipo de construção de um hipermercado é, sem dúvida, mais de tipo industrial do que de tipo comercial. Na verdade, esta conclusão resulta até do processo de licenciamento a que uma estrutura como um hipermercado está sujeita, resultando diretamente dessa legislação a consideração de que se trata de um tipo de atividade que é, simultaneamente, comercial, de prestação de serviços e industrial, conforme o disposto no Decreto-lei n.º 259/2007, de 17/07, entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16/01.

n)    Andou mal a AT ao determinar a afetação do prédio objeto dos presentes autos ao coeficiente Comércio, ao invés daquele que, efetivamente, é prestado neste hipermercado – “Comércio e serviços de tipo industrial”. Situação esta que tem impacto objetivo na percentagem fixada para apuramento do valor patrimonial tributário do imóvel, já que ao Comércio se determinou um coeficiente de 1,20 e ao Comércio e serviços de tipo industrial um coeficiente de 0,80.

o)    Assim, a atuação da AT violou lei expressa, bem como normativos constitucionais que integram princípios estruturantes de um Estado de Direito Democrático, designadamente, os princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 103.º e 104.º da Constituição da República Portuguesa).

p)    A acrescer ao supra exposto, está ainda a ilegalidade subjacente aos critérios utilizados pela AT na avaliação ora contestada, os quais se prendem com a consideração da área bruta dependente do prédio objeto dos presentes autos.

q)    Considera a AT que a área bruta dependente do imóvel objeto do presente processo deve compreender a área relativa a um conjunto de estacionamentos que constituem parte comum da propriedade horizontal constituída pela Requerente em conjunto com o proprietário da outra fração.

r)     Ignorou, a AT, sem justificar, a escritura de constituição de propriedade horizontal e o respetivo regulamento do condomínio e o impacto que estes têm na determinação da área bruta dependente desta fração.

s)     Não se pode considerar como área bruta dependente, uma área que não está afeta, apenas e em exclusividade, a uma fração.  O que importa aqui relevar não é a afetação económica do bem, mas sim o facto de esta área bruta dependente estar afeta, exclusivamente ou não, a uma determinada fração e, naturalmente à mesma afetação económica.

t)      Ora, da escritura de constituição de propriedade horizontal resulta que os estacionamentos são partes comuns do prédio (isto é, partes comuns do empreendimento comercial denominado ...), destinando-se, portanto, ao livre acesso dos clientes de ambas as frações do prédio (ou seja, o hipermercado da Requerente e a galeria comercial existente no restante espaço).

u)    Repare-se que é a própria AT  que considera que os lugares de estacionamento são do centro comercial (e, portanto, não apenas da fração da Requerente), e de utilização pública pelos clientes do centro comercial (e, portanto, não apenas pelos clientes da Requerente), pelo que a sua consideração como área bruta dependente da Requerente, em função da permilagem da sua fração, mostra-se, no mínimo, abusiva, porquanto todos os clientes do centro comercial (e, aliás, qualquer pessoa em geral) podem, livremente, aceder ao parque de estacionamento, independentemente do seu destino.

v)    Deste modo, e atento o caso sub judice, andou mal a AT ao considerar que a área de estacionamentos comuns correspondentes a esta propriedade horizontal deve ser considerada como área bruta dependente do imóvel objeto dos presentes autos para efeitos do disposto no artigo 40.º do Código do IMI, porquanto os respetivos estacionamentos não são exclusivos do imóvel (fração) em apreço.

w)   Em face de todo o exposto, entende a Requerente que deverá ser ordenada a anulação do ato de liquidação adicional de IMI n.º 2015..., objeto dos presentes autos, porque liquidado com base em relatório de avaliação ilegal nos termos supra expendidos.

 

II.2. Posição da Requerida

Por seu turno a Requerida fundamenta a sua posição nos seguintes termos:

a)     A Requerida pugna pela procedência de exceção dilatória de litispendência nos termos previstos no nº2 do artigo 582º do Código de Processo Civil por existir uma repetição de uma causa. Alega para o efeito que a Requerente fundamentou o pedido de pronúncia arbitral, ou seja a ilegalidade da referida liquidação refutando exclusivamente os argumentos do despacho que determina a anulação da avaliação realizada em 06/12/2015. Por sua vez  a Requerente propôs ação administrativa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que corre seus termos sob o processo nº 416/17.3BELLE contra o despacho que ordena a anulação da avaliação realizada em 01/11/2015 à fração autónoma designada pela letra “A” supra identificada.

b)    Entende a Requerida que a identidade de sujeitos é evidente, pois a Requerente é a mesma em ambos os litígios e a entidade requerida também é a mesma. Também se verifica a identidade na causa de pedir, pois a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, ou seja, em ambos os pedidos a Requerente fundamenta a sua pretensão nos vícios do procedimento de avaliação.

c)     Desta forma em consequência entende a Requerida que estão verificados todos os pressupostos da litispendência, pelo que requer que se julgue verificada a exceção dilatória prevista no artigo 577º alínea i) do CPC e a Entidade Requerida seja absolvida da instância conforme o determinado no artigo 576º n.º2 do mesmo código, todos aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT.

d)    Em segundo lugar a Requerente defende que, caso o Tribunal Arbitral não dê provimento à exceção de litispendência, sempre se deve considerar que entre as duas causas existe uma relação de prejudicialidade, pois caso a ação administrativa seja procedente o PPA fica sem objeto. Assim, a Requerida entende que se verifica uma evidente prejudicialidade entre a presente impugnação e a ação administrativa que corre termos no Tribunal Central Administrativo Sul com o n.º 416/17.3BELLE, requerendo em consequência a suspensão da instância nos termos do artigo 272º, n.º 1 do CPC.

e)     Em terceiro lugar a Requerida alega que o que está em causa nos presentes autos são os alegados vícios da avaliação e do cálculo do VPT do imóvel invocados pela Requerente.

f)     Nos termos da mais recente jurisprudência consolidada do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

g)    A Requerente pretende a anulação do ato impugnado com fundamento em vícios, não do ato de liquidação, mas sim dos atos que fixaram o Valor Patrimonial Tributário (VPT), os quais constituem atos finais do procedimento de avaliação.

h)    Alega que  a Requerente contesta é, apenas e só, o ato de fixação do VPT e não o ato de liquidação. Ora, os atos de fixação do VPT não são atos de liquidação, São atos autónomos e individualizados com eficácia jurídica própria e diretamente sindicáveis que põem fim ao procedimento de avaliação.

i)      Uma vez que os vícios da fixação do VPT, não são sindicáveis na análise da legalidade do ato de liquidação, porquanto os mesmos já se consolidaram na ordem jurídica não é, nem legal, nem admissível, a apreciação da correção do VPT em sede de impugnação do ato de liquidação.

j)      Para defesa da sua posição a Requerida  traz à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo Uniformizador de Jurisprudência proferido no processo n.º 102/22.BALSB.

k)    Alegando por último que se de outra forma for entendido, então haveria necessariamente que reconhecer que foi a Requerente quem entregou nova modelo 1, com valores desconcertados dos valores constantes da escritura de propriedade horizontal, sem qualquer pedido de licenciamento prévio, tão só porque entendeu que as áreas eram outras que não as inicialmente apuradas. Nestes termos foi o contribuinte quem viciou áreas, sem qualquer licenciamento e não a AT.

l)      Recordando a Requerida que foi a CM Portimão, no uso de poderes vinculados quem veio reclamar a alteração feita às áreas através de modelo 1 entregue pelo impugnante, porque incorreta. E foi essa mesma Entidade soberana e com poderes vinculados quem ordenou à AT, reitera-se, que reinscrevesse as áreas de acordo com a escritura de propriedade horizontal e telas finais de licenciamento, limitando-se a AT a cumprir o superiormente ordenado, até porque a receita advinda do IMI, entre outras, destina-se exclusivamente aos Municípios limitando-se a AT à mera liquidação e cobrança daqueles proveitos para aquelas entidades. 

m)   Concluindo a Requerida que os vícios invocados pela Requerente são, totalmente improcedentes pelo que devem assim manter-se plenamente vigentes na ordem jurídica aos atos tributários impugnados.

 

III. Saneamento

O PPA é tempestivo. O Tribunal é materialmente competente e encontra-se regulamente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.ºs 1 e 2, do RJAT. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigo 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções, pelo que não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

IV. Matéria de Facto

IV.1. Factos Dados com Provados

Com base nos elementos constantes dos autos com interesse para a decisão deram-se por provados os seguintes factos:

a)     A Requerente é uma sociedade anónima que tem como objeto social: o comércio e indústria de géneros alimentícios e não alimentícios e de todo o tipo de artigos compreendidos no ramo de hipermercados  supermercados e comércio especializado de produtos alimentares e não alimentares, incluindo venda de animais e respetiva alimentação, flores, plantas, sementes e fertilizantes, incluindo o comércio por via eletrónica, o comércio geral de exportação e importação, a venda de medicamentos não sujeitos a receita médica e de produtos de cosmética e prestação de serviços farmacêuticos e outros relacionados coma promoção da saúde e do bem-estar geral incluindo cuidados de beleza, estética, podologia, terapias alternativas e afins, a comercialização de produtos óticos e prestação de serviços com eles relacionados, bem como a exploração e oferta de redes e ou serviços de comunicações eletrónicas, atividade de restauração, a exploração e gestão de centros comerciais, a comercialização de combustíveis e exploração de postos de abastecimento de combustíveis e a comercialização de bilhetes para espetáculos públicos e organização e comercialização de viagens e todas as atividades incluídas e conexas com a atividade de agência de viagens e turismo. A sociedade tem ainda por objeto a compra, venda, compra para revenda, construção, locação, exploração e administração de imóveis destinados a instalação de hipermercados, supermercados, centros comerciais, postos de abastecimento de combustíveis, bem como de imóveis destinados a escritórios e habitação (cf. doc nº1 PPA).

b)    Por escritura de 20.11.2011,  o prédio sito na rua ..., n.º ..., e Rua ..., freguesia e concelho de ..., foi constituído em propriedade horizontal, de que resultou duas fração: fração A e fração B. (Cfr. doc nº5 junto ao PPA).

c)     A Requerente é proprietária da fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à Unidade Autónoma situada no piso 0, destinada a Hipermercado, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na rua de ..., n.º ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º ... e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ... (cfr. art. 8 do PPA).

d)    O imóvel foi inscrito na matriz predial em 2011, de que resultou na sequência de segunda avaliação realizada em 2012.03.14 um Valor Patrimonial Tributário (VPT) de €15.366.210,00 (Cfr. art. 9º PPA, art 5ºC da resposta da AT e pag.7-9 do PA).

e)      Da segunda avaliação realizada em 2012.03.14 era indicado como elementos da fração:

 

 

 

 

(Cfr. pag.7-8 PPA)

f)     Em 19/11/2015 a Requerente submeteu no Portal das Finanças nova modelo 1 de IMI com o número ... em que solicitava a reavaliação do imovel identificado no ponto c). (cfr. art. 10º do PPA e art. 5 d) da Resposta da AT).

g)   

 

A Requerente foi notificada em 10.12.2015 através do oficio nº... do resultado da nova avaliação do imóvel de 06.12.2015 que resultava um VPT de €6.015.760,00 nos seguintes termos:

 

 

 

 

(Cfr. doc nº6 junto PPA) 

g)  O valor da avaliação foi inscrito na matriz em 26.01.2016 com efeitos à data da validação da declaração Modelo 1 de IMI, no caso 01.12.2015 (cfr. pag.3 do doc nº8 PPA)

h) A  Requerente  foi notificada, em 09.12.2016, através do Ofício n.º... de 05.12.2016, de projeto de decisão proferido pela Senhora Chefe do Serviço de Finanças de Portimão, no qual aquele serviço manifestou a intenção de anular a avaliação realizada em 06.12.2015em que constava:

 

 

 

 

 

 

 

(cfr. doc nº8 do PPA).

i) A Requerente exerceu o direito de audição prévia pugnado pela nulidade do projeto de decisão (cfr. doc nº9 do PPA).

j) Em 13.01.2017 a Requerente foi notificada  através do oficio nº ... do despacho da Chefe da Repartição de Finanças data de 30.12.2016 em que foi determinada a anulação da avaliação da fração A do artigo ... da freguesia e concelho de ... efetuada em 06.12.2015 em que constava:

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(cfr. doc nº10 junto ao PPA)

k) A Requerente em 14.07.2017 deduziu  ação administrativa contra o despacho que ordena a anulação da avaliação realizada em 06.11.2015 à fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à Unidade Autónoma situada no piso 0, destinada a Hipermercado, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé  corre os seus termos sob o número 416/17.3BELLE, e que no momento presente se encontra no Tribunal Central Administrativo Sul. (cfr. art. 22 do PPA).

l) Na sequência  do despacho que ordena a anulação da avaliação realizada em 06.11.2015, foi efetuada nova avaliação à imóvel  em 20.04.2017 de que resultou um VPT de €13.770.090,00 (parte final do artigo 5m da resposta da AT e doc nº3 junto ao PPA).

m) A Requerente foi notificada do ato de liquidação adicional de IMI  com o nº2015..., no valor de €38.771,65 com data de pagamento até 31.08.2017 (doc nº3 junto ao PPA).

n) Em 31.08.2017 a Requerente efetuou o pagamento da liquidação adicional de IMI  com o nº2015..., no valor de €38.771,65 (cfr. doc nº 11junto ao PPA).

o) A Requerente em 02.10.2017 deduziu impugnação judicial  ao ato de liquidação adicional de IMI  com o nº2015... junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que correu seus termos sob o nº523/17.2BELLE (Cfr. art 2 PPA).

p)  A Requerente procedeu à apresentação de Requerimento de extinção da instância, ao abrigo do disposto no artigo 268.º da Lei n.º 82/2023, de 29/12, com vista à apresentação de PPA.

q) Em 27 de dezembro de 2024 deu entrada o PPA.

 

IV.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

 

IV.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

 

Cabe ao Tribunal Arbitral selecionar os factos relevantes para a decisão, em função da sua relevância jurídica, considerando as várias soluções plausíveis das questões de Direito, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pela Requerente, bem como discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigos 596.º, n.º 1, e 607.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT), abrangendo os seus poderes de cognição, factos instrumentais e factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes alegaram (cf. artigos 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA, 5.º, n.º 2, e 411.º do CPC).

Segundo o princípio da livre apreciação dos factos, o Tribunal Arbitral baseia a sua decisão, em relação aos factos alegados pelas partes, na sua íntima e prudente convicção formada a partir do exame e avaliação dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com as regras da experiência de vida e conhecimento das pessoas (cf. artigo 16.º, alínea e), do RJAT, e artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Somente relativamente a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, a factos que só possam ser provados por documentos, a factos que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão, ou quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (por exemplo, quanto aos documentos autênticos, por força do artigo 371.º do Código Civil), é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o referido princípio da livre apreciação (cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Os factos elencados supra foram dados como provados com base nas posições assumidas pelas partes nos presentes autos, nos documentos juntos ao PPA e ao processo administrativo. Além disso, não se deram como provadas, nem não provadas, alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, nem os factos incompatíveis ou contrários aos dados como provados.

 

V. Matéria de Direito

V.1. Questões a Decidir

A Requerente no  PPA apresenta como pedido a anulação do ato de liquidação adicional de IMI nº2015... no valor de €38.771,65, por na sua posição este padecer de vícios insanáveis, por violação de lei.

Por sua vez a Requerida na Resposta para além de defesa por impugnação deduz três questões prévias, a saber: exceção de litispendência e do caso julgado; causa de prejudicialidade e de suspensão dos autos; exceção dilatória inominada impeditiva de apreciação de mérito por  se invocar que vícios do VPT não são sindicáveis  em ato de liquidação.

Considera o tribunal que a análise do litígio determina a avaliação em primeiro lugar das exceções e questões prévias, na justa medida que a procedência de qualquer uma destas pode prejudicar o conhecimento, conforme artigo 608º nº2 do CPC (Código de Processo Civil), aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT. E dentro das exceção e questões prévias deve começar pelas exceções dilatórias nos termos do artigo 578º do CPC  aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.

 

V.1.1. Litispendência 

Defende a Requerida que deve ser dado provimento a exceção dilatória de litispendência ou de caso julgado, entendendo que se verifica uma identidade de sujeitos, de causa de pedir, entre o PPA e a ação proposta junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé  que  corre os seus termos sob o número 416/17.3BELLE.

Os conceitos de litispendência e caso julgado encontram-se tipificados nos artigos 580º, 581º  e 582º do CPC. Vejamos as normas:

Artigo 580º do CPC

Conceitos de litispendência e caso julgado

1 - As exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado.

2 - Tanto a exceção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

3 - É irrelevante a pendência da causa perante jurisdição estrangeira, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais.

Artigo 581.º do CPC

Requisitos da litispendência e do caso julgado

1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.

Artigo 582.º do CPC

Em que ação deve ser deduzida a litispendência

1 - A litispendência deve ser deduzida na ação proposta em segundo lugar.

2 - Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.

3 - Se em ambas as ações a citação tiver sido feita no mesmo dia, a ordem das ações é determinada pela ordem de entrada das respetivas petições iniciais.

As exceções da litispendência e do caso julgado nos termos do nº 1 do artigo 581º do CPC, pressupõem a repetição de uma causa. No caso da litispendência a causa  repete-se por estar em curso uma outra idêntica, no que diz respeito aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. No caso julgado a repetição ocorre quando após a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, é proposta nova ação idêntica, no que diz respeito aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. A motivação para a tipificação legal desta exceção advém de se pretender evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior (artº 580º, nº 2 do CPC).

No caso dos autos, a Requerida invoca um identidade entre ação administrativa em curso e o PPA, pelo que estamos no âmbito da litispendência.

Conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo processo nº 0906/14, de 15-10-2014:

“Como é sabido, a litispendência, materializando-se na repetição de uma causa pendente, constitui exceção dilatória, que tem por objetivo evitar que o tribunal contradiga ou reproduza uma decisão anterior. O conceito nuclear da litispendência radica, pois, na definição dos parâmetros que permitem aferir da identidade das causas, com vista a determinar se uma é, ou não, a repetição da outra. Ora, o artigo 581º do CPC, sob a epígrafe «Requisitos da litispendência e do caso julgado», estabelece, no seu nº 1, que a causa se repete «quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir», esclarecendo, no nº 2, que «Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica», e no nº 3, que «Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico», esclarecendo no nº 4, que «Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.»

O que significa que a litispendência só ocorrerá se, cumulativamente, nas ações em apreciação intervierem as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter o mesmo efeito jurídico e, esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico. No caso vertente, é fora de dúvida que os intervenientes nas duas reclamações são os mesmos, sob o ponto de vista jurídico, o que, de resto, não vem questionado neste recurso. Todavia, o efeito jurídico que se intenta obter em cada uma dessas reclamações é manifestamente diverso, sendo, aliás, os atos reclamados completamente distintos designadamente quanto à respetiva motivação, sendo, por conseguinte, os pedidos anulatórios igualmente diferenciados”.

Seguindo a jurisprudência, a verificação da exceção da litispendência exige três condições cumulativas, que implicam uma tripla identidade: de sujeitos, de pedido e de causa de pedir (cfr.  artigos 577.º, alínea i), 580.º e 581.º do CPC, aplicáveis por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Assim, a verificação da litispendência exige cumulativamente que, nas ações em apreciação, intervenham as mesmas partes, sob a mesma qualidade jurídica, pretendendo obter, nessas ações, o mesmo efeito jurídico e esse efeito jurídico tiver por causa o mesmo facto jurídico.

Existe identidade de sujeitos, quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. 

Existe identidade de pedido, quando em ambas as causas se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Esta exige  que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado.

Exige identidade de causa de pedir quando as pretensões formuladas em ambas as ações derivam do mesmo facto jurídico, entendendo-se que nas ações de anulação é o facto concreto que se invoca para obter o efeito pretendido.

No caso dos autos verifica-se uma identidade de sujeitos. Todavia, não se verifica uma identidade de pedidos.

No PPA a Requerente apresenta como pedido a anulação do ato de liquidação adicional de IMI nº2015..., enquanto na ação administrativa proposta junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé  corre os seus termos sob o número 416/17.3BELLE pretende-se a anulação do ato administrativo em matéria tributável que ordenou a anulação da avaliação.

No PPA está em causa um ato de liquidação, enquanto na ação administrativa está em causa um ato administrativo em matéria tributável.

Não se verificando, assim, a invocada identidade de pedidos, este Tribunal conclui pela improcedência da exceção dilatória de litispendência invocada pela Requerida.

 

V.1.2. Da causa de prejudicialidade e de suspensão dos autos

Vem a Requerida alegar que caso não se verifique a exceção da litispendência, deve se considerar que  existe uma relação de prejudicialidade entre o PPA e a ação administrativa, na justa medida em que caso esta última seja  procedente o PPA fica sem objeto.

Nos termos do artigo 272º do CPC:

  1 - O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

2 - Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

 3 - Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixa-se no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.

  4 - As partes podem acordar na suspensão da instância por períodos que, na sua totalidade, não excedam três meses, desde que dela não resulte o adiamento da audiência final.

A questão é, pois, a de saber se decisão do PPA está na dependência da ação administrativa, ou se, não se verificando o primeiro pressuposto, ocorre outro motivo justificado.

Como se atrás referiu o pedido de ambos os processos, mas também os seus efeitos são  divergentes. No PPA, o que está em causa é a legalidade ou ilegalidade de um ato de liquidação, enquanto o que está em causa na ação administrativa é a legalidade de um ato administrativo em matéria tributável. Mesmo que ocorra a procedência da ação administrativa os seus efeitos ficam-se pela anulação do ato administrativo em matéria tributável, não determinado a anulação do ato de liquidação em crise.

Nos termos do nº1 artigo 2º do RJAT e da Portaria  nº 112-A/2011, o Tribunal Arbitral tem competência material para apreciação nomeadamente da declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos.

A determinação da competência do tribunal terá de se delimitar pela análise do pedido do autor e pela causa de pedir em que este se apoia na petição inicial. Seguindo a jurisprudência do CAAD no processo 262/2018-T “é à face do pedido ou conjunto de pedidos que formulou o autor que se afere a adequação das formas de processo especiais, designadamente o processo arbitral.”

No caso em apreço, o pedido da Requerente é absolutamente claro e inequívoco fixando-se na ilegalidade do ato de liquidação. O que esta em causa é a ilegalidade do ato de liquidação e  não qualquer outra decisão.

Conforme decisão arbitral processo nº775/2023-T:

“Com efeito, decorre de forma expressa do n.º 1 do artigo 272.º do CPC que o tribunal pode decretar a suspensão da instância não apenas nos casos em que a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta, mas também quando ocorrer outro motivo justificado. A questão é, pois, a de saber (i) se a decisão desta causa depende do julgamento da que se encontra pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ...; (ii) ou se, não se verificando o primeiro pressuposto, ocorre outro motivo justificado. 31. Como já se concluiu quanto à improcedência da exceção dilatória de litispendência, é evidente que, no plano estritamente jurídico, a decisão desta causa não depende do julgamento da que anteriormente foi proposta.

Resta, então, saber se existe outro motivo justificado para decretar a suspensão da instância. E a conclusão também é negativa. Com efeito, a apreciação imediata deste pedido de constituição de tribunal arbitral é do interesse das partes. E, nomeadamente, a Requerente nunca poderá ficar prejudicada, porque se o ato autónomo que, em tempo e com legitimidade, impugnou em processo próprio, for anulado, o ato de liquidação que o teve por base cairá, por estar afetado de nulidade superveniente, como decorre da alínea i) do n.º 2 do artigo 161.º do CPA (ofensa de caso julgado), entendimento perfilhado por JORGE LOPES DE SOUSA (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª ed., Áreas Editora, pp. 306/307).”

Pelo que estando em causa em ambos os processos situações jurídicas diversas, tendo o Tribunal Arbitral competência material e encontrando-se na posse de todos os elementos para decidir, entende-se não existir justificação legal para a suspensão dos autos.

Termos em que o Tribunal Arbitral decide indeferir  o pedido de suspensão dos autos formulado pela Requerida.

 

V.I.3. Da Exceção dilatória inominada impeditiva de apreciação de mérito por  invocar que vícios do VPT não serem sindicáveis  em ato de liquidação

Vem a Requerida em sede impugnação deduzir argumentação que denominamos de “exceção dilatória inominada impeditiva de apreciação de mérito” por se alegar que a Requerente invoca  vícios do VPT não sindicáveis em ato de liquidação”. Alega a Requerida que nos termos de jurisprudência consolidada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 23.02.2023 no processo n.º 102/22.2BALSB eventuais vícios próprios e exclusivos do VPT são insuscetíveis de ser impugnados no ato de liquidação que seja praticado com base no mesmo.

Tendo em atenção o conteúdo do PPA verificamos que a Requerente fundamenta o pedido de ilegalidade do ato de liquidação de IMI nº2015... com base nos seguintes argumentos: por alegadamente este consubstanciar uma violação de um ato constitutivo de direito, concretamente o ato administrativo em matéria tributável de avaliação do imovel de 06.12.2015 (artigos 28º a 34º do PPA); por o ato administrativo de anulação da avaliação do VPT padecer do vicio de extemporaneidade (artigos 35º a 49º do PPA); por o ato de anulação da avaliação do VPT ter determinado de forma errónea o coeficiente de afetação com impacto  negativo nos princípios da igualdade tributária e da capacidade contributiva (artigos 61º a 89º do PPA) e por este ter sido considerado uma área bruta dependente do imovel errada (artigos 90º a 118º do PPA).

Verifica-se assim que a Requerente fundamenta exclusivamente o pedido de anulação da liquidação de IMI, não em vícios intrínsecos do ato em si, mas antes com vícios no ato de fixação do Valor Patrimonial Tributário, ou seja em atos antecedentes à emissão do ato de liquidação em crise.

Ou seja, a Requerente alicerça o PPA com vícios atinentes à formação ou determinação da matéria coletável.

Desta forma, a primeira questão que o Tribunal Arbitral tem de apreciar é saber se os possíveis vícios de facto e de direito do ato que determinaram a matéria coletável, no caso o Valor Patrimonial Tributário (VPT) são passiveis de ser fundamento para a apreciação de ato de liquidação subsequente.

Para efeito devemos ter em atenção a doutrina e a recente jurisprudência consolidada unificadora.

A este propósito Jorge Lopes de Sousa  (in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 472) refere “Neste caso da avaliação direta da matéria tributável, resulta claramente do n.º 4 do at.º 86.º da LGT, embora a contrario, que a invocação das ilegalidades de atos de avaliação direta só pode sem efetuada em impugnação autónoma. Na verdade, tratando este art. 86.º da LGT da impugnação de atos de avaliação direta e de avaliação indireta da matéria tributável, o facto de se prever no seu n.º 4, apenas para os atos de avaliação indireta, a possibilidade de invocação das respetivas ilegalidades na impugnação do ato de liquidação, revela com clareza uma intenção legislativa de que só nesses casos de avaliação indireta tal é possível, pois, se assim não fosse, decerto se faria referência cumulativa à generalidade de atos de avaliação da matéria tributável.

De forma relevante o Supremo Tribunal Administrativo veio em 23.02.2023 através do acórdão 0102/22.2BALSB uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

“Ora, a avaliação direta é um dos casos em que o legislador afastou o princípio da impugnação unitária e admitiu a impugnação imediata do ato de avaliação. Estabelece o artigo 86.º, n.º 1 da LGT que a avaliação direta é suscetível nos termos da lei de impugnação contenciosa direta. O que significa que se essa avaliação se inserir num procedimento de liquidação, o ato de avaliação é diretamente impugnável. A impugnabilidade fica, no entanto, dependente do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão (n.º 2 do artigo 86.º da LGT).

(…)

“Tendo em conta o que fica dito duas conclusões se podem retirar, desde já, no que toca à impugnabilidade do ato de fixação do valor tributário: (i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio.

E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação.

Na verdade, o ato que fixa o valor patrimonial tributário encerra um procedimento autónomo de avaliação que servirá de base a uma pluralidade de atos de liquidação que venham a ser praticados enquanto o valor dela resultante se mantiver, designadamente às liquidações de impostos sobre o património (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14/10/2020, proferido no processo 050/11.1BEAVR, consultável em 
www.dgsi.pt).
Distingue-se daqueles outros procedimentos em que o ato de avaliação direta se insere num procedimento tributário tendente à liquidação do tributo, e que assim assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, isto é, apesar de serem atos preparatórios da decisão final (liquidação) por disposição legal especial são direta e imediatamente impugnáveis. No caso, como referimos, o ato final do procedimento de avaliação é o ato que fixa o valor patrimonial.

De qualquer forma, quer o ato de avaliação direta se insira no procedimento de liquidação do imposto (aplicando-se neste caso a exceção ao princípio da impugnação unitária), quer, como é o caso, finalize um procedimento de avaliação direta autónomo, os vícios que afetem o valor encontrado apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada” 

(o negrito é nosso).

 

Ora, o substrato do PPA é a ato de liquidação IMI nº2015..., sendo que é sobre este que recai a pretensão anulatória da Requerente. Nestes termos, o objeto do PPA é o ato de liquidação e não a fixação da respetiva matéria coletável – no caso o Valor Patrimonial Tributário (VPT).

Tendo a Requerente fundamentado o PPA em vícios anteriores à emissão do ato de liquidação em crise (vícios do ato administrativo em matéria tributável de anulação da avaliação do VPT) , considerando a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supra citada, entende o Tribunal Arbitral que há que concluir pela impossibilidade de, neste processo cujo objeto é a anulação da liquidação de IMI, se conhecer a causa de pedir invocada pela Requerente. Assim, se verifica  exceção dilatória inominada impeditiva de apreciação de mérito que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 576º nº2 e 577º do CPC aplicável a ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT).

 

Ficam assim prejudicados os demais pedidos formulados pela Requerente (pedido de juros indemnizatórios).

 

VI. Decisão

Termos em que se decide julgar o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente e absolver a Requerida do pedido, condenando a Requerente nas custas, nos termos abaixo fixados.

 

VII. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em  € 38.771,65 (trinta e oito mil setecentos e setenta e um euros e sessenta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das e alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VIII. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.836,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente uma vez que o PPA foi julgado improcedente nos termos dos artigos, 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.

 

 

Registe-se e notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Junho de 2025

 

O Árbitro

 

António Cipriano da Silva