Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1156/2024-T
Data da decisão: 2025-07-01  IRC  
Valor do pedido: € 99.307,12
Tema: IRC. Derrama municipal. Rendimentos obtidos fora de Portugal.
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SUMÁRIO:

1. A derrama municipal é um imposto que incide sobre os rendimentos tributáveis e não isentos de IRC, na proporção do rendimento gerado na área geográfica do município por sujeitos passivos residentes, bem como não residentes com estabelecimento estável em Portugal, que aí exerçam atividade comercial, industrial ou agrícola.         

2. Os rendimentos gerados fora do território nacional devem ser excluídos, para efeitos deste imposto, do lucro tributável e, como tal, não podem contribuir para a base do cálculo da derrama municipal lançada pelo município.

 

DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

  1. No dia 24/10/2024, A..., S.A., sociedade comercial anónima com sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... ..., titular do NIPC..., veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo dos artigos 2º, nº 1, a), 5º, nº 3, a), 6º, nº 2, a) e 10º, nº 1, a), do RJAT, bem como dos artigos 95º, nº 1 e nº 2, a) e d), da LGT e 99º, a), do CPPT, solicitando a declaração de ilegalidade e consequente anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa nº ...2024..., e, bem assim, das autoliquidações de IRC referentes aos períodos de 2019 e 2020, na parte relativa à derrama municipal, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 8 de Janeiro de 2025.

 

2. A Requerente fundamenta o pedido nos seguintes termos:

2.1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objecto imediato a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2024... e, como objecto mediato, a autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas plasmada na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, n.º..., de 12 de Junho de 2020, referente ao exercício de 2019, bem como na declaração Modelo 22 de IRC, n.º..., de 17 de Junho de 2021, referente ao exercício de 2020, ascendendo o imposto pago indevidamente em 2019 e 2020 a € 82.586,08 e € 16.721,04, respectivamente.

2.2. Por não se conformar com o imposto liquidado, na sequência da entrega das referidas declarações Modelo 22 de IRC, a Requerente entregou um pedido de revisão oficiosa, em 11 de Junho de 2024, requerendo a anulação parcial dos actos de autoliquidação e o correspondente reembolso do imposto indevidamente pago.

 2.3. Aquele pedido de revisão oficiosa foi indeferido pela AT, que concluiu pela "inexistência de erro no cálculo da derrama municipal, afastando desde logo a aplicação da segunda parte do n.º 1 do artigo 78º da LGT”.

2.4. Adicionalmente, quanto ao período de 2020, a AT entendeu também que “se pode afirmar a inexistência no caso em apreço de uma situação de injustiça grave ou notória, o que invalida o pedido de revisão extraordinária do ato tributário referente a 2020 com tal fundamento”.

2.5. São dois os pressupostos da revisão oficiosa, i.e., i) a apresentação do pedido no prazo de 4 anos após a liquidação e ii) a revisão ter como fundamento o erro imputável aos serviços tributários.

2.6. Quanto ao requisito i), considerando que as autoliquidações de IRC contestadas respeitavam aos exercícios de 2019 e 2020, tendo sido apresentadas, respetivamente, em 12 de Junho de 2020 e 17 de Junho de 2021, ainda se encontrava em curso, na data de entrega do pedido de revisão oficiosa (11 de Junho de 2024), em ambos os casos, o referido prazo de 4 anos, pelo que o pedido de revisão oficiosa foi tempestivo.

2.7. No que respeita ao requisito ii), a doutrina e a jurisprudência defendem que existe “erro imputável aos serviços” não só em situações de lapso, erro material ou erro de facto, mas também quando existe erro de direito, sendo essa imputabilidade independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação afetada pelo erro.

2.8. No caso concreto, a Requerente entende que os atos de autoliquidação em crise se encontram feridos de “erro de direito” — concretamente, ilegalidade — em razão da sujeição da totalidade do lucro tributável auferido em 2019 e 2020 a derrama municipal, independentemente da sua proveniência (nacional ou internacional), contrariamente ao que propugnam os normativos legais relevantes.

2.9. Este “erro de direito” é imputável aos serviços, independentemente de se tratar de autoliquidação, na medida em que a Requerente não teve oportunidade de fazer a destrinça, aquando do preenchimento das declarações Modelo 22, entre os rendimentos obtidos em Portugal e no estrangeiro, para efeitos de derrama municipal, por força de limitações do próprio sistema informático da AT, sob pena de não se permitir a submissão da declaração.

2.10. Isto mesmo se evidencia quando, no quadro 3, do Anexo A, da declaração Modelo 22 de IRC há uma obrigação de indicar o lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração, sem que existam mecanismos que permitam desconsiderar, para aquele efeito, a parte do lucro tributável proveniente do estrangeiro. 

2.11. Cumpre notar que a jurisprudência considera que integram o conceito de “erro imputável aos serviços” as limitações impostas pelo próprio sistema informático da AT no preenchimento da declaração Modelo 22 — vide mais recentemente, as decisões do CAAD proferidas nos Processos 211/2023- T e 720/2021-T.

2.12. No mesmo sentido foi a posição do STA, no âmbito do Processo 087/22.5BEAVR, de 11/09/2022, bem como o recente acórdão do CAAD no Processo n.º 351/2024-T, de 22/07/2024.

2.13. Deste modo, é inquestionável a aplicação do prazo de 4 anos para apresentação do pedido de revisão oficiosa, com base em “erro imputável aos serviços”.

2.14. Nos termos daquele n.°4 do artigo 78.° da LGT, nos 3 anos seguintes ao ato tributário, a requerimento do contribuinte, o dirigente máximo do serviço deverá autorizar a revisão do acto se: (i) Existir injustiça grave ou notória; e se (ii) O erro não for imputável a comportamento negligente do contribuinte.

2.15. Relativamente ao período de 2020, o pedido de revisão do acto tributário foi apresentado dentro do prazo de 3 anos, conforme reconhecido pela AT, tendo por referência a autoliquidação entregue em 17 de Junho de 2021, pelo que será considerado tempestivo caso se verifiquem as outras duas condições.

2.16. Face à posição da jurisprudência evidencia-se a subsunção do caso em apreço aos conceitos de injustiça grave e notória, dado que a liquidação da derrama foi realizada em clara contradição com a lei, violando os princípios constitucionais da igualdade, da legalidade e da justiça, gerando uma tributação indevida e injusta.

2.17. Concretamente, a tributação de rendimentos cuja origem se situa fora de território nacional, sem qualquer utilização dos recursos colocados em Portugal pela entidade jurídica de que a requerente é representação permanente. quebra a conexão territorial entre os rendimentos e o município cuja derrama se pretende aplicar, exigida pelo próprio n° 1 do artigo 18.° da LFL como legitimador da sua cobrança, o que consubstancia injustiça notória, já que, manifestamente, falta base legal para a tributação em causa.

2.18. De resto, esta violação do princípio da legalidade, previsto no n° 3 do artigo 103° da CRP, leva ainda à verificação de injustiça grave quando se verifique, um agravamento considerável da tributação, o que se verificou no caso presente, pela tributação indevida de € 16.721,04, o que representa uma manifesta discrepância relativamente ao montante de derrama devido, que será nulo.

2.19. Exigindo o n° 4 do artigo 78.° da LGT, que “[o] erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”, cumpre referir que a Requerente não agiu de modo negligente, já que o incorrecto apuramento do montante de derrama municipal devido decorreu exclusivamente de imposição do próprio sistema informático da AT, porquanto no quadro 3, do Anexo A ("Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC obriga-se a proceder à indicação do lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração.

2.20. É assim claro o dever que impendia sobre a AT de reapreciar a autoliquidação em crise, referente ao período de 2020, na medida em que enferma de erro de direito para o qual não contribuiu qualquer negligência da Requerente, mas do qual resulta injustiça grave ou notória, nos termos do artigo 78.° da LGT, com vista à reposição da legalidade do ato tributário em causa.

2.21. A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tem como objeto social o exercício da atividade seguradora e resseguradora no ramo de seguros Vida, podendo ainda exercer atividades conexas ou complementares das de seguro ou resseguro, sob supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.

2.22. No exercício da sua atividade, garantindo o cumprimento das suas obrigações tributárias, a Requerente apresentou autoliquidação de IRC plasmada nas seguintes declarações Modelo 22: 

·       Declaração Mod. 22 n.º..., referente ao exercício de 2019 

·       Declaração Mod. 22 n.º..., referente ao exercício de 2020.

2.23. A Requerente declarou, no campo 364 do quadro 10 das declarações identificadas supra, respectivamente, o montante de € 82.586,08 e de € 16.721,04, totalizando € 99.307,12 suportados a título de derrama municipal.

2.24. Da análise do anexo H da Informação Empresarial Simplificada (“IES”) relativa ao exercício de 2019, verifica-se que o montante total de rendimentos obtidos no estrangeiro pela Requerente, nesse ano, ascendeu a € 6.911.652,39.

2.25. Da análise do anexo H da IES relativa ao exercício de 2020, retira-se que o montante total de rendimentos obtidos no estrangeiro pela Requerente, nesse ano, ascendeu a € 7.025.599,78.

2.26. Ora, estes rendimentos não são mais que o resultado da aplicação de capital da Requerente em investimentos fora do território português, pelo que a Requerente considera não existir uma correlação efetiva entre a massa salarial empregue e um qualquer município em Portugal, dependendo única e exclusivamente do desempenho desse mesmo capital aplicado fora do território nacional.

2.27. Deste modo, os rendimentos foram erroneamente considerados na base de apuramento do cálculo da derrama municipal e, por conseguinte, o efeito de tais proveitos causou um valor de derrama municipal apurado em excesso, neste caso, na sua totalidade.

2.28. Por forma a determinar o montante efetivamente devido, a Requerente procedeu à subtração dos rendimentos obtidos no estrangeiro, para cada um dos exercícios em causa, de acordo com a respetiva IES, ao lucro tributável (que também engloba esses rendimentos), tendo apurado uma base de incidência negativa no montante de € 1.129.695,04 relativamente ao exercício de 2019 (€ 5.781.957,35 – € 6.911.652,39) e uma base de incidência negativa de € 5.845.802,36 Euros em 2020 (€ 1.179.797,42 – € 7.025.599,78).

2.29. Ante o exposto, resulta que o lucro tributável apurado originalmente pela Requerente, nos exercícios de 2019 e 2020 resulta inteiramente de rendimentos obtidos no estrangeiro, sem qualquer utilização dos recursos existentes em Portugal.

2.30. Pelo que, considerando apenas os rendimentos obtidos com utilização dos recursos em Portugal, não seria apurado qualquer lucro tributável e, por conseguinte, não seria devida qualquer derrama municipal.

2.31. Posto isto, o montante de derrama municipal pago indevidamente corresponde a € 82.586,08 referentes ao exercício de 2019 e a € 16.721,04, no exercício de 2020.

2.32. O produto da cobrança de derrama municipal – tributo que assume a natureza de imposto, destinando-se ao financiamento da atividade local – constitui receita própria dos municípios (cfr. artigo 14º, alínea c), da LFL), constando o seu regime do artigo 18º da LFL, que a faz incidir apenas sobre o lucro tributável sujeito e não isento  de IRC, que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica.

2.33. Estão sujeitos a derrama municipal os sujeitos passivos de IRC, residentes ou não residentes com estabelecimento estável em território português, que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e, em cada exercício, obtenham rendimentos gerados num município português (ou imputáveis a estabelecimento estável aí situado).

2.34. Atenta a delimitação do âmbito de incidência objetiva da derrama municipal ínsito no artigo 18º, n.º 1, da LFL, entende a Requerente que os rendimentos de fonte estrangeira por si auferidos – e que, por isso, também concorrem para a formação do lucro tributável do exercício – não devem ser sujeitos a derrama municipal.

2.35. No entanto, por limitação do formulário-modelo, a Requerente não conseguiu preencher a respetiva declaração Modelo 22 em conformidade, não tendo logrado nela refletir o lucro tributável consoante a proveniência (nacional ou estrangeira) dos rendimentos obtidos e, assim, excluir os rendimentos de fonte estrangeira da base de incidência da derrama municipal.

2.36. Deste modo, os rendimentos de fonte estrangeira foram indevidamente considerados na base de incidência da derrama municipal, tendo, por conseguinte, a Requerente suportado derrama em excesso.

2.37. Posto isto, a Requerente entende que a aplicação do artigo 18º da LFL, sem que se atenda à distinta proveniência geográfica (nacional ou estrangeira) do lucro tributável gerado no exercício, consubstancia uma clara afronta aos princípios que nortearam o regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais que a LFL introduziu.

2.38. Foi esta a posição assumida pelo STA em 13/01/2021, no processo n.º 3652/15.3BESN, e em 11/10/2021 no processo n.º 0255/17.1BESNT, bem como nas decisões do CAAD nos processos 720/2021-T, de 27 de Maio de 2022, 234/2022-T, de 28 de Novembro de 2022, e 211/2023-T, de 17 de Julho de 2023.

2.39. Seguindo a linha jurisprudencial do STA e do CAAD, são de referir ainda as decisões do CAAD nos processos n.ºs 554/2021-T, de 15 de Março de 2022; 170/2023-T, de 22 de Novembro de 2023; 958/2023-T, de 23 de Abril de 2024; e 29/2024-T, de 3 de Julho de 2024; 959/2023-T, de 20 de Agosto de 2024; 28/2024-T, de 2 de Setembro e 31/2024-T, de 9 de Setembro de 2024.

2.40. Ou seja, a posição unânime da jurisprudência coincide integralmente com o entendimento defendido pela Requerente, i.e., para efeitos de cálculo da derrama municipal, no apuramento da proporção do lucro tributável gerado nas áreas geográficas nos municípios portugueses, devem ser desconsiderados os rendimentos obtidos no estrangeiro pelos sujeitos passivos, porquanto tais rendimentos não apresentam um mínimo de conexão com a atividade comercial prosseguida em território nacional.

2.41. Assim, a derrama municipal suportada pela Requerente, na parte que incide sobre estas parcelas do lucro tributável comprovadamente obtidas no estrangeiro – no caso concreto, o montante total de € 99.307,12 para os exercícios de 2019 e 2020 – é irremediavelmente ilegal por violação do artigo 18º da LFL.

2.42. Por todo o exposto, a Requerente entende que as liquidações de IRC em causa deverão ser parcialmente anuladas, nos termos do artigo 163º do CPA, na parte que se refere à derrama municipal liquidada sobre rendimentos obtidos fora do território nacional sem utilização dos recursos existentes no território dos respectivos municípios, por padecerem do vicio de violação de lei, devendo a Requerente ser reembolsada do valor de imposto pago em excesso, no montante de € 99.307,12.

2.43. Nos termos do artigo 43º, n.º 3, alínea c) da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

2.44. Tendo a AT indeferido o pedido de revisão oficiosa, mantendo ilegalmente na ordem jurídica as liquidações ora impugnadas, dúvidas não existem de que a Requerente tem direito ao recebimento de juros indemnizatórios.

 

3. Por sua vez, a Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta na qual se defendeu nos seguintes termos:

3.1. O presente pedido de pronúncia arbitral tem por objeto imediato a decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2024... e, como objeto mediato, a autoliquidação de IRC plasmada na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC n.º..., de 12 de Junho de 2020, referente ao exercício de 2019, bem como na declaração Modelo 22 de IRC, n.º..., de 17 de Junho de 2021, referente ao exercício de 2020, ascendendo o imposto pago indevidamente em 2019 e 2020 a € 82.586,08 e € 16.721,04, respectivamente.

3.2. A questão de fundo a dirimir consiste em apurar se os rendimentos obtidos no estrangeiro devem ser, ou não, excluídos no cálculo da derrama municipal das sociedades residentes em território nacional, subtraindo-os ao lucro tributável sujeito e não isento de IRC apurado, conforme vem arguindo a Requerente.

3.3. A A..., S.A. é uma sociedade anónima, residente em território português, enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação, estando obrigada a ter contabilidade organizada, sendo um contribuinte de elevada relevância económica e fiscal, nos termos do disposto no art.º 68.º-B da LGT e constante do Despacho n.º 7048/2022 de 27 de Maio.

3.4. Com referência ao período tributário de 2019, a Requerente apresentou o modelo 22 de IRC em 12/06/2020, referente ao período de tributação de 2019, declaração identificada com o n.º..., na qual declarou derrama municipal no valor de € 82.586,08, dando origem à liquidação nº 2020..., emitida em 11.08.2020, de valor nulo.   

3.5. Com referencia ao exercício de 2020, a Requerente apresentou o modelo 22 de IRC em 17/06/2021, referente ao período de tributação de 2020, declaração identificada com o n.º..., na qual declarou derrama municipal no valor de € 16.721,04, dando origem à liquidação nº 2011 ..., de 28.7.2020, com valor a reembolsar de € 993.314,17.

3.6. Em 11/06/2024 a Requerente apresentou pedido de Revisão Oficiosa a que foi atribuído o nº ...2024..., tendo, após análise do alegado, sido elaborada a Informação n.º 140-AIR1/2024, no sentido do indeferimento liminar da pretensão da Requerente, com despacho concordante do Chefe de Divisão da Justiça Tributária daquela UGC.

3.7. Nessa sequência foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o direito de audição, previsto no art.º 60.º da LGT, com data de 02/07/2024.

3.8. No prazo concedido, não se pronunciou, pelo que foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento, por despacho do mesmo autor, datado de 25/07/2024, exarado na informação n.º 176-AIR1/2024, após que, inconformada, apresentou o presente pedido arbitral.

3.9. No âmbito do pedido de pronúncia arbitral a Requerente vem sindicar a legalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a qual havia sido apresentada relativamente à autoliquidação de IRC, referente aos períodos de tributação de 2019 e 2020, entendendo que as autoliquidações enfermam de ilegalidade por incluírem derrama municipal indevidamente suportada sobre a parte do lucro tributável respeitante a rendimentos obtidos no estrangeiro, ascendendo o imposto pago indevidamente a € 99.307,12.

3.10. Importa antes de mais suscitar a incompetência do Tribunal Arbitral, com vista a apreciar o indeferimento em torno do pedido de revisão oficiosa de acto tributário, porquanto a apreciação de tal matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei, dado que a competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matérias elencadas no art. 2.º n.º 1 do RJAT.

3.11. Com efeito, define a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março no seu art. 2º alínea a) que a Requerida se encontra vinculada às pretensões arbitrais que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no art. 2º nº 1 do RJAT, "com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário". 

3.12. Ou seja, da redação conferida ao citado preceito legal, constata-se que o legislador optou por restringir o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativa à declaração de ilegalidade de actos de liquidação, tenham sido precedidas de reclamação, sem que aí seja mencionado o mecanismo de revisão oficiosa previsto no art. 78º da Lei Geral Tributária. 

3.13. Pelo que não se alcança outra solução interpretativa para a situação sub judice que não a de que a Requerida apenas se vinculou, nos termos da Portaria 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de liquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa. 

3.14. Isto mesmo foi reconhecido nas decisões arbitrais proferidas pelo CAAD nos processos n.ºs 48/2012-T, 51/2012-T, 73/2012-T, 236/2013-T, 603/2014-T, 669/2015-T, 584/2016-T e 31/2024-T. 

3.15. A incompetência material do Tribunal Arbitral para a apreciação da autoliquidação de IRC inerente ao pedido de revisão oficiosa de acto tributário consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no art. 576º nºs 1 e 2 e no art. 577º alínea a) do CPC ex vi do art. 29º nº 1 alínea e) do RJAT. 

3.16. A decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa foi uma decisão de indeferimento liminar, com fundamento em intempestividade, não tendo havido qualquer pronúncia da AT quanto ao mérito do mesmo.

3.17. Tal como refere a Requerente no PPA, o acto impugnável é o indeferimento liminar da revisão oficiosa. 

3.18. Assim, é a Requerente que assume que a Requerida – AT – deveria ter reapreciado, revisto, reexaminado, a autoliquidação aqui em causa referente aos exercícios de 2019 e de 2020. 

3.19. E não se argumente com o facto de o teor da notificação do despacho de indeferimento, resulta que o meio judicial idóneo para reagir contra o mesmo é a impugnação judicial, pois tal não pode acolher, uma vez que a errada indicação do meio de defesa na notificação não torna idóneo o meio processual utilizado. 

3.20. O teor da informação que serviu de fundamento àquele despacho também não se pronuncia quanto ao mérito do pedido, sendo que qualquer análise de mérito que se lhe aponte é análise meramente superficial e teve unicamente como objetivo determinar se havia alguma situação de erro imputável aos serviços ou de injustiça grave ou notória na autoliquidação que obrigasse a AT a aceitar o pedido efetuado, num caso no prazo de 4 anos e noutro caso, de 3 anos, ainda que instado pela Requerente, conforme resulta do teor da respetiva fundamentação.

3.21. Ora, em sede de revisão oficiosa concluiu-se que a mesma havia sido apresentada intempestivamente, uma vez que não preenchia os requisitos cumulativos estipulados no nº 4 do artigo 78º da LGT, nomeadamente, a injustiça grave ou notória. 

3.22. Consequentemente, o meio judicial adequado para contestar a decisão sub judice não é a presente arbitragem, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, disposição legal que legitima a impugnação de actos de liquidação e subsequentes indeferimentos sobre os meios de reação administrativa eventualmente accionados sobre eles, mas antes a acção administrativa, a que se referem os artigos 50.º e 58.º do CPTA. 

3.23. Efectivamente, a acção administrativa é o meio contencioso adequado para contestar os actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade de actos de liquidação, de acordo com o disposto com a alínea p) do n.º 1 do art. 97º do CPPT, o que é o caso da decisão de rejeição liminar proferida em sede de revisão oficiosa, conforme decisão do CAAD nos processos 81/2022-T e 210/2013-T. 

3.24. Isto porque o pedido de revisão oficiosa é extemporâneo, uma vez que quando o mesmo é apresentado ou despoletado fora do prazo de reclamação graciosa, o sujeito passivo já não poderá invocar qualquer ilegalidade, mas apenas e só os seguintes fundamentos: a) O erro imputável aos serviços (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT); b) A injustiça grave ou notória (n.º 4 do art.º 78.º da LGT); ou c) A duplicação de coleta (n.º 6 do art.º 78.º da LGT).

3.25. No caso presente não se verifica qualquer erro imputável aos serviços, uma vez que estamos perante autoliquidações de IRC, e não perante liquidações emitidas pela Requerida, não tendo os serviços da Requerida tido qualquer intervenção na emissão das autoliquidações aqui em causa. 

3.26. Como tal, tendo o pedido de revisão a oficiosa sub judice sido despoletado fora do prazo de reclamação graciosa e tratando-se de autoliquidações sobre as quais inexistem orientações da Requerida, obviamente que a revisão nunca poderia ser subsumida no n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT, conforme foi decidido na decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 9/2021-T.

3.27. Da mesma forma também não se verifica injustiça grave e notória decorrente da autoliquidação, sendo os requisitos do nº 4 do artigo 78º da LGT cumulativos, pelo que não basta provar que a factualidade configura uma “injustiça grave e notória”, no sentido de o sujeito passivo se ver confrontado com uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade – artigo 78º, 5 da LGT-, sendo ainda necessário provar que o mesmo adotou um comportamento diligente. 

3.28. Ora, a Requerente não preenche, nitidamente, o requisito final exigido pelo n.º 4 do art.º 78.º da LGT, uma vez que o erro foi imputável a comportamento negligente da Requerente. 

3.29. Em primeiro lugar, é claramente negligente aquele que, tendo dúvidas, não diligencia em obter uma interpretação mais segura e oficial, através da submissão de um pedido de informação vinculativa junto da Requerida. 

3.30. Assim como é igualmente negligente, em segundo lugar, aquele que só deteta (em meados de 2024) eventuais erros nas autoliquidações passados 4 e 3 anos sobre a sua submissão (em 2020 e 2021.

3.31. E diga-se comportamento negligente no momento em que preenche a declaração modelo 22 de IRC. 

3.32. Ora, a Requerente não é um sujeito passivo qualquer: é uma entidade seguradora, uma grande empresa (um grande contribuinte), sendo notório que dispõe de funcionários e consultores especializados em questões fiscais, sendo-lhe pois exigível que esteja atenta às alterações legislativas, jurisprudenciais (e às orientações administrativas) e, bem assim, que obrigações tributárias que diretamente contendem com a sua atividade. 

3.33. No mesmo sentido, a decisão arbitral proferida a 25/5/2023 no âmbito do processo n.º 557/2022-T. 

3.34. Termos em que deve o tribunal arbitral declarar-se materialmente incompetente para a apreciação do pedido referente à revisão oficiosa, o que constitui uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, dando lugar à absolvição da Requerida na instância, sendo a mesma de conhecimento oficioso (Cf. ex vi artigo 29.º do RJAT, alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 576.º, alínea a) do artigo 577.º, artigo 578.º, todos do CPC; artigo 16.º do CPPT).

3.35. Caso assim não se entenda, à cautela e subsidiariamente, em face da argumentação supra exposta, deve o Tribunal Arbitral julgar extinta a instância com fundamento em inidoneidade do meio processual em virtude de a instância arbitral não ser a instância própria para a acção administrativa a deduzir contra atos em matéria tributária que não apreciem a legalidade do ato tributário. 

3.36. Caso assim não se entenda, à cautela e subsidiariamente, em face da argumentação supra exposta, deve o Tribunal Arbitral julgar extinta a instância com fundamento em inimpugnabilidade da autoliquidação em crise em virtude de a mesma, findo o prazo da reclamação graciosa, se ter já consolidado na ordem jurídica, o que também determina a caducidade do direito de ação. 

3.37. Após leitura e análise da matéria objecto do pedido de pronúncia arbitral e da revisão oficiosa que foi indeferida liminarmente, entendemos que não há razões para anular as autoliquidações de IRC ora parcialmente controvertidas, na parte da derrama municipal que incidiu sobre a parcela do lucro tributável atinente aos rendimentos obtidos no estrangeiro (dividendos ou lucros derivados de participações sociais, juros ou rendimentos de crédito de qualquer natureza, mais-valias derivadas da alienação de bens mobiliários, navios, aeronaves ou quaisquer outros bens).

3.38. Impõe-se, no entanto notar, que os elementos constantes do processo não permitem qualquer validação do cálculo do diferencial da derrama municipal cuja anulação é pretendida. 

3.39. E tal não se basta com uma simples operação aritmética de subtracção, nomeadamente, e apenas, do valor dos rendimentos obtidos no estrangeiro.

3.40. Assim, e sem conceder, entendemos que a Requerente não cumpriu o ónus da prova que lhe compete, uma vez que junta somente, as declarações de rendimento Modelo 22 IRC (DM22) e as declarações de Informação Empresarial Simplificada (IES) dos exercícios de 2019 e 2020, já na posse da AT, não juntando quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado naquelas operações realizadas com origem no estrangeiro. 

3.41. Na verdade, a Requerente, para comprovar o lucro tributável apurado em resultado dos rendimentos obtidos com origem no estrangeiro, deveria ter apresentado documentos externos, os quais, não obstante poderem ser em número avultado, deveriam ser verificados, aleatoriamente, mediante amostragem, a definir pela AT, uma vez que só esses poderiam comprovar a bondade dos registos. 

3.42. Pelo que não pode este tribunal, se sufragar a tese da Requerente, o que não se concede e apenas por mero exercício intelectual se cogita, condenar nos montantes aferidos pela Requerente. 

3.43. Não assiste razão à Requerente na tese defendida de que a liquidação da derrama municipal sobre o lucro tributável sujeito e não isento determinado em conformidade com as regras do código do IRC, não seja efectivamente devida. 

3.44. Ao abrigo do disposto no art. 18, n.º 1, a derrama municipal incide sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, correspondendo à proporção do rendimento gerado na área geográfica de cada município, por sujeitos passivos residentes em território português, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território. 

3.45. Entendemos, salvo o devido respeito por diversa opinião, que a derrama municipal recai, também sobre o lucro tributável (diferença entre os rendimentos e os gastos) apurado em operações económicas realizadas no estrangeiro. 

3.46. Desde logo, e em primeiro lugar, analisada a legislação em vigor que disciplina a figura da derrama, verificamos a inexistência de qualquer norma que disponha no sentido de que os rendimentos provenientes do exterior estão excluídos de tributação.

3.47. Ou seja, resulta literalmente do texto legal que, quanto ao critério para repartição da derrama, este encontra-se consignado no n.º 2 do art.º 18.º da Lei n.º 73/2013 (no caso de sujeitos passivos com estabelecimentos estáveis ou representações locais em mais de um município e matéria coletável superior a € 50.000,00), no n.º 3 (volume de negócios resultante em mais de 50% da exploração de recursos naturais ou tratamento de resíduos) e ainda sublinhe-se, no n.º 13 do mesmo artigo que a requerente pretende olvidar, nos termos do qual, o legislador determina que, caso não se encontrem reunidos os pressupostos para a repartição da derrama pelos diferentes municípios nos termos do n.º 2, a mesma é devida apenas em função da área da sede do sujeito passivo, tal foi efectuado pela Requerente na autoliquidação controvertida e em estrito cumprimento desta lei.

3.48. Acresce dizer que relativamente às pessoas coletivas e outras entidades com sede ou direção efetiva em território português, como é o caso da Requerente, a tributação em sede de IRC abrange a totalidade dos rendimentos, a qual resulta da soma dos obtidos em território português e dos obtidos fora desse território, em consonância com principio da universalidade dos rendimentos, tal como previsto no art.º 4.º, n.º 1 daquele diploma legal.

3.49. Nenhuma exceção é feita quanto a rendimentos provenientes do estrangeiro, pelo contrário, aquela norma inclui-os expressamente.

3.50. Assim, e quanto à incidência da derrama, o entendimento da AT diverge da visão plasmada no Acórdão do STA de 13.01.2021, proferido no processo n.º 03652/15.3BESNT 0924/17, que sustenta a posição da Requerente.

3.51. Salvo o devido respeito, tal decisão olvidou dois aspectos fundamentais no que concerne ao cálculo do lucro tributável, porquanto quer o imposto principal quer a derrama comungam das mesmas normas sobre a incidência plasmadas no CIRC, as quais têm necessariamente de ser acatadas.

3.52. Pretendendo a Requerente efetuar uma mera operação de subtracção, isto é, ao retirar do lucro tributável o valor total do rendimento obtido no estrangeiro (e não o lucro tributável decorrente daqueles rendimentos), estaremos a esquecer que naquele lucro tributável estão incluídos encargos subjacentes aos rendimentos obtidos no estrangeiro, o que conduz, no limite à dedução de gastos em montante superior ao devido e à não tributação de lucro tributável apurado relativamente aos rendimentos obtidos em território nacional, e consequentemente à violação das disposições legais vertidas na lei.

3.53. Acresce que, em matéria de incidência, o princípio da legalidade destina-se justamente a conferir certeza e segurança aos obrigados tributários, o que equivale a dizer que se o legislador pretendesse que o lucro tributável que serve de base à imputação, nos termos do nº 2 do art. 14º da LFL, pudesse ser objeto de ajustamentos com a finalidade de expurgar algumas realidades nele incorporadas (e.g. lucros ou prejuízos imputáveis a estabelecimentos estáveis) teria de o dizer expressamente e, além disso, prever as regras  aplicáveis para a sua execução.

3.54. Em suma, a coincidência entre o conceito de lucro tributável para efeitos do IRC e da determinação da base de incidência da derrama tem sido reconhecida pela doutrina e pela jurisprudência do STA e resulta da melhor interpretação conjugada das normas reguladoras deste tributo que constam nomeadamente dos números 1 e 2 do artigo 14.º da LFL, que não autorizam a exclusão daquela dos rendimentos provenientes do estrangeiro.

3.55. Em face do exposto, devem manter-se as autoliquidações de IRC referentes aos períodos tributários de 2019 e 2020, porquanto nenhuma ilegalidade lhes pode ser assacada.

3.56. Finalmente, não se verificando, nos presentes autos, em nosso entender, erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, não deve ser reconhecido à Requerente qualquer indemnização, nos termos do disposto no art. 43º da LGT.

3.57. A Administração Fiscal limitou-se a aplicar as consequências jurídicas, que, do ponto de vista fiscal, se impunham face à ocorrência dos pressupostos de facto e de direito, devendo, por conseguinte, ser julgada improcedente a impugnação quanto aos juros peticionados, até porque na situação dos autos, o apuramento do imposto foi efetuado pela Requerente.

3.58. Termos em que não são devidos quaisquer juros indemnizatórios.

3.59. Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que o acto tributário de indeferimento referente à revisão oficiosa n.º ...2024... e bem assim os actos de autoliquidação de IRC, com referencia ao período tributário de 2019 e 2020, devem manter-se na ordem jurídica.

 

4. No dia 6 de Março de 2025 foi proferido despacho arbitral, convidando a Requerente a pronunciar-se no prazo de 10 dias sobre a matéria de excepção invocada pela Requerida.

 

5. No dia 13 de Março de 2025, a Requerente respondeu à matéria de excepção, invocando sumariamente o seguinte:

5.1. Em relação à incompetência do Tribunal Arbitral, resulta da lei, e assim tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência há vários anos, que basta que tenha sido pedida à administração a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação, independentemente da forma que esse pedido revista, para que os Tribunais Arbitrais sejam competentes à luz do artigo 2º nº 1 do RJAT e do artigo 2º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

5.2. Neste sentido foi a decisão do acórdão arbitral proferido no processo nº 560/2023-T, em 15 de Abril de 2024.

5.3. O Tribunal Central Administrativo Sul também se pronunciou sobre a questão no sentido da admissibilidade do recurso à arbitragem tributária como reacção contra o indeferimento de pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação, entre outros, no acórdão de 26.05.2022, no âmbito do processo nº 96/17.6BCLS.

5.4. No caso presente, houve recurso a um meio administrativo prévio à via arbitral, conforme é imposto pelo artigo 2º nº 1 do RJAT e pelo artigo 2º alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da apresentação de um pedido de revisão dos actos de autoliquidação contestados.

5.5. Pelo que resulta claro que o Tribunal Arbitral é materialmente competente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral formulado pelo Requerente.

5.6. Sobre a intempestividade do pedido de revisão oficiosa, remete a Requerente para o pedido de pronúncia arbitral apresentado, abstendo-se de oferecer pronúncia adicional, em nome do princípio da economia processual.

5.7. Em relação à inidoneidade do meio processual, considera a Requerente que a AT não se limitou a indeferir o pedido sem se pronunciar sobre o mérito da causa, pois certo é que analisou detalhadamente a situação em concreto - paginas 9 a 14 da decisão final - , antes de concluir, erradamente, pela intempestividade do pedido.

5.8. A Requerente entende assim que esta excepção não deverá proceder, tendo o mesmo entendimento já sido perfilhado pelo Supremo Tribunal Administrativo, de que é exemplo o acórdão proferido no processo n.º 01958/13, de 14-05-2015.

5.9. Assim, fica claro que não assiste razão à AT na excepção suscitada uma vez que no indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a mesma se pronunciou quanto ao mérito da causa, i.e. sobre a legalidade do acto de liquidação, sendo a impugnação judicial o meio idóneo para sindicar esse indeferimento, pelo que resulta inquestionável a competência deste tribunal arbitral em razão da matéria, atento o disposto no art. 2º do RJAT, bem como no artigo 97º, nº 1, alínea d) do CPPT.

5.10. Essa posição, de resto, já foi seguida pelo STA em várias decisões, nomeadamente, nos Acórdãos do STA de 28/5/2014, no Processo n.º 01263/13; de 28-04-2010, no Processo n.º 01020/09; de 2/6/2010, no Processo n.º 0153/10 e de 2/5/2024 no Processo n.º 778/2023-T.

 

6. Por despacho de 7 de Abril de 2025 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, uma vez que as questões em litígio são essencialmente de direito e a Requerente já se pronunciou sobre a matéria da excepção, tendo as partes sido notificadas para apresentar alegações sucessivas no prazo de dez dias.

 

7. Apenas a Requerente apresentou alegações, a 9 de Abril de 2025, nas quais se absteve de oferecer pronúncia adicional, em nome do princípio da economia processual, tendo apenas salientado que, no decurso da presente acção, transitou em julgado mais uma decisão arbitral sobre matéria idêntica, concretamente no processo 1130/2024-T, acompanhando na íntegra as conclusões vertidas nessa decisão, que deu por reproduzidas.

 

8. A 30 de Abril de 2025, a Requerente apresentou requerimento ao qual juntou 16 facturas, a título de comissão de gestão discricionária de portefólio, emitidas por sociedades do mesmo grupo económico, que demonstrariam que os gastos para obtenção do rendimento foram suportados no estrangeiro, sustentando que deverá ser julgado procedente o pedido que apresentou, ou alternativamente, se o tribunal arbitral assim o entender, sejam considerados, contra os rendimentos de fonte estrangeira obtidos em 2019 e 2020, no valor total de € 13.937.252,17, os gastos conexos com a sua obtenção, respeitantes a comissões pagas às sociedades gestoras, cujo valor ascendeu a € 610.908,57 nos dois anos, conforme prova junta.

 

9. A 12 de Maio de 2025, foi proferido despacho arbitral, notificando a Requerida para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre os documentos juntos pela Requerente no seu requerimento de 30 de Abril de 2025, tendo a Requerida optado por não o fazer.

 

10. O tribunal arbitral foi regularmente constituído. 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4º e 10º, nº 2, do mesmo diploma e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O processo não enferma de nulidades.

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação 

 

A) Matéria de facto

 

1) Factos provados.

 

7. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes:

7.1. A Requerente A..., S.A. é uma sociedade anónima, residente em território português, enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação, estando obrigada a ter contabilidade organizada, sendo um contribuinte de elevada relevância económica e fiscal enquadrado na Unidade dos Grandes Contribuintes da Requerida.

7.2. Com referência ao período tributário de 2019, a Requerente apresentou o modelo 22 de IRC em 12/06/2020, referente ao período de tributação de 2019, declaração identificada com o n.º..., na qual declarou, derrama municipal no valor de € 82.586,08.

 7.3. Com referência ao exercício de 2020, a Requerente apresentou o modelo 22 de IRC em 17/06/2021, referente ao período de tributação de 2020, declaração identificada com o n.º..., na qual declarou derrama municipal no valor de € 16.721,04.

7.4. A Requerente pagou as quantias autoliquidadas.

7.5. A aplicação informática imposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira para preenchimento da declaração modelo 22 de IRC impõe que no campo 1 do quadro 3, do Anexo A ("Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC, seja indicado o lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração.

7.6. Em 11/06/2024 a Requerente apresentou pedido de Revisão Oficiosa a que foi atribuído o nº ...2024..., tendo como objecto a autoliquidação de IRC plasmada na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, n.º..., de 12 de Junho de 2020, referente ao exercício de 2019, bem como na declaração Modelo 22 de IRC, n.º..., de 17 de Junho de 2021, referente ao exercício de 2020, onde sustentou ter pago indevidamente em 2019 e 2020 as quantias de € 82.586,08 e € 16.721,04 relativas à derrama municipal.

7.7. Após análise do alegado pela Requerente, foi elaborada a Informação n.º 140-AIR1/2024, no sentido do indeferimento liminar da pretensão da Requerente, por extemporaneidade e por inexistência de erro no cálculo da derrama municipal, excluindo ainda a existência de injustiça grave e notória na tributação, com despacho concordante do Chefe de Divisão da Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

7.8. Nessa sequência foi a Requerente notificada para, querendo, exercer o direito de audição, previsto no art.º 60.º da LGT, com data de 02/07/2024.

7.9. No prazo concedido, a Requerente não se pronunciou, pelo que foi convertida em definitiva a decisão de indeferimento, por despacho do mesmo autor, datado de 25/07/2024, exarado na informação n.º 176-AIR1/2024.

7.10. Inconformada com essa decisão, a Requerente apresentou em 24/10/2024, o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

2) Factos não provados.

 

8. Não há factos não provados com relevo para a decisão da causa.

 

3) Motivação da matéria de facto.

 

9. A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a convicção sobre a mesma foi formada com base em prova documental, i.e., nas autoliquidações juntas pela Requerente e no processo administrativo junto pela Requerida no âmbito deste processo arbitral.

O Tribunal Arbitral apreciou livremente as provas produzidas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 607.º do CPC.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada pelas partes, devendo, por isso, seleccionar a matéria factual com relevância directa para a decisão.

Relativamente à questão suscitada pela Requerida de que a Requerente não juntou quaisquer documentos probatórios do lucro tributável apurado nas operações realizadas com origem no estrangeiro, acompanha-se a posição defendida por este Tribunal Arbitral no processo 1130/2024-T, facto de a Autoridade Tributária e Aduaneira, na decisão do pedido de revisão oficiosa, não ter baseado a sua decisão em falta de prova dos elementos declarados, obsta a que a falta desses documentos possa relevar para improcedência da pretensão da Requerente.         

Conforme se escreveu nessa douta decisão:    

"Na verdade, o processo arbitral tributário é, assim, um meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), sendo, como este, um meio processual de mera apreciação da legalidade de actos, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].             

No âmbito de um contencioso de mera legalidade, esta tem de ser apreciada com base no acto impugnado tal como ocorreu, com a fundamentação que nele foi utilizada, não sendo relevantes outras possíveis fundamentações que poderiam servir de suporte a outros actos, de conteúdo decisório total ou parcialmente coincidente com o acto praticado. São, assim, irrelevantes fundamentações invocadas a posteriori, após o termo do procedimento tributário em que foi praticado o acto cuja declaração de ilegalidade é pedida, inclusivamente as aventadas no processo arbitral, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos.            

Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01-07-2020, processo n.º 309/14.6BEBRG), em que se entendeu que:  

I – O tribunal, na apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, não pode considerar que esta se alicerça noutros fundamentos que não aqueles que aí foram externados.  

II – Assim, não pode julgar improcedente a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de revisão de um acto tributário alicerçando-se na não verificação de um requisito se a AT não usou esse fundamento para indeferir aquele pedido.                

Por isso, não pode a Administração Tributária, após a prática do acto, nem o Tribunal no processo contencioso, justificá-lo por razões diferentes das que constem da sua fundamentação expressa.             

Nos casos de pedido de revisão oficiosa de actos de autoliquidação, se a respectiva decisão mantém o acto impugnado, com fundamentação expressa, deverá entender-se que se opera revogação por substituição daquele acto, passando a subsistir na ordem jurídica um novo acto que, apesar de manter o conteúdo decisório, terá a nova fundamentação.  

Assim, no caso em apreço, a invocada falta de prova dos valores declarados nas declarações modelo 22 e nas IES da Requerente não pode ter relevância para a decisão da causa".

Em consequência, uma vez que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez no âmbito do procedimento de revisão oficiosa qualquer diligência tendente a verificar a correspondência ou não à realidade dos valores declarados pela Requerente, não podem aplicar-se contra estas as regras do ónus da prova.

 

  B) Matéria de direito

 

10. São as seguintes as questões a apreciar no presente acórdão:

— Da excepção de incompetência do Tribunal Arbitral;

— Da excepção de inidoneidade do meio processual;

— Da excepção de intempestividade do pedido de revisão oficiosa;

— Da inclusão de rendimentos de origem estrangeira no âmbito da derrama municipal;

— Do direito a juros indemnizatórios.

Examinar-se-ão assim sucessivamente estas questões:

— DA EXCEPÇÃO DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ARBITRAL.

11. A AT invoca a incompetência do Tribunal Arbitral apreciar o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de acto tributário, por considerar que essa matéria extravasa as competências que lhe estão reservadas por lei, se circunscreve às matérias elencadas no art. 2.º n.º 1 do RJAT. A seu ver, uma vez que a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março no seu art. 2º alínea a) restringe a vinculação da Requerida à apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no art. 2º nº 1 do RJAT, «com excepção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», a competência da jurisdição arbitral restringe-se às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, tenham sido precedidas de reclamação, não abrangendo o mecanismo de revisão oficiosa previsto no art. 78º da Lei Geral Tributária.

Como bem salienta a Requerente, resulta da lei, e assim tem sido interpretado pela doutrina e jurisprudência há vários anos, que basta que tenha sido pedida à administração a apreciação da legalidade dos actos de autoliquidação, independentemente da forma que esse pedido revista, para que os Tribunais Arbitrais sejam competentes à luz do artigo 2º nº 1 do RJAT e do artigo 2º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Efectivamente, esta posição foi expressamente reconhecida pelo CAAD no acórdão de 4/3/2015, emitido no processo 630/2014-T, onde se referiu o seguinte:

"A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles arts. 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.  

No caso em apreço, é pedida a anulação do acto de autoliquidação de IRC respeitante ao exercício de 2010, bem como a anulação do acto de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa.  

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.              

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».             

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.  

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos arts. 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.  

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.  

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa.

A referência expressa ao artigo 131.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos de autoliquidação. 

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».  

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa. Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto»".

No Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27/4/2017, processo 08599/15, adere-se expressamente a esta fundamentação, considerando-se que neste caso a interpretação extensiva "é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico". Na verdade, "nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa".

No mesmo sentido foi igualmente a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul nos Acórdãos de 25/6/2019, processo 44/18.6BCLSB, de 11/7/2019, processo 147/17.4BCLSB, e de 26/5/2022, processo 96/17.6BCLSB.

Por sua vez, também o Tribunal Constitucional, no Acórdão 244/2018, proferido no processo 636/2017, concluiu pela "não inconstitucionalidade da norma que considera os pedidos de revisão oficiosa equivalentes às situações em que existiu «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», para efeito da interpretação da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, encontrando-se tais situações, por isso, abrangidas pela jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD".

Nestes termos, aderindo à referida jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul e do Tribunal Constitucional, considera-se que a autoliquidação é impugnável perante este Tribunal Arbitral e que este tem competência para apreciar a sua legalidade, na sequência de decisão de indeferimento de pedido de revisão oficiosa, assim se julgando improcedente esta excepção.

 

— DA EXCEPÇÃO DE INIDONEIDADE DO MEIO PROCESSUAL.

12. Sustenta ainda a AT que, tendo a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa sido uma decisão de indeferimento liminar, com fundamento em intempestividade, não ocorreu qualquer pronúncia da AT quanto ao mérito do pedido. Em consequência, o meio judicial adequado para contestar a decisão sub judice não seria a presente arbitragem, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, mas antes a acção administrativa, a que se referem os artigos 50.º e 58.º do CPTA. Efectivamente, a acção administrativa é o meio contencioso adequado para contestar os actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade de actos de liquidação, de acordo com o disposto com a alínea p) do n.º 1 do art. 97º do CPPT, o que é o caso da decisão de rejeição liminar proferida em sede de revisão oficiosa.

Em resposta, salienta o Requerente que não assiste razão à AT na excepção suscitada uma vez que no indeferimento do pedido de revisão oficiosa, a mesma se pronunciou quanto ao mérito da causa, i.e. sobre a legalidade do acto de liquidação, sendo a impugnação judicial o meio idóneo para sindicar esse indeferimento, pelo que resulta inquestionável a competência deste tribunal arbitral em razão da matéria, atento o disposto no art. 2º do RJAT, bem como no artigo 97º, nº 1, alínea d) do CPPT.

Efectivamente resulta claramente dos nºs 25 a 53 da informação que serviu de base ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa que a Requerida se pronuncia sobre a legalidade das autoliquidações, não se podendo por isso considerar que não houve exame dessa legalidade na fase administrativa.

Em qualquer caso, e como se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 2/2/2022, processo 0848/14.9BEAVR (sumário): "O meio processual tributário de impugnação judicial é de acionar em todas as situações onde se visem atos relativos a questões tributárias que impliquem, contendam com a apreciação (de qualquer ilegalidade) do ato de liquidação, ainda que, no mesmo processo se tenham de versar e dirimir questões relacionadas, em exclusivo, com um procedimento de cariz administrativo, quando este tenha tido, previamente, lugar; por contraposição, o meio processual da ação administrativa só pode utilizado, quando as questões tributárias levantadas (no procedimento administrativo e no tribunal) não impliquem apreciar-se da legalidade do ato de liquidação".

Na sequência desta jurisprudência, escreveu-se no acórdão de 24/2/2025 deste CAAD, proferida no processo 1130/2024-T, o seguinte:

  "À face desta jurisprudência, que está consolidada, desde que a pretensão formulada no processo jurisdicional tenha por objecto a legalidade de acto de liquidação ou autoliquidação, o processo de impugnação judicial é meio adequado para sua apreciação independentemente de a petição ter sido antecedida de um meio de impugnação administrativa em que não foi apreciada a legalidade do acto impugnado.  

E, sendo o processo de impugnação judicial o meio adequado, também o será o processo arbitral, que é meio alternativo.  

No caso em apreço, a pretensão formulada é de anulação da liquidação de IRC referente ao período de 2021, com fundamento em ilegalidade da autoliquidação por nela ter sido considerada matéria tributável diferente da que deveria ser para cálculo da derrama municipal.  

Por isso, está-se perante uma pretensão que podia ser objecto de processo de impugnação judicial e, consequentemente, de processo arbitral.                

Para além disso, é manifesto que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa comporta a apreciação da legalidade da autoliquidação, baseando o indeferimento na afirmação da sua legalidade, com o consequente afastamento de ela ter conduzido a uma situação de injustiça grave ou notória.    

Assim, improcede a excepção de inidoneidade do meio processual.".

Por esses motivos julga-se igualmente improcedente a excepção de inidoneidade do meio processual.

 

— DA EXCEPÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE DO PEDIDO DE REVISÃO OFICIOSA.

13. Sustenta ainda a AT que o pedido de revisão oficiosa foi extemporâneo, uma vez que quando o mesmo foi apresentado fora do prazo de reclamação graciosa, pelo que o sujeito passivo apenas poderia invocar os seguintes fundamentos: a) O erro imputável aos serviços (n.º 1 in fine do art.º 78.º da LGT); b) A injustiça grave ou notória (n.º 4 do art.º 78.º da LGT); ou c) A duplicação de coleta (n.º 6 do art.º 78.º da LGT). Ora, no caso presente não se verifica qualquer erro imputável aos serviços, uma vez que estamos perante autoliquidações de IRC, e não perante liquidações emitidas pela Requerida, não tendo os serviços da Requerida tido qualquer intervenção na emissão das autoliquidações aqui em causa. E também não se verifica injustiça grave e notória uma vez que a Requerente não preenche o requisito final exigido pelo n.º 4 do art.º 78.º da LGT, uma vez que o erro foi imputável a comportamento negligente da Requerente.

No âmbito do seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente sustentou a tempestividade da revisão oficiosa com fundamento no erro imputável aos serviços, uma vez que existiria um erro de direito imputável aos serviços, independentemente de se tratar de autoliquidação, na medida em que a Requerente não teve oportunidade de fazer a destrinça, aquando do preenchimento das declarações Modelo 22, entre os rendimentos obtidos em Portugal e no estrangeiro, para efeitos de derrama municipal, por força de limitações do próprio sistema informático da AT, sob pena de não se permitir a submissão da declaração.

Também em relação à injustiça grave e notória na tributação, considera a Requerente que não agiu de modo negligente, já que o incorreto apuramento do montante de derrama municipal devido decorreu exclusivamente de imposição do próprio sistema informático da AT, porquanto no quadro 3, do Anexo A ("Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC obriga-se a proceder à indicação do lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração.

Verifica-se assim que dos vários fundamentos de revisão oficiosa previstos no artigo 78.º da LGT, a Requerente defende a sua admissibilidade, quer em face do nº 1 do art. 78º, que se admite a mesma com fundamento em erro imputável aos serviços, quer com base nos n.ºs 4 e 5, do mesmo artigo, em que se prevê a possibilidade de revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória. 

Nos termos do nº1 do artigo 78º, "a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços".

Nos termos do n.º 4 do artigo 78.º da LGT, "o dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte".  

Como decorre do n.º 7 do mesmo artigo 78.º, a intervenção do dirigente máximo do serviço pode ser efectuada na sequência de pedido do contribuinte.  

Resulta dos factos provados que a Requerente apresentou os modelos 22 de IRC em 12/06/2020, referente ao período de tributação de 2019, e em 17/06/2021, referente ao período de tributação de 2020. Por sua vez o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 11/06/2024. Assim sendo, tendo sido invocada não apenas a injustiça grave e notória, mas também o erro imputável aos serviços, tem que se concluir que, pelo menos em relação a este último fundamento, o pedido de revisão oficiosa é tempestivo.

Em consequência improcede igualmente esta excepção.

 

— DA INCLUSÃO DE RENDIMENTOS DE ORIGEM ESTRANGEIRA NO CÁLCULO DA DERRAMA MUNICIPAL.

14. Já relativamente à questão de fundo, relativa à inclusão de rendimentos de origem estrangeira no âmbito do cálculo da derrama municipal, salienta-se que a posição da Requerente tem respaldo na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente no douto acórdão de 13 de Janeiro de 2021, processo 03652/15.3BESNT0924/17, onde se refere o seguinte:

"Como emana do antes exposto e, destacadamente, das premissas acima expressas, o legislador, parece-nos, não ter querido ser inconsequente, anódino, na previsão, desde sempre, imutável, de que o percentual da derrama municipal incida sobre o lucro tributável correspondente à proporção do rendimento gerado na área geográfica do município coletor. E, na mesma linha, está a preocupação, constante, de, nos casos de necessidade de repartição de derrama entre vários municípios, ser obrigatório tributar “o lucro tributável imputável à circunscrição de cada município” envolvido e/ou, ainda, quando não haja diversos estabelecimentos estáveis ou representações locais, ter de considerar-se “o rendimento (que) é gerado no município”, em que se situa a sede … 

Numa outra formulação, em função destes concretos e objetivos ditames legais, no pressuposto, ainda, de que o legislador não desconhecia a realidade de que muitos dos sujeitos passivos de IRC exercem atividades comerciais ou industriais em diversos pontos do País e do globo, o reporte e ligação da incidência, específica, da derrama municipal, à “proporção”, à parte de um total, do rendimento gerado num determinado município, só pode significar isso mesmo; o cálculo, o apuramento da derrama, quando ocorrer e na medida do possível (permitida pela contabilidade), tem de implicar as operações aritméticas necessárias ao isolamento, relativamente a outros auferidos, do rendimento gerado no município beneficiário e, posterior, aplicação da percentagem (até ao máximo de 1,5%) pelos seus órgãos deliberada.  Além de esta se nos apresentar como a interpretação que melhor respeita a letra da lei, julgamos, também, ser a que melhor respeita os, mais lógicos, objetivos pretendidos alcançar com a imposição de derramas municipais. Na verdade, embora o legislador não o haja assumido explicitamente, por exemplo, num preâmbulo à Lei n.º 2/2007 (aplicável, neste caso) (No âmbito da Lei n.º 42/98 de 6 de agosto a derrama podia ser lançada “para reforçar a capacidade financeira ou no âmbito da celebração de contratos de reequilíbrio financeiro. A, precedente, Lei n.º 1/87 de 6 de janeiro (art. 5.º n.º 6) só admitia o lançamento de derrama “para acorrer ao financiamento de investimento ou no quadro de contratos de reequilíbrio financeiro”.), certos de que os tributos e em especial os impostos, visam, desde logo, “a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas” e devem respeitar “os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material” (Artigo 5.º da Lei Geral Tributária (LGT).), presente, ainda, a condição de impostos autónomos (do IRC), só podemos assumir que as derramas municipais se têm, para legitimação, de ligar à atividade que o sujeito passivo desenvolve na área geográfica/território do município recetor, objetivando a respetiva autoliquidação, em primeira linha, contribuir para colmatar as necessidades financeiras deste, na medida, proporcional, da pegada deixada, por aquele, nas suas infraestruturas, serviços, imobilizado corpóreo… Ademais e em situações, como a que nos ocupa, de, isoláveis, parcelas de rendimentos auferidos no estrangeiro, só esta forma de entender e operar, permite alcançar um resultado equitativo e materialmente justo; por um lado, assegura os desígnios tributários do município da sede do sujeito passivo, com a incidência sobre a parcela de lucro tributável gerado no seu território e por outro, liberta o obrigado tributário de pagar sobre rendimentos que, objetiva e comprovadamente, não foram auferidos pelo exercício de qualquer atividade (produtiva) dentro dos limites territoriais do concelho, onde se encontra sediado, com a inerente não utilização das respetivas infraestruturas... Igualmente, só desta forma se consegue algum tratamento igualitário entre as situações de tributação de rendimentos auferidos na área de mais do que um município nacional, através de estabelecimentos estáveis ou representações locais, em que a coleta não pertence, apenas, àquele em que se situa a sede (ou direção efetiva) e os casos de atividades exercidas, simultaneamente, em Portugal e no estrangeiro (Nas primeiras, tenha-se em conta que, no estabelecimento da proporção que determina o lucro tributável a imputar à circunscrição de cada município, se opera com a “massa salarial”, ou seja, com um fator ligado à relação de trabalho, estabelecida entre o sujeito passivo e as pessoas que exercem a sua atividade sob as suas ordens e direção, o que constitui mais um indício da vontade do legislador de ligar e condicionar o pagamento de derrama municipal à atuação concreta, efetiva, com utilização da força de trabalho, geradora de rendimentos, no território municipal respetivo).

Obviamente, não é incorreto afirmar (como na sentença recorrida) que, na LFL, “nada … se refere à exclusão de tributação relativamente ao lucro tributável obtido fora do território nacional, sendo certo que o Código de IRC ao estabelecer, relativamente a tais pessoas colectivas …, a regra de extensão da incidência da obrigação do imposto a tais rendimentos, nos termos do nº 1, do artº 4º, do CIRC, …”. Porém, retirar, daí, a conclusão de que, em todas as situações, sem exceção, o lucro tributável (com inclusão dos rendimentos obtidos fora do território português) é integralmente sujeito a derrama, afigura-se-nos exagerado e entender de forma cega, quanto às especificidades desta, concreta, figura tributária. Na verdade, consideramos evidente (em sintonia com a doutrina) que a disciplina legal da derrama municipal nasceu e permanece, há mais de 30 anos, pouco incisiva e desenvolvida, “relativamente ligeira”. Ora, neste cenário, compete ao juiz aplicar, sempre, a lei de forma geral e abstrata, mas sem deixar de atentar, casuisticamente, em particularidades justificativas de, pela via jurisprudencial, se ir completando o puzzle, assumidamente, incompleto, da tributação, dos sujeitos passivos de IRC, em derramas municipais. Deste modo, assumimos que o lançamento de derrama devendo, por regra, imperativa, incidir sobre o lucro tributável sujeito e não isento de IRC, tem de, quando possível a destrinça, comprovada, por não se tratarem de rendimentos gerados na área geográfica do município lançador, retirar, da competente base de incidência, aqueles que, num determinado exercício, forem obtidos fora do nosso território (e, consequentemente, dos municípios portugueses, os beneficiários, exclusivos, daquela)".

Esta posição tem vindo a ser seguida pelos diversos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD, salientando-se. a título exemplificativo, as decisões arbitrais de 15/3/2022, processo 554/2021-T; de 27/5/2022, processo 720/2021-T; de 28/11/2022, processo 234/2022-T; de 16/1/2025, processo 969/2024-T; de 25/1/2025, processo 917/2024-T, de 27/3/2025, processo 947/2024-T; de 24/1/2025, processo 1111/2024-T, de 15/4/2025, processo 946/2024-T; e de 24/2/2025, processo 1130/2024-T.

Efectivamente, o art. 18º, nº1, da Lei das Finanças Locais, refere o seguinte:

 

"Os municípios podem deliberar lançar uma derrama, de duração anual e que vigora até nova deliberação, até ao limite máximo de 1,5%, sobre o lucro tributável sujeito e não isento de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), que corresponda à proporção do rendimento gerado na sua área geográfica por sujeitos passivos residentes em território português que exerçam, a título principal, uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola e não residentes com estabelecimento estável nesse território".

 

Desta disposição resulta claramente que a derrama apenas pode incidir sobre o rendimento gerado na área geográfica do município, o que naturalmente exclui os rendimentos gerados no estrangeiro. 

É assim de concluir que as autoliquidações de derrama municipal objecto de impugnação violam essa disposição, porquanto os rendimentos gerados fora do território nacional, designadamente os lucros auferidos por via de participação social numa sociedade participada não residente, devem ser excluídos do lucro tributável e, como tal, não podem contribuir para o cálculo da derrama municipal lançada pelo município.

Face a tudo quando acima fica dito, entende o Tribunal que os actos tributários de autoliquidação da Derrama Municipal respeitante aos exercícios de 2019 e 2020, sobre o montante do lucro tributável gerado no estrangeiro enferma de erro de direito gerador da sua anulabilidade e, consequentemente, as liquidações de derrama municipal são ilegais, sendo igualmente ilegal o despacho de indeferimento que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa, devendo anular-se as liquidações da derrama que incidiram sobre os aludidos rendimentos

 

15. Em relação ao preenchimento dos pressupostos do art. 78º, nº1, da LGT, salienta-se que o mesmo refere que "a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços".

 O acórdão do STA de 8 de Março de 2017, proferido no proc. 01019/14, em sintonia com jurisprudência constante do mesmo Tribunal, o seguinte:  “Sobre o denominado “erro imputável aos serviços” tem a jurisprudência desta secção uniforme e reiteradamente afirmado que o respectivo conceito compreende não só o lapso, o erro material ou o erro de facto, como também o erro de direito, e que essa imputabilidade é independente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na liquidação afectada pelo erro (vide, entre outros, os seguintes Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: de 12.02.2001, recurso nº 26.233, de 11.05.2005, recurso 0319/05, de 26.04.2007, recurso 39/07, de 14.03.2012, recurso 01007/11 e de 18.11.2015, recurso 1509/13, todos in www.dgsi.pt.).”.  

Como se salientou na decisão deste CAAD de 17/7/2023, proferida no processo 211/2023-T, em princípio, quanto às autoliquidações de IRC em si, levadas a efeito pela Requerente, não poderia considerar-se a existência de erro dos serviços, por parte da AT, porque se trata de factos em que não participou.  

No entanto, no caso concreto, provou-se que tais autoliquidações resultaram de que “aplicação informática imposta pela Autoridade Tributária e Aduaneira para preenchimento da declaração modelo 22 de IRC impõe que no campo 1 do quadro 3, do Anexo A ("Derrama Municipal”), da declaração Modelo 22 de IRC, seja indicado o lucro tributável constante do campo 302, do quadro 9, da referida declaração”. Ora, esse facto gera uma situação análoga à prevista no n.º 2 do artigo 43º da LGT.

Verificado que se encontra preenchido o requisito da existência de erro imputável aos serviços, desnecessário se torna examinar o caso de injustiça grave e notória na tributação.

Resulta assim que o pedido de revisão oficiosa não poderia ter sido indeferido, como o foi, sendo esse indeferimento ilegal.

 

— DO EVENTUAL DIREITO A JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

16. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objetco da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

A Requerente pede juros indemnizatórios, nos  termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.  

Ora, essa alínea c) do n.º 3 artigo 43.º da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios "quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária". 

Ora, neste caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 11/6/2024 e foi decidido em 25/7/2024.                

Assim, é manifesto que não decorreu mais de um ano entre a data do pedido e a da decisão, pelo que não se verifica o pressuposto exigido pela alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, invocada pela Requerente.  

Por isso, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto ao pedido de juros indemnizatórios.

 

III - Decisão

Termos em que se decide:

a) Julgar improcedentes as excepções invocadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira;  

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa n.º ...2024... e anulação parcial das autoliquidações de IRC plasmadas na declaração periódica de rendimentos Modelo 22 de IRC, n.º..., de 12 de Junho de 2020, referente ao exercício de 2019, e na declaração Modelo 22 de IRC, n.º..., de 17 de Junho de 2021, referente ao exercício de 2020, na parte relativa à determinação do valor da derrama municipal;     

c) Julgar procedente o pedido de reembolso de quantia paga e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente o valor da derrama municipal indevidamente suportado;     

d) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios. 

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 99.307,12, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor económico do pedido, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, do RJAT, e 4.º, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 1 de Julho de 2025,

   

 

Os Árbitros

 

(Fernando Araújo)

 

(Luís Menezes Leitão)

 

 

 

(Vasco Branco Guimarães)