Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 1147/2024-T
Data da decisão: 2025-07-02  IRS  
Valor do pedido: € 15.742,62
Tema: IRS - reinvestimento de mais-valias. Habitação própria e permanente.
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SUMÁRIO 

I.      Para que opere a exclusão tributária prevista no n.° 5 do art. 10.° do CIRS (exclusão da tributação do ganho obtido mediante a alienação onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo) a lei impõe que o respectivo ganho seja reinvestido, na aquisição de um diferente imóvel e que este também tenha como destino a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

II.    Para efeitos do disposto neste normativo, o conceito de habitação própria permanente não equivale ao conceito de domicílio fiscal.

 

DECISÃO ARBITRAL

O Árbitro João Santos Pinto, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante designado apenas por CAAD) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 02/01/2024, decide no seguinte:

 

1. Relatório

A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º..., Lisboa, ...-... Lisboa, (adiante designado por “Requerente”), requereu a constituição de Tribunal Arbitral e apresentou pedido de pronúncia arbitral (“PPA”), nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante designado por “RJAT”), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (adiante designada por “AT” ou “Requerida”).

O Requerente peticiona ao Tribunal Arbitral que declare a ilegalidade, e a consequente anulação da decisão da Reclamação Graciosa e do Pedido de Revisão Oficiosa e da liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) n.º 2019... e respetivo acto de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2019 ... no montante global de 17.575,29€ e do acto de liquidação de IRS com o n.º 2024 ..., todos relativos ao ano de 2017, bem como a decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa n.º ...2020... e da decisão de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa n.º ...2023... .

O requerimento de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 21/10/2024, tendo sido aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD na mesma data e seguido a sua normal tramitação.

Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 11/12/2024, foram as Partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD. 

 

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 02/01/2025.

No dia 03/01/2025, foi a Requerida notificada para apresentar Resposta nos termos do artigo 17.º do RJAT. 

Em 30/01/2025, a Requerida apresentou Resposta, e juntando aos autos o processo administrativo no mesmo dia.

Em 06/02/2025, o Tribunal Arbitral proferiu o seguinte Despacho Arbitral: 

Para a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, também destinada a produção de prova testemunhal, designo o dia 28 de fevereiro de 2025, às 10h00.

Notifique-se a Requerente para informar o CAAD se as testemunhas irão estar presentes nas instalações do CAAD de Lisboa ou do Porto e ambas as partes para informar se os mandatários participam na diligência presencialmente nas instalações do CAAD de Lisboa ou do Porto ou on-line via WEBEX.

A inquirição teve lugar no dia 28/02/2025, na sede do CAAD em Lisboa.

No final da inquirição o Tribunal notificou a Requerente e a Requerida para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.

A audiência foi gravada e dela foi lavrada acta junta aos autos.

Em 18/03/2025 o Requerente apresentou alegações.

Em 02/04/2025 a Requerida apresentou alegações. 

Em 02/06/2025 o Requerente juntou aos autos comprovativo de pagamento da taxa arbitral subsequente.

 

Posição do Requerente

Resumidamente, o Requerente alega que, até Fevereiro de 2017, viveu num imóvel sito na Rua ... n.º ... em Lisboa, com a ex-companheira, tendo vendido esse imóvel após o término da relação. Em Março de 2017, adquiriu a fração “Q”, sita na Rua ..., n.º..., localizada em ... em Lisboa, na qual passou a residir com a nova companheira, B..., até Setembro de 2017, data da sua venda.

Por outro lado, sustenta que durante esse período:

  • Viveu de forma efetiva e permanente na fracção “Q”.
  • Organizou ali a sua vida pessoal, pernoitava, tomava refeições e recebia visitas.
  • A fracção estava mobilada, tinha condições de habitabilidade (água, eletricidade, gás) e serviu de única residência.
  • Após a venda, adquiriu a fração “B”, sita na ..., também em Lisboa, onde passou a residir, com o objetivo de constituir família, dada a maior adequação do novo imóvel.

Na sua opinião, a AT fundamentou a exclusão do benefício fiscal no facto de o Requerente não ter alterado o domicílio fiscal para a fração “Q”. No entanto, defende que o conceito de “habitação própria e permanente” não depende da formalidade do domicílio fiscal, mas sim da realidade material da ocupação do imóvel como residência habitual.

Sustenta que, ainda que. a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a alteração do domicílio fiscal é uma formalidade administrativa, não sendo condição essencial para beneficiar da exclusão de tributação das mais-valias ao abrigo do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

 

Por essa razão, sustenta o Requerente que face à prova produzida, cumpriu todos os requisitos legais para beneficiar da exclusão de tributação da mais-valia relativa à fracção “Q.

 

Posição da Requerida

Sumariamente, a AT considera que para ser considerada habitação própria e permanente, é necessário comprovar a afetação efetiva e habitual do imóvel como residência. Tal conceito exige permanência regular, prática de atos normais de vida quotidiana (refeições, descanso, higiene, convívio, etc.) e a intenção clara de fixar residência.

Sustenta que, o Requerente nunca alterou o seu domicílio fiscal para a morada da fração “Q”, o que era condição sine qua non para poder beneficiar do regime de exclusão das mais-valias imboliárias.

Em qualquer dos casos, no seu entender, a prova documental apresentada (apenas uma fatura de eletricidade da EDP) não foi considerada suficiente, já que:

  • A fatura foi enviada para outra morada.
  • O consumo indicado era uma estimativa.
  • Não foram apresentadas faturas de água, internet, gás ou outras despesas correntes que evidenciem a efetiva ocupação do imóvel.

Defende igualmente que a prova testemunhal, por si só, não é bastante para demonstrar a afetação do imóvel a habitação própria e permanente, sobretudo face à inexistência de suporte documental consistente.

Deste modo, conclui que, não se verifica qualquer ilegalidade na liquidação contestada pelo facto de não ter ficado provado que a fracção “Q” tenha sido efetivamente afecta a habitação própria e permanente do contribuinte. Pelo que, entende não estarem reunidos os requisitos legais previstos no artigo 10.º, n.º 5 do CIRS para exclusão de tributação.

Deste modo, os ganhos resultantes da venda do imóvel devem ser tributados, aplicando-se a regra geral de tributação das mais-valias imobiliárias.

E, por último, entende não existir qualquer erro imputável aos serviços, não havendo deste modo qualquer lugar a juros indemnizatórios.

 

2. Saneamento

O Tribunal Arbitral Singular é competente e foi regularmente constituído. 

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (cf. artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º, ambos do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março). 

O processo não enferma de nulidades.

 

3. QUESTÃO DECIDENDA

Face à exposição das partes nos respetivos articulados e aos documentos apresentados, a questão controvertida nos presentes autos é a de saber se a fracção autónoma “Q”, localizada em ..., Lisboa, constituía ou não a sua habitação própria e permanente, para efeitos de aplicação da exclusão de tributação prevista no n.º 5 do artigo 10.ºdo CIRS (com a redação em vigor à data de 2017, ano da respetiva aquisição e venda), relativamente à mais-valia gerada com a sua venda e, nesse âmbito, se tal qualificação depende necessariamente do domicílio fiscal declarado ou se este constitui apenas uma presunção, suscetível de ser ilidida mediante prova em contrário.

 

4. Matéria de Facto

4.1. Factos Provados

Analisada a prova produzida no âmbito do presente Processo Arbitral, este Tribunal Arbitral Singular considera provados, com relevo para a presente Decisão Arbitral, os seguintes factos:

A)           O Requerente apresentou em 31/05/2018 a declaração modelo 3 do IRS referente ao ano de 2017. [Cf Doc. n.º 18 PPA])

B)            No quadro 4 do Anexo G da referida declaração, o Requerente declarou mais-valias resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre a Fração Autónoma designada pela letra “C”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, situado na Rua..., n.º..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo n.º ... (...-U-...) e Fração Autónoma designada pela letra “Q” do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, situado na Rua ..., n.º..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo n.º ... (...-U-...). [Cf Doc. n.º 18 PPA]

C)           Tendo declarado, no quadro 5 do Anexo G, campo 5008, reinvestimento de 70.000,00€, resultante do valor de realização da fração autónoma “Q”:

 

 

 

 

[Cf Doc. n.º 18 PPA]

D)            Reinvestimento esse utilizado para a aquisição da fração autónoma designada pela letra “B”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na ..., número ... e..., em Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ... da freguesia de ..., concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número dois mil quatrocentos e dezassete, da freguesia de ..., concelho de Lisboa (com a identificação ...-U-...), conforme se verifica no campo 5008 a 5011 do anexo G. [Cf Doc. n.º 18 PPA]

E)            Da referida declaração (voluntária) resultou a Liquidação de IRS n.º 2018..., no montante de 7.632,95€, o qual o Requerente pagou [Cf. Docs. n.ºs 19 e 20 PPA].

F)            A referida declaração foi selecionada para análise pela AT que alegou as seguintes divergências “Residência do titular diferente do imóvel objeto do reinvestimento e/ou comprovação dos valores de empréstimos ou de valores de reinvestimento declarados”, conforme notificação datada de 06/06/2018 [cf. Doc. n.º 21 PPA]

G)           Posteriormente, em 2019, veio a AT emitir declaração oficiosa, com as seguintes correções (conforme Ofício n.º ... de 13.08.2019 e Ofício n.º ... de 03.09.2019 da Administração Tributária. [Cf Doc 22 PPA]

H)           Dando origem ao acto de Liquidação de IRS n.º 2019 ... e respetivo acto de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2019..., no montante total de 17.575,29€ – corrigido parcialmente pelo ato de liquidação de IRS n.º 2024..., após decisão da reclamação graciosa.

I)             Após emissão do ato de liquidação supra referido, o Requerente apresentou, em 30.06.2020, Reclamação Graciosa, a qual foi indeferida.

J)             E, após tal indeferimento, apresentou Recurso Hierárquico [Cf doc. n.º 8 PPA]

K)           Após o qual foi revogada a anterior decisão administrativa de indeferimento da reclamação graciosa, de 11/12/2020,

L)            Tendo a AT, após nova análise da Reclamação Graciosa apresentada pelo Requerente, proferido Decisão Final da Reclamação Graciosa, onde entendeu que os valores declarados pelo Sujeito Passivo no anexo G, para efeitos de exercer o direito de reinvestimento em nova habitação própria e permanente e, consequentemente, ficar excluído (total ou parcialmente) de mais-valias nos termos do artigo 10.º, n.º 5 do CIRS, não foram considerados pois que o Requerente não procedeu à comunicação de alteração do domicílio fiscal para a fração Q (cujo valor de realização foi reinvestido). [Cf doc. n.º 3 PPA]

 

4.2. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.

 

4.3. Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto 

A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral Singular e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais, requerimentos e documentos apresentados pelas Partes ao presente Processo Arbitral.

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta(m) o pedido formulado pelo autor, conforme n.º 1 do artigo 596.º e n.º 2 a 4 do artigo 607.º, ambos do Código Processo Civil (CPC), aplicável ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, e consignar se a considera provada ou não provada, conforme n.º 2 do artigo 123.º Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), aplicável ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas, conforme n.º 5 do artigo 607.º do CPC. Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, conforme artigo 371.º do Código Civil) é que não domina, na apreciação das provas produzidas, o princípio da livre apreciação.

Foram ouvidos na qualidade de testemunhas B..., C... e D... . Foi ainda ouvido o Requerente em sede de declarações de parte. 

A testemunha B... confirmou especificamente que vivia com o Requerente, à data dos factos, em comunhão de leito, mesa e habitação na fracção “Q” de onde se pôde aferir que se tratava da habitação própria e permanente dos mesmos. A circunstância de se tratar da companheira do próprio Requerente não suscitou qualquer reparo por parte deste Tribunal, porquanto o testemunho foi prestado de forma clara, coerente e isenta, não tendo sido colocada em causa a sua credibilidade.

Tendo as outras testemunhas C... e D... confirmado igualmente que a fracção “Q” era a habitação própria e permanente do casal.

Todas as testemunhas demonstraram estar recordadas dos factos e prestaram depoimento de forma clara, precisa e isenta, razão pela qual mereceram a credibilidade deste Tribunal.

Acresce que, a circunstância da fatura da electricidade da fracção “Q” ter como morada de envio de correspondência a anterior morada do Requerente parece-nos irrelevante face a toda a matéria provada. A este propósito mostra-se credível o alegado pelo Requerente, em sede de declarações de parte, quando refere que o respectivo contrato de electricidade foi efectuado com base no contrato promessa de compra e venda e que indicou a morada da sua residência à data por não dispor de outra. Por outro lado, a faturação por estimativa é uma prática comum nos contratos de fornecimento de eletricidade, não permitindo, por si só, retirar ilações quanto à efetiva (não) utilização do imóvel como residência habitual.

Deste modo, as declarações de parte do Requerente, apreciadas em conjugação com os demais meios probatórios constantes dos autos assumem, valor probatório complementar, reforçando o convencimento deste Tribunal quanto à veracidade dos factos alegados.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas Partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.

A factualidade provada teve por base os documentos juntos ao processo e na prova testemunhal. As testemunhas depuseram, no essencial, de forma coerente, sustentada e reveladora de domínio das razões de ciência com relevo para a prestação de informação. 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental, a prova testemunhal, bem como o processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados.

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

5. Matéria de Direito

No caso dos autos está em discussão se o reinvestimento realizado com a aquisição da supra mencionada fracção “Q”, pode beneficiar da exclusão prevista no n.º 5 e n.º6 do artigo 10.º do CIRS (em vigor à data dos factos), ainda que o Requerente não tenha alterado o domicílio fiscal para a morada dessa residência.

Conforme previa o n.º 5 e n.º 6 do artigo 10.º CIRS:

5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições:

a) O valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respetiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;

b) O reinvestimento previsto na alínea anterior seja efetuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização;

c) O sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respetivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação;

6 - Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos doze meses após o reinvestimento;

b) Nos demais casos, o adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

Resulta assim do supra citado dispositivo normativo que os ganhos resultantes da venda onerosa de imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar podem ser excluídos de tributação, desde que todas as condições abaixo sejam cumulativamente verificadas:

a) Reinvestimento do valor de realização

  • valor de realização (valor da venda),
  • deduzido do saldo em dívida de eventual empréstimo contraído para compra do imóvel vendido,
  • deve ser reinvestido em:
  • Aquisição de propriedade de outro imóvel,
  • Aquisição de terreno para construção de imóvel e/ou respetiva construção,
  • Ampliação ou melhoramento de outro imóvel,
  • Exclusivamente com destino a habitação própria e permanente,
  • Situado em Portugal ou noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que exista intercâmbio de informações fiscais.

b) Prazo para reinvestimento

  • O reinvestimento deve ser efetuado:
  • Entre os 24 meses anteriores à venda,
  • E os 36 meses posteriores à data da venda.

c) Manifestação da intenção de reinvestir

  • O sujeito passivo deve declarar a intenção de reinvestir,
  • Indicando o montante a reinvestir,
  • Na declaração de IRS referente ao ano da venda do imóvel.

Compulsados os autos, verifica-se que a discordância da AT se prende concretamente com o reinvestimento em habitação própria e permanente na fracção “Q” precisamente pelo facto de o Requerente não ter alterado o domicílio fiscal para essa morada.

Contudo, relativamente à tese da AT verifica-se uma primeira dificuldade porquanto não está expressamente previsto no respectivo n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, em vigor à data dos factos, que a habitação própria e permanente tenha que corresponder forçosamente ao domicílio fiscal.

Acresce ainda que, com a entrada em vigor dos números 10 a 13 do artigo 13.º do CIRS por força da Lei 82-E/2014 de 31 de Janeiro, quanto ao domicílio fiscal, foi clarificado que:

10 - O domicílio fiscal faz presumir a habitação própria e permanente do sujeito passivo que pode, a todo o tempo, apresentar prova em contrário.

11 - Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se preenchido o requisito de prova aí previsto, designadamente quando o sujeito passivo:

a) Faça prova de que a sua habitação própria e permanente é localizada noutro imóvel; ou

b) Faça prova de que não dispõe de habitação própria e permanente.

12 - A prova dos factos previstos no número anterior compete ao sujeito passivo, sendo admissíveis quaisquer meios de prova admitidos por lei.

13 - Compete à Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar a falta de veracidade dos meios de prova mencionados no número anterior ou das informações neles constantes.

Ou seja, conforme se pode verificar, constata-se que o conceito de domicílio fiscal e habitação própria e permanente são conceitos distintos. Isto é, o legislador conferiu a exclusão de tributação das mais-valias no caso de reinvestimento apenas no caso de habitação própria e permanente. Ao invés, poderá ocorrer situação distinta em que o domicílio fiscal, do ponto de vista formal, é alienado, contudo se o mesmo não corresponder à habitação própria e permanente do alienante, não poderá, de igual modo, beneficiar da mesma exclusão.

Assim para Xavier de Basto (José Guilherme, “IRS -Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, ob. cit. pág.413), “o objectivo geral do regime de exclusão da incidência é, pois, não embaraçar a aquisição, imediata ou mediata, de habitação própria e permanente financiada com o produto da alienação de um outro imóvel a que fora dado o mesmo destino. Usa-se uma técnica de roll over, que torna não tributáveis essas mais-valias enquanto os valores de realização forem reinvestido sem imóveis também destinados à habitação …”.

Pelo que não assiste razão à AT ao invocar que o pressuposto “habitação própria e permanente” é a situação de facto que condiciona a isenção do IMI, porquanto essa situação não se aplica a este caso concrecto.

A este propósito, tal como decidido no Acórdão do STA de 14/11/2018, processo n.º 01077/11.9BESNT 01448/17, entendimento ao qual se adere:

Aliás, diferentemente do que se verifica neste âmbito do rendimento sujeito a IRS, para efeitos do IMI e de isenção (Que não poderá equiparar-se à exclusão tributária aqui em questão.) ali prevista, tratando-se de um benefício fiscal objectivo ("propter rem"), a lei expressamente consigna (n° 9 do art. 46° do EBF) que «para efeitos desse artigo» se considera «ter havido afectação dos prédios ou partes de prédios à habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se aí se fixar o respectivo domicílio fiscal

Ou seja, no caso previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS impera a realidade material em que o legislador concede a exclusão quando o imóvel corresponde efectivamente à sua habitação própria e permanente.

Tal como igualmente decidido no supra citado Acórdão do STA:

No supra transcrito nº 5 do art. 10º do CIRS explicita-se que não estão sujeitos a imposto os ganhos provenientes de transmissão de imóvel destinado a habitação própria e permanente, seja do sujeito passivo, seja do agregado familiar deste (daqui decorrendo que a habitação própria permanente do sujeito passivo – que é o que releva para este efeito – poderá ser distinta da do seu agregado familiar), não se equiparando, portanto, o conceito de habitação própria permanente ao conceito de domicílio fiscal. Sendo que também o nº 6 do mesmo normativo, relevando a necessidade de afectação do imóvel a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, não refere o domicílio fiscal.

No mesmo sentido, veja-se a título meramente exemplificativo o Acórdão do STA 0114/15.2BELLE de 01/07/2020 e a decisão CAAD, processo n.º 63/2020-T de 20/01/2021.

Voltando ao caso dos autos.

Incumbia ao Requerente a prova dos factos, tal como previsto no aludido n.º 12 do artigo 13.º do CIRS.

Compulsada a prova documental, nomeadamente as escrituras de compra e venda, verifica-se que com cada aquisição e respectiva alienação, o(s) produto(s) da venda e o(s) empréstimo(s) bancários subjacentes eram efectivamente reinvestidos e necessários à(s) nova(s) aquisição (ões). Quanto à fracção “Q” propriamente dita, a prova testemunhal foi determinante para complementar a prova documental no sentido de apurar de que se tratava efectivamente da habitação própria e permanente do Requerente.

Por outro lado, acresce que, a circunstância do Requerente não ter alterado o seu domicílio fiscal não impede que possa beneficiar da supra mencionada exclusão, dado que, insiste-se, a própria norma assim não o exige – apenas refere “habitação própria e permanente” e não “domicílio fiscal”. Pelo que, dúvidas não restam que a fracção “Q” correspondia de facto à habitação própria e permanente do Requerente. 

Deste modo, o reinvestimento da venda da fracção “C” na compra da fracção “Q” e a sua consequente venda e reinvestimento na fracção “B”, subsume-se na norma prevista do n.º 5 do CIRS, pelo que o Requerente beneficia da exclusão das mais-valias.

Por conseguinte, procede o pedido efetuado pelo Requerente. 

Assim sendo é de considerar ilegal por violação de lei, o ora actos tributários de liquidação em sede de IRS.

Destarte, na sequência da anulação do ato impugnado, o Requerente terá direito a ser reembolsado dos impostos indevidamente pagos, o que é efeito da própria anulação parcial, por força dos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT.

 

- DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

Peticiona, ainda, o Requerente o pagamento de juros indemnizatórios. 

Perante o exposto, a liquidação do IRS na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal. 

Na verdade, ficou demonstrado que o Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem o Requerente direito a ser paga dos juros indemnizatórios devidos, juros esses que deverão ser contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento desde o início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT. 

Por conseguinte dá-se provimento ao pedido do Requerente.

 

6. Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a)             Ser anulado o despacho de Indeferimento Parcial da Reclamação Graciosa, na parte relativa ao artigo 10.º, n.º 5 do CIRS (mantendo-se no que diz respeito à correção das despesas para efeitos do artigo 51.º CIRS);

b)             Ser anulado o despacho de Indeferimento do Pedido de Revisão Oficiosa;

c)             Ser anulado o acto de liquidação de IRS com o n.º 2019 ... e respetivo acto de liquidação de Juros Compensatórios com o n.º 2019..., bem como o acto de Liquidação de IRS com o n.º 2024..., tudo com as necessárias consequências legais, designadamente o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 100.º, 43.º, n.º 1, todos da LGT, artigo 61.º, n.º 5 do CPPT e artigo 24.º, n.º 5 do RJAT;

d)             Ser a Requerida condenada a reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade no acto de liquidação em causa, nos termos do artigo 100.º da LGT, designadamente, reembolsando o Sujeito Passivo de todos os valores pagos indevidamente.

e)             Condenar a Requerida nas custas processuais.

 

6. Valor do processo

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1 do CPPT e no artigo 3.º, nº. 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em  15.742,62.

 

7. Custas arbitrais

Nos termos do disposto na Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor das custas do Processo Arbitral em € 918,00, a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 22.º, n.º 4, e 13.º, n.º 1, ambos do RJAT.

Notifique-se.

Lisboa, 2 de Julho de 2025

O Árbitro,

João Santos Pinto